1932 – janeiro a maio
1932 – janeiro a maio
“O Século”, 3/1/1932
A Nota da Semana
[Abismo imenso, que só o sectarismo poderia transpor]
A Nota da Semana não poderia deixar de se ocupar do desastrado acontecimento que, há dias atrás, veio trazer mais um golpe profundo aos sentimentos religiosos dos paulistas.
Um militar que, a título interino, ocupa a interventoria1, à qual foi elevado por uma mera casualidade que o colocou em uma evidência com a qual nunca sonhara, julga-se no direito de perturbar profundamente a paz religiosa do Estado, para impor aos católicos paulistas seus pontos de vista de acanhado sectarismo, com o rótulo de liberdade de consciência!
Muito barulho levantou o célebre decreto sobre a mendicância, em que o Interventor, estribando-se em alegações absurdas, revogou o próprio Código Penal.
[O Interventor Federal exorbitou de suas funções ao negar aplicação do decreto sobre o ensino religioso]
Não lhe fica atrás seu último decreto sobre o ensino religioso, no qual os princípios mais elementares do Direito são abertamente violados. §
É certo que a função de regulamentar os decretos federais cabe ao Interventor. Nestas condições, poderia S. Ex.a ter modificado o decreto do Dr. Laudo de Camargo, como bem lhe parecesse.
Nunca poderia, porém, negar toda e qualquer regulamentação ao decreto federal que institui o ensino religioso no Brasil, porquanto isto importa em negar pura e simplesmente aplicação a um decreto promulgado pelo Governo federal, para vigorar em todo o Brasil.
Exorbitou portanto, evidentemente, o Sr. Interventor de suas funções, e com isto pôs implicitamente em cheque o próprio sistema federativo.
Efetivamente, o decreto ataca a unidade do Brasil sob dois pontos de vista fundamentais: 1) visa quebrar a unidade religiosa, elo poderosíssimo que liga de norte a sul todos os nossos Estados, numa admirável comunhão de idéias; 2) quebra a unidade legislativa da Nação, negando a um Estado os benefícios que a todos os outros se concedem.
[O Governo Provisório negará ao povo paulista a justiça que a altos brados reclama?]
Contra um tal abuso da autoridade, por parte de um funcionário federal, cabia recurso ao Chefe do Governo Provisório. Usando de seus direitos de Pastor e Chefe, o Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano2 telegrafou ao supremo magistrado da Nação, pedindo-lhe que restabelecesse entre nós a justiça e o direito violados.
Temos o direito de esperar do Governo Provisório medidas prontas e eficazes, que forçosamente se impõem como necessárias ao espírito jurídico do Sr. Maurício Cardoso, Ministro da Justiça.
Devemos, no entanto, confessar que tais medidas já se estão fazendo esperar há diversos dias.
Trairá o Governo Provisório sua alta missão de mantenedor da unidade nacional, negando ao povo paulista a justiça que a altos brados reclama? Levará ele a preocupação política a ponto de abandonar seus mais sagrados deveres?
Só o futuro o dirá. Esperemos… sem esperança.
[Na Idade Média, Igreja e Estado, apoiando-se reciprocamente, colaboravam em estreitíssima união]
Outro disparate do Sr. Interventor Federal se encontra no curioso telegrama que passou ao Bispo de Campinas, e no qual repetia uma afirmação já feita em telegrama anterior ao Abade do Mosteiro de São Bento: fora a Igreja, na Idade Média, quem estabelecera o regime da separação entre o poder espiritual e o poder temporal.
Esta afirmação foi haurida em Augusto Comte. Nem por isto é verdadeira. § De fato, a imensa maioria das nações antigas não fazia distinção alguma entre o poder temporal e o espiritual. Ora era a Igreja que dominava o Estado teocratizado, ora era o Estado que reduzia à mais humilhante vassalagem o poder espiritual.
A Igreja, na Idade Média, estabeleceu uma distinção entre os dois poderes, colocando cada qual na sua esfera de ação peculiar, investido da necessária independência, mas, ao mesmo tempo, colaborando estreitamente um com o outro, como exige a própria natureza das respectivas funções.
Nem o Estado era teocrático, nem a Igreja era um mero departamento da administração pública. Igreja e Estado, porém, apoiando-se reciprocamente, colaboravam em estreitíssima união, para a consecução de seus respectivos ideais.
Entre esta situação e o agnosticismo absurdo do Sr. Interventor, contra o qual se levantaram a indignação e a cultura de Teixeira Mendes, chefe da Igreja Positivista do Brasil, há um abismo imenso que só o sectarismo do Sr. Interventor poderia transpor.
***
“O Legionário”, nº 93, 31/1/1932, p. 1
Huysmans – I
Plinio Corrêa de Oliveira
A literatura de nossos dias, acorrentada à sensualidade, está em franca crise de assuntos. Esta crise é, mesmo, o mais sério problema [com] que têm de lutar todos os literatos hodiernos.
O cinema, o romance, a novela, a poesia, tudo enfim está assolado por uma tremenda crise de temas.
Os enredos giram eternamente em torno de casos amorosos. Ora, os aspectos amorosos da vida, por mais que nos modernizemos, só podem dar lugar a quatro combinações: ou são duas pessoas casadas que abandonam seus respectivos lares para constituírem juntas um terceiro, sobre os escombros da felicidade de seus primeiros cônjuges; ou é uma pessoa casada que se apaixona por uma solteira, culminando a paixão numa ruptura dos laços conjugais; ou a ruptura não se dá, mas morre oportunamente o cônjuge embaraçoso, de sorte que o viúvo ou viúva pode, mal fechado o caixão do defunto, atirar-se nos braços [abertos do amante e serem felizes para sempre; ou]3 duas pessoas solteiras, que se tributam mutuamente um amor combatido barbaramente por um sogro implacável.§
Estes casos comportam, evidentemente, algumas variantes. Ou o crime corta o nó górdio de uma vida supérflua, que ameaçava durar demais; ou o adultério brutal põe termo a uma situação incômoda; ou o cônjuge supérfluo se suicida discretamente, para deixar o lugar a seu sucessor mais feliz.§
Evidentemente, porém, estas combinações também são limitadas, e se esgotam ao cabo de algum tempo. De tal sorte que, quem se entrega assiduamente à leitura de romances durante cinco anos, fica conhecedor de todo o estoque amoroso de nossas livrarias. E, com um pouco de argúcia, poderá ver, logo ao ler as primeiras páginas, qual o desfecho da história, desfecho este que depende das inclinações do autor, e dos sentimentos e posição que atribui aos personagens do romance.
Um autor que [consiga romper]4 este círculo vicioso, para ingressar em um campo novo, é evidentemente um Cristóvão Colombo do espírito, que abre para a inteligência continentes novos, mundos inexplorados.
É o que se dá com Huysmans, um dos mais estranhos e admiráveis escritores do século passado.
Seu mérito foi o de ter sabido confeccionar as mais espantosas [tramas]5 literárias que se possam imaginar, abstraindo totalmente de complicações amorosas.
[O vácuo tremendo na vida de Huysmans]
J. K. Huysmans, literato naturalista, residente em Paris, encontrou-se, a certa altura de sua vida, mergulhado em tremenda crise intelectual. Suficientemente lúcido para abominar seu século, mas destituído de qualquer amparo sentimental em alguma amizade sólida ou afeição de família profunda, Huysmans, ao mesmo tempo que se isolava cada vez mais do convívio de todos, fazia dentro de si um vácuo tremendo.
Tendo abandonado todos os seus amigos, destruído todas as suas antigas ilusões, perdido todos os seus parentes, vivia isolado em Paris, em pequeno quarto, onde passava dias infindáveis, em companhia de um gato, a maldizer indefinidamente o século XIX.
[Em contacto com a abjeção e a infâmia das manifestações diabólicas]
Foi então que conheceu um pseudo-médico, Des Hermies, fidalgo, déclassé6, que freqüentava rodas de espíritas, de mágicos, astrólogos, etc., no bas-fond7 canceroso que existe em Paris.
A princípio, seduziu-o no amigo o cunho original e misterioso de sua vida. Esta sedução se acentuava à medida que ia privando com as pessoas mais chegadas a Des Hermies, todas elas atacadas de um misticismo acatólico e doentio, que exalava os miasmas da mais absoluta putrefação espiritual.
Levado por suas inclinações de diletante, Huysmans não recuou à vista de tal ambiente.
Sobreveio-lhe, nessa ocasião, em condições misteriosas, um convite para que assistisse a uma missa negra, celebrada em honra do demônio por um sacerdote privado de ordens sacras.
Excitada fortemente sua curiosidade, aceita o convite e é conduzido a um lugar estranho, em que se amontoam mulheres e homens carregados com o peso de todos os vícios e de todas as baixezas. Sobre o altar, um Cristo rindo num rictus ignóbil, ultrajante. Toca uma sineta, entra o sacerdote. Começa a missa, entre contorções dos presentes. Quando chega o momento da consagração, o sacerdote pronuncia as palavras sacramentais, banhado em suor, a voz repassada de ódio, o olhar carregado de estranhos eflúvios diabólicos. Distribui a Sagrada Eucaristia aos presentes, que a profanam abominavelmente. Gargalhadas satânicas, blasfêmias tremendas, insultos implacáveis, nada se poupa ao Corpo adorável de Nosso Senhor.
Manifestações evidentemente diabólicas irrompem por todos os lados. É o triunfo de Satanás, glorificado pelos assistentes num delírio de abjeção e de infâmia.
Enojado, ferido nos poucos sentimentos que ainda lhe restavam, Huysmans se esgueira pela porta e foge espavorido.
[O ódio do demônio à Sagrada Eucaristia prova que a Igreja Católica é verdadeira]
Desde então uma grande preocupação assaltou sua inteligência, e acabou trazendo-o submisso aos pés da Igreja. § Vira o demônio, vira o espírito das trevas, urdindo contra a Sagrada Eucaristia as mais tremendas infâmias.
Ora, refletia ele, se o demônio, de cuja existência já não posso duvidar, odeia a hóstia consagrada pelos sacerdotes católicos, é porque realmente ela é o Corpo de Cristo. Logo, a Igreja Católica é verdadeira.
Daí uma conversão dolorosa, penosa, que se vai arrastando através de inúmeras lutas, de combates sem fim, travados contra a carne rebelde às injunções da vontade, e o espírito rebelde às exigências da Fé.
[Êxtase diante das belezas da liturgia e das igrejas católicas]
Quando entra em uma igreja, extasia-se diante das belezas da liturgia católica. Sua alma se eleva até os pés de Deus ao som do órgão, ao desenrolar grave e compassado da música sacra.
Poucas almas, como a sua, sentiram as belezas do cantochão. Sua descrição do De Profundis, do Miserere e da Missa de defuntos são as mais belas páginas que tenha lido em minha vida.
Freqüentando assiduamente as igrejas de Paris, a todas surpreende nas suas horas de mais intensa sentimentalidade.
Ora é Notre Dame de Paris, retendo nas suas ogivas seculares uns restos de claridade coada através dos vitrais, enquanto some no céu, lentamente, tristemente, um sol crepuscular. Ora é uma igreja operária, na qual observa detidamente as mulheres paupérrimas, os mendigos, os operários exaustos, os miseráveis dos arrabaldes de Paris, que vêm dirigir a Deus, depois de um dia de intenso trabalho, preces infindáveis, enquanto, de dentro do tabernáculo, o Senhor invisível os consola, repetindo mudamente o sermão da montanha: “Bem-aventurados os que choram, os que sofrem, os que têm sede de justiça”…8
[A difícil aproximação dos Sacramentos]
No entanto, Huysmans ainda não ousou aproximar-se dos Sacramentos. Recai no pecado com tal facilidade, que nem se atreve a aproximar-se do tremendo tribunal da Penitência.
Resolve, então, ir fazer um retiro numa Trapa.
Começa aí a parte culminante de seu segundo livro, En route9, de que me ocuparei no próximo artigo.
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“O Século”, 7/2/1932
A Nota da Semana
[Situação que só pode encontrar antipatia e repulsa por parte da elite paulista]
A Nota da Semana do dia 24 p.p. expunha o ponto de vista do “Século” em relação às tendências esquerdistas do Grupo dos Tenentes.
Estas tendências, que se manifestaram insidiosamente durante o governo do Coronel João Alberto (cujo irmão, juntamente com outros elementos, fazia a mais aberta campanha comunista, e que recebia constantemente, para jantar no palácio, os leaders do comunismo brasileiro), tiveram no governo do ingênuo Coronel Rabello uma explosão inábil e violenta.
Quando se lêem os decretos do atual Interventor, verifica-se facilmente que não é só o positivismo que lhe inspira as desastradas medidas governamentais. De envolta com um agnosticismo intratável, o atual Interventor manifesta freqüentemente um igualitarismo muito mais próximo de Lenine do que de Augusto Comte. Algumas vezes, seu rancor à hierarquia social vai a ponto de não se contentar com um mero nivelamento de classes: estabelece a aristocracia dos mendigos, dos sans-culottes,10 dos proletários.
[Estranho igualitarismo do Interventor: as senhoras mendigas; a cidadã esposa do Chefe de Estado]
Examinemos alguns de seus decretos. Seria de se esperar que a abolição do tratamento de senhor, e sua substituição pelo de cidadão, fosse escrupulosamente respeitada nos documentos oficiais. No entanto tal não se deu. Enquanto uma parte da população passou a ser tratada por cidadão, outra parte continuou a desfrutar do cerimonioso tratamento de senhor. E em benefício de quem se rompeu a igualdade tão desejada pelo Interventor? Das classes ricas? Dos plutocratas? Dos reacionários? Não, em benefício dos mendigos. Assim é que o célebre decreto, instituindo entre nós a absurda liberdade de mendigar, se referia às mendigas dizendo senhoras. Se amanhã o Interventor tiver que ter qualquer contato oficial com a Ex.ma Sr.a Getúlio Vargas, que por sua posição é incontestavelmente a Primeira Senhora do Brasil, tratá-la-á simplesmente de cidadã, recusando-lhe uma honraria que às mendigas se concede.
É este o estranho igualitarismo do Interventor, que resulta praticamente na aristocratização da ralé!
[Fúria igualitária do atual Interventor]
Do mesmo modo, a recente resolução do Diretor do Departamento da Administração Municipal, que, pelo cunho frondeur11 de seus considerandos e pela sua linguagem deselegante trai a influência do Cel. Rabello, determina que um representante do Governo do Estado deve assistir ao enterro dos indigentes. Por que só dos indigentes? Por que não têm as outras classes sociais direitos iguais aos indigentes, que a fúria igualitária do atual Interventor quer erigir em classe privilegiada? Por que motivo deve a sociedade considerar mais meritório um indigente, que pode ter sido freqüentemente um esbanjador, um perdulário ou um incorrigível vadio eternamente a cargo de seus semelhantes, do que qualquer outra das classes operosas da sociedade? Por que razão o médico, o advogado, o engenheiro, o padre, não gozam de honraria igual à dos indigentes?
É claro o pensamento do Interventor que, no entanto, não o quis manifestar: o indigente é uma vítima da injustiça do regime da propriedade privada; como tal, é conveniente que o Estado lhe tribute, a título de reparação, as honras póstumas. Ora, se tivermos a coragem de prosseguir no raciocínio do Interventor, chegaremos à seguinte conclusão: se o indigente é vítima de uma injustiça, cumpre que esta cesse quanto antes. Por esta razão, não é suficiente que o Estado se limite a conduzi-lo à sepultura. Convém também que, passando desta cortesia inócua a uma ordem de providências mais radicais, comece por suprimir a indigência, por meio da repartição das fortunas, etc., etc.
Eis onde conduz o igualitarismo do Interventor, quando examinamos seus princípios cuidadosamente ocultos, mas que muito bem se conhecem através das deploráveis aplicações práticas que tem tido.
Por que motivo insistem os militares do Club 3 de Outubro em manter aqui um Interventor contrário aos interesses paulistas e à própria ordem social?
Note bem o Club que, uma vez que não retira seu apoio a um Interventor que está evidentemente animado de uma ideologia contrária à ordem social, virtualmente apóia tal ideologia. E que, portanto, se tem sido hostilizado pelos elementos sadios e conservadores, não é porque estes não queiram admitir qualquer intervenção do Club na política, mas sim porque o Club, graças aos nefastos delegados que tem escolhido, se coloca em uma situação na qual só antipatia e repulsa pode encontrar por parte da elite paulista.
P. C. O.
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Discurso pronunciado no II Congresso do Centro Dom Vital,
de São Paulo, a 12/2/1932. Transcrito em “A Ordem”,
nº 25, de março de 1932, pp. 182-188.
A Igreja e a República
Aceitei com verdadeiro entusiasmo a árdua incumbência de defender os princípios da Santa Sé em um problema complexo e delicado que tem aureolado com a coroa de espinhos do sofrimento a fronte veneranda dos últimos Pontífices que se têm sucedido no Trono de São Pedro.
Trata-se das relações a serem estabelecidas entre a Igreja e o Estado, no genuíno regime republicano.
[O Catolicismo é compatível com as várias formas de governo: monárquica, aristocrática e democrática]
Segundo a doutrina tradicional da Igreja, que a Santa Sé tem proclamado incessantemente, o Catolicismo é compatível com todas as formas de governo, sejam elas monárquicas, aristocráticas ou democráticas.
Não têm faltado, no entanto, católicos desorientados que sustentam que apenas a monarquia é compatível com o Catolicismo. E, por outro lado, já houve quem sustentasse que somente a democracia se poderia enquadrar dentro dos legítimos princípios católicos!
Vemos portanto que, com essas duas doutrinas errôneas, a Igreja seria arrancada ao excelso trono de sua missão sobrenatural, para ser arrastada às lutas políticas em que se digladiam interesses exclusivamente humanos.
Como se não bastasse tal situação, apareceram adversários da Igreja que, acusando-a de mero instrumento político nas mãos das classes chamadas reacionárias, consideravam-na incompatível, quer nos seus princípios, quer na sua ação concreta, com o genuíno regime republicano.
Era evidente a intenção que ditara tal calúnia: dado o apego das populações à forma de governo republicana, se a opinião pública visse na Igreja uma adversária da democracia, certamente abandonaria quaisquer princípios religiosos.
Tal calúnia, que, como veremos, foi totalmente desfeita na França pela política genial de Leão XIII, está sendo ainda utilizada pela maçonaria espanhola na sua perseguição contra os ínclitos filhos de Santo Inácio. E agora, quando a consciência católica do Brasil, enfim despertada de seu sono criminoso, começa a exigir das autoridades o respeito devido a seus direitos fundamentais, ainda é a maçonaria que procura insinuar, no Congresso pró Liberdade de Pensamento, ora reunido no Rio Grande do Sul, as mesmas falsidades, características, aliás, de sua política tortuosa e amoral, e das quais se depreende que está na própria essência do regime republicano, atualmente o nosso, encerrar-se no mais absoluto agnosticismo oficial. Não será supérfluo, pois, recordar os princípios cardeais segundo os quais a Igreja resolve a questão das formas de governo, sobranceira sempre à ignorância ou má-fé de seus adversários.
[Na Idade Média, as diversas formas de governo viviam à sombra da Igreja]
Quando irrompeu na Europa católica do século XVI o sinistro tufão do protestantismo, a organização política de todos os povos era, em seus traços gerais, modelada segundo os princípios cristãos.
Formas de governo, havia-as de toda sorte, apresentando mesmo uma diversidade muito maior do que em nossos dias, o que atesta o gênio político dos estadistas medievais. Efetivamente, a forma de governo deve ser a expressão dos interesses peculiares a cada país, formulada dentro das regras traçadas pelo Direito Natural. E este conceito é suficiente para demonstrar o erro dos estadistas modernos, que importam quaisquer produtos comerciais. Tivemos, assim, o absurdo de uma constituição norte-americana transplantada para o Brasil. E, segundo informação seguríssima que tive – fato característico – autoridades checoslovacas pensaram em transportar para sua pátria a Constituição brasileira. Como se entre os Estados Unidos, a Checoslováquia e o Brasil houvesse o menor traço de semelhança nos princípios evolutivos das nacionalidades e no temperamento e caráter dos respectivos povos!
Havia, na Idade Média, monarquias hereditárias, como a França, a Espanha e a Rússia. Havia também monarquias eletivas, como os Estados Pontifícios, a Polônia e o Santo Império Romano Alemão, que a pena injusta e maliciosa de Voltaire dizia não ser santo, nem império, nem romano, nem alemão.
Ao lado dessas monarquias havia também repúblicas que se governavam de acordo com os princípios democráticos, como as cidades flamengas, ou aristocráticos, como a Veneza dos Doges.
E, estabelecendo ligação entre formas tão diversas, uma única característica constante se notava no direito público da época: a pretensão oficial de respeitar – ao menos em tese – os princípios cristãos de organização político-social.
Todas as formas de governo viviam, portanto, à sombra da Igreja, aprovadas por Ela, e freqüentemente formadas lentamente ao sopro vivificador das próprias autoridades eclesiásticas.
[A doutrina de São Tomás de Aquino sobre as formas de governo]
Justificando com a doutrina esta situação de fato, São Tomás de Aquino, o representante mais autorizado do pensamento medieval, nos legou os seguintes princípios, até hoje desposados pela Igreja.
O homem, sociável por natureza, foi criado por Deus com qualidades tais, que sua vida em sociedade só se torna possível mediante a existência de um poder público que governe e coordene para o bem comum as atividades individuais.
Decorre daí que a autoridade existe no Estado por disposição da Vontade divina, e que obedecer à autoridade pública é obedecer indiretamente ao próprio Deus. Nisto e só nisto consistem a origem e o caráter divino da autoridade, segundo a Doutrina Católica.
A escolha, no entanto, dos indivíduos que devem ser investidos das funções da autoridade pode ser processada indiferentemente por transmissão hereditária ou por eletividade.
E as funções inerentes à autoridade podem ser acumuladas nas mãos de uma só pessoa, como nas monarquias; de uma classe, como nas aristocracias; ou distribuídas pela coletividade, como nas democracias.
Portanto, o caráter divino da autoridade reside na própria autoridade, independentemente de seu modo de transmissão e de exercício.
Em uma palavra, é divina a autoridade monárquica, como a democrática ou a aristocrática.
Como, por outro lado, a monarquia, a aristocracia e a democracia apresentam respectivamente vantagens que lhes são peculiares, servem todas à sua finalidade, que é o bem comum. Todas elas são, portanto, legítimas.
Eram estes os princípios professados pela inteligência serena e luminosa de São Tomás, em plena Idade Média. E estes princípios encontravam a aquiescência, quer de tratadistas e doutrinadores, quer de homens de Estado, que os concretizavam na estupenda diversidade de formas de governo, que há pouco comentávamos.
Fatos de uma notoriedade incontestável provam, portanto, a neutralidade tradicional da Igreja em relação às diversas formas de governo.
[Quando os reis quiseram se transformar em deuses, os povos se arvoraram em reis]
Irrompido o tufão protestante, que coincidiu com uma crescente centralização das velhas monarquias feudais, começaram a circular novas doutrinas políticas que abstraíam dos princípios da Igreja, quando não os combatiam abertamente.
O que caracterizou em grande parte a queda do mundo medieval foi, na ordem religiosa, a decadência da influência da Igreja, com a irrupção da Reforma, e, na ordem civil, a absorção das aristocracias, em benefício do absolutismo real.
Absolutismo e protestantismo, que nasceram simultaneamente de acontecimentos e erros irmãos, não poderiam deixar de se prestar, daí por diante, mútuo e eficaz apoio no terreno da doutrina, contra a Igreja e a aristocracia, que constituíam os mais sólidos esteios dos aspectos cristãos da organização medieval.
Assim é que, ao bafo insalubre dos autores inspirados pelo protestantismo, começaram a germinar doutrinas que deslocavam o poder real da legítima posição em que o colocara o Doutor Angélico, para imaginar uma delegação direta e personalíssima feita por Deus ao soberano, que passava a ser, assim, responsável perante Deus, e só Deus, por seus atos. Tal delegação implicava, praticamente, em uma alienação do poder divino em benefício dos monarcas, isentando-os da vigilância da Igreja e dos freios que, à sua onipotência, impunha a aristocracia.
Para comprová-lo, bastará citar, além de todos os desvarios de um Luís XIV, que se julgava a encarnação onipotente do Estado também onipotente, as características instruções dirigidas pelo protestante Rei Carlos de Inglaterra, vítima de Cromwell, a seu filho, e em que o infortunado monarca declarava que os reis eram pequenos deuses – textual – que a Providência colocava sobre os tronos para a representar.
O resultado não se fez esperar muito. Quando os reis se quiseram transformar em deuses, os povos se quiseram arvorar em reis. Estava virtualmente rompido o equilíbrio da organização política. E este equilíbrio começou – fato notável – por se romper na ordem religiosa, o que atesta mais uma vez que é a paz religiosa o fundamento verdadeiro e único de toda a paz social.
[A Igreja promove o perfeito equilíbrio entre os direitos individuais e os da sociedade]
Uma das características da sociologia católica, e que a Igreja procurou introduzir, tanto quanto possível, na organização medieval, é o perfeito equilíbrio que consegue entre os direitos individuais e os direitos da sociedade. Esta, constituída em benefício do indivíduo, encontra neste toda a sua razão de ser. Longe desta doutrina uma estranha mística do Estado, que pretenderia edificar a felicidade coletiva sobre os escombros da felicidade individual. E, por outro lado, longe também desta doutrina um liberalismo iníquo e absurdo, que pretenderia fundar a paz e a ordem social sobre a vontade, isto é, o capricho livremente expandido dos indivíduos.
Com o absolutismo, rompeu-se o equilíbrio da sociologia católica, extremando-se então duas correntes, cada vez mais acentuadas em suas respectivas orientações. Por um lado, crescia a onipotência do Estado, expressa então na onipotência real, e, por outro lado, surgia um liberalismo anárquico, resultante das doutrinas de Rousseau. E o curioso é notar-se que tais doutrinas, evidentemente ligadas por um nexo íntimo, se conjuravam para operar com mais eficácia a derrocada da organização monárquica.
Com a explosão da Revolução Francesa, tais orientações triunfaram simultaneamente, e desse triunfo resultou a atual concepção contraditória de organização social: de uma parte, um Estado onipotente, cuja ação despótica não conhece limites nem barreiras, e, de outro lado, um povo virtualmente entregue a uma quase anarquia, graças ao afrouxamento de toda a ação repressiva contra os agentes destruidores da ordem religiosa, política e social.
Antes que tais erros se acumulassem, fruto, como vimos, da doutrina protestante e errônea da onipotência real, não faltaram a povos e reis as objurgatórias da Igreja, chamando-os à voz do bom senso e da razão. Assim é que Vieira, na sua Arte de Furtar1213, dedicada ao próprio rei D. João IV (Capítulo L), dizia: “E se alguém cuidar que só de Deus, e não do povo, recebem os reis o poder, advirta que esse é o erro com que se perdeu a Inglaterra, e abriu a porta às heresias, com que se fez Papa o rei, admitindo que recebia os poderes imediatamente de Deus, como os Sumos Pontífices”. Bossuet, por seu lado, dizia, depois de fazer argumentações em benefício da legitimidade da república: “Les formes de gouvernement ont été mêlées en diverses sortes, et ont composée divers États mixtes. Nous voyons en quelques endroits de l’Écriture Sainte, l’autorité résider dans une communauté” (citado por L. Derôme, no prefácio ao livro de Maquiavel, Le Prince, Ed. Garnier, p. XXX). E também Fénélon (Essay sur le Gouvernement Civil, cap. X) dizia, sobre o caráter divino e intangível da autoridade: “Ce que nous venons d’avancer ne se borne point à la royauté toute seule, commme si nous étions des idolatres. La conspiration de Catilina contre le Sénat romain n’était pas moins criminelle que celle de Cromwell contre le roi d’Angleterre”.
Assim, até mesmo no apogeu do absolutismo, a Igreja não cessou de afirmar, nos próprios palácios dos reis, sua doutrina limitadora do absolutismo real, e pode-se mesmo dizer que foi ela quase a única organização de então que se insurgiu realmente contra o poder absoluto dos monarcas, como seria ela a única que mais tarde se insurgiria contra a tirania mil vezes pior do populacho infrene.
[A crise intelectual, inclusive nos meios católicos, que se seguiu à Revolução Francesa]
Vitoriosos os princípios da Revolução Francesa na França, alastrou-se o republicanismo delirante e satânico (De Maistre, Du Pape, discurso preliminar) dos sans-culotte e do Ça-ira, como um incêndio devorador, por quase todos os países ocidentais.
E é apenas graças à neutralidade da Igreja em tais questões, e ao cunho religioso da presente reunião, que passo em silêncio o deplorável efeito concreto que os princípios, em si legítimos, da república produziram nos últimos dois séculos.
O formidável caos de idéias que se constituiu depois da Revolução e as condições absolutamente imprevistas em que se apresentava o mundo tornaram muito delicada e por vezes embaraçosa a aplicação dos princípios católicos às situações de fato que iam surgindo. Em torno da Igreja, as paixões humanas teceram uma larga rede de calúnias e de equívocos. E tão densa se tornou tal rede que a mão paternal dos Pontífices, não podendo desemaranhá-la pela persuasão e bondade, teve de cortá-la como o nó górdio de Alexandre, com excomunhões e penalidades.
Seria longo historiar a crise intelectual por que passaram os católicos franceses, com referência ao problema das formas de governo. Para resumir, basta dizer que enquanto alguns católicos se entregavam às mais extravagantes tentativas, procurando conciliar o Catolicismo com o socialismo e o próprio comunismo, outros, alarmados pela ação nefasta e anticlerical da república francesa, se apegaram à monarquia, a ponto de declarar que a Igreja só deveria reconhecer como legítima a forma de governo monárquica!
A Igreja, depositária de princípios eternos, não poderia abandonar em caso algum sua neutralidade tradicional. Aconselhou, exortou, doutrinou sem resultados apreciáveis. Daí uma dupla série de crises que, distanciadas entre si pelo tempo, se ligam intimamente pelo significado; em primeiro lugar, a condenação de Lamennais, e depois [a] do Sillon, que pretendiam forçar a Igreja a reconhecer a legitimidade apenas da democracia. E mais tarde a excomunhão da Action Française, que pretendia impor à Igreja a condenação da forma republicana.
Tais fatos demonstram cabalmente a inflexível independência da Santa Sé e sua rigorosa e imparcial neutralidade. No entanto, as lojas maçônicas, eternas exploradoras da mentira e do dolo, afirmavam que a Igreja era inimiga do regime republicano, e que, por sua vez, este significava forçosamente laicismo, quando não ateísmo de Estado.
Vimos como os fatos condenam tais afirmações, hoje repudiadas pelos próprios anticlericais franceses. Isto, infelizmente, não impediu que a maçonaria espanhola não se pejasse de reeditar as mesmas calúnias, cediças e gastas, contra a heróica Companhia de Jesus. E não impediu também que o congresso pró-liberdade de consciência, reunido no Rio Grande do Sul, renovasse em terras brasileiras uma afirmação insidiosa, que só pode viver à sombra da ignorância!
[A democracia exige uma aplicação muito mais profunda dos princípios católicos]
Está solucionada a primeira questão. A Igreja não é incompatível com a república. Será a república, ou antes, a democracia, incompatível com a Igreja?
Quanto à sua organização, evidentemente não. Nada obsta a que em um país em que se pratique o sufrágio universal e se aceitem a liberdade e a igualdade dentro de seus justos limites, se creia em Deus, se O reconheça como o Criador e Senhor da Nação, e se lhe respeitem os direitos intangíveis. Brilhante exemplo disto é a República Argentina, onde a Igreja é unida ao Estado e os direitos de Deus são respeitados, sem que por isto sofram o menor desvio os princípios republicanos!
Não me limitando a esta constatação, afirmo ainda que a democracia, no sentir de São Tomás de Aquino e de escritores católicos que Leão XIII parece aprovar, é em si uma forma de governo legítima, mas inferior às demais (São Tomás, Summa I, 103, 3, De Regimine Principum 1, 2, 3, 5 e outros, citados na Rev. da Fac. Fil. e Letras, Ano XV, pp. 70-72). Isto não significa que, em circunstâncias concretas determinadas, a democracia não possa ser preferível. Em si, porém, é inferior.
E, a meu ver, tal inferioridade só encontra paliativo em uma aplicação muito mais profunda dos princípios católicos do que nas monarquias e aristocracias.
A democracia coloca nas mãos do povo o poder público. Assim, pois, exige de todos os cidadãos, além das virtudes individuais e privadas, grande soma de virtudes políticas. A abnegação, o desinteresse, a dedicação pelos princípios que se adotam etc., são indispensáveis para que o cidadão desempenhe convenientemente suas funções políticas. Ora, é incontestável que a mais segura garantia da moralidade se encontra na formação religiosa séria da nação.
Em uma monarquia, seria suficiente que o poder real fosse cristão, para que os perigos do Estado se vissem, ao menos passageiramente, conjurados. Em uma aristocracia, bastaria que fossem cristianizadas as classes dirigentes. Em uma democracia, é necessária a cristianização de todas as classes. De sorte que se conclui que a democracia e a verdadeira república democrática carecem tanto mais de espírito religioso quanto mais generalizam a aplicação dos princípios liberais.
Aliás, as massas têm muito menos perspicácia, cultura e firmeza, do que aristocracias ou monarquias. De sorte que é necessário que elas tenham um grau suficientemente alto de virtudes morais que compense a deficiência das qualidades intelectuais.
Por outro lado, a responsabilidade moral do povo pelos destinos da nação, na democracia, está desacompanhada de qualquer sanção penal ou civil, ao contrário do que pode suceder nas aristocracias e monarquias14. A responsabilidade do voto, como observa o liberalíssimo Bryce (La République Americaine, l. III, Cap. LXXXV), dividida por uma multidão de eleitores, dá a cada qual a noção da impotência de seu voto individual. Daí decorre a ilusão de que comete uma ação pouco ou nada nociva e censurável quem votar de acordo com os seus interesses e relações, e não conforme as necessidades do país.
Generalizai esta ilusão, e está patente o perigo que só se conjura com uma profunda formação religiosa.
Eis, meus senhores, as conclusões a que não pode deixar de chegar uma análise desapaixonada.
[É preciso que a República abandone o laicismo que nos tem infelicitado]
Diante do que expus, pergunto: como conceber uma república sem instrução religiosa sólida e profunda? Como conceber uma república que não oficialize o culto de seus cidadãos, para dar mais influência e prestígio às forças morais de que ela precisa para viver sem descambar na demagogia? Como conceber uma república que não procure ministrar a seus soldados instrução religiosa séria, para que não se enfraqueça no Exército, por uma extensão abusiva dos princípios liberais, a noção da disciplina?
Demonstra-se assim, sobejamente, que se a República brasileira não quiser decair para a demagogia – perigo mais próximo do que supomos – comprometendo definitivamente o futuro da Pátria, deverá adotar uma política largamente católica, abandonando de vez o laicismo tremendo que até hoje nos tem infelicitado.
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“O Legionário”, nº 94, 21/2/1932, p. 2
Huysmans – II
En route
Em um de nossos últimos artigos15, consagrado à estupenda obra de J. K. Huysmans, comentávamos seu livro Là-bas16, que é o primeiro da série que escreveu sobre sua dolorosa e interessante evolução espiritual, que acabou por conduzi-lo ao verdadeiro porto da salvação, isto é, à Igreja.
Là-bas, como os leitores devem estar lembrados, conta como Huysmans, mergulhando no satanismo, nas abominações da magia negra, das missas sacrílegas, das profanações atrozes, viu despertar em sua alma as primeiras inquietações religiosas.
Estas, que encontraram terreno propício em um espírito de escol, trabalhado profundamente pelo horror que lhe causava a época em que vivia (século XIX), e pela solidão que o cercava no domínio sentimental, foram crescendo gradualmente de intensidade, até determiná-lo a ocupar-se decididamente do problema religioso.
Nessa altura termina o Là-bas, e começa o En route.
[Os lampejos de sobrenaturalidade que se desprendem de todos os aspectos da vida católica]
Aproximado, pelos acontecimentos, de um sacerdote francês inteligente e virtuoso, Huysmans começa a freqüentar as cerimônias religiosas católicas, que despertaram nele impressões indeléveis que nos legou em páginas magistrais.
Suas descrições da tristeza tenebrosa do De profundis, das imprecações ardentes do Miserere, da alegria exultante do Magnificat, são páginas literárias que glorificam o idioma em que foram escritas.
Aliás, constitui a obra de Huysmans uma aplicação interessantíssima do naturalismo a assuntos religiosos, aspecto este que a enche de originalidade.
Sob o ponto de vista estritamente religioso, interessava principalmente o gênero novo de apologética que Huysmans tentou instituir.
Não o preocupam os argumentos filosóficos, as contendas científicas, em que os silogismos se digladiam pró ou contra a Fé. Já dissera o poeta francês que, à force de raisonner, on perd la raison17.
Faz da Igreja uma descrição material e objetiva, através da qual procura fazer ressaltar, com inimitável habilidade, os lampejos de sobrenaturalidade que se desprendem da liturgia magnífica, enriquecida por um simbolismo comovedor, do cantochão estupendo, nas suas imprecações veementes, no tumultuar de suas contrições, na explosão de seus surtos de confiança na Providência Divina, no lacrimejar harmonioso de seus ofícios de defuntos.
Impressionam-no sobremodo as ordens religiosas, nas quais vê, com razão, a cristalização do espírito evangélico.
Fascinam-no as penitências das carmelitas, as austeridades implacáveis das beneditinas e das sacramentinas, os rigores das regras monásticas em geral.
Entre todas, porém, uma Ordem chama sua atenção, pela estupenda beleza de seus princípios constitutivos: a dos Trapistas.
Resolve-se, então, impulsionado pelos conselhos de seu amigo sacerdote, a fazer em uma Trapa longínqua um retiro de alguns dias.
Entra-se então na parte mais interessante do livro.
[Aqueles para os quais o ouro é o único ideal da vida profanam os assuntos desta natureza]
Cumpre dizer que, à maneira dos antigos cristãos, que proibiam aos pagãos a assistência aos mistérios sagrados, sentimos o desejo de vedar a leitura do que se segue a espíritos incrédulos, que terão provavelmente, para a incomparável beleza moral da vida trapista, o riso estulto ou o trocadilho alvar com que um hotentote comenta a complicação – para ele inútil – de um mecanismo moderno, cujo funcionamento está acima de sua compreensão.
Segundo o dogma da Comunhão dos Santos, cuja aceitação é imposta pela Igreja a todos os fiéis, os sofrimentos de uma alma podem ser aplicados em expiação dos pecados de outra. Satisfeita, assim, a Justiça Divina, pode a Misericórdia incitar o pecador à conversão.
A importância das ordens religiosas que, na contemplação de Deus e na penitência incessante, encerram (deveríamos dizer sepultam) criaturas, durante toda uma vida, em conventos humílimos, para expiar assim as ignomínias do mundo pecador, participa, portanto, de toda a elevação moral do Santo Sacrifício do Calvário.
É certo que os sibaritas, tão freqüentes no século XX, inquietados em seus gozos pela visão de tanta abnegação e de tanto sofrimento, pretenderão qualificar de selvageria desumana tal procedimento.
É certo que a algumas pessoas, para as quais o ouro é o único ideal da vida, e que consideram o homem exclusivamente segundo o que produz, o trapista é um inútil, pois que sua atividade não rende.
Suas apreciações profanam tais assuntos. Melhor seria que se calassem sobre assuntos alheios à sua compreensão!
[As Trapas provam que a Igreja não perdeu a seiva que alimentava os mártires]
Foram tais as considerações que ocuparam Huysmans em sua viagem de Paris à Trapa.
Sua impressão, quando se habituou à vida do convento, foi a de um verdadeiro deslumbramento.
Monges plácidos e austeros, invariavelmente vestidos de branco, se dedicavam, dentro de uma reclusão perpétua, a trabalhos manuais, e especialmente à oração e à penitência, que lhes consumiam a vida. Como cama, uma prancha de madeira. A alimentação, de um rigor extremo, era exatamente o necessário para impedir que os monges adoecessem gravemente, vitimados pela fome. Por toda a parte, o silêncio. Só uma voz falava: a da contrição e da reparação, expressas através de todas as atitudes e de todas as ações.
As Trapas constituem a mais magistral resposta aos que afirmam que a Igreja perdeu a seiva que alimentava os mártires dos primeiros séculos do Cristianismo. Se é certo que é necessário um heroísmo sobre-humano para que se possa alguém sujeitar aos tormentos do Coliseu, também é certo que a agonia de uma vida inteira, escoada lentamente entre os cilícios e as mortificações, constitui tormento que a todos excede, pelo rigor e pela provação que impõem à perseverança.
Certa noite, Huysmans, inquieto, não conseguia dormir. Levantou-se então e dirigiu-se à capela, que supunha deserta. Quando entrou, divisou vagamente, através da penumbra que coava pela clarabóia de uma cúpula, os vultos brancos dos trapistas, que furtavam às suas poucas horas de sono o tempo necessário para alimentar seu espírito na oração.
Alguns, curvados pela humildade, se prostravam no chão. Outros, como chamas de velas que se dirigem ao alto, erguiam o busto numa atitude de imprecação ardente, de súplica veemente, que só a pena de Huysmans consegue descrever. Outros, enfim, abatidos pela enormidade dos pecados do mundo, que deveriam expiar, numa atitude de profunda contrição gemiam um Miserere.
Lentamente, a manhã penetra através da clarabóia. As formas brancas precisam seu contorno, ainda banhadas na claridade suave da aurora. Raia enfim o sol. Todos os trapistas se dirigem para os bancos. Toca o sino e irrompe radioso o Salve Regina.
[Profunda contrição, aos pés de um trapista]
A observação de tais cenas atuou profundamente no ânimo de Huysmans, que, enfim, resolvido a confessar seus pecados, se prostra aos pés de um trapista, a quem, em profunda contrição, confia todos os seus delitos contra Deus e contra os homens. No dia imediato, comunga. Feita assim sua integração no Catolicismo, retira-se da Trapa com recordações imorredouras. E o En route cede lugar ao Oblat.
Plinio Corrêa de Oliveira
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“O Século”, 28/2/1932
A Nota da Semana
Enquanto culmina, no Extremo Oriente, a luta entre japoneses e chineses, convém acentuar alguns aspectos do conflito que a grande imprensa, sempre parcial e facciosa, deixa intencionalmente na sombra.
[O poder lendário do exército soviético, uma mentira política]
Trata-se, primeiramente, da atitude estranha do governo soviético perante a invasão japonesa, que evidentemente fere os mais delicados interesses russos e bolchevistas na Ásia.
O lendário poder do exército soviético, ao que parece, se reduz a mais uma mentira política, lançada habilmente pelos bolchevistas que, se fracassaram em tudo, certamente não fracassaram na arte de iludir.
Efetivamente, bolchevistas e antibolchevistas, todos eram unânimes em salientar o imenso poder dos exércitos vermelhos que, como nova horda de bárbaros, deveriam assolar um dia o mundo civilizado, para destruir o regime capitalista.
Couraçados ingleses, canhões alemães, submarinos yankees, fuzis franceses, tudo parecia inútil para conter a avalanche rubra que os comunistas ameaçavam jogar sobre a Europa.
No entanto, o Japão, pequeno país insulado no Pacífico, se atreve a zombar do poderio russo, e é secundado pela imobilidade da própria Rússia, que se conserva num silêncio e num indiferentismo que traem o medo!
Se fossem poderosos os exércitos vermelhos, nenhuma dúvida haveria: o Japão já teria tido diante de si uma Rússia que nunca consentiria na terrível humilhação que os soviets acabam de sofrer. Mas o fato é que a Rússia se trai: pelo que agora se vê, nem o próprio exército é organizado e capaz de combater, num país onde a inversão de todos os princípios básicos da sociedade acarreta uma incapacidade absoluta de organização, de qualquer departamento que seja, da administração pública.
[O declínio da China e a ascensão do Japão]
Vamos agora ao outro aspecto. Nos círculos chegados ao Vaticano, vê-se, ao que parece, com muita simpatia, o triunfo das armas japonesas. A China já não constitui propriamente uma nação. Grupos de generais, que se aliam freqüentemente a hordas de salteadores, dividiram o Império Celeste de forma a não ser mais possível a constituição de nenhum governo regular. E, coisa curiosa, todos ou quase todos os efêmeros governos regionais perseguem as populações, oneram-nas com tremendos impostos e destroem quase sistematicamente os estabelecimentos católicos.
A própria população chinesa, desejosa de viver em paz, vê com prazer o triunfo do Japão! Este, portanto, longe de ser o invasor iníquo e audaz, que alguns nos querem pintar, é um verdadeiro libertador do povo e da Igreja, contra as façanhas de um grupo de condottiere18, em cujas mãos, desgraçadamente, a China caiu.
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“O Século”, 20/3/1932
A Nota da Semana
[Médico, cura-te a ti mesmo]
É curioso o concerto de elogios, partidos de todos os arraiais anticatólicos, desde o ateísmo até o protestantismo, passando pelo positivismo, que se ergue agora em honra do ex-Interventor, Coronel Rabello.
Tais elogios, ditados evidentemente pelo sectarismo anticatólico, encontram sua expressão mais significativa na entrevista concedida pelo Sr. Maurício Cardoso19, e em um artigo do Sr. João Ribeiro, no “Estado de S. Paulo”, de 4ª feira p.p.
Exaltam ambos a tolerância do ex-Interventor positivista. Ora, esta tolerância, que, por razões provavelmente políticas, se manifestou em relação às competições partidárias, faltou inteiramente ao ex-interventor, no tocante ao problema religioso.
E estranhamos apenas que a formação jurídica do espírito do Sr. Maurício Cardoso não tenha levado S. Ex.a a censurar a intolerância intratável do decreto positivista com que o Coronel Rabello revogou o ensino religioso, exorbitando de seus poderes de Interventor, e insurgindo-se assim, muito injuridicamente, contra uma das poucas normas constitucionais conservadas pela Revolução, de que ainda restam vestígios entre nós.
[Alvo de um ridículo merecido]
O Sr. João Ribeiro, por sua vez, depois de tecer comentários elogiosos à tolerância do ex-interventor, atribui a manifesta impopularidade em que este caiu ao ato humanitário com que aboliu a regulamentação da mendicância.
S. S.a parece ignorar que a impopularidade do decreto não proveio do cunho humanitário que procurava ostentar, mas do indisfarçável ridículo de seus numerosos considerando. Tal decreto, que foi transcrito na íntegra, e sem comentários, pela “Manha”, do Rio de Janeiro, valeu ao ex-interventor sua inclusão imediata no quadro de colaboradores do espirituoso periódico de Apporely.§
O Coronel Rabello absolutamente não foi, portanto, uma vítima inocente de seu humanitarismo, que teria chocado os corações maldosos, mas o alvo de um ridículo merecido com que a opinião pública punia sua incompetência para o exercício das funções a que o guindara o acaso dos sucessos políticos.
Aliás, não foi somente em relação à mendicância que tal incompetência se manifestou. Não compreendemos, por exemplo, como poderia um governo esclarecido restaurar a ridícula saudação saúde e fraternidade, tradução errônea do salut et fraternité francês, cujo significado real é, em bom português, saudação e fraternidade. Este deplorável erro de tradução, que acarretaria, para um ginasiano, uma reprovação implacável, encontrou, graças ao republicanismo rubro do ex-Interventor, acolhida em nossos documentos oficiais.
[Intolerância e sectarismo dos livres-pensadores]
É interessante que, em seu artigo, afirma o Sr. Ribeiro que o ex-Interventor não tem espírito sectário, pois que adota o livre-pensamento.
Ao que suponho, o Sr. João Ribeiro também é livre-pensador. Ora, S. S.a incorre em evidente sectarismo quando entende que, para não ter espírito sectário, é necessário pensar como S. S.a Já por aí pode o ilustre escritor verificar que também o livre-pensamento produz alguns espíritos sectários, dos quais S. S.a é um.
Aliás, é ainda mais manifesto o espírito sectário de S. S.a quando, no In Memoriam de Jackson de Figueiredo (Edição do Centro D. Vital, [1929], p. 274), declara francamente que esperava vê-lo (Jackson), com o correr dos anos, desenganado, envelhecido e descrente de seus esforços.
Eis aí uma esperança que trai um sectarismo inclemente. E é bem inútil tecer loas ao humanitarismo do Coronel Rabello quando se deseja ver os adversários mergulhados na mais profunda aflição espiritual.
Quem sentiu, jamais, soprar sobre a alma um ardente ideal, quem se deixou empolgar, alguma vez, de todo o coração e de toda a alma, por uma grande aspiração doutrinária, quem já se entregou, ainda que por pouco tempo, à luta constante por uma idéia, não pode desejar a alguém maior desventura do que o tremendo anoitecer do espírito que se produz com o murchar das ilusões, com a extinção total da chama de todo o idealismo, mergulhando a pessoa no desengano e na descrença de seus esforços que encheram toda uma vida, e isto principalmente quando a velhice, com seu progresso inexorável, repete ao homem, a cada instante, seu sinistro memento homo20.
Militamos em campo religioso inteiramente oposto ao de S. S.a Desejaríamos certamente que, em sua inteligência privilegiada, se substituísse, às suas atuais idéias filosóficas, a chama brilhante do ideal da Fé.
Desejamos, é certo, de todo o coração que, no espírito de S. S.a, a um ideal que reputamos falso suceda um ideal verdadeiro.
Nunca quereríamos, porém, que em seu espírito se apagasse todo e qualquer idealismo, puro e elevado, entregando sua alma, desamparada de qualquer proteção espiritual, à amargura íntima do ceticismo.
Por esta razão, reputamos inconcebivelmente sectário, tremendamente intolerante, o desejo que o espírito livre-pensador de S. S.a formulou em relação a Jackson de Figueiredo.
Medice, cura te ipsum21, deveríamos dizer a S. S.a quando, no seu sectarismo, nos julga sectários simplesmente por sermos católicos, e absolve in limine22 o Coronel Rabello simplesmente por ser da seita de S. S.a
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“O Legionário”, nº 95, 20/3/1932, p. 4
Departamento de Estudos
Academia Jackson de Figueiredo
Pelo Diretor da Congregação e da Academia, Monsenhor Marcondes Pedrosa, foi aprovado o programa de estudos para 1932, segundo um plano muito inteligentemente elaborado pelo presidente da mesma Academia, o congregado Dr. Plinio Corrêa de Oliveira. Este programa, que foi lido na reunião da Congregação de 13 de março último, encontrou entre os congregados enorme interesse e com grande entusiasmo vão trabalhar para o desenvolvimento completo dos temas.
As conferências, que se realizarão no segundo domingo de cada mês, constituirão sem dúvida um empreendimento do máximo alcance para a formação da consciência católica da nossa mocidade.
É o seguinte o programa aprovado:
I – A Igreja e as correntes filosóficas contemporâneas.
Principais tendências filosóficas anticatólicas, e sua posição em face do Catolicismo. Qual a influência da Igreja, no orientar o pensamento filosófico contemporâneo? Qual o desenvolvimento atual das filosofias católicas? Em que conceito têm dos progressos da neo-escolástica os adversários desta? Prováveis resultantes das forças que atualmente se hostilizam no terreno filosófico?
II – A Igreja e as ciências médicas.
Qual a posição da Doutrina Católica em face do progresso das ciências médicas? Qual a contribuição que pode trazer o estudo das ciências médicas, para o esclarecimento do problema da existência da alma? E para a solução do problema da castidade? Como considera a medicina os milagres apontados pela Igreja como provas de sua missão Divina? O que dizer sobre Lourdes, do ponto de vista médico? Que aceitação têm as doutrinas católicas entre os médicos nos países progressistas?
III – A Igreja e as ciências jurídicas.
Qual a posição do Catolicismo em face do atual movimento de idéias, especialmente no campo: 1) do Direito Natural; 2) do Direito Constitucional; 3) do Direito Civil no tocante à família? O Catolicismo e o comunismo, como pólos de atuação do pensamento jurídico contemporâneo. Prováveis resultados de um choque entre ambos.
IV – A Igreja e o Estado.
O ensino leigo. O socialismo. O comunismo. Que perigo constituem para o Brasil. Que barreira lhe podem e devem opor os católicos: 1) no terreno do apostolado individual; 2) no terreno da luta eleitoral. Papel da mocidade católica, especialmente da mocidade mariana, nesta luta.
V – A Igreja e os modernos aperfeiçoamentos do progresso material.
Longe de combater tal progresso, a Igreja o vê com benevolência, e se serve freqüentemente dele. Exige, porém, que o progresso espiritual acompanhe o material e que dos meios naturais que o progresso material põe à nossa disposição, não se abuse com prejuízo da moral. Maus significados que se atribui às vezes à palavra progresso; como a Igreja se opõe a estas concepções. Progresso católico.
Pio XI e a proteção que tem dispensado ao progresso.
VI – Condições do Catolicismo na Europa e nos Estados Unidos.
1) No terreno da vida social, e especialmente entre os moços; 2) no terreno da vida pública nacional e internacional.
VII – Idem no Brasil, com exclusão da vida internacional.
Movimento intelectual brasileiro e a Igreja. Integralismo católico. Jackson de Figueiredo. Tristão de Athayde e seus companheiros de ação.
VIII – O Catolicismo como elemento formador do Brasil no passado.
A Igreja e o momento presente no Brasil: 1) a dissolução dos costumes e dos caráteres; 2) confusionismo no terreno das idéias. O que a Igreja pode fazer pelo futuro do Brasil.
IX – Papel da mocidade mariana nesta luta.
Não é só nas fileiras do Clero nacional, escassíssimo, que a Igreja deve recrutar seus defensores. Necessidade do laicato católico. A mocidade e seu apostolado. Sublime missão do moço realmente católico, no Brasil. Para que seu apostolado seja eficaz, exige-se: 1) que seja absolutamente desassombrado; 2) que seja católico de palavras e católico de exemplos; 3) que seja escudado, sempre que possível, em séria ciência. Confiança nos meios sobrenaturais que são a arma máxima da Igreja através da História, e que, suprindo a deficiência dos meios naturais, nos assegurará a vitória. Nossa Senhora Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil.
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“O Século”, 3/4/1932
A Nota da Semana
O programa do Club 3 de Outubro
[Ponto de partida de todas as nossas considerações: o mal é de origem moral]
O mal de que padecemos é de origem exclusivamente moral. Este princípio é o ponto de partida de todas as nossas considerações, relativamente às crises políticas, econômicas e sociais que nos assoberbam.
Ora, um mal moral, só com um remédio de ordem moral pode ser curado.
Dado que o remédio moral por excelência é o Catolicismo, uma solução, e uma única, vemos nós, para os graves problemas com que lutam nossos estadistas: a recristianização do Brasil.
Daí nossa firme resolução de não encarar nossos problemas políticos senão pelo ponto de vista estritamente religioso, fazendo assim obra de verdadeiros patriotas.
[O comunismo fervilha entre os elementos da extrema-esquerda revolucionária]
Se o “Século” tem lutado pela imediata convocação da Constituinte, é porque entende que os poucos princípios cristãos ainda vigentes em nossa organização político-social estão gravemente ameaçados pela campanha comunista que fervilha entre os elementos da chamada extrema-esquerda revolucionária.
O que nos leva a defender a Constituinte não é, pois, a esperança de encontrar nesta a solução para nossos problemas, mas apenas um meio de evitar que, às questões que atualmente desafiam a atividade e argúcia dos católicos brasileiros, outras se venham juntar, mais graves e, quiçá, insolúveis, para um futuro mais ou menos próximo.
[Referências encorajadoras ao Catolicismo, do Major Juarez Távora]
Força-nos, no entanto, a lealdade a declarar que alguns dos elementos da esquerda revolucionária têm feito ultimamente referências encorajadoras à influência do Catolicismo.
Sirva-nos de exemplo o Major Juarez Távora, geralmente conhecido como católico fervoroso, mas cujas idéias religiosas tinham sido, até agora, de uma pasmosa inoperosidade no terreno político.
Em recentes declarações, não somente propugnou o Major Távora abertamente pelos direitos da Igreja, como chegou a indicar nomes visivelmente simpáticos à nossa causa, como Tristão de Athayde e Plinio Salgado, para membros da comissão que deveria ser encarregada de elaborar o projeto da Constituição.
[Tenente Severino Sombra, um dos mais brilhantes líderes católicos do Brasil]
Por outro lado, prossegue no norte, com sucesso sempre crescente, a grandiosa obra de recristianização empreendida pelo Tenente Severino Sombra, um dos mais brilhantes leaders católicos do Brasil.
Se os elementos empenhados na continuação da ditadura fossem, na sua maioria, adeptos das idéias externadas pelo Major Juarez Távora e por Severino Sombra, não seríamos nós, certamente, quem pleitearíamos a convocação de uma Constituinte que viria devolver o Brasil a uma geração infelizmente liberal, no mau sentido da palavra, e da qual nada há que esperar senão que, em virtude de seus preconceitos burgueses, nos sirva de provisório paredão contra o comunismo.
[O Grupo dos Tenentes não inspira confiança]
No entanto, é preciso salientar que, excetuadas a ação de Severino Sombra, ação toda localizada no Ceará, e as declarações do Major Távora, nada há que nos possa inspirar confiança, no chamado Grupo dos Tenentes.
O próprio Major Távora, que parece agora mudar de orientação, nunca se interessou eficazmente pelo Catolicismo. Passou sem protesto seu o infeliz decreto laicista do Coronel Rabello. E até agora tal decreto permanece entre nós, quando seria suficiente uma simples intervenção do Major Távora para determinar sua revogação.
O Coronel João Alberto, representante do Club 3 de Outubro, governou entre nós graças ao prestígio que este lhe dispensou. No entanto, pôde o Coronel João Alberto favorecer abertamente a campanha comunista entre nós, pleitear acintosamente, através dos seus órgãos oficiais, o restabelecimento das relações comerciais com a Rússia soviética, e permitir que a própria Polícia fosse invadida por elementos comunistas, isto tudo sem um protesto sequer do Club 3 de Outubro, do qual é agora candidato para a pasta do Trabalho.
Em discurso pronunciado pelo orador oficial do Club 3 de Outubro, este declarou “não ter inimigos à esquerda”, mas tão somente à direita.
Esta e outras manifestações provocaram nossa atitude, que continuamos a manter.
Se, porém, o Major Távora conseguir imprimir outro curso à atividade do Club, se conseguir fazer aceitar unanimemente seus pontos de vista e, principalmente, se reduzir a atos opiniões que até agora têm sido apenas teóricas, não seremos nós que combateremos a continuação da ditadura, da qual não nos afastam questões de princípio, mas apenas considerações de fato23.
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“O Século”, 17/4/1932
A Pequena Nota
O apelo dos católicos
Foi divulgado, pela imprensa da capital e do Rio, um vibrante manifesto que personalidades do maior destaque em nossos círculos políticos e sociais dirigiram à população paulista.
Elevado na conceituação e brilhante na forma, não poderia o referido apelo deixar de ter larga repercussão em todos os meios sociais.
[Union sacrée em defesa dos ideais católicos que informaram nossa nacionalidade]
Sua idéia central é o dever em que estão os católicos de se ligarem em uma union sacrée24 indissolúvel, sempre que se trate da defesa dos ideais católicos que informaram25 nossa nacionalidade no seu nascedouro, e que hão de conduzi-la aos gloriosos destinos que lhe assinala a Providência.
O critério que presidiu à escolha dos signatários do apelo foi o mais elevado e prudente.
Querendo acentuar nitidamente a absoluta neutralidade política que norteou sempre os organizadores do manifesto, resolveram estes convidar elementos representativos de todas as correntes políticas que atualmente lutam por orientar os negócios públicos em São Paulo. O melhor meio de garantir a neutralidade política consiste exatamente em obter a adesão de elementos de todos os grupos, o que mostra que o manifesto não tem em vista favorecer esta ou aquela corrente, mas tão-somente a Pátria, por cuja felicidade todas as correntes devem lutar.
E, trazendo a esta neutralidade uma autenticação ainda mais segura, figuram também, entre os signatários, elementos de larga projeção social, mas notoriamente alheios às lutas da vida pública.
Só o êxito de ter conseguido congregar em torno de princípios fundamentais os elementos os mais antagônicos no terreno das pugnas partidárias constitui um triunfo, pelo qual os signatários do manifesto devem dar graças ao Céu.
[Um edifício que vacila sobre todos os seus fundamentos está próximo da ruína]
Efetivamente, dois dos grandes males que até hoje nos têm infelicitado recebem, por parte do apelo, uma bem sucedida tentativa de solução, altamente interessante para os estudiosos das questões nacionais.
Vamos primeiramente ao alto significado da convergência doutrinária de elementos que foram, são e sempre serão adversários políticos resolutamente irreconciliáveis.
Nenhuma crise atravessou o Brasil, tão grave e tão profunda quanto a que presentemente nos assoberba.
As comoções da Independência, a luta pela deposição de D. Pedro I, as convulsões da Regência, a laboriosa gestação da abolição e a queda precipitada e inesperada do segundo Império, por maiores que tenham sido os abalos que causaram, foram lutas que se desferiram em um campo de ação sempre restrito a um certo número de problemas que pediam solução, ou de princípios que eram postos em cheque. Mas enquanto se introduzia o conflito nestes terrenos ou em relação àqueles princípios, continuavam intactos os demais alicerces de nossa nacionalidade.
Pelo contrário, a característica da crise atual está justamente em que todos os princípios básicos de nosso País, todas as suas instituições e seus hábitos estão sendo sujeitos simultaneamente à prova de intermináveis e imprudentes discussões, onde raramente o idealismo e o bom senso abafam a voz das paixões.
Ora, parece absolutamente evidente que um edifício que vacila sobre todos os seus fundamentos está bem próximo da ruína…
Nestas condições, é realmente confortador que elementos de real prestígio e influência em nossa vida política e social se comprometam a saltar por sobre as barreiras partidárias, para acorrer em defesa da Igreja, sempre que esta for alvejada na integridade de sua doutrina, ou no respeito devido a seus sagrados interesses.
[Os princípios do Catolicismo constituem o arcabouço magnífico que sustentou o Brasil nas fases difíceis]
Para apreciar devidamente esta vantagem, coloquemo-nos em um ponto de vista que poderíamos chamar rigorosamente leigo.
Objetivamente considerado, independentemente de qualquer opinião sobre a verdade ou inverdade de suas bases filosóficas ou religiosas, o Catolicismo é um corpo de doutrinas extensíssimo, que conduz o raio de ação de seus princípios a quase todos os terrenos em que entra em jogo a atividade humana.
Estes princípios, nitidamente definidos e perfeitamente concatenados entre si, constituem um sistema harmonioso (bom ou mau, não nos interessa no momento), capaz de, quando aplicado, ocasionar a formação de um regime absolutamente estável.
Ora, a História e a observação de nossa realidade contemporânea nos ensinam que tais princípios constituem o arcabouço do Brasil, arcabouço magnífico, que o sustentou nas fases difíceis de seu crescimento, e que tem comportado, com esplêndida galhardia, todas as transformações oriundas de seu inevitável progresso.
Nestas condições, fortificar estes princípios, colocando-os como um pendão sagrado acima das lutas dos partidos ou do sibilar das balas é garantir a estabilidade do País, diminuindo grandemente a repercussão funesta, sobre seu organismo combalido pela luta, dos golpes que mutuamente se desferem os contendores de nossas atuais lutas políticas.
Qual seja a vantagem desta atitude para nosso futuro, sua larga e benéfica projeção sobre muitos séculos de nossa história, eis o que não é necessário encarecer.
Mais uma vez, é a Igreja que começa a salvar o Brasil.
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“O Legionário”, nº 96, 21/4/1932, p. 2
O primado da santidade
Tenho para mim como indiscutível que, se em nossa época materializada e devassa surgisse novamente um São Francisco de Assis, sua personalidade se imporia à admiração universal de um modo muito mais definitivo e rápido do que em qualquer época passada.
É certo que a virtuosa Idade Média, profundamente imbuída de espírito católico, estava muito mais apta a compreender devidamente o grande estigmatizado de Assis.
Convém, no entanto, ponderar que, dado o próprio espírito católico e sua geral disseminação em todas as classes sociais, a sede de virtude, parcialmente saciada em cada indivíduo, era muito menos veemente do que nos dias desoladores em que vivemos.
[O homem sempre será sensível à influência irresistível da santidade]
O homem – disse-o certo escritor pagão – é um anjo decaído. E, por mais que nele imperem os vícios e defeitos da decadência, há sempre no seu coração, consciente ou inconsciente, uma grande nostalgia do Céu.
Se se perscrutar cuidadosamente qualquer coração humano, seja ele o de um santo, o de um sábio, o de um ignorante ou o de um detento de penitenciária, notar-se-á sempre a existência de sentimentos mais ou menos profundos, que anseiam por um grande ideal de pureza e de santidade.
Enquanto viveu a civilização cristã, a vida era uma série de altruísmos que colaboravam para a felicidade coletiva.
Repudiado o Catolicismo como lei suprema das relações entre homens e povos, a vida passou a ser uma série de egoísmos que se combatem. Daí o homo homini lupus26.
A parte animal do homem pode sufocar temporariamente as manifestações de sua parte angélica. Nunca pode, porém, destruí-la radicalmente.
E por mais que o homem desça abaixo de si mesmo, sempre será sensível à influência irresistível da santidade, que lhe aplacará as paixões e lhe serenará a tirania dos vícios, como a música de Orfeu domava as feras.
[O mundo não precisa de sábios nem de heróis, precisa de santos…]
São estes os pensamentos que me sugere o 25º aniversário do paroquiato de Monsenhor Pedrosa em Santa Cecília.
Nunca vi um homem que exercesse sobre um tão largo campo de ação, uma influência tão salutar e tão profunda.
Conheço pessoas que lhe tributam profunda amizade e veneração, depois de um rápido contato de confessionário.
Outras há que seriam capazes de sacrificar sua vida e sua fortuna, sem a veleidade sequer de uma discussão, desde que este sacrifício lhes fosse imposto por Monsenhor.
Gregos e troianos, crentes e descrentes são unânimes em lhe celebrar a virtude invulgar.
E mesmo pessoas há que tenho visto sustentar a inexistência de qualquer convicção católica em seu íntimo, ao passo que tributam a Monsenhor, por uma contradição inexplicável, a mais sincera veneração, reconhecendo nele a própria encarnação da virtude.
Entre tantos comentários que as presentes festividades sugerem, relativamente a Monsenhor, quis salientar este aspecto curiosíssimo da sua atuação de Vigário. É uma das muitas lições que sua inquebrantável nobreza de alma nos dá.
Confirma ela a incontestável influência da santidade sobre o homem.
E vem-nos ao espírito a conclusão a que atingiu Tristão de Athayde em suas conferências sobre o Problema da Burguesia: o Brasil e o mundo não precisam de sábios nem de heróis; precisam de santos…
Plinio Corrêa de Oliveira
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“O Século”, 24/4/1932
A Nota da Semana
Ainda o apelo dos católicos
[A voz do Brasil católico começa a se fazer ouvir através das fendas abertas no edifício laicista]
O programa do partido social-nacionalista, elaborado pelas correntes que estavam em dissídio na política mineira, vem trazer uma feliz consagração aos conceitos emitidos no recente apelo aos católicos divulgado pela imprensa desta capital.
Enquanto, em São Paulo, elementos dos mais representativos na vida política e social do Estado empunham resolutamente a bandeira da Fé para arvorá-la no cume da organização política brasileira, os mineiros, tradicionalmente apegados ao Catolicismo, reivindicam energicamente o ensino religioso como um dos direitos imprescritíveis da consciência religiosa do País.
No Ceará, por sua vez, a Legião Cearense do Trabalho luta com denodo pela recristianização do País e colhe de sua ação resultados cada vez mais promissores.
No Rio de Janeiro, o Governo Provisório inflige mais uma derrota ao laicismo de 1891, concedendo aos religiosos o direito de votar.
No Rio Grande do Sul, onde já de há muito se faz sentir a influência discreta mas eficaz do Arcebispo D. João Becker, sabemos que os elementos católicos, longe de se suicidarem na inatividade, estudam os meios mais seguros para o triunfo de seus ideais religiosos.
Por todo o Brasil sopra o mesmo vento de renovação espiritual que levantou, como um só homem, todos os católicos de nossa terra quando se verificou a célebre questão religiosa suscitada pela maçonaria, no tempo do Império, contra os mais legítimos representantes do Episcopado brasileiro.
É a voz do Brasil católico que começa a se fazer ouvir através das fendas abertas no velho edifício laicista do País, com a mesma veemência ansiosa de reparação e de justiça com que se fariam ouvir os prisioneiros longa e injustamente detidos no fundo de uma masmorra, desde que lhes fosse permitido pleitear à luz do sol os seus direitos iniquamente violados.
A esta voz, que eloqüentemente se fez ouvir através do apelo dos católicos paulistas, não é lícito que os católicos permaneçam indiferentes.
[A responsabilidade tremenda dos crimes e pecados por omissão]
A condenação de Nosso Senhor Jesus Cristo se fez com a cumplicidade principal de três personagens: um traidor, que O vendeu por ganância, um déspota, que O condenou por crueldade, e um funcionário romano, que O abandonou por fraqueza.
É a conjunção destes três sentimentos que se opõe constantemente ao triunfo da Igreja de Jesus Cristo.
Os inimigos declarados do Catolicismo são os Herodes que não recuam diante das piores iniqüidades para satisfazer seu ódio implacável contra o Filho de Deus.
Os católicos que hesitam em tomar partido, declaradamente, denodadamente, desinteressadamente, honestamente, em prol da Igreja, são os Judas que O vendem e imolam à sua ambição. O que não se tem feito por trinta dinheiros ou por um prato de lentilhas?
Os católicos que não querem sacrificar sua comodidade e sua tranqüilidade para se colocar ao serviço da Igreja, quando contra esta se erguem seus mais encarniçados e tremendos inimigos, são os Pilatos, eternamente réus da exprobração e do desprezo da humanidade, sibaritas indolentes que preferem consentir na mais revoltante das injustiças, a ter – uma vez na vida, ao menos – um gesto de energia verdadeira.
É principalmente a responsabilidade tremenda dos crimes e pecados por omissão que se ergue atualmente em face de nosso País.
Saberá o Brasil reagir enfim contra o ópio fatal de sua indolência multi-secular? Saberá sacudir o jugo avassalador da inércia, para voar em defesa dos seus ideais religiosos?
Se não o fizer, estará consumada sua ruína. Se o fizer, estará salvo.
E temos motivos para esperar que o fará.
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“Diário Nacional”, 27/4/1932
A organização política dos católicos
O que diz ao “Diário Nacional”
um dos líderes da ação católica em São Paulo
O recente apelo aos católicos, largamente divulgado pela imprensa desta capital e do Rio, despertou em todos os círculos sociais um grande movimento de interesse, pois que se tem afirmado que tal apelo nada mais é senão um início da ação católica, em larga escala, sobre a vida pública do País.
Aliás, a ninguém passou despercebido o significado de tal documento, assinado por elementos representativos de todas as correntes políticas, bem como por grande número de católicos militantes da melhor sociedade paulistana.
A fim de informar os leitores sobre tão palpitante assunto e obtermos esclarecimentos, procuramos ontem o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, redator-chefe de “O Século”, membro do Centro D. Vital e um dos chefes da Ação Católica em São Paulo.
O Dr. Plinio Corrêa, que encontramos em seu escritório de advocacia, à Rua Libero Badaró, manteve a respeito a maior reserva, furtando-se a fazer quaisquer declarações. Finalmente, dada a nossa insistência, consentiu S. S.a em nos adiantar o seguinte:
[Estabelecer uma União Sagrada dos católicos brasileiros]
“O último apelo aos católicos revestiu-se de grande significação. A elevada esfera doutrinária e religiosa em que se manteve soube colocar nos seus devidos termos a ação dos católicos em relação aos problemas políticos e sociais que presentemente agitam a Nação.
“Elementos de todos os partidos se reuniram, pela primeira vez há muitas décadas, na nossa história, para elevar, como um símbolo nacional, o relicário dos princípios católicos, acima das competições partidárias e do tropel das praças públicas.
“De acordo com a intenção dos seus signatários, o apelo visa reunir em torno dos princípios católicos todos os elementos sinceramente apegados à Igreja e às tradições nacionais, para que, sejam quais forem as divisões que se suscitarem entre os filhos da mesma terra, estes se esqueçam todos das suas discórdias para correr em defesa do Catolicismo, numa fecunda conjugação de esforços, desde que ele seja alvejado pela ação de seus adversários.
“A França soube estabelecer entre os diversos partidos uma União Sagrada, para lutar contra os alemães que invadiram o solo da Pátria.
“Por que não haveriam os católicos de fazer também sua União Sagrada, sem prejuízo de suas divergências políticas, sempre que se procurar invadir entre nós a esfera de influência que cabe à Igreja por direito natural e por direito histórico?
“Aliás – acrescenta o Dr. Plinio Corrêa – deram assim os católicos de São Paulo um belo exemplo de idealismo, saltando sobre a barreira de suas divisões partidárias, para acorrer em defesa de um ideal comum. Já se vê que o Catolicismo, logo ao ingressar na vida pública nacional, inicia sua ação com um esplêndido exemplo de amor ao ideal, que freqüentemente nos tem faltado.”
A arregimentação dos católicos
Interrogando-o sobre se os católicos procurariam arregimentar-se desde já, para efeitos eleitorais, declarou-nos o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira que “não perderiam seus correligionários, na atual emergência, a alta linha de ponderação, discrição e elegância moral que caracteriza todas as iniciativas católicas.
“Não se apressariam, portanto, os católicos a agir. E quando o fizerem, o farão com um elevado critério de idealismo e moderação, e com a preterição absoluta de seus interesses pessoais em benefício da vitória de sua causa.
“Fora e acima dos partidos – eis a senha que, no momento oportuno, quando os fatos nos chamarem à ação, saberemos adotar e impor”, conclui o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira.
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1) (N. do E.) O Coronel Manuel Rabello.
2) (N. do E.) D. Duarte Leopoldo e Silva.
3) (N. do E.) Por falha na impressão gráfica falta pouco mais de uma linha no original, que se procurou recompor com o trecho entre colchetes.
4) (N. do E.) Trecho ilegível no original por falha na impressão gráfica, que aqui se tenta reconstituir.
5) (N. do E.) Palavra ilegível no original também por falha de impressão gráfica, aqui reconstituída para dar sentido à frase.
6) (N. do E.) Desclassificado.
7) (N. do E.) Escória, sub-mundo da sociedade.
8) (N. do E.) Cf. Mt 5, 3-11.
9) (N. do E.) A caminho.
10) (N. do E.) Culotte – espécie de calça justa e muitas vezes de seda, que cobria até pouco abaixo dos joelhos, sempre acompanhada com meias longas, usada no Ancien Régime.
Sans-culotte – nome pelo qual, na Revolução Francesa, eram designados os revolucionários, que tinham trocado a culotte pela calça para contrastarem com os membros da aristocracia a quem combatiam.
11) (N. do E.) Aquele que critica, contradiz, vai contra. A expressão teve sua origem na Fronde (1648-1653), movimento político constituído de nobres que contestavam a orientação do Cardeal Mazarino, Primeiro Ministro de França, durante a minoridade do Rei Luis XIV.
12) Citando a Arte de Furtar, não pretendemos de modo algum afirmar sua autenticidade, combatida por Solidônio Leite (Rev. Língua Portuguesa, vol. II, p. 240). Nosso intuito é demonstrar que, na época de Vieira, era aquele o pensamento da Igreja. Ora, supondo-se que não seja autêntica a ↓ [obra], não fica abalada tal prova. Efetivamente, o autor da falsificação, para dar a esta aspectos de verdadeira, não poderia pôr na boca de Vieira, sacerdote, opiniões que contrariassem a doutrina da Igreja. Serve-nos, portanto, de testemunho o possível autor da falsificação. Como se vê, citamos a Arte de Furtar como monumento histórico, e não nos ocupamos com seu valor literário e sua autenticidade.
13) (N. do E.) Omissão da nota anterior: {falsificação}.
14 ) Não ignoramos que, nas monarquias, o monarca é, de jure, irresponsável. De jure, dizíamos, porque de fato tal não se dá. O primeiro indivíduo a se ressentir, num país, dos efeitos de uma má administração é o próprio monarca.
15) (N. do E.) Cf. “O Legionário”, nº 93, 31-1-32.
16) (N. do E,) Literalmente lá embaixo. No livro tem o sentido de: nos piores vícios, na maior degradação moral.
17) (N. do E.) À força de raciocinar, perde-se a razão.
18) (N. do E.) Líderes.
19) (N. do E.) Ministro da Justiça do Governo Provisório.
20) (N. do E.) Do ritual de imposição das Cinzas, na quarta-feira de Cinzas: “Lembra-te homem que és pó, e em pó te hás de tornar.”
21) (N. do E.) “Médico, cura-te a ti mesmo” (Lc 4, 23).
22) (N. do E.) No limiar, de saída, desde logo.
23) (N. do E.) A posição do Autor sobre a questão da ditadura in genere encontra-se explicitada em seu livro Revolução e Contra-Revolução (Parte I, Capítulo III, 5, F):
“As presentes considerações sobre a posição da Revolução e do pensamento católico em face das formas de governo suscitarão em vários leitores uma interrogação: a ditadura é um fator de Revolução, ou de Contra-Revolução?
“Para responder com clareza a uma pergunta a que têm sido dadas tantas soluções confusas e até tendenciosas, é necessário estabelecer uma distinção entre certos elementos que se emaranham desordenadamente na idéia de ditadura, como a opinião pública a conceitua. Confundindo a ditadura em tese com o que ela tem sido in concreto em nosso século, o público entende por ditadura um estado de coisas em que um chefe dotado de poderes irrestritos governa um país. Para o bem deste, dizem uns. Para o mal, dizem outros. Mas em um e outro caso, tal estado de coisas é sempre uma ditadura.
“Ora, este conceito envolve dois elementos distintos:
“– onipotência do Estado;
“– concentração do poder estatal em uma só pessoa.
“No espírito público, parece que o segundo elemento chama mais a atenção. Entretanto, o elemento básico é o primeiro, pelo menos se entendermos por ditadura um estado de coisas em que o poder público, suspensa qualquer ordem jurídica, dispõe a seu talante de todos os direitos. Que uma ditadura possa ser exercida por um Rei (a ditadura real, isto é, a suspensão de toda a ordem jurídica e o exercício irrestrito do poder público pelo Rei, não se confunde com o Ancien Régime, em que estas garantias existiam em considerável medida, e muito menos com a monarquia orgânica medieval) ou um chefe popular, uma aristocracia hereditária ou um clã de banqueiros, ou até pela massa, é inteiramente evidente.
“Em si, uma ditadura exercida por um chefe ou um grupo de pessoas não é revolucionária nem contra-revolucionária. Ela será uma ou outra coisa em função das circunstâncias de que se originou, e da obra que realizar. E isto, quer esteja em mãos de um homem, quer de um grupo.
“Há circunstâncias que exigem, para a salus populi, uma suspensão provisória de todos os direitos individuais, e o exercício mais amplo do poder público. A ditadura pode, portanto, ser legítima em certos casos.
“Uma ditadura contra-revolucionária e, pois, inteiramente norteada pelo desejo de ordem, deve apresentar três requisitos essenciais:
“● Deve suspender os direitos, não para subverter a ordem, mas para a proteger. E por ordem não entendemos apenas a tranqüilidade material, mas a disposição das coisas segundo seu fim, e de acordo com a respectiva escala de valores. Há, pois, uma suspensão de direitos mais aparente do que real, o sacrifício das garantias jurídicas de que os maus elementos abusavam em detrimento da própria ordem e do bem comum, sacrifício este todo voltado para a proteção dos verdadeiros direitos dos bons.
“● Por definição, esta suspensão deve ser provisória, e deve preparar as circunstâncias para que o mais cedo possível se volte à ordem e à normalidade. A ditadura, na medida em que é boa, vai fazendo cessar sua própria razão de ser. A intervenção do poder público nos vários setores da vida nacional deve fazer-se de maneira que, o mais breve possível,
cada setor possa viver com a necessária autonomia. Assim, cada família deve poder fazer tudo aquilo de que por sua natureza é capaz, sendo apoiada apenas subsidiariamente por grupos sociais superiores naquilo que ultrapasse o seu âmbito. Esses grupos, por sua vez, só devem receber o apoio do município no que excede à normal capacidade deles, e assim por diante nas relações entre o município e a região, ou entre esta e o país.
“● O fim precípuo da ditadura legítima hoje em dia deve ser a Contra-Revolução. O que, aliás, não implica em afirmar que a ditadura seja normalmente um meio necessário para a derrota da Revolução. Mas em certas circunstâncias pode ser.
“Pelo contrário, a ditadura revolucionária visa eternizar-se, viola os direitos autênticos e penetra em todas as esferas da sociedade para as aniquilar, desarticulando a vida de família, prejudicando as elites genuínas, subvertendo a hierarquia social, alimentando de utopias e de aspirações desordenadas a multidão, extinguindo a vida real dos grupos sociais e sujeitando tudo ao Estado: em uma palavra, favorecendo a obra da Revolução. Exemplo típico de tal ditadura foi o hitlerismo.
“Por isto, a ditadura revolucionária é fundamentalmente anticatólica. Com efeito, em um ambiente verdadeiramente católico não pode haver clima para uma tal situação.
“O que não quer dizer que a ditadura revolucionária, neste ou naquele país, não tenha procurado favorecer a Igreja. Mas trata-se de atitude meramente política, que se transforma em perseguição franca ou velada, logo que a autoridade eclesiástica comece a deter o passo à Revolução.”
24) (N. do E.) União Sagrada, expressão utilizada pelo Presidente da França, Raymond Poincaré, em 1914, apelando à união de todos os franceses contra o inimigo externo.
25) (N. do E.) No sentido de deram forma a.
26) (N. do E.) O homem é o lobo do homem.
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