1934 – Assembleia Nacional Constituinte
Assembléia Nacional Constituinte de 1934
Introdução
Derrota do velho laicismo
com a vitória da LEC
A disputa em torno do laicismo de Estado, a qual hoje em dia volta com alguma freqüência às páginas dos jornais, é muito antiga. E talvez por isso, pretenda ter ares de atualidade, pois, como a questão se evolou da memória coletiva, julgam muitos tratar-se de um tema novo, quando tem ele mais de 200 anos, remontando sua origem à Revolução Francesa. É, portanto, muito velho…
No Brasil, o problema é um pouco mais recente, tendo surgido com a proclamação da República em 1889.
O assunto pode ser enunciado em poucas palavras: deve o Estado reconhecer oficialmente uma religião, dando-lhe certas regalias, ou é melhor manter-se à margem da questão, ignorando-a, ou até mesmo tomando uma posição hostil em relação a toda e qualquer religião?
Em nosso país, por sua índole cordata, avessa à violência, o laicismo limitou-se à simples separação entre a Igreja e o Estado. Noutros lugares, porém, ele passou da posição de neutralidade para a de hostilidade face à religião, e deu origem a perseguições abertas à Igreja. E chegou-se ao absurdo de proibir a profissão pública da fé católica, a propaganda religiosa, assim como todo e qualquer ato de culto. Se a Igreja se viu coarctada em suas liberdades e despojada de seus direitos mais elementares, sua glória brilhou mais uma vez, sobretudo, ao longo do séc. XX, com o testemunho heróico de incontáveis Mártires e Confessores que ornam os anais da História com sua gesta, e triunfam nos Céus por toda a eternidade.
Hoje, discute-se nos tribunais se a presença de um crucifixo na sala de um edifício público é um atentado ao laicismo, uma ofensa à crença dos que não crêem. Condena-se de novo o Crucificado…
Quanto faltará para que a simples existência de homens que manifestam sua fé no Crucificado seja também considerada uma violação do laicismo de Estado? E se isso ocorrer, deverão eles também ser condenados à “crucifixão”?
A cordialidade tão característica do Brasil nunca permitiu que se chegasse a esses extremos. E a questão do laicismo, embora candente em sua época, foi tratada ao jeito brasileiro. Com a proclamação da República, foi decretada a separação entre a Igreja e o Estado, regime vigente até nossos dias. Ou seja, o Poder Público não reconhece nem privilegia religião alguma.
No período anterior da história do Brasil, desde o seu descobrimento, o Catolicismo era a religião oficial e gozava de certas regalias. As outras religiões, embora pudessem existir, em determinadas condições, tinham suas liberdades limitadas. E o Estado, ao reconhecer a Igreja Católica como única verdadeira, obrigava-se também a defendê-la e a mantê-la. À primeira vista, tal situação pode parecer muito cômoda, mas as vantagens vinham, não raro, acompanhadas de alguns ônus, pois o zelo dos governantes, por vezes, se excedia e ocorriam lamentáveis e prejudiciais ingerências na vida da Igreja. Por exemplo, interferência na nomeação para cargos eclesiásticos. Fato muito freqüente ao longo da história da Igreja.
Com o advento da República e a separação entre a Igreja e o Estado, a Religião Católica perdeu seus privilégios, mas adquiriu uma salutar independência face ao poder temporal, e esta facilitou notáveis progressos da vida religiosa no Brasil. No entanto, a exclusão da Igreja da vida pública criou um ambiente de laicismo, o que equivale a dizer de ateísmo, o qual não deixou de prejudicar a fundo a religiosidade do povo.
E nada fazia esperar a possibilidade de haver uma mudança no panorama sócio-religioso da época. A Igreja parecia uma instituição relegada a um segundo plano, privada de seu papel decisivo na História. Mas, por mais que as forças anticatólicas trabalhassem para ofuscar o brilho da Esposa de Cristo, seus esforços se tornariam inúteis. Por vezes, a Providência se serve das próprias armas dos seus adversários para derrotá-los.
E foi o que ocorreu no Brasil: após 40 anos de laicismo, começa a despontar uma força nova no panorama religioso, a qual acabaria por reverter essa situação. As Congregações Marianas conhecem um desenvolvimento surpreendente, atraindo à pratica religiosa grande número de jovens e desfazendo o mito de que a Religião era apropriada para senhoras, mas não para os homens; estes deveriam ostentar uma mentalidade laica, ou mesmo atéia.
Com a Revolução de 30, franqueou-se às mulheres o direito de voto, a fim de estabelecer a igualdade de condições no campo político. As conseqüências do aparecimento em cena de uma tão grande força eleitoral talvez não tenham sido previamente calculadas pelos próceres do laicismo. Sendo o público feminino muito mais religioso que o masculino, essa medida provocou um acentuado desequilíbrio nos resultados das eleições.
Nessa conjuntura, o Episcopado nacional lançou em fins de 1932 a Liga Eleitoral Católica (LEC) – cujo grande propulsor foi Plinio Corrêa de Oliveira – e o Governo Provisório convocou eleições para uma Assembléia Constituinte, a realizarem-se em maio do ano seguinte.
A LEC não era um partido político, mas um organismo de orientação aos católicos. Ela lhes indicava os candidatos que se comprometiam a defender os interesses da Igreja na Assembléia Constituinte, trabalhando para incluir na Carta Magna uma série de dispositivos como o reconhecimento do casamento religioso pelo Estado, a proibição do divórcio, o estabelecimento do ensino religioso nas escolas, a instituição de capelanias nas Forças Armadas, prisões e hospitais públicos, e a liberdade sindical para que o operariado católico pudesse organizar-se em contraposição aos agentes das ideologias totalitárias.
Os resultados das eleições de 1933 revelaram que a influência da Igreja na sociedade não poderia ser ignorada pela classe política, como tinha sido até então. A indicar essa mudança de panorama, a eleição do então jovem candidato Plinio Corrêa de Oliveira (24 anos) era uma evidência irrecusável: valendo-se unicamente do eleitorado católico, foi o deputado federal mais votado de todo o Brasil, com o dobro de sufrágios do segundo colocado. Numerosos outros constituintes deveram também sua eleição ao voto católico.
A máscara do laicismo, afivelada na fisionomia do Brasil contra a sua própria vontade, caíra de forma aparatosa com o êxito da LEC nessas eleições. Graças à atuação de Dr. Plinio e demais deputados católicos, foram incluídas na Constituição de 1934 todos os dispositivos das reivindicações mínimas da LEC, bem como a invocação do nome de Deus, a qual se manteve nos sucessivos textos constitucionais, até o presente, exceção feita da Carta Magna de 1937. Embora permanecesse o regime de separação entre a Igreja e o Estado, os direitos da Igreja eram respeitados, sendo erguida assim uma forte barreira à descristianização da sociedade.
Transcrevemos a seguir o programa da LEC, na elaboração do qual Dr. Plinio teve uma participação decisiva e que norteou a atuação dos deputados católicos na Assembléia Constituinte de 1934.
Programa da LEC1
“1.º Promulgação da Constituição em nome de Deus.
“2.º Defesa da indissolubilidade do laço matrimonial, com a assistência às famílias numerosas, e reconhecimento de efeitos civis ao casamento religioso.
“3.º Incorporação legal do ensino religioso, facultativo, nos programas das escolas públicas primárias, secundárias e normais da União, dos Estados e dos Municípios.
“4º. Regulamento da assistência religiosa facultativa às classes armadas, prisões, hospitais, etc.
“5º. Liberdade de sindicalização, de modo que os sindicatos Católicos, legalmente organizados, tenham as mesmas garantias dos sindicatos neutros.
“6º. Reconhecimento do serviço eclesiástico, de assistência espiritual às Forças Armadas, e às populações civis, como equivalente ao serviço militar.
“7º. Decretação de legislação do trabalho inspirada nos preceitos da justiça social, e nos princípios da ordem cristã.
“8º. Defesa dos direitos e deveres da propriedade individual.
“9º. Decretação de lei de garantia da ordem social contra quaisquer atividades subversivas, respeitadas as exigências das legítimas liberdades políticas e civis.
“10º. Combate a toda e qualquer legislação que contrarie, expressa ou implicitamente, os princípios fundamentais da doutrina católica.”
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Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1935, vol. II, pp. 263-2812
24ª Sessão, em 13
de dezembro de 1933
Os debates em torno do ensino religioso
facultativo nas escolas públicas –
A reação dos deputados católicos
O Sr. Presidente3 – Tem a palavra o Sr. Deputado Guaracy Silveira.
O Sr. GUARACY SILVEIRA4 – Sr. Presidente, nobres constituintes: o assunto que me traz à tribuna é de interesse de toda a Nação. Podemos dizer, mesmo, que está em jogo a felicidade do Brasil, dependendo da maneira inteligente por que se resolva nesta Casa a questão religiosa.
Constam do anteprojeto de Constituição três medidas que visam a questão religiosa: o ensino facultativo da religião nas escolas; a assistência espiritual às tropas e a realização do casamento religioso com validade civil.
Venho a esta Casa, distintos colegas, trazendo grande responsabilidade. Represento, aqui, o sentimento da Constituinte de 1891, tendo a meu lado, para defender tais princípios sobre a questão religiosa, os dois venerandos Deputados que tomaram parte naquela memorável assembléia. Traduzo, também, o pensamento dos republicanos paulistas de 1889, a luta que eles travaram para inscrever em nossa Constituição o art. 72, impedindo que a Igreja se imiscuísse nos negócios do Estado – princípio triunfante naquele tempo e que hoje parece periclitar.
O Sr. Luiz Sucupira – O orador é da minoria e, portanto, não pode falar em nome do povo paulista.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Também creio representar o sentimento do povo paulista…
O Sr. Luiz Sucupira – Não apoiado.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … e quero lembrar aos meus ilustres colegas…
O Sr. Luiz Sucupira – V. Ex.cia é da minoria e, portanto, não pode representar o povo paulista.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … que na assembléia do Partido Democrático – esse nobre Partido que preparou o advento das liberdades políticas do Brasil –, assembléia realizada em 8 de julho, ficou resolvido, por trezentos votos contra seis, que do seu programa fosse afastada a questão religiosa.
O Sr. Anes Dias – O Partido Democrático tem representantes que figuram na Chapa Única5, e o nobre orador não ignora o pensamento da mesma, nesse sentido.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Estou relatando um fato, e compete ao Partido explicar por que motivo a resolução do seu Congresso ainda não foi modificada por outro Congresso.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Nenhum de nós, aqui, tem autoridade para chamar a contas o Partido Democrático. Apenas peço atenção para a circunstância de me estar referindo a fato mais recente do que o Congresso. É, portanto, a expressão mais autêntica do pensamento do Partido.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Represento também, senhores, o pensamento político do PRP antigo.
O Sr. Luiz Sucupira – V. Ex.cia quer antiguidade e nós queremos modernidade…
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sabemos que no seu programa ainda figurava a manutenção integral da separação da Igreja do Estado, e traduzo, creio, o sentimento do Dr. Washington Luiz, que foi intransigente nesse sentido.
O Sr. Luiz Sucupira – Mas a Revolução derrubou tudo isso.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Mais ainda: represento aqui – e peço licença para essa referência pessoal – a alguém de minha família – meu pai – que sofreu, como vereador da memorável Câmara de São Simão, secundando a moção contra o Império; foi processado, como republicano histórico, e propugnou esse princípio pelo qual me venho batendo diante desta Assembléia.
O Sr. Corrêa de Oliveira – V. Ex.cia provou que representa o passado e não o presente.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Falarei a respeito do passado.
O Sr. Moraes Andrade – V. Ex.cia podia dizer, pura e simplesmente, que representa a sua opinião, representa a opinião de correligionários seus, de São Paulo e de fora de São Paulo, sem chamar em seu apoio o partido A, B ou C; porque os partidos de São Paulo que entraram para a formação da Chapa Única, adotaram todos o programa mínimo dessa Chapa, o qual é por todos conhecido, programa dentro do qual V. Ex.cia não tem razão alguma.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – O nobre Deputado por São Paulo não pode, entretanto, negar que represento o sentimento do Congresso de 8 de julho…
O Sr. Moraes Andrade – O dos seus correligionários.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … Congresso que não foi ainda convocado para modificar os seus princípios.
Um Sr. Deputado – Os fatos posteriores vieram desmanchar tudo.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Desejo, agora, senhores, entrar imediatamente no assunto…
O Sr. Moraes Andrade – Muito bem. Isto sim, vamos ver.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … sem todavia retirar a afirmação a que fiz, de representar, não o Partido Democrático, mas o sentimento que predominou no Congresso de 8 de julho.
O Sr. Moraes Andrade – Nem mesmo isso V. Ex.cia pode dizer, porque o sentimento do Partido Democrático aderiu inteiramente ao programa da Chapa Única, que é contrário às considerações de V. Ex.cia. V. Ex.cia representa a sua opinião, a opinião de seus correligionários. Não traga, porém, a este plenário a opinião de partido a que V. Ex.cia não pertence.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Represento – repito – o sentimento do Congresso de 8 de julho, enquanto um novo Congresso não modificar a decisão a que aludi.
O Sr. Corrêa de Oliveira – V. Ex.cia, quando muito, pode reproduzir esse pensamento, mas não tem autoridade para representá-lo.
O Sr. Anes Dias – O nobre orador diz representar a opinião de um Congresso. Sucede, porém, que, depois desse Congresso, o povo foi chamado a falar e mandou para cá seus representantes, a fim de lhe defenderem as aspirações.
O Sr. Corrêa de Oliveira – O ilustre deputado rio-grandense observa muito bem e coloca a questão nos seus devidos termos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Para responder ao aparte do nobre deputado, teria de estudar a questão política de meu Estado, e não estou aqui, mantido pela Nação, para tratar de questões políticas.
O Sr. Anes Dias – É desnecessário, porque, acima da autoridade desta Assembléia, está a soberania popular, que falou pelas eleições.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – A fim de compreender a natureza das emendas religiosas e o benefício que poderão trazer, ou não, à nossa nacionalidade, importa lancemos, por pouco tempo, um olhar ao passado.
Em primeiro lugar, Srs. Constituintes, quero, para estudar o assunto com bastante serenidade, dar a minha opinião pessoal a respeito da religião dos nobres Constituintes.
O Sr. Luiz Sucupira – Opinião suspeita, porque V. Ex.cia é socialista, e, portanto, contra a ordem civil; é protestante, e, por conseguinte, contra a ordem religiosa.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Prefiro ouvir V. Ex.cia dar sua opinião pessoal a exprimir opinião que não representa.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Todos quantos me conhecem sabem perfeitamente que tenho o máximo respeito pelos católicos romanos, sinceros e praticantes. Reconheço neles a sinceridade, a lealdade. O que não posso, porém, tolerar, são aqueles que, a despeito da vida corrupta, tencionam representar um cristianismo deste ou daquele credo.
Um Sr. Deputado – É V. Ex.cia que vem atirar a primeira pedra?…
O Sr. Corrêa de Oliveira – O nobre orador faz alusão? Não posso deixar de enxergá-la nessa referência.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Digo, simplesmente, que todos os católicos romanos sinceros merecem o meu acatamento.
O Sr. Costa Fernandes – E V. Ex.cia sabe distinguir, neste momento, quais os sinceros? (Cruzam-se inúmeros apartes. O Sr. Presidente faz soar os tímpanos, reclamando atenção.)
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Dirijo-me, agora, particularmente, ao Sr. Presidente. É hábito do nosso povo dizer que fazemos leis e somos os primeiros a não cumpri‑las. Aprovamos, aqui, Regimento que manda se peça licença para dar aparte ao orador.
O Sr. Costa Fernandes – V. Ex.cia parece que está com medo dos apartes…
O Sr. GUARACY SILVEIRA – A fim de que não sejamos, porém, acusados perante o público de fazer leis e aprová‑las por unanimidade para não as respeitar, dou licença a todos os nobres colegas para me apartearem sem tal formalidade. (Hilaridade. Palmas.)
É preciso, ilustres colegas, que lancemos um olhar sobre o passado; devemos partir deste princípio: as emendas religiosas não são tão inocentes quanto parecem à primeira vista.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Não são simplesmente inocentes, isto é, inócuas: são benéficas.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Há uma declaração terminante do Bispo de Pernambuco, conforme telegrama divulgado pela imprensa, e pela qual se verifica que o que desejam os católicos é a religião do Estado.
O Sr. Luiz Sucupira – É o ideal de todos os católicos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – É o mínimo que querem. Desejo, portanto, fazer sentir a esta nobre Assembléia que estamos apenas no princípio da luta.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Julgo representar bem o pensamento católico. E posso afirmar a V. Ex.cia que o Episcopado brasileiro não deseja, absolutamente, a restauração da união da Igreja ao Estado, pelo simples motivo de que, sendo uma situação em tese ideal –, porquanto reconhece a Igreja verdadeira os direitos que tem, em virtude de seu mandato divino –, é, no entanto, uma situação de fato que provou mal na experiência que tivemos durante o Império. Pode ser que o respeitável Episcopado pernambucano tenha feito declaração no mesmo sentido da que fiz agora e que o nobre Deputado não [a] tenha entendido na sua legítima expressão.
O Sr. Fernando Magalhães – Não há necessidade de que a religião seja do Estado, porque é da Nação.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Voltando, Srs., ao estudo da questão que temos diante de nós, quero chamar a preciosa atenção dos ilustres colegas para as três fases da Igreja, fases que ficaram bem claras na história dos povos. A primeira foi a da expansão do cristianismo. Nessa época, o cristianismo viveu sem o Estado e a despeito da perseguição do Estado. Foi a fase áurea do cristianismo: os Apóstolos não tinham ouro nem prata, como dizia Pedro; mas tinham o poder da fé e a assistência direta de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nesse tempo, o cristianismo progrediu, destruiu a superstição, a idolatria, e se impôs. Baseando‑me na frase de grande teólogo, direi que, então, os cálices eram de madeira e os homens eram de ouro… Era a fase gloriosa do cristianismo.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Não posso deixar sem um aparte a referência aos cálices de madeira. Penso que, na Constituinte, devemos discutir, não questões propriamente religiosas, mas apenas assuntos que se prendam às relações entre o Estado e a Igreja. Qualquer discussão sobre matéria propriamente teológica, será descabida aqui.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Peço licença para não atender ao aparte do ilustre colega. No exercício do meu mandato de Constituinte, tenho liberdade para me dirigir à Assembléia como entender, respeitando tão-somente as observações do Sr. Presidente, quando acaso achar inconveniente o que eu disser.
Veio depois, Sr. Presidente, a segunda fase do cristianismo. Nesse período, que teve início em Constantino, o poder secular, sabendo que a Igreja era forte instrumento em suas mãos, para oprimir as consciências (não apoiados), a ela se uniu.
O Sr. Costa Fernandes – A Igreja nunca foi instrumento de opressão de ninguém.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Peço permissão para contraditar o conceito do orador, apresentando-lhe a opinião de Augusto Comte, que disse que a distinção entre os poderes espiritual e temporal foi feita exatamente pela Igreja.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – A opressão a que aludo veio recair sobre a própria Igreja Católica. Nesse período, viram-se imperadores, como Constantino, que nem sequer eram batizados, presidindo concílios; vimos Papas encarcerados; vimos o poder secular intrometendo-se na Igreja. Até nas leis do Império iremos encontrar o poder secular reservando‑se o direito de impedir bulas e de fazer nomeações de Bispos.
O Sr. Corrêa de Oliveira – O que provocou a reação de D. Vital, expressão do heroísmo da Nação brasileira.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Depois dessa fase, em que o poder secular dominou, de fato, a Igreja, veio a tentativa desta para se sobrepor ao poder secular.
O Sr. Corrêa de Oliveira – É absolutamente inexato.
O Sr. Costa Fernandes – Nunca houve semelhante tentativa.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Aí está o Syllabus, que poderá dizê-lo a V. Ex.cias.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Conheço o Syllabus e poderei examiná-lo juntamente com V. Ex.cia, para provar o contrário.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Nesse período, em que a Igreja sofreu opressão do Estado, foi tremenda a catástrofe espiritual.
Basta dizer, citando Monsenhor Gaully, em obra aprovada por Leão XIII, que, em um lapso de cinqüenta anos, três meretrizes deram o papado a quem lhes aprouve.
O Sr. Oliveira Castro – Protesto energicamente. V. Ex.cia está dizendo uma inverdade.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Que deduz o orador disso?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Tal ocorreu, Sr. Presidente, no momento preciso em que o poder secular dominava o poder religioso.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Aliás, não estamos aqui para examinar a história da Santa Sé, e sim para elaborar a Constituição.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Ponho à disposição dos nobres colegas os livros que aqui citar.
O Sr. Magalhães Neto – Perguntaria a V. Ex.cia se combate os dispositivos religiosos do anteprojeto, ou se tem por escopo combater a religião católica.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Se a atacar, repeliremos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não se perturbe o nobre colega, porque chegarei ao fim.
O Sr. Barreto Campello – V. Ex.cia terá resposta cabal.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Espero ser respondido, conforme me promete o ilustre colega, Sr. Barreto Campello.
Finalmente, vem um período em que a Igreja tenta sobrepor‑se ao Estado. Foi no início desse esforço que os Estados começaram a se manifestar contra a Igreja. É a História que o refere.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Isso tudo é fantasia.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Os apartes de V. Ex.cia não destruirão a verdade histórica.
O Sr. Corrêa de Oliveira – É história de protestantes.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – A esse tempo foi que a França, filha dileta da Igreja Romana, dela se separou.
As nações sul-americanas separaram‑se…
O Sr. Corrêa de Oliveira – Não se separaram tal.
O Sr. Oliveira Castro – Conservaram, durante muito tempo, a intransigência religiosa. (Trocam‑se inúmeros apartes.)
O Sr. Presidente – Atenção! Está com a palavra o Sr. Guaracy Silveira.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Deixem-me falar os nobres colegas e responderei aos apartes.
O Sr. Oliveira Castro – Não estamos aqui para fazer crítica das religiões.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Tenho em meu poder todas as Constituições da América do Sul…
O Sr. Costa Fernandes – Mas parece que não as leu.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … e por elas vejo que as nações unidas à Igreja Romana chegam ao extremo de proibir que bispos, arcebispos e padres atinjam a Presidência da República e os cargos públicos.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Ao contrário das nações protestantes, que davam a chefia da Igreja ao rei, unindo-se ao Estado e oprimindo o pensamento católico.
O Sr. Oliveira Castro – Durante muito tempo, na Inglaterra, os católicos sofriam, até, incapacidade eleitoral.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Espero que a intolerância dos ilustres colegas não perturbe a minha exposição.
O Sr. Luiz Sucupira – V. Ex.cia deve tratar das emendas e não de história protestante.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – V. Ex.cia não pode ditar normas aos colegas.
O Sr. Costa Fernandes – Não estamos ditando normas. O nobre orador está apenas tendo a prova de que se acha no meio de uma sociedade católica. (Trocam-se vários apartes.)
O Sr. Presidente – Atenção! Está com a palavra o Sr. Guaracy Silveira.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Lastimo não ouvir os apartes que os nobres colegas estão dando, todos ao mesmo tempo.
O Sr. Fernando Magalhães – V. Ex.cia está prestando grande serviço à religião católica e, por isso, desejo que continue…
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Peço ao ilustre Deputado consinta que seu companheiro fale com serenidade.
O Sr. Luiz Sucupira – Não podemos ouvir o orador contar a história errada.
Um Sr. Deputado – Diante de uma maioria católica, estando o orador em minoria, a impertinência dos apartes constitui séria perturbação ao desenvolvimento da tese que S. Ex.cia defende…
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Agora, senhores, depois que quase todas as Nações resolveram quebrar a sua união com a Igreja e adotar o princípio da separação, há uma nova tentativa em todos os povos para restabelecer o estado primitivo.
O Sr. Luiz Sucupira – Reconheceram seu erro.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – É preciso, senhores, compreender que a separação foi determinada por milhares de incidentes desenrolados por todas as partes do mundo, entre o poder civil e o religioso.
O Sr. Barreto Campello – Por que V. Ex.cia não vai fazer a propaganda nos países protestantes, em prol da separação do estado leigo?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Chegarei lá.
O Sr. Barreto Campello – Para ser coerente, devia agir assim.
O Sr. Francisco Magalhães – Quem estava com a razão nessa luta, o Estado ou a religião?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – É assunto que deixo aos historiadores.
Direi, entretanto, a V. Ex.cia, que a religião nunca teve razão quando pretendeu subjugar a consciência dos povos. (Protestos. Trocam‑se numerosos apartes.)
O Sr. Corrêa de Oliveira – A religião católica nunca usou de violência.
O Sr. Leandro Pinheiro – Ao contrário: sempre foi perseguida.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Mesmo no tempo da Inquisição, quando levantava fogueiras para queimar inocentes na praça pública?… (Aplausos.)
Não! A Igreja nunca usou de violência!… A Inquisição nunca usou de violência!…
Dispenso-me de responder, porque isto está na consciência dos povos.
Sr. Presidente, estamos de novo no momento em que a religião pretende, outra vez, tomar o lugar que outrora ocupou e veio a perder…
O Sr. Corrêa de Oliveira – A religião apenas deseja reivindicar os seus direitos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Agora, Srs., é que vamos, de fato, entrar nas nossas emendas. Fiz este preâmbulo em que desejaria ser mais longo, se mo permitissem os companheiros de representação nacional.
O Sr. Barreto Campello – Seja. É o que pedimos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Verifico, porém, que se há desprazer da parte de seis ou sete colegas que não pretendem ouvir‑me, muitos outros existem que, respeitosamente, acatam as minhas palavras. (Palmas nas galerias.)
O Sr. Costa Fernandes – Todos respeitamos as palavras de V. Ex.cia. Apenas combatemos as heresias que profere.
O Sr. Luiz Sucupira – Prova de que respeitamos é o fato de apartearmos.
O Sr. Moraes Andrade – Ouvimos o orador com todo o respeito e acatamento.
O Sr. Carlos Reis – Até mesmo sacramentalmente…
O Sr. Moraes Andrade – Apenas S. Ex.cia contraria a verdade histórica e em defesa dessa verdade nos abalançamos a algumas retificações.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Pode V. Ex.cia indicar em que pontos fui contrário à História?
O Sr. Luiz Sucupira – Teríamos de fazer novo discurso em torno do de V. Ex.cia para explicar.
O Sr. Costa Fernandes – Foi contrário em quase tudo quanto disse.
O Sr. Presidente – Advirto ao nobre orador que está finda a hora do expediente. Como, porém, nada há a tratar na ordem do dia, S. Ex.cia poderá continuar com a palavra para explicação pessoal.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, é um tanto desagradável falar para um explicação pessoal, quando não se tem explicação pessoal alguma a dar… (Risos.)
O Sr. Fernando Magalhães – V. Ex.cia pode dar uma explicação impessoal.
O Sr. Moraes Andrade – O orador não devia justificar suas emendas?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sim.
O Sr. Moraes Andrade – Pois é, uma explicação pessoal.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Se os nobres colegas concordam em que responder a apartes é uma explicação pessoal, peço nesse caso a palavra para uma explicação pessoal. (Muito bem; muito bem.)
Durante o discurso do Sr. GUARACY SILVEIRA, o Sr. Antônio Carlos, Presidente, deixa a cadeira da presidência, que é ocupada pelo Sr. Cristóvão Barcelos, 2º Vice-Presidente.
O Sr. Presidente – Está finda a hora destinada ao expediente.
Vai-se passar à…
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente – Constando a ordem do dia de Trabalho de Comissão, continua com a palavra o Sr. Deputado Guaracy Silveira.
Tem a palavra o nobre Deputado para explicação pessoal.
O Sr. GUARACY SILVEIRA (para explicação pessoal) – Senhores, é preciso que compreendais a minha posição aqui. Já o disse a muitos companheiros de representação: tudo quanto se faça, para que o Brasil, povo católico romano, odeie a mentira, abomine a injustiça, ame a verdade, pratique a fidelidade conjugal, não viva em carnavais, como aqui temos contemplado, tudo quanto seja para esse fim, encontrará em mim apoio dado de todo o coração.
O Sr. Corrêa de Oliveira – É muito nobre.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – No que discordo dos companheiros que me aparteiam, é no método que está sendo usado para alcançar essa finalidade.
O Sr. Costa Fernandes – Qual é o método?
O Sr. Irineu Joffily – Permita o orador um aparte: a disciplina da Igreja Católica deve ser pautada pelo que S. Ex.cia, pastor protestante, diz da tribuna, ou pelos seus elevados órgãos? Quer traçar limites para a disciplina e para a moral católica? Quem deve traçá‑los? S. Ex.cia, ou os bispos?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Jesus Cristo. Ninguém mais.
O Sr. Irineu Joffily – Ou o Papa, a quem todos os católicos obedecem?
O Sr. Costa Fernandes – O orador diz-se ministro de Deus e quer o povo leigo.
O Sr. Irineu Joffily – Não se pode admitir que S. Ex.cia queira orientar a moral católica, do mesmo modo que os católicos não se aventurariam a subir a essa tribuna para traçar limites à moral protestante ou justificar os erros e crimes de Lutero e de Calvino.
O Sr. Costa Fernandes – Muito bem! Bravíssimo!
O Sr. GUARACY SILVEIRA – O aparteante terminou?
O Sr. Irineu Joffily – Terminei.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não estou traçando norma a ninguém.
O Sr. Irineu Joffily – Mesmo porque a Igreja Católica não pode seguir os rumos que V. Ex.cia deseja.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Se não segue, a culpa não é minha.
O Sr. Irineu Joffily – Não pode guiar‑se por um protestante.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Mesmo porque o caminho do protestante é honesto e justo.
O Sr. Costa Fernandes – V. Ex.cia não nos pode traçar normas.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, a primeira questão que desejo debater perante a Assembléia diz respeito ao ensino religioso facultativo. É um dispositivo que apareceu muito inocentemente, na nossa Constituição como resolvendo uma grande necessidade de país.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Perfeitamente.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Nós, porém, que falamos pela experiência e que podemos trazer a esta Casa fatos concretos, afirmamos que esse ensino, como já foi executado em São Paulo, é uma forma de opressão à consciência das crianças. (Palmas nas galerias.)
O Sr. Corrêa de Oliveira – Protesto, formalmente!
O Sr. Costa Fernandes – Permite o orador um aparte?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Peço aos nobres colegas permissão para citar, desta tribuna, um fato que não pode ser contestado.
O Sr. Costa Fernandes – Pode citá-lo. Os fatos trazidos por V. Ex.cia serão contestados formalmente, dessa mesma tribuna. Acho extraordinário que um pastor protestante venha rebelar‑se contra o ensino facultativo. É prova que não tem elemento algum para orientar seus adeptos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não tenham os nobres Deputados medo de minhas palavras. Deixem‑me falar.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Quem tem medo de V. Ex.cia?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Durante a interventoria do Dr. Laudo Camargo, em São Paulo, foi regulamentado o ensino religioso nas escolas. Lendo a regulamentação, que era magistral, nenhum protestante teria receio do ensino religioso. Dizia a lei regulamentadora que o ensino seria facultativo; que nenhum professor, na classe, poderia falar em religião; que as aulas religiosas seriam dadas a requerimento dos pais, com firmas reconhecidas; que o ensino seria feito fora do período escolar; e que os professores seriam nomeados pelas autoridades eclesiásticas.
Bravo, diríamos todos nós. Aí estava uma forma que não oprimia a quem quer que fosse.
O Sr. Barros Penteado – É, exatamente, o que todos queremos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Pois bem, Senhores. No Estado de São Paulo, alguns dias depois, o que se verificava? Não havia mais necessidade de requerimento: as professoras distribuíam fichas e exigiam dos alunos que trouxessem a resposta!
O Sr. Corrêa de Oliveira – Não é exato. As cédulas eram buscadas em casa por alguns representantes das associações católicas, estranhos ao professorado.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não havia mais ofícios dirigidos à Diretoria do Ensino.
O Sr. Leandro Pinheiro – V. Ex.cia não poderá argumentar com abusos que, porventura, se tenham dado.
O Sr. Costa Fernandes – Um abuso não justificaria a crítica.
O Sr. Fernando Magalhães – Permita o orador uma pequena pergunta: V. Ex.cia acredita em Deus?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Piamente.
O Sr. Fernando Magalhães – Então como quer impedir que lhe ouçam a palavra?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não sei em quê.
O Sr. Almeida Camargo – Não desejo entrar no debate religioso, mas como servi no Governo Laudo Camargo, devo dizer ao nobre Deputado que essa lei a que aludiu, foi promulgada, e não tive conhecimento algum de que houvesse sido burlada.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – V. Ex.cia, então, não leu os artigos que publiquei no “Diário de São Paulo”, e creio que o progenitor de V. Ex.cia também deles não teve conhecimento.
O Sr. Costa Fernandes – Falou a palavra oficial, pela boca de um colega que muito nos merece.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – O que é fato é que as aulas religiosas contra a lei, passaram a ser dadas na classe pelas professoras. O nobre Deputado não pode negar isso.
O Sr. Almeida Camargo – Já disse a V. Ex.cia: fiz parte do governo paulista e afirmo que o governo não teve conhecimento disso.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Foi publicado por mim no “Diário de São Paulo”.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Publicado por V. Ex.cia, mas contestado pelo vigário-geral de São Paulo. Aliás, o depoimento do Dr. Almeida Camargo, então Secretário da Interventoria, tem o valor da palavra oficial.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – O diretor do Grupo Escolar Campos Sales veio pela imprensa contar o que ali se passava.
O Sr. Fernando Magalhães – O nobre orador, porque não tem auditório, está protestando. É o ciúme da competição.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Seja. Continuo.
Procurei o diretor do ensino para reclamar contra o fato. Vejam, Senhores, a que foi reduzida a lei. O Bispo de Campinas, em pastoral pública, anunciou que tinha conseguido aquelas modificações na lei, para atender às necessidades da sua religião. Deu-se isto, Sr. Presidente, no Estado de São Paulo, embora os meus opositores o neguem. Afirmo que é a verdade.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Peço permissão para contestar. V. Ex.cia naquela ocasião, pelos jornais, teve uma troca de opiniões com o vigário de São Paulo e este negou formalmente tais fatos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Contestou, porque permitiu que as professoras lecionassem mesmo em classe.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Não me consta que a lei proibisse que as professoras lecionassem…
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Então, V. Ex.cia não conhece a lei.
Sr. Presidente, a emenda que tive a oportunidade de apresentar a respeito do assunto…
O Sr. Corrêa de Oliveira – Muito bem; vamos discutir as emendas. Isto sim.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … dizia que a educação moral e cívica deveria ser matéria obrigatória nas escolas.
O Sr. Costa Fernandes – Moral? Sem religião não há moral.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Num país que se diz cristão, é óbvia a pergunta.
O Sr. Corrêa de Oliveira – O país é católico. A maioria dos brasileiros é católica e a expressão genuína do cristianismo é o catolicismo.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não concordo com V. Ex.cia. Essa maioria vamos ver, daqui a poucos dias, no carnaval.
O Sr. Barreto Campello – Porque alude V. Ex.cia ao carnaval? Não há escândalos em países protestantes?
O Sr. Leandro Pinheiro – A Igreja Católica, nos dias de carnaval, procura congregar o povo nas Igrejas, em adoração.
O Sr. Barreto Campello – E que diz o orador das colônias de nudismo, em países protestantes?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Prossigo, Sr. Presidente.
O Sr. Corrêa de Oliveira – V. Ex.cia devia responder ao aparte de Sr. Deputado Barreto Campello.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Uma minoria insignificante ficará nos templos e o ilustre colega disse que a maioria é católica.
O Sr. Leandro Pinheiro – Na Alemanha, na Inglaterra, onde a quase totalidade é protestante, não se cometem abusos?
O Sr. Corrêa de Oliveira – O orador não quer ouvir esses apartes.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, depois de ter sido apresentada a minha emenda ao plenário, recebi o tratado de João Barbalho, comentando as constituições de diversos países. Nessa obra há um trecho a respeito de Estado de Massachussets, nos Estados Unidos, declarando que, na Constituição daquele Estado, o estudo é inteiramente leigo, não havendo o ensino confessional. Diz‑se, entretanto, ali o seguinte: “Os professores se esforçarão por incutir no ânimo da mocidade, confiada aos seus cuidados, não só a piedade.”
O Sr. Fernando Magalhães – Porque V. Ex.cia não recorda que, na América do Norte, os protestantes condenaram um professor por que ensinava a lei de Darwin? Os católicos nunca fizeram isso.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – É intolerância permitir que alguém, sustentado pelo Estado, ensine coisas contrárias ao espírito do povo.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Na Inglaterra, alguém propôs à Câmara dos Comuns a separação da Igreja do Estado e respondeu um protestante que era preciso manter essa ligação porque, do contrário, em pouco tempo, o Catolicismo teria dominado a Inglaterra.
O Sr. Carlos Reis – Não lastimo tanto o orador, quanto a História, que tem sido deturpada.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Quero continuar a leitura a que vinha procedendo, se os nobres colegas, que se mostram tão intransigentes, permitirem que eu prossiga.
O Sr. Luiz Sucupira – Intransigentes? Não apoiado.
O Sr. Oliveira Castro – Estamos ouvido atentamente o orador. Simplesmente, nos permitimos protestar, quando discordamos do seu ponto de vista.
O Sr. Leandro Pinheiro – Estamos na defesa de nossos ideais e de nossa religião.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Quero, Srs. Deputados, que escuteis a leitura dos dispositivos da Constituição daquele Estado:
(Lendo): – “Os professores se esforçarão por incutir no ânimo da mocidade confiada ao seu estudo, não só a piedade, a justiça…”
O Sr. Luiz Sucupira – Pode lá haver piedade sem religião?
O Sr. GUARACY SILVEIRA (continuando a leitura) – §
“… e respeito à verdade, como o amor à Pátria, a benevolência para com todos os homens, a sobriedade, o amor ao trabalho, à castidade, à moderação, à temperança e todas as virtudes que podem servir de base à república ou de ornamento à sociedade.”
Este é o papel da escola no seu ambiente. O papel da Igreja é ensinar o dogma, seja de que natureza for.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Ensinar piedade sem ensinar religião é coisa que se não concebe.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Permito-me lembrar aos ilustres colegas que o Dr. Hélio Lobo escreveu, há pouco tempo, que a religiosidade nos Estados Unidos é tão grande que ninguém, ali, se assenta a mesa sem dar primeiro graças a Deus pelo pão de cada dia.
O Sr. José de Sá – Mas lá não existe dissolução de costumes?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – A dissolução é geral, em todo o mundo.
O Sr. Fernando Magalhães – Haja visto o cinema. V. Ex.cia vai ao cinema?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Há dezoito anos não vou.
O Sr. Fernando Magalhães – Devia ir…
O Sr. Luiz Sucupira – O cinema é produto, principalmente dos norte‑americanos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não apoiado. É de gente que emigrou para lá. Os maiores artistas são estrangeiros, judeus, idos da Europa.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Nos Estados Unidos é que o cinema encontra o público mais rendoso. E se V. Ex.cia apresentar emenda proibindo o cinema no Brasil, terá o meu voto.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – V. Ex.cias que são a maioria é que devem apresentá-la. Virei para a tribuna sustentá-la. Se tiverem forças para tal, eu os apoiarei.
O Sr. Corrêa de Oliveira – V. Ex.cia acha que a proibição pura e simples de cinema não é antiliberal, mas o é a que se refere ao ensino religioso! Veja o que é seu liberalismo.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não condenaria o ensino facultativo se fosse realmente facultativo como quis estabelecer o Governo quando o instituiu; mas foi apenas instrumento de opressão para os que tinham credo contrário.
O Sr. Fernando Magalhães – Peço licença para mais uma pequena observação.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Tenho muito interesse em ouvir os apartes, mas não posso, evidentemente, responder a três ou quatro a um tempo.
O Sr. Fernando Magalhães – Prometo não apartear mais daqui por diante.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Ouvirei V. Ex.cia com muita atenção.
O Sr. Fernando Magalhães – É lamentável que V. Ex.cia com sua autoridade, não tenha atitude segura, pois, ministro de Deus, não quer que se escute a palavra divina. É contra-senso.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Teríamos, para responder ao aparte do nobre Deputado, de debater aqui uma questão teológica: saber se a Igreja Católica, nos 430 anos de existência no Brasil, tem ensinado ao seu povo a verdadeira doutrina de Jesus Cristo.
O Sr. Luiz Sucupira – Tem ensinado. (Apoiados.)
O Sr. Leandro Pinheiro – O que não tem feito é ensinar o Evangelho adulterado…
O Sr. Corrêa de Oliveira – O orador fugiu ao aparte do Dr. Fernando Magalhães, que não falou, propriamente na palavra de Jesus Cristo.
O Sr. Luiz Sucupira – Eu me admiro de que o orador, socialista, pregue a religião.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Se V. Ex.cia se admirasse de que um pastor protestante fosse comunista, eu daria razão ao digno colega.
O Sr. Costa Fernandes – Carlos Marx, que é autor socialista, condena a religião.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – V. Ex.cia deve saber que a palavra socialismo, que evoluiu, não tem a significação que V. Ex.cia lhe está emprestando.
O Sr. Fernando Magalhães – Desejo que o nobre orador possa pregar as suas doutrinas. Penso, porém, que não poderá fazê-lo por não ter auditório.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Mais uma vez, Srs., peço o privilégio de poder falar, comprometendo‑me a responder os apartes dos ilustres colegas.
A minha emenda, Sr. Presidente, foi no sentido de se ensinar a moral e o civismo.
O Sr. Costa Fernandes – Moral sem religião não existe.
O Sr. Luiz Sucupira – Trarei, aqui, depoimentos de pastores protestantes, afirmando que a moral sem Deus não existe.
O Sr. Anes Dias – O orador não considera a religião como digna de ser ensinada nas escolas.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Considero a religião como necessidade absoluta para o homem; mas deve ser ministrada no lar e no templo.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Devemos ser religiosos em toda a parte.
O Sr. Luiz Tirelli – Como católico, não tenho constrangimento em dizer que a tese que V. Ex.cia defende está vitoriosa, pois a defende entre católicos que pregam diariamente a liberdade de pensamento, e, entretanto, estão sendo intolerantes com V. Ex.cia.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Muito obrigado pelo auxilio que me presta o ilustre Deputado amazonense.
O Sr. Costa Fernandes – Não há intolerância.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Vim à tribuna, Srs., arrastado por asserções contidas no discurso do Sr. Deputado Cristóvão Barcelos, e estareis lembrados, senhores, que, nesse discurso, citando a França, S. Ex.cia nos apresentou um quadro edificante – os soldados acompanhados pelos capelães militares e prestando culto a Deus.
O Sr. Anes Dias – A França expulsou mais de vinte mil sacerdotes, que, no momento em que a guerra estalou, entraram na França e acompanharam o exército francês, apesar dessa proibição.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sabe o distinto colega que nunca a Igreja, na França, cresceu e se desenvolveu mais nos seus princípios do que nesse tempo.
O Sr. Luiz Sucupira – Porque é a verdadeira Igreja.
O Sr. Acir Medeiros – Não apoiado.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Pergunto aos nobres colegas, que são católicos, apostólicos e romanos, se terão a tolerância, a indulgência de me deixar falar!
O Sr. Leandro Pinheiro – Contanto que não nos ofenda.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Estou acostumado, Senhores, quando prego a religião nas praças, a ser aparteado a ponto de não poder falar, mas não esperava que semelhante coisa aqui se reproduzisse.
O Sr. Luiz Sucupira – É prova de que V. Ex.cia nunca fala com acerto.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – São dois ou três colegas que estão aparteando…
O Sr. Anes Dias – V. Ex.cia é o único orador que se queixa de apartes.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não me queixo dos apartes, mas sim, da multidão de apartes, simultâneos, que me impedem de falar.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Porque V. Ex.cia se atirou contra uma enorme multidão de brasileiros.
O Sr. Acir Medeiros – Não apoiado.
O Sr. Leandro Pinheiro – Por quê?
O Sr. Acir Medeiros – Porque a religião não está somente com V. Ex.cias; está dividida.
O Sr. Leandro Pinheiro – O Brasil é católico.
O Sr. Acir Medeiros – A mentalidade brasileira é representada por nós outros (apoiados e protestos), que temos o direito de manifestar o nosso pensamento pró ou contra.
O Sr. Thomaz Lobo – Se a religião católica é a da quase totalidade, não há motivo para se querer impô-la à minoria. Aqui se quer sacrificar a liberdade em nome de uma religião e se chega ao extremo de declarar que a moral só existe entre os povos católicos. Queremos o regime de plena liberdade de crença.
Invoco, nesse sentido, o testemunho de Santo Agostinho, mestre da religião católica, o qual, pugnando pela liberdade religiosa, lançou o principio de que só de livre vontade o homem pode crer, o que exclui qualquer imposição em matéria religiosa, como pretende a maioria acidental desta Casa. O que nós, que representamos o pensamento hostil a qualquer imposição religiosa, queremos é conservar as conquistas liberais da Constituição de 1891: Estado leigo e ensino leigo. (Trocam-se numerosos apartes.)
O Sr. Presidente (fazendo soar demoradamente os tímpanos) – Atenção! Peço aos Srs. Deputados que não interrompam o orador, estabelecendo tumulto no recinto, porque, do contrário, terei o desprazer de suspender a sessão.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, neste momento em que se discute, fora da tribuna, tenho consultado a consciência para saber se sou culpado deste incidente. Ela, porém, me responde que tenho agido com o máximo respeito para com os meus ilustres colegas. (Muito bem.)
O Sr. Levi Carneiro6 – Embora divergindo de V. Ex.cia, respeito a sua atitude.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, estou apenas trazendo questões de fato e expondo aquilo que estou pronto a afirmar e a provar com a história, em qualquer tempo. Prefiro levar o caso logo para a questão constitucional. Há atualmente duas tendências entre os povos para resolver esta questão religiosa.
Uma, o regime das concordatas, a outra, o do respeito ao direito dos homens, sem qualquer dispositivo constitucional. O primeiro regime, das concordatas, tem sido praticado por diversas nações; mas sabeis o que tenho descoberto ali? Que neste regime, o Governo tem receio da Igreja…
O Sr. Costa Fernandes – Não apoiado.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … e submete as questões a uma reciprocidade de poderes. Em todas essas concordatas os governos exigem que a nomeação das autoridades religiosas não seja feita sem sua adiência, e determina que os padres não possam ocupar a presidência de Estados, ou da República.
Naturalmente, como disse o ilustre Constituinte, esse regime não poderia ser praticado no Brasil. O que o povo aqui exige, é o respeito ao direito dos homens. (Palmas nas galerias.)
É isso que está afirmado em muitas Constituições do mundo.
Nos Estados Unidos, para que os capelães militares acompanhem as tropas católicas ou protestantes, não é necessário dispositivo especial na lei. O mesmo se verifica na França.
Seria eu o último dos homens se negasse o direito que tem o soldado, católico ou protestante, de, marchando para a guerra, ser acompanhado pelos capelães da sua Igreja. (Muito bem.)
Também fui capelão militar evangélico, vivendo no lado de companheiros padres, durante a Revolução de 1932 na mais perfeita cordialidade e compreensão dos altos deveres que ali cumprimos. (Palmas.)
Para que saibais até onde foi o nosso respeito pela liberdade de consciência quero citar um fato, que se desenrolou na cidade de Juiz de Fora, no Grambery, colégio evangélico. Adoecendo um moço católico romano, em perigo de morte, o reitor do colégio, ministro evangélico como eu, foi perguntar-lhe se queria um padre para assisti-lo, e, ante sua resposta afirmativa, tomou o seu automóvel e foi buscar o sacerdote, para confessar aquele jovem.
Respeitamos, assim, a consciência dos nossos semelhantes. (Apoiados.)
O Sr. Barreto Campello – Também nós.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – O que não queremos é que leis de respeito aos direitos de uns homens venham, de qualquer maneira, como vimos, servir para coagir a consciência dos outros.
O Sr. Barreto Campello – É o que os católicos querem também.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Venho, Sr. Presidente, trazer a esta tribuna o meu depoimento pessoal. Temos mais de dez igrejas evangélicas queimadas, no Brasil, pela intolerância dos nossos adversários religiosos.
O Sr. Barreto Campello – Onde?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Poderei citar, imediatamente, a de Aparecida, em São Paulo.
O Sr. Barreto Campello – Temos, também, igrejas católicas queimadas pelos protestantes.
O Sr. Acir Medeiros – Lanço um repto ao nobre Deputado, que acaba de apartear, a fim de que prove o que afirma.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – É, porém, preciso dizer que não queremos desrespeitos à consciência de ninguém; que não seja negado a quem quer que seja, o direito de crença.
O que não queremos é que figurem na Constituição coisas que pertencem ao direito dos homens e que a nacionalidade já está respeitando e respeitará sempre.
Na Revolução de 1930 vieram capelães protestantes e católicos; na Revolução de 1932, vieram também de ambos os credos.
Eu queria citar o testemunho de um nobre colega, representante da Chapa Única da Bancada Paulista, salientando o serviço que um capelão protestante prestou aos moços, esquecido da sua divergência religiosa para servir aos homens naquela emergência.
Se alguma coisa pudéssemos querer, seria que o direito da minoria, que somos nós, figurasse na Constituição; o direito da maioria não precisa ser consignado, porque, como disse o Sr. Deputado pelo Estado de Rio, Dr. Fernando Magalhães, a maioria é católica. Nós, porém, que somos a minoria, repito, preferimos confiar no respeito ao direito dos homens por parte de nossos adversários. (Palmas nas galerias.)
Por que deixar na Constituição um texto que amanhã pode ser desvirtuado para oprimir a consciência dos crentes?
O Sr. Oliveira Castro – Esse texto é precisamente para assegurar o direito de todos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sei o que são os direitos alheios quando estão nas mãos da maioria…
Senhores, não quero abusar da vossa preciosa atenção. (Não apoiados.)
Falei apenas sobre a questão do ensino religioso e sobre [a] assistência religiosa no Exército.
Ainda ocuparei a tribuna, se a bondade de meus colegas católicos romanos o permitir. Bem compreendereis, no entanto, com que dificuldade alguém, que traz idéias concatenadas para apresentar ao estudo da Assembléia, pode falar, diante da atitude assumida por alguns ilustres colegas.
Agradeço a todos os que me ajudaram e prestigiaram com seus apartes, e prometo voltar à tribuna em outra oportunidade, para continuar a tratar do assunto.
Faço, entretanto, um apelo aos Srs. Constituintes: não despertem a reação do povo brasileiro! (Muito bem; muito bem. Palmas. O orador é vivamente cumprimentado.)
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1935, vol. IV, p. 360
Sala das Sessões,
16 de dezembro de 1933
Seja garantida a assistência religiosa
às Forças Armadas, hospitais, prisões e
outros estabelecimentos públicos
Nº 733
Ao artigo 106 §§ 4° e 5°7, reúnam-se em um só parágrafo, assim redigido:
É garantida sem ônus para o Estado, a assistência religiosa às Forças Armadas, bem como nos hospitais, prisões e outros estabelecimentos públicos.
Justificação
A redação, ora proposta, ampara mais eficientemente os direitos espirituais das Forças Armadas, tornando permanente a assistência religiosa, e permitindo que ela seja prestada nos próprios estabelecimentos militares.
Se fosse necessário reforçar com argumentos convincentes a tese, hoje vitoriosa, da necessidade da assistência espiritual às Forças Armadas, bastaria lembrar a experiência da guerra de 1914, onde se provou de modo irretorquível a necessidade de uma boa formação religiosa para o elemento militar.
A fortiori tal assistência deve ser permanente nos hospitais, onde não se pode recusar às grandes dores humanas o lenitivo de uma assistência religiosa eficiente e, portanto, permanente.
Quanto às prisões, o Estado pode seqüestrar o indivíduo do convívio social, obedecendo a motivos de ordem pública. O que, porém, não pode e não deve fazer, é proibir ao prisioneiro que procure desafogo e vigor moral no conforto da Religião que é o melhor meio de que dispõe para a sua regeneração moral.
Sala das Sessões. 16 de dezembro de 1933. – Corrêa de Oliveira. – José Carlos de Macedo Soares. – Abelardo Vergueiro César. – A. Siciliano. – Roberto Simonsen. – Cincinato Braga. – Manoel Hyppolito do Rego. – Th. Monteiro de Barros Filho. – Alcântara Machado. – C. Moraes Andrade. – José Ulpiano. – Barros Penteado. – Henrique Bayma. – Cardoso de Mello Netto. – Carlota de Queiroz. – A. C. Pacheco e Silva. – Almeida Camargo. – Oscar Rodrigues Alves. – M. Whatelly. – Abreu Sodré.
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1935, vol. II, pp. 500 e 5018
31ª Sessão, em
21 de dezembro de 1933
O discurso do Deputado Frederico Wolfenbutell defendendo as emendas católicas –
O ataque ao Sr. Guaracy Silveira
O Sr. Presidente – Tem a palavra o Sr. Frederico Wolfenbutell.
[O Deputado discursa a respeito das emendas religiosas. É aparteado repetidas vezes pelo Deputado Guaracy Silveira; em função disso se defende.]
O Sr. FREDERICO WOLFENBUTELL9 – […] Eu não venho, Sr. Presidente, fazer propaganda em pról desta ou daquela religião, muito menos atacá-las de qualquer forma; eu quero irmaná-las todas no mesmo fim, interessá-las todas na mesma causa: na educação do povo brasileiro pela moral religiosa.
Na minha fraca e despretensiosa opinião, o ponto vulnerável, o calcanhar de Aquiles do discurso de S. Ex.cia, o Sr. Deputado Guaracy Silveira – a quem tributo, como tive oportunidade de afirmar, acatamento e respeito –, a causa primordial dos repetidos e acalorados apartes de que em sua oração foi alvo, a ponto de impedir a concatenação de idéias e dificultar a seqüência, foi, sem dúvida alguma, trazer sua Ex.cia para a tribuna da Câmara, um ataque premeditado, violento e extemporâneo à Igreja Católica, procurando feri-la nos pontos em que S. Ex.cia a julgava mais vulnerável, através [de] todas as épocas de sua história.
O Sr. Guaracy Silveira – V. Ex.cia permite um aparte? V. Ex.cia não pode me assacar essa acusação, porque eu trouxe um discurso escrito e logo de princípio foram os apartes veementes que me desviaram completamente da norma que me traçara. Antes de haver tocado qualquer coisa, irromperam ataques, gritos e protestos.
O Sr. Corrêa de Oliveira – O ataque partiu de V. Ex.cia.
O Sr. Guaracy Silveira – Gritos de gordos10 e magros e de todos os lados. (Risos.)
O Sr. FREDERICO WOLFENBUTELL – Eu respondo ao aparte de V. Ex.cia. Disse, afirmo e repito que V. Ex.cia trouxe para aqui ataque premeditado e violento. Premeditado, porque V. Ex.cia levara à tribuna notas pelas quais orientava e concatenava o seu discurso.
O Sr. Guaracy Silveira – Eu pedi para falar, mas V. Ex.cias não me deixaram.
O Sr. FREDERICO WOLFENBUTELL – Violento, porque, em primeiro lugar, V. Ex.cia afirmava, entre outras coisas, que a Igreja Católica, através da Inquisição, levantava fogueiras para queimar inocentes em praça pública; em segundo lugar, porque pretendia subjugar a consciência dos povos; e, em terceiro lugar, porque durante 50 anos, três meretrizes deram o papado a quem lhes aprouvera.
O Sr. Guaracy Silveira – Posso trazer provas de que a inquisição armava fogueiras em praça pública.
Um Sr. Deputado – Os protestantes, na Inglaterra, também queimavam os seus adversários.
O Sr. FREDERICO WOLFENBUTELL – Afirmou V. Ex.cia que a Igreja Católica pretendia subjugar a consciência do povo. E, finalmente, V. Ex.cia, um ministro, desta tribuna declarou que durante 50 anos, três meretrizes conquistaram o papado.
O Sr. Guaracy Silveira – Posso ler a página 442 do livro do Monsenhor Gaully.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Peço a V. Ex.cia que leia a página inteira.
O Sr. Guaracy Silveira – Li parte; V. Ex.cia leia o resto.
O Sr. Corrêa de Oliveira – V. Ex.cia leu o que lhe conveio.
O Sr. Presidente (fazendo soar os tímpanos) – Atenção! Está com a palavra o Deputado Frederico Wolfenbutell. Peço aos Srs. Deputados o obséquio de colaborarem com a Mesa no sentido de manter a ordem.
O Sr. Guaracy Silveira – Sr. Presidente, estou pronto a dar toda a atenção, mas quero pedir ao orador que não me acuse do que não fiz.
O Sr. FREDERICO WOLFENBUTELL – V. Ex.cia não disse o que afirmei aqui?
O Sr. Guaracy Silveira – Disse e provo.
O Sr. FREDERICO WOLFENBUTELL – Simplesmente declarei o que V. Ex.cia afirmou.
O Sr. Guaracy Silveira – Peço a V. Ex.cia licença para responder. Disse a V. Ex.cia que havia trazido notas para discutir um assunto histórico, com referência à Constituição, que logo os primeiros apartes me desviaram do assunto, obrigando-me a dizer aqui [o] que tinha na mente, mas que não pretendia manifestar.
O Sr. FREDERICO WOLFENBUTELL – V. Ex.cia tinha no seu subconsciente.
O Sr. Guaracy Silveira – Tinha, porque li a história.
O Sr. Presidente (fazendo soar os tímpanos) – Está finda a hora do expediente.11
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1935, vol. II, pp. 525-53712
31ª Sessão, em
21 de dezembro de 1933
Defesa do Sr. Guaracy Silveira ao discurso do Sr. Frederico Wolfenbutell – O Sr. Zoroastro Gouveia sente a falta de um Plutarco Calles para o Brasil13
O Sr. Presidente – Tem a palavra o Sr. Guaracy Silveira.
O Sr. GUARACY SILVEIRA (para explicação pessoal) – Sr. Presidente, nobres Constituintes, não era minha intenção ocupar a tribuna neste momento, em que se encontram afastados da Casa muitos dos que deveriam receber a resposta que trago a alguns dos apartes com que me honraram.
Como, entretanto, meu ilustre colega, Sr. Plinio Corrêa de Oliveira, nome que declino com respeito…
O Sr. Corrêa de Oliveira – Muito obrigado a V. Ex.cia.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … deseja ausentar‑se do Rio e quer que eu fale antes de se retirar, vou, apenas, nesta hora – pois tenho de ocupar, mais tarde, a tribuna – responder aos apartes com que fui distinguido na sessão de 13 do corrente.
Antes do mais, Sr. Presidente, cumpre‑me dar à Assembléia uma explicação: não era minha intenção, naquele dia, abordar certos pontos históricos que abordei.
Trouxe à Casa um estudo, simplesmente histórico, das três fases primitivas do cristianismo e da última [na] ↓14 qual nos encontramos, em nosso país, há mais de quarenta anos.
Apenas enunciei da tribuna que o primeiro período abrangeu o tempo em que o cristianismo foi perseguido pelo Estado e se fizeram milhares de mártires, período esse que foi o mais glorioso de sua história.
Falei, depois, no segundo período, que apontei como aquele em que o poder civil se intrometeu na direção da Igreja e trouxe para esta maléficas conseqüências.
E, em último lugar, tratei do terceiro período, em que a Igreja pretendeu dominar o governo civil.
Senhores, acusado de ter falseado a História, trouxe agora a documentação. Naquele momento, fiz citações de memória: mas, nesta ocasião, trago‑a consubstanciada e a lerei, se os meus colegas insistirem na argüição.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Permita V. Ex.cia um pequeno aparte. Quanto a mim, não quero dizer que V. Ex.cia tenha falsificado a história; quero frisar apenas que o modo por que a escola protestante concebe e muitas vezes descreve os acontecimentos históricos não corresponde à realidade. Não tenho a intenção de afirmar que seja V. Ex.cia o adulterador, o envenenador da história: V. Ex.cia apenas bebe as águas envenenadas da doutrina protestante.
Um Sr. Deputado – O nobre orador é uma vítima da história…
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Responderei ao nobre colega que a documentação que trago é, toda ela, de compêndios, aprovados pelas autoridades católicas romanas.
O Sr. Adroaldo Costa – Então, dizem a verdade.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Se os ilustres companheiros insistem – repito – documentarei tudo quanto afirmei; mas, de se tal me dispensam, crendo que eu não seria capaz de apresentar aqui documentação inidônea, não tomarei o tempo à Casa com essa leitura.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Honro-me de ser o mais obscuro dos Deputados católicos à Constituinte…
O Sr. GUARACY SILVEIRA – V. Ex.cia honra a bancada.
O Sr. Corrêa de Oliveira – … tendo apenas sobre os demais, a preeminência de volume…15 (Risos.) Em nome dessa preeminência, ao menos, seja-me dado dizer, mais uma vez que não houve intenção de afirmar que V. Ex.cia falseou a história. Nem mesmo acredito que o nobre colega viesse trazer ao nosso conhecimento documentação católica que não fosse real. Em nome do elemento católico da Assembléia, tomo a liberdade de afirmar a V. Ex.cia que as asserções acaso menos favoráveis à administração, ao governo, ao pontificado do Papa A ou do Papa B, que V. Ex.cia bebeu nos próprios autores católicos, são prova da imparcialidade com que esses autores consideram a história. Mais ainda: se me fosse permitido, eu acrescentaria num inciso ligeiro que essas fraquezas humanas, que se notam, realmente na história da Igreja Católica, constituem, a nosso ver, uma demonstração bem viva da sua dignidade, porque ela mantém sua doutrina incorrupta.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – O nobre colega, entra, agora, em assunto que S. Ex.cia mesmo não permitiu abordar da tribuna. Aceito a primeira parte, mas continuo a afirmar que não discutia, de maneira alguma, se houve ou não culpa da Igreja. Queria, apenas, documentar minha tese histórica de que houve época em que o governo civil dominou, com braço de ferro, a Igreja, para infelicidade da própria Igreja. Se o ilustre colega aceita essa afirmativa como uma verdade histórica, eu me dispenso de documentá‑la.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Não queria entrar aqui em debate propriamente histórico. Se V. Ex.cia permite que acrescente, repito, mesmo, que a nossa discussão em torno dos assuntos religiosos se deve manter exclusivamente dentro do campo jurídico. Como suspendi minha argumentação no momento em que, por um impulso de sinceridade, entrava no terreno propriamente apologético; não podendo conter-me às portas de um argumento para tirar a premissa, embora me contivesse diante da ponderação de V. Ex.cia, também lembrarei que não posso acompanhá-lo numa argumentação histórica, que escapa ao objeto de nossas discussões aqui.
Ouvirei o nobre colega com todo respeito, mas não poderei acompanhá-lo, nem para negar nem para afirmar, porquanto estamos no propósito firme e deliberado de manter o debate, torno a dizer, apenas dentro do campo estrito e rigorosamente jurídico.
O Sr. Zoroastro Gouveia – A Assembléia liberal aceitará, entretanto, naturalmente qualquer indagação em todos os aspectos, pelos quais se possa encarar a matéria: sociológico ou histórico. Não é possível dividir em compartimentos estanques assuntos desta ordem.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Acredito como V. Ex.cia que a Assembléia estaria pronta a isso, mas dolorosa experiência já me mostrou que ela, muitas vezes, perturbada por uns poucos…
O Sr. Zoroastro Gouveia – A Assembléia está, porém, reagindo: não se deixa perturbar pelos exaltados…
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … e, como desejo mais tarde tratar de questões de fato, permitir-me-ei deixar de documentar as observações históricas que fiz, se meus companheiros de representação popular acharem que não faltei com a verdade em minhas citações.
O Sr. Luiz Sucupira – Apenas protestamos aqui, certa ocasião, contra o termo “meretrizes”, que V. Ex.cia empregou na tribuna.
O Sr. Zoroastro Gouveia – O fato é histórico.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Se querem que leia, procederei à documentação histórica que prometi.
Sr. Presidente, já que os nobres colegas pretendem que a documentação seja exibida, não lhes permitirei mais o direito, quando apresentá-la, de declarar que não é matéria para esta Casa. V. Ex.cias, então, terão de ouvir e dizer se isto é ou não verdade e estarei pronto a renunciar ao meu mandato se não trouxer todos os livros que citar da tribuna.
O Sr. Corrêa de Oliveira – V. Ex.cia permite a observação que não será mais um aparte interminável?
O Sr. Presidente – Peço aos nobres Deputados permitam que o orador continue suas considerações.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Suspendo minhas observações, em vista da lembrança do Sr. Presidente, aliás, muito procedente.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, o orador que me antecedeu na tribuna, a quem desejo render meu preito de admiração pelo tom respeitoso com que usou da palavra, acusou-me de ter trazido para esta Assembléia questões que não estavam dentro do assunto, quando, na realidade, como disse, vim para aqui estabelecer três fases do Cristianismo, da Igreja Católica, para chegar a esta última, de 40 e poucos anos na República, em que temos desfrutado grande paz e concórdia em nosso País.
Não me cabe culpa alguma por ter de abordar, novamente, o mesmo assunto e trazer a documentação histórica que prometi.
Em primeiro lugar, respondo a uma objeção do nobre colega, Sr. Arruda Câmara, e quero, respeitosamente, referir-me a S. Ex.cia, louvando-o pela atenção com que ouviu as minhas considerações do dia 13.
Sei, perfeitamente, que S. Ex.cia reservou-se o direito – aliás de todo o parlamentar que se preza da sua representação –, de vir, depois, da tribuna, rebater aqueles argumentos dos quais discordou.
S. Ex.cia leu um telegrama do Sr. arcebispo de Olinda a respeito da declaração que aqui fiz sobre o máximo que desejavam os bispos de Pernambuco. Disse S. Ex.cia, com todo o respeito, que não acreditava fosse eu forjar um telegrama para exibi-lo a esta Assembléia. Não me atribuiu, portanto, uma informação inverídica, mas apenas entendeu que talvez eu não a tivesse colhido em fonte fidedigna.
O telegrama a que me referi foi publicado em março de 1932 no “Estado de São Paulo”, nos seguintes termos:
“Recife, 7 – O arcebispo de Olinda reuniu todos os bispos pernambucanos, combinando com todos a maneira de sugerir ao Governo Provisório seja a futura Constituição promulgada em nome de Deus; ou, pelo menos, que se considere o catolicismo como a religião oficial do Brasil.”
Publicado esse programa, o órgão oficial da diocese acrescenta: “É o mínimo que se pode exigir.”
Esse telegrama figura no livro Catolicismo Romano, da lavra do Dr. Elieser Santos Saraiva, do Instituto Histórico e Geográfico, de Santa Catarina, e no livro Roma, o Jesuitismo e a Constituinte, do Dr. Pedro Tarsier, do Rio Grande do Sul – ambos em meu poder.
O Sr. Arruda Câmara – Disse eu que não supunha terem sido forjadas as declarações de V. Ex.cia, mas que, certamente, seriam baseadas em fonte insegura. Relativamente àquela reunião, a ela compareceu o meu prelado, D. José de Oliveira Lopes, e, no diário oficial da diocese, “A Tribuna”, foi publicado o que pleiteavam os católicos, isto é, os quatro pontos que defendiam.
Posteriormente, tivemos informações oficiais de que continuavam firmes e inabaláveis estes pontos de vista. Como disse, as informações colhidas por V. Ex.cia não foram fidedignas e às palavras oficiais deveriam ser contrapostas outras palavras oficiais.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Mas, pelo que V. Ex.cia acaba de dizer, verifica-se ter havido uma deliberação anterior, modificada, ultimamente, para um programa mínimo.
O Sr. Arruda Câmara – A deliberação anterior está incluída naqueles quatro pontos que figuram no programa mínimo da Liga Eleitoral Católica. Substancialmente não há diferença.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – V. Ex.cia poderia citá-los?
O Sr. Arruda Câmara – Pois não: o ensino religioso, assistência nas classes armadas, casamento indissolúvel e casamento religioso, registrado civilmente e produzindo todos os efeitos legais.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, costumamos tomar, como passadas em julgado, todas as publicações que se fazem nas grandes capitais e que não são contestadas por aqueles que tenham autoridade para fazê-lo. Aceito a palavra oficial do arcebispo de Olinda, mas aqui fica a documentação de que me vali: a de um grande jornal de alta responsabilidade em meu Estado.
O Sr. Anes Dias – Aliás, V. Ex.cia devia ter posto em dúvida o telegrama: diz ele que os bispos pleiteavam que a Constituição fosse feita em nome de Deus, ou pelo menos, que fosse considerada a do Estado, a religião católica. Quando se pede o menos, isto seria para fazer desconfiar.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, ninguém ignora que o “Diário Popular”, de São Paulo, é jornal tido como informador consciencioso da opinião pública, e, principalmente, que o seu colaborador, que assina pequenas notas com um “X”, é tido como jornalista dos mais sérios e honestos, muito embora eu não o possa identificar.
No dia 8 de junho de 1931, publicava o “Diário Popular” o seguinte:
“Ouvimos há pouco, pessoa que representa o pensamento de D. Leme declarar o seguinte: O decreto sobre ensino religioso não deve ser considerado senão como uma etapa, a primeira. O de que precisamos é colocar a Igreja Católica no lugar que lhe compete na futura Constituinte. Restabeleceremos a religião do Estado; faremos do Catolicismo [a] religião oficial ensinando nas escolas, proclamando nas repartições; toleraremos todos os cultos que serão permitidos, mas a religião oficial será a Católica. Podemos impor a nossa vontade...”
O Sr. Ferreira de Sousa – V. Ex.cia dá licença para um aparte?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não sendo longo…
O Sr. Ferreira de Sousa – V. Ex.cia está se deixando levar por um jornalista. Entretanto, melhores informações poderia obter, aqui, entre os católicos da Assembléia. Se essa fosse a vontade dos bispos, os representantes católicos, por certo, já teriam pleiteado em emendas essas medidas.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Estou dando nesta tribuna as informações que tive para acreditar que este dispositivo do ensino religioso é apenas um passo para maiores conquistas que a Igreja Romana pretende…
O Sr. Ferreira de Sousa – Só numa outra Constituição.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Tive, em meu apoio, um aparte do nobre Deputado, Sr. Luiz Sucupira, que, na ocasião, disse ser essa a vontade de todos os católicos.
O Sr. Luiz Sucupira – Digo que é um ideal de todos os católicos. Mas V. Ex.cia pelo que estou vendo, só traz, como provas, telegramas de jornais e artigos assinados por “X”.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Eis, Sr. Presidente, e Srs. Constituintes, os motivos que tenho para crer que as emendas religiosas, aqui trazidas a plenário, não são mais que o início da luta para conseguir o máximo.
O Sr. Luiz Sucupira – Na próxima Constituição talvez consigam tudo.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Antes de passar à documentação de outras afirmativas que fiz desta tribuna, devo lembrar aos nobres Constituintes que a Revolução de 1922 ainda não terminou.
O Sr. Zoroastro Gouveia – Faz falta um Plutarco Calles16.
O Sr. Adroaldo Costa – Abrenuntio17!
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Quando aqueles militares, quando aqueles civis viram que os seus ideais estavam soçobrando e não encontravam o eco de que precisavam no seio de outras classes, caminharam impávidos por aquela avenida para receber nos seus peitos as balas dos adversários. Iniciaram, assim, a Revolução, que não era de políticos nem das altas patentes militares, mas do povo, que ansiava por um regime melhor. Esse povo pedia justiça e representação; pedia que a sua vontade fosse auscultada.
Senhores Constituintes: na elaboração da nossa Carta Magna é necessário que procuremos sondar a opinião do povo. (Muito bem.)
O Sr. Luiz Sucupira – Não faremos outra coisa.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Há dias escreveu-me um sociólogo estrangeiro, mas homem que ama a nossa Pátria…
O Sr. Anes Dias – Com certeza é um protestante…
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … que aqui tem estudado nossas importantes questões. Diz-me esse sociólogo que falta atualmente em sua grande pátria um instituto de pesquisas sociais, para que as leis sejam dadas de acordo com a necessidade do povo, e não com as cogitações de gabinete de alguns políticos.
Senhores, quando aqui, no Rio de Janeiro, se reuniu um Congresso de educadores para estudar o problema educacional do país, ficou resolvido pleitear-se contra a introdução em nossas escolas do ensino religioso facultativo. E ainda há pouco, em São Paulo, assumindo a diretoria do ensino um homem católico praticante, e respeitável por todos os títulos, fez declaração pública à imprensa de que não haveria ensino religioso facultativo nas escolas durante a sua direção.
O Sr. Moraes Andrade – V. Ex.cia pode dizer qual foi esse católico praticante, que assumiu os negócios da educação em São Paulo?
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Pois não: o Professor Francisco Azzi.
O Sr. Moraes Andrade – Católico praticante?
O Sr. Corrêa de Oliveira – Posso informar ao nobre Deputado Sr. Moraes Andrade que de fato se trata de católico praticante, e que realmente não instituíra o ensino facultativo em virtude de ter havido, aliás, por meu intermédio, um acordo entre a Liga Católica e as altas autoridades de São Paulo.
O Sr. Carlos Reis – Os católicos praticantes só são conhecidos pelos calos nos joelhos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Creio que esta Constituição terá um grande privilégio, o privilégio de fechar o ciclo das revoluções no Brasil; mas, também, se ela não auscultar as verdadeiras necessidades do povo, terá o privilégio de deixar aberto o ciclo da revolução de 1922.
É por isso, Srs. Constituintes, que venho a esta tribuna para deixar o meu depoimento contra as emendas religiosas, por motivos que claramente explicarei quando chegar a ocasião de tratar-se propriamente do assunto.
Quando entrei, Srs. Constituintes, na questão histórica, disse que o cristianismo teve fase gloriosa nos seus três primeiros séculos. Não há necessidade de se documentar essa afirmação.
Depois, Srs., veio a fase em que o poder civil dominou a Igreja. Para que fiquem documentadas as minhas afirmações e não me diga o meu nobre colega, o Sr. Moraes Andrade, que eu tenho desviado os fatos da história, vou ler – e digo, Srs., com toda a sinceridade de minha alma –, vou ler com tristeza um trecho. Não era minha intenção fazê-lo no dia 13 de dezembro, mas fui arrastado, pelos apartes que deram ao meu discurso direção diferente daquela que eu trazia ao subir à tribuna, e ainda uma vez se os meus dignos colegas retirassem a expressão de que falsifiquei a verdade, quando afirmei que na segunda fase do Cristianismo foi ele dominado pelo poder civil, eu me dispensaria dessa leitura. Vou fazê-la, porém.
Se houve inverdade, Srs. Constituintes, na minha primeira afirmação contestada pelos ilustres colegas desta Assembléia, ela pertence a Mons. Gaully, sacerdote católico, sendo essa verdade endossada por um Breve especial de Leão XIII, e com a aprovação de D. Duarte Leopoldo. Lerei o que se encontra na página 442 do livro Instrução Religiosa.
O Sr. Moraes Andrade – Eu gostaria que V. Ex.cia citasse, exatamente, o trecho de seu discurso em que dei o meu aparte, para verificarmos porque foi ele proferido. Não me ocorre no momento o que tenha sido. Eu não disse que V. Ex.cia falseava a verdade, quando afirmou que a Igreja católica tivesse ficado algum tempo subordinada ao poder civil. Seria preciso ignorar todas as guerras de investidura, para afirmar semelhante despropósito histórico, que V. Ex.cia não me pode atribuir.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Só poderei responder se V. Ex.cia ficar sossegado por um momento… (Risos.)
O aparte com que o nobre Deputado me honrou foi no final do meu discurso. Disse que se permitia dá-lo porque aludi à história de modo que a S. Ex.cia não parecia razoável.
O Sr. Moraes Andrade – Perfeitamente, e V. Ex.cia não está respondendo a coisa alguma.
O Dr. Moraes Andrade, meu ilustre colega, com o seu primeiro aparte, me dispensa da leitura?
O Sr. Moraes Andrade – Não dispenso coisa alguma; não quero intervir no discurso de V. Ex.cia; não admito, porém, que V. Ex.cia venha asseverar que eu dei um aparte a certa coisa, que não foi absolutamente o que eu disse.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – E quem disse isso que V. Ex.cia está afirmando?
O Sr. Moraes Andrade – V. Ex.cia afirmou que, quando disse que a Igreja Católica, em certa parte de sua história ficara subordinada ao poder civil, eu declarara ser isso uma inverdade histórica. Quem não conhece as lutas da investidura na Alemanha, na França, e até no Brasil? V. Ex.cia não me quererá passar um atestado de ignorante, em matéria de história universal.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – V. Ex.cia verá amanhã no órgão oficial da Casa que eu nada disse do que V. Ex.cia está afirmando.
Continuo a leitura:
Diz Monsenhor Gaully:
“Durante essa primeira metade do século X o papado se tornou vítima dos partidos que disputavam Roma e o cetro imperial. Três mulheres, poderosas pelas alianças que haviam formado e afamadas por suas desordens, a condessa Teodora e suas duas filhas Teodora e Marosia, deram a tiara a quem lhes aprouve segundo os seus caprichos. Doze papas sucederam-se em menos de sessenta anos, a maior parte dos quais não tinha preparo nenhum para o cargo de governo da Igreja. Alguns deles até sem virtude nem costumes.”
Mais adiante:
“Os imperadores de Constantinopla, sem fé nem costume, amparavam a ortodoxia ou o cisma, consoante as exigências de suas ambições. No trono patriarcal de Constantinopla sentou-se um prelado que só contava 16 anos, vendia bispados em leilão, e, nas cerimônias santas intrometia jogos, danças e espetáculos profanos.”
Sr. Presidente, não quis, com esta citação, menosprezar a Igreja, porque apresentei esse tempo como aquele em que a Igreja lutava contra o poder civil.
Mas ouçamos outro testemunho:
Bergier, autor do Dicionário Teológico, e reputado católico romano. Assim escreve ele em termo Simonia:
“Durante o X e XI séculos, a Igreja foi desonrada pela audácia com que reinava a simonia (negócio das coisas espirituais), na Europa inteira; não se envergonhavam de comprar e vender publicamente, por atos solenes, os bispados, as abadias e outros benefícios eclesiásticos, etc.”
O Sr. Moraes Andrade – Eu diria que a simples leitura de alguns cânones do Código de Direito Canônico mostra que a Igreja condena, como sempre condenou, essa fase da simonia, ou seja, a venda dos cargos religiosos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Ninguém contesta isso.
O Sr. Moraes Andrade – Com o Direito Canônico, V. Ex.cia ia muito mais depressa.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Apenas estou documentando a segunda fase do cristianismo, em que o poder civil estava dominando a Igreja.
O Sr. Moraes Andrade – Em todas as épocas.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Foi a segunda fase do Cristianismo que aqui trouxe, para depois concluir mostrando que a terceira foi aquela em que o poder religioso, para se libertar do poder civil, foi mais longe do que era razoável e passou, ele mesmo, a dirigir as nações.
O Sr. Moraes Andrade – É uma invenção protestante, luterana, assim como a celebérrima teoria do direito divino que é invenção de Melanchton e outros teólogos da religião que V. Ex.cia professa.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Não é como diz V. Ex.cia. Vou trazer a documentação católica, não protestante, dessa verdade que afirmei.
Leio na História Universal, do Abade Millot, de 1812, obra de mais de um século, esgotada, com licença das autoridades, da Tipografia Rolandiano, e que, por felicidade tenho em meu poder, para oferecer aos ilustres Constituintes que, porventura duvidarem da minha citação.
Aí encontramos o seguinte:
“Somos aqui chegados ao tempo em que os papas, esquecidos dos limites e obrigações de seu ministério de paz, hão de atear o incêndio das guerras civis, armar os vassalos contra os príncipes, e arruinar a Europa toda com os terrores da superstição. O célebre Gregório VII foi propriamente o autor desses males.”
Em seguida faz, o autor, a descrição dos males cometidos pelos papas que precipitaram os acontecimentos, e, depois:
“No ano de 1050 um concílio de Paris condenou a Berengário e seus seguidores e declarou que, se eles não viessem a cair na conta dos seus erros, todas as tropas do reino, capitaneadas pelo clero em hábitos sacerdotais, iriam ao seu alcance até que eles se submetessem ao dogma ou fossem punidos de morte.”
Sobre Hildebrando, que foi Papa e sob o nome de Gregório VII, diz Millot:
“Não será fácil crer que um monge, o qual chegou a ser cabeça da Igreja, pretendesse a monarquia universal, que contemplasse todos os reis cristãos como seus vassalos, e que legitimamente intentasse submetê-los como tais ao seu poder. Todavia suas próprias cartas o demonstram.”
Continua o historiador, aprovado pelas autoridades portuguesas, a contar tudo quanto fez o Papa para submeter os reis ao seu poder e culmina na excomunhão de Henrique IV, que foi ao Castelo de Canossa, da condessa Matilde, que então hospedava o Papa, e ali ficou três dias, no gelo, do lado de fora, sem séqüito, até que o Papa o atendesse para lhe suspender a excomunhão e religar os vassalos à obediência.
São afirmações de Millot, no 6º volume, páginas 5, 6 e 17, da sua História Universal.
Rui Barbosa escreve páginas magistrais sobre esse período que culminou no Syllabus, que marcou a derrocada do poder eclesiástico sobre o civil, porque as nações despertaram e reagiram.
Creio, Senhores, que essas duas fases sérias, que citei de relance, no meu discurso – e que não pretendia documentar, se a tanto não me arrastassem – foram aqui trazidas sem o intuito de entristecer o coração de quem quer que seja, mas, simplesmente, para mostrar que depois desses três períodos, veio um quarto – a fase em que se estabeleceu a separação completa entre os poderes temporal e espiritual.
O Sr. Moraes Andrade – São palavras de Cristo: “Dai a César o que é de César.” Está no Evangelho.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Tinha por objetivo, unicamente, mostrar que essa fase de paz, de harmonia, de concórdia, de desenvolvimento da Igreja Católica, em todos os países onde a separação se deu – e onde a união nunca existiu, como nos Estados Unidos – essa fase está sendo ameaçada por emendas que, introduzidas na Constituição, no dizer do nobre Deputado, Sr. Luiz Sucupira, constituem a porta para novas reivindicações em futura Constituinte, que será, se não tivermos juízo, em 1938 ou em 1940.
(Trocam-se apartes entre os Srs. Moraes Andrade e Zoroastro Gouveia.)
O Sr. Presidente (Fazendo soar demoradamente os tímpanos.) – Atenção! Está com a palavra o Sr. Guaracy Silveira.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, eu só quero que fique bem frisado que não sou culpado da discussão havida entre um comunista e um católico romano. (Risos.) (Trocam-se novos e veementes apartes entres os Srs. Moraes Andrade e Zoroastro Gouveia.)
O Sr. Presidente – Peço aos nobres Deputados que não perturbem o orador.
O Sr. Zoroastro Gouveia – Obedeço com prazer à observação de V. Ex.cia.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, desejava responder um aparte do nobre Deputado Sr. Fernando Magalhães, que lastimo não estar presente. O nobre Deputado ao qual me refiro, é uma das figuras que mais admiro e prezo nesta Assembléia. Conheço o Dr. Fernando Magalhães não somente como Constituinte, mas também pelas honrosas referências que tenho ouvido a seu respeito. Ainda há alguns dias, uma senhora de minhas relações contava como o Dr. Fernando Magalhães atendia as senhoras pobres desta cidade com tanta dedicação e carinho, como se fossem das mais ricas e das mais importantes. Quero responder ao seu aparte, de coração, porque se trata de homem de sentimentos cristãos e sentimentos elevados. S. Ex.cia lamentou que eu não tivesse aprovado que nas escolas se falasse em nome de Deus e S. Ex.cia, com a sua pergunta, parecia pôr dúvidas a respeito das minhas convicções religiosas, embora talvez, não fosse este o seu intento.
Sr. Presidente, tive a felicidade de dizer a esta Assembléia, que há 22 anos me esforço para seguir a Jesus Cristo, e que neste esforço leal, lutando contra mim mesmo, reconhecendo a minha fraqueza, eu tenho estado aos pés do Mestre, pedindo forças para vencer o fumo, o jogo, a bebida e os bailes e os maus teatros, para honrar, tanto quanto possível, na minha fragilidade, aquele que, na cruz do Calvário, estendendo os seus braços, derramou o seu sangue precioso para a minha salvação. Não é o receio do ensino religioso nas escolas, nem tampouco receio de que esse ensino, no sentido católico, vá contribuir para catoli[ci]zar mais os meus patrícios. Eu dizia, desta tribuna, que o decreto que foi regulamentado em São Paulo, qualquer protestante o assinaria nos termos em que ele foi apresentado.
O Sr. Almeida Camargo – É uma atitude muito coerente.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Entretanto, devo dizer – que é agora para mim uma questão de honra – que não sei qual a extensão que diz respeito ao decreto do Governo paulista, mas de uma coisa eu sei, por experiência dos meus próprios amigos: o decreto proibia que os professores falassem em religião nas classes e que lecionassem matéria religiosa.
O Sr. Almeida Camargo – O decreto do Governo Provisório não proíbe; permite o ensino facultativo.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – O decreto que regulamentou o ensino religioso em São Paulo proibia que os professores falassem em matéria religiosa, para estabelecer uma completa separação. Ora, se estavam proibidos os professores de falar em religião ou de tocar nesses assuntos, a questão estava resolvida pelo decreto, dizendo que os professores de religião seriam de fora.
O Sr. Almeida Camargo – O decreto não dizia isso.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Eu pediria a S. Ex.cia que me fornecesse o decreto, porque eu o leria da tribuna.
O Sr. Almeida Camargo – O decreto está aqui; posso fornecê-lo a V. Ex.cia.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Queira ter a bondade de mo enviar. (O orador é atendido.)
O Sr. Almeida Camargo – Se tiver tempo, ainda hoje darei todas as explicações relativas ao meu aparte.
O Sr. Guaracy Silveira – Diz o art. 6º:
“Não é permitido aos professores de outras disciplinas impugnar os ensinamentos religiosos, ou, de qualquer outro modo, ofender os direitos de consciência dos alunos que lhe são confiados; assim como não é dado aos encarregado do ensino religioso estabelecer debate sobre conclusões de matéria científica.”
O Sr. Almeida Camargo – Perfeitamente, para manter a serenidade nas escolas.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – E o art. 71 reza:
“Aos professores do Estado é expressamente vedado fazer, dentro das escolas, propaganda de qualquer credo religioso, no sentido de influir que seus alunos aceitem o ensino da doutrina e culto respectivos, assim como externar ou manifestar suas convicções e preferências, diante dos alunos.”
O Sr. Almeida Camargo – Exatamente.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Agora, apelo para a cultura do Sr. Presidente: sé é proibido, aos professores do Estado como reza o artigo 7º, até externar ou manifestar suas convicções e preferências diante dos alunos, como é possível admitir, dentro desse artigo, que os professores dêem dentro da sua própria classe, as aulas de religião?
Cometem ou não cometem uma contravenção?
O Sr. Corrêa de Oliveira – Absolutamente: nos termos do decreto, não comete.
O Sr. Barreto Campello – O ensino é facultativo; os que não concordarem podem retirar-se da sala.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Podereis vós compreender, Sr. Presidente, Srs. Constituintes, a humilhação de um aluno, de um pequenino brasileiro que merece toda a atenção de seus maiores, ao ter de se retirar da sala onde a professora dele irá ensinar religião, afrontando a cólera da mesma professora e a adversidade dos alunos do credo da maioria.
Creio que não estava na mente do legislador, quando elaborou o decreto, permitir que as professoras ensinassem matéria religiosa na sua própria classe.
O Sr. Luiz Sucupira – Depois de terminadas as aulas ordinárias, tanto podem ensinar grego e latim, por exemplo, como religião.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Conheço a lógica de V. Ex.cia, que é a mesma de todos os católicos…
O Sr. Barreto Campello – Protesto! V. Ex.cia não pode deprimir a Religião Católica.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Continuo respondendo ao nobre Deputado Sr. Fernando Magalhães.
Não seria contra o ensino católico, ou de qualquer seita nas escolas, se não fora a certeza absoluta que tenho de que constituirá instrumento de opressão para as crianças de credos diferentes.
Embora me contestem, o povo brasileiro, testemunha ocular de tais opressões sabe que digo a verdade.
O Sr. Demétrio Xavier – V. Ex.cia está sofismando.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, tinha ainda diversos apartes a responder, não tão importantes como estes quanto à sua natureza, mas a minha presença na tribuna explica-se por uma concessão que fiz ao ilustre colega, Sr. Corrêa de Oliveira, o qual deve seguir hoje para São Paulo, e, se me alongasse, a concessão redundaria inútil. Já produzi a documentação histórica e respondi aos apartes do dia 13.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Quero agradecer, publicamente, a gentileza com que V. Ex.cia procedeu comigo neste particular, mostrando perfeita delicadeza, perfeita tolerância em relação ao desejo que tenho de defender a doutrina católica.
Embora possua esta, aqui, patronos brilhantíssimos, queria defendê-la pessoalmente.
Esse empenho, entretanto, nem de longe significa que meus colegas não sejam capazes de empreender defesa mais eficiente do que a que tenho procurado realizar.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Gastarei apenas mais cinco minutos para deixar os 10 minutos restantes ao ilustre colega que deseja ocupar a tribuna.
Alguém, nesta Casa, me acusou de vir aqui para defender o protestantismo. Chegou-se mesmo a citar nomes de reformadores. Eu vos direi, senhores, que jamais subiria a uma tribuna para defender homens, nem sequer atribuir à Igreja romana responsabilidade pelos homens.
Apenas estudei o lado histórico da questão, e quero declarar aqui, àqueles que me perguntaram pelas relações da igreja luterana e anglicana com o Estado, quero dizer que as condeno, de todo o coração; e, se não fosse essa união, não estaríamos vendo, hoje o clero luterano alemão, ligando-se a Hitler para atacar uma raça que de maneira alguma merece ser perseguida.
Também não defenderia a união da igreja anglicana com o Estado…
O Sr. Presidente – Advirto ao nobre orador que faltam apenas 15 minutos para a terminação da hora.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Vou terminar, Sr. Presidente, afirmando que aqui não venho defender homens, nem condenar os erros históricos de quem quer que seja. Também quero dizer que desejava para o Brasil o regime de tolerância, de respeito à consciência católica ou protestante ou de certos credos, praticado pelo governo americano, aqui tantas vezes citado. Entretanto, nada tem a Constituição daquele país em referência à união da Igreja com o Estado. Concordo com tudo quanto disse o ilustre Deputado que me antecedeu na tribuna a respeito deste critério, pois ali, católicos e protestantes têm os direitos que agora estão querendo introduzir sem necessidade em nossa Constituição, pois podem ser praticados como ali, sem qualquer dispositivo constitucional…
Sr. Adroaldo Costa – Pois, no Rio Grande do Sul, do governo de Júlio de Castilhos para cá, sempre foi assim.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Agora, quero ler um trecho da pastoral dos bispos católicos aos fiéis da Igreja no Brasil, publicada em 1890:
“Ah! Quem nos dera ver os estadistas nossos, muitos dos quais se desvanecem de católicos, tratar o Catolicismo com o mesmo respeito, acatamento e deferência, com que é tratado pelos estadistas protestantes da União Norte-Americana.
“Deixemos de acanhamentos miseráveis, próprios da nossa raça, os mesquinhos ciúmes e desconfianças, a atrofiante mania de querer o governo regular tudo, até a Religião… Imitemos o respeito ao Cristianismo de que aquele estupendo povo tem oferecido nobilíssimo exemplo à admiração dos outros povos.”
Isto, Srs., é o que queremos; o respeito ao direito dos homens, o respeito aos direitos dos católicos, aos direitos dos protestantes, aos direitos dos outros credos, inoculados pela religião do povo no coração dos seus filhos e no coração dos seus governantes, sem que haja necessidade de estarmos regulando estas questões em dispositivos constitucionais.
O Sr. Medeiros Netto – É o que querem os católicos.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Peço que se registre o aparte do nobre colega Sr. Medeiros Netto. Era o que tinha a dizer. (Muito bem; muito bem. O orador é cumprimentado.)
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1935, vol. VII, pp. 300-303
65ª Sessão, em 2 de fevereiro de 1934
Apelo à veracidade de fatos na Assembléia
O Sr. Presidente – Tem a palavra o Sr. Acir Medeiros, para explicação pessoal.
O Sr. ACIR MEDEIROS18 – [Protesta pelo fato de haver uma série de operários encarcerados na Ilha dos Porcos e na colônia de Dois Rios, desde julho de 1932.]
O Sr. ACIR MEDEIROS – […] Sr. Presidente, é preciso, de uma vez por todas, pôr termo a esse sistema de opressão que se exerce sobre o operariado brasileiro quando este procura pregar suas idéias e manifestar aquilo que sente, do fundo d’alma, diante das falhas do regime em que nos achamos. […]
O Sr. Edmar Carvalho – Acho que o nobre orador não deve citar esses casos, principalmente o de São Paulo, em relação ao qual sabe que dois colegas, nossos emissários, trouxeram informações seguras e o resolveram como competia. Penso que esta é que deve ser a nossa ação coordenadora, a bem da eficiência da defesa da nossa causa. […] A interpretação é uma só. O nobre colega deve, toda vez que se dá um fato, fazer o que todos fazem em hipóteses semelhantes: sindicar do ocorrido e agir de acordo com a sua autoridade.
O Sr. ACIR MEDEIROS – A respeito, indiquei os nomes das vítimas.
O Sr. Edmar Carvalho – O ilustre colega não se melindre, pois, com estas palavras, procuro auxiliá-lo. Digo apenas que, em casos tais, dirijo-me ao Ministério da Justiça, para examinar os processos. Estudados estes, procuro então os remédios adequados e intervenho, desde que o direito e a razão estejam ao lado dos companheiros.
O Sr. Abelardo Marinho – Isso pode demorar e fazer que os companheiros fiquem presos por muito tempo…
O Sr. Corrêa de Oliveira – Parece-me que não se devem trazer ao plenário da Constituinte, principalmente para determinadas moções ou requerimentos, fatos cuja veracidade não esteja apurada de modo indiscutível.
O Sr. ACIR MEDEIROS – Foi, como acentuei, para não quebrar a linha política adotada pela minha bancada nesta Casa, que deixei de oferecer requerimento nesse sentido. […]
Aí ficam, Sr. Presidente, meu protesto e o meu apelo, alimentando eu a esperança de que o honrado leader da maioria levará ao conhecimento do Sr. Chefe do Governo Provisório o anseio do proletariado brasileiro, tendente à volta, ao seu seio, dos colegas que se acham detidos. (Muito bem; muito bem. O orador é cumprimentado.)
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1935, vol. VIII, pp. 396-397 e 415
79ª Sessão, em 24 de fevereiro de 1934
Da homenagem aos Constituintes de 1823 e 1891, não se pode depreender qualquer
simpatia pelo laicismo de Estado
Requerimento
Nº 2
Ex.mo Sr. Presidente da Assembléia Nacional Constituinte.
Passando hoje o aniversário da promulgação da Carta Constitucional Brasileira, requeremos que seja suspensa a sessão em honra dos nobres Constituintes de 1891, extensiva à plêiade de gloriosos brasileiros da Constituinte de 1823, que legaram, uns como os outros, exemplos imorredouros de civismo e sacrifícios pela nossa Pátria.
Sala das Sessões, 24 de Fevereiro de 1934. – Guaracy Silveira. – Alcântara Machado. – João Beraldo. – César Tinoco. – Martins Soares. – José Alkmin. – Xavier de Oliveira. – Antonio Covello. – Homero Pires. – Cincinato Braga. – Edgard Sanches. – Oscar Rodrigues Alves. – Cardoso de Mello Netto. – Barros Penteado. – Abreu Sodré. – Corrêa de Oliveira. – Acúrcio Torres. – Bias Fortes. – Lino Machado. – Humberto Moura. – Rodrigues Moreira. – Carlos H. Reis. – Deodato Maia. – F. Negrão de Lima. – Thomaz Lobo. – Waldemar Falcão. – Souto Filho. – Guedes Nogueira. – Clemente Mariani. – Aloysio Filho. – Lemgruber Filho. – Mello Franco. – A. C. Pacheco e Silva. – Soares Filho. – Simões Lopes. – Gastão de Brito. – Buarque Nazareth. – Lacerda Werneck. – Daniel de Carvalho. – Gabriel de R. Passos. – Izidro de Vasconcellos. – Frederico Wolfenbutell. – Ascânio Tubino. – A. Siciliano. – M. Hyppolito do Rego. – Lino de Moraes Leme. – Leôncio Galrão. – Alfredo Mascarenhas. – M. C. de Góes Monteiro. – Arlindo Leoni.
[…]
* * *
Vem à Mesa e é lida a seguinte
Declaração de voto19
Subscrevendo o requerimento que pede a suspensão de nossos trabalhos de hoje, temos em vista homenagear a idéia de legalidade e de ordem, ligada às Constituições de 1823 e 1891, bem como à alta cultura jurídica dos membros.
Devemos, porém, tornar bem claro que do nosso voto, não se pode depreender qualquer simpatia pelo laicismo do Estado ou pelo regalismo imperial das duas Constituições em questão, bem como por outros princípios, que elas continham.
Sala das Sessões, 24 de fevereiro de 1934 – Corrêa de Oliveira. – Luiz Sucupira. – Adroaldo Mesquita da Costa. – Irineu Joffily. – Arruda Câmara. – Barreto Campello.
[O Sr. Presidente –] Dando execução ao voto que acaba de ser proferido pela Assembléia Constituinte, vou levantar a Sessão em homenagem aos Constituintes de 1891 e aos Constituintes de 1823. (Palmas prolongadas.)
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Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1935, vol. IX, pp. 365-36820
95ª Sessão, em 15 de março de 1934
Polêmica com a inserção do nome de Deus na Constituição e intervenção do Presidente
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO21 – [A Comissão dos 2622 havia rejeitado o patrocínio do nome de Deus no preâmbulo da futura Constituição. O orador discursa sobre o projeto apresentado pelos 26, e começa a ser aparteado pelos outros deputados. Em certo momento entra na questão da menção do nome de Deus:]
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – […] A Constituição do Vaticano tem o seguinte preâmbulo:
“Pio XI – por nossa própria vontade e com todo o conhecimento, na plenitude de nossa soberana autoridade, temos ordenado e ordenamos o que se segue, para ser observado como lei do Estado.”
Por que o sábio chefe da cristandade não publicou a Constituição em nome de Deus?
O Sr. Corrêa de Oliveira – Porque exerce a autoridade suprema.
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – Não se precipite: chegarei lá. Era contrário à técnica. S. Santidade, quando fala em assuntos religiosos, sobretudo ao definir dogmas, exprime-se em nome de Deus; porém, quando promulga normas positivas, fala em seu próprio nome, porque é um rei.
O Sr. Corrêa de Oliveira – V. Ex.cia dá licença para um aparte?
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – Já sei que vão cair todos em cima de mim. (Risos.) Fosse ele chefe de uma república democrática, falaria em nome do povo, com o pensamento nos destinos e na glória da pátria e na felicidade de seus cidadãos. (Muito bem.)
O Sr. Augusto Viegas – Todos aqui representam a Nação, e se todos se voltam contra V. Ex.cia, é porque querem o nome de Deus no preâmbulo da Constituição, é porque assim o quer a própria Nação. 23
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – A Áustria é um dos países mais genuinamente católicos do mundo, a tal ponto que seu soberano gozava da prerrogativa fantástica de vetar a escolha do Sumo Pontífice.
O Sr. Adroaldo Costa – Foi revogada.
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – Foi revogada depois; mas existia.
Essa prerrogativa era de tal força que foi necessário não eleger o cardeal Rampola, a mais brilhante figura do Sacro Colégio e uma das inteligências mais iluminadas do universo, para evitar o veto do Imperador da Áustria.
A Áustria, entretanto, não promulgou a sua Constituição em nome de Deus, porque um católico que era um grande técnico, que o professor Barthelemy e o vosso querido Guetzviche chamaram de “maior sumidade em direito constitucional do mundo”, – Hans Kelsen – achou que não seria técnico.
O Sr. Corrêa de Oliveira – V. Ex.cia dá licença para um aparte?
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – Já sei o que V. Ex.cia vai dizer.
As repúblicas do Pacífico a que me referi, com injustiça, no seio da Comissão dos 26; aquelas duas repúblicas, reformando sua constituição, retiraram a invocação. Por que mudaram de religião? Não mudaram. Porque era contra a técnica.
(Trocam-se apartes. O Sr. Presidente reclama atenção.)
Replicam-me invocando a Constituição polaca.
Compreende V. Ex.cia, Sr. Presidente, que é preciso ter muito amor ao Brasil, para avaliar a profundidade da minha mágoa: timbram, no século vinte, em matéria de sociologia jurídica, em filiar a nossa cultura à escola polaca.
O Sr. Arruda Falcão – Os patriotas brasileiros de 1817 redigiram seus documentos com a fórmula em nome de Deus.
O Sr. Corrêa de Oliveira – A sociologia jurídica brasileira não pode ser tutelada pela de qualquer outro país. Deve ser independente, deve atender às suas próprias necessidades.
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – Mudemos de assunto antes que a irritação de alguns ouvintes leve a rumo errado o debate.
O Sr. Adroaldo Costa – O próprio partido de V. Ex.cia assinou a emenda.
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – O aparte de V. Ex.cia evidencia que somos uma bancada de homens livres; nenhum é Maria vai com as outras. Lembrarei a V. Ex.cia que no dia seguinte ao em que a Comissão dos 26 repeliu a emenda encontrei-me com o General Flores da Cunha, o qual me declarou ter recebido a visita de um enviado de S. Eminência o Cardeal; este lhe mandava pedir para manter o apoio, que ele garantira, às exigências religiosas. Ele, porém, objetou que apenas eu já havia votado contra a emenda relativa a decretar a Constituição em nome de Deus, voto que o General aprovava; e o enviado do Cardeal observou ao General Flores da Cunha, que me comunicou meia hora depois, não ter S. Eminência tomado parte alguma nessa iniciativa, que achava um exagero.
O Sr. Bias Fortes – Logo, não é a Igreja mas a democracia, em nome dos sentimentos católicos do povo brasileiro.
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – Pela argumentação de V. Ex.cias, só há uns três ou quatro países católicos no mundo, sendo o resto ateu. Se votar, como votei, importa em não ser católico, não há mais de 4 países católicos no universo.
O Sr. Augusto Viegas – Há homens ateus; mas não há povos ateus.
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – Trata-se de uma questão de técnica, e não de religião. (Trocam-se inúmeros apartes.) […]
O Sr. Presidente – (Fazendo soar os tímpanos.) – Atenção! Está com a palavra o Sr. Deputado Carlos Maximiliano, que acaba de declarar que vai mudar de assunto. (Risos.)
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – V. Ex.cia tem razão. Vou mesmo mudar de assunto.
O Sr. Mário Ramos – V. Ex.cia dá licença para um aparte? Chego ao recinto neste instante, não pude ouvir, pois, as considerações de V. Ex.cia. Desejo dizer, entretanto, com toda a fé em Deus, que a iniciativa foi exclusivamente minha, em seguida apoiada pelos nobres colegas Augusto Lima e Arruda Câmara e por todos que assinam a emenda. Somos por ela os únicos responsáveis; S. Eminência o Sr. Cardeal, não foi consultado, mas não creio que nos desaprove. A iniciativa nasceu e floresceu nos sentimentos desta Assembléia.
O Sr. CARLOS MAXIMILIANO – O Sr. Presidente já deu ordem para mudar de assunto… (Risos.)
[O Deputado Carlos Maximiliano muda de assunto, continuando a discorrer longamente sobre o projeto elaborado pela Comissão dos 26.]
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1936, vol. XI, pp. 516 a 519
98ª Sessão, em 19 de março de 1934
Os méritos de Anchieta estão inscritos na
gratidão de todos os brasileiros
Requerimento
Nº 1
Refletindo o sentimento unânime da população paulista, que reconhecendo embora em Anchieta um motivo de legítima ufania para todo o Brasil, sente-se, no entanto, ligado a ele de um modo particular pelo glorioso papel que teve na fundação de São Paulo;
Considerando que, no dia 19 de março, o povo brasileiro, justamente empolgado, comemorará o IVº Centenário Anchietano com celebrações entusiásticas, altamente expressivas da admiração que vota ao Apóstolo do Novo Mundo;
Considerando que, a essas comemorações, já se associou o Governo Provisório, declarando feriado nacional o dia 19 de março próximo;
Considerando que a Assembléia Constituinte, por sua vez, não pode deixar de render o preito de sua admiração aos méritos e serviços do Padre José de Anchieta, que estão indelevelmente inscritos na gratidão de todos os corações brasileiros:
Requeremos que, na Ata dos trabalhos de hoje, a Assembléia Constituinte consigne o profundo reconhecimento da Nação Brasileira àquele que lhe dedicou todos os tesouros de sua virtude invencível e de seu engenho fecundo, elevando nossa História, logo nas suas primeiras páginas, a um grau de beleza que nenhuma outra nação, mesmo entre as mais famosas e antigas, se pode gabar de haver superado.
Sala das Sessões, 17 de março de 1934. – Corrêa de Oliveira ‑ Alcântara Machado. ‑ Cincinato Braga. ‑ José Carlos de Macedo Soares. – Oscar Rodrigues Alves. –Th. Monteiro de Barros Filho. – Roberto Simonsen. – Almeida Camargo. – A. C. Pacheco e Silva. – Ranulpho Pinheiro Lima. – Alexandre Siciliano Júnior. – Carlota de Queiroz. – M. Whatelly. – Henrique Bayma. – Cardoso de Mello Netto. – Hyppolito do Rego. – Abreu Sodré. – José Ulpiano. – Barros Penteado – Moraes Andrade.
Inteira procedência de uma
homenagem especial a Anchieta
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Peço a palavra.24
O Sr. Presidente ‑ Tem a palavra, para encaminhar a votação o nobre Deputado.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA (Para encaminhar a votação, lê o seguinte discurso.) – Sr. Presidente. Tendo eu recebido, da bancada a que me honro de pertencer, a incumbência de, em breves palavras, para encaminhar a votação, salientar, perante esta Augusta Assembléia, a oportunidade e a inteira procedência de uma homenagem especial a Anchieta, assaltou-me a persuasão angustiante da inviabilidade da tarefa para que fora destacado.
Realmente, louvar virtudes às quais o povo brasileiro vota uma admiração que já hoje alcançou o seu apogeu; engrandecer feitos que têm em si mesmos, e nos resultados que produziram, a maior das glorificações, de tal forma que se torna fraca a voz da maior eloqüência, diante de fatos que elevam seu louvor acima de qualquer elogio; não será isto temeridade, principalmente no seio de uma Assembléia em que tantos espíritos de escol já têm aplicado seu talento em celebrar Anchieta em obras de um valor incontestável?
E, involuntariamente, aflorou-me ao espírito a pergunta que o Apóstolo do Novo Mundo colocou no intróito do poema que escreveu na areia branca do litoral paulista: “Sileam an loquar, Sanctissima Mater?”25
Ele soube encontrar acentos próprios, para louvar a mais elevada das criaturas. Aquela que, cantada pelos profetas já antes do seu nascimento, viu-se chamar bem-aventurada por todas as gerações que lhe sucederam.26
Deverei também eu procurar palavras novas para celebrar aquele que na grandeza de suas virtudes e na força de seu gênio, parece uma bênção viva d’Aquela a quem, com tanto amor, ele cantou?
Não, o louvor só é necessário quando o esquecimento começa a cobrir com seu musgo uma memória gloriosa, ou quando a calúnia cobre de lama uma reputação imaculada.
Nem o esquecimento nem a calúnia empanam o brilho da glória de Anchieta, que é hoje o sol que fulgura no zênite da História Brasileira.
Com seu vigor de herói e sua virtude de santo, ajudou a construir a nação brasileira
Seu vulto se ergue nas cabeceiras de nossa História, presidindo à formação da nacionalidade, com seu vigor de herói, e com sua virtude de santo.
As figuras congêneres, que vemos na nascente de um grande número de nações famosas, brilham em geral, num ardor agressivo de heróis selvagens e implacáveis, conquistando a celebridade ora em guerras justas, ora em inqualificáveis rapinas.
Sua existência é discutida, e suas grandezas são fantasias tecidas pelo orgulho nacionalista, que se dissipam inteiramente pelo estudo imparcial da História. E isto desde Rômulo até Guilherme Tell.
Anchieta, pelo contrário, entrou para a História em um carro de triunfo que não era puxado por prisioneiros e vencidos, e nem a dor figurou no seu cortejo, nem os hinos de guerra celebraram seu triunfo e nem as armaduras foram seu paramento.
O Sr. Arruda Falcão – O vulto insigne de Anchieta se renova cada vez maior em todas as etapas de nossa história.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Serviu-lhe de traje a túnica branca de sua inocência imaculada.
Constituia-lhe o cortejo pacífico uma raça que arrancara da vida selvagem, e defendera contra o cativeiro, e uma Nação inteira, que ajudara a construir para a maior glória de Deus, abrandando o rancor dos homens e das feras, na realização da promessa evangélica: “Bem-aventurados os mansos, que possuirão a terra”27.
A mansidão suave ligada à energia serena, mas inexorável, é a flor de virtude que Anchieta semeou na alma brasileira
Mas eu disse mal, Sr. Presidente, quando afirmei que a dor não figurara no seu cortejo triunfal: era ela o nimbo que o aureolava. Era a dor cristã do pelicano, que enche de amargura ao mártir e ao Santo, mas banha em suavidade quantos dele se acercam.
Ele passara sua vida a distribuir rosas… E os espinhos, guardara-os para si, nas labutas do apostolado.
Em Anchieta, vas electionis28, brotara uma flor de virtude, e esta flor, ele a semeou por todo o Brasil: é a mansidão suave, ligada à energia serena, mas inexorável, que é o eixo de nossa alma.
Em seu livro sobre Anchieta, refere Celso Vieira, na Ilha das Canárias há um monte de cujo cume o excursionista pôde contemplar, graças a um curioso fenômeno visual, sua figura, projetada em sete cores sobre o céu, numa visão magnífica de glória.
Anchieta é vulto culminante de nossa História. E o fenômeno visual que Celso Vieira descreve outra coisa não é, senão o símbolo grandioso do seu destino, e da Nação que haveria de fundar.
Retemperemos a fibra de nossa alma na contemplação do maior vulto de nosso passado
No momento presente, o Brasil atingiu, no seu roteiro histórico, uma culminância de onde se divisam ao mesmo tempo, sendas tortuosas que conduzem para vales sombrios e caminhos luminosos para novas escaladas.
Convém, pois, que, nesta hora de tremendas responsabilidades, retemperemos a fibra na contemplação reconhecida, do maior vulto de nosso passado, e que, desviando nossos olhares dos abismos que nos solicitam, olhemos para o alto num gesto de confiança em Deus, antevendo, projetada em sete cores sobre o céu do futuro, a nossa Pátria engrandecida pela plena realização de sua missão histórica providencial. (Muito bem; muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado.)
Em seguida, é aprovado o requerimento nº 1, do Sr. Plinio Corrêa de Oliveira e outros.29
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Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1936, vol. XIII, pp. 244-25830
112ª Sessão, em 5 de abril de 1934
Apelação ex officio das sentenças
declaratórias de nulidade do casamento e
direito de voto dos religiosos
O Sr. Presidente – Tem a palavra o Sr. Corrêa de Oliveira.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Sr. Presidente, a atuação que tenho tido nesta casa dá aos meus ouvintes, por certo, a impressão que trago à tribuna o desejo de tratar das reivindicações religiosas, aqui suscitadas. No entanto, outro assunto de alta relevância – e que se deve resolver no terreno da mais pura técnica jurídica –, me força a dividir meu tempo entre dois temas, dos quais o primeiro será a constitucionalidade da apelação ex officio31 das sentenças declaratórias da nulidade de casamento, e o segundo uma impugnação à proibição do voto aos religiosos, acompanhada de um exame sucinto da situação dos religiosos, membros de ordens religiosas, no substitutivo da Comissão dos 26.
A apelação ex officio nas sentenças declaratórias de nulidade de casamento é um preceito altamente moralizador
O anteprojeto do Governo Provisório32 continha um artigo tornando obrigatória a apelação ex officio com efeito suspensivo, para as sentenças declaratórias de nulidade de casamento. Esse preceito, altamente moralizador, e que produziria os melhores efeitos sobre a unidade da família brasileira, foi abolido pela Comissão dos 26, no estudo que empreendeu, prejudicando com isso gravemente os verdadeiros interesses, quer da honestidade e da probidade da Justiça nacional, quer da unidade da família.
Não posso compreender quais tenham sido os móveis da Comissão dos 26 ao estabelecer a supressão de que trato; só a posso atribuir ou a considerações versando sobre os inconvenientes da apelação ex officio como remédio processual, ou então sobre a inconstitucionalidade da medida pleiteada. No entanto, em que pese à autoridade dos doutos jurisconsultos que fazem parte da Comissão dos 26, eu me vejo na contingência de deles discordar, procurando demonstrar, por um lado, que no terreno processual a apelação ex officio é um remédio perfeitamente cabível e absolutamente consentâneo com os interesses das partes em litígio e do Estado; e, por outro lado, pretendendo demonstrar também que é perfeitamente constitucional dentro da acepção moderna que se dá à palavra “constitucionalidade”. Abstenho-me, no entanto, de provar a existência do mal que o Governo Provisório tinha em vista remediar, quando incluiu no anteprojeto que nos remeteu, a obrigatoriedade da apelação ex officio. Efetivamente está isso no consenso de todos. As anulações de casamento feitas entre nós têm obedecido muitas vezes a motivos inconfessáveis, têm sido realizadas de modo absolutamente irregular, acarretando como conseqüência a introdução virtual do divórcio a vínculo, exatamente para uso daqueles que, pelas somas avultadas de dinheiro de que podem dispor, têm em suas mãos a faculdade de anular os seus casamentos por meio da peita e do suborno. E particularmente grave se apresenta a irregularidade que quero coibir, por ser justamente nas classes mais elevadas da sociedade, naquelas que, pelos seus meios de vida, pela sua cultura, pela sua posição, dão exemplo a todo o corpo social, por ser justamente nelas que se manifesta a gangrena, o germen de dissolução da família brasileira.
O Sr. Arruda Falcão – Felizmente, casos muito raros.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Muito raros, em alguns Estados. Infelizmente, e os meus colegas podem confirmar o fato, vão se tornando cada vez menos raras essas anulações em algumas das unidades da Federação.
O Sr. Pinheiro Lima – Realmente, tenho observado que o mal se vai tornando ameaçador, pela rápida multiplicação dos casos de anulação irregular.
O Sr. Almeida Camargo – Também eu me tenho impressionado com isto. V. Ex.cia tem razão. Tais casos, já numerosos, tendem a multiplicar-se pronunciadamente.
O Sr. Arruda Falcão – V. Ex.cia está constatando fatos verídicos, ainda que raros, e cumpre legislar para que se não multipliquem.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Sr. Presidente, levanta-se habitualmente, a este propósito, objeção que pretende desfazer minha argumentação.
A imensa maioria dos juízes de primeira instância encontrará motivos de júbilo nessa medida
Alega-se que estabelecer a obrigatoriedade de apelação ex officio para as sentenças declaratórias de nulidade de casamento é, implicitamente, proclamar a falência da Magistratura brasileira, seria incidir em desprimor para com a Magistratura de primeira instância. No entanto, não posso aceitar esse argumento, porque me parece que a honradez insuspeita e incontroversa da grande, da imensa maioria dos nossos juízes de primeira instância, só poderá encontrar motivos de júbilo diante de medidas legislativas que tenham por efeito coibir abusos de alguns de seus colegas que desmereçam da confiança com que, ao lhes conferir a Magistratura, os honrou a Nação brasileira.
O Sr. Ferreira de Sousa – Há o seguinte: a apelação ex officio, em todas as sentenças anulatórias de casamento, foi medida adotada inicialmente no Estado do Rio, em vista de certos fatos muito nossos conhecidos, ocorridos em determinadas comarcas, próximas da capital; mas é de acrescentar – e para isso dou a informação a V. Ex.cia – que tais apelações ex officio não têm dado resultado, porque, normalmente, o Tribunal da Relação confirma as sentenças anulatórias de casamento, simplesmente porque houve conluio, na primeira instância, entre as partes.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – O meu nobre colega, com seu aparte esclarecedor, vem confirmar o que acabo de sustentar, isto é, que são, realmente, numerosos esses casos de anulação de casamentos e que a apelação ex officio é a melhor providência de que nos devemos socorrer para evitar o mal.
Na elaboração das leis que virão depois do Pacto Constitucional será, no entanto, necessário prever outros meios de fraude, como os que o colega denuncia, que não estão na alçada de uma Constituição, porque a pequena relevância de suas minúcias não cabe dentro da gravidade, da austeridade de um pacto fundamental. Mas o legislador futuro não deverá parar na etapa constitucional do caminho que desejo apontar; deve ir muito além, descendo a minúcias muito criteriosas a fim de coibir de vez o abuso.
Interpreto, portanto, o aparte do ilustre colega, como uma confirmação das minhas palavras.
O Sr. Ferreira de Sousa – Interrompi V. Ex.cia, não direi para esclarecer, mas apenas para citar casos que corroboram as afirmações do digno colega.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Sr. Presidente, como dizia o Sr. Deputado Ferreira de Sousa, o Governo Provisório já teve ocasião de legislar a respeito dos abusos que agora nos preocupam, estabelecendo a obrigatoriedade da apelação ex officio, e o Ministro Oswaldo Aranha – nós o podemos constatar no livro do Sr. Mendonça de Azevedo, Elaborando a Constituição – quando teve de apresentar a parte do projeto referente à família, na comissão elaboradora do anteprojeto governamental, com a sua autoridade de antigo titular da pasta da Justiça, sugeriu a medida que ora defendo, justificando-a com os termos mais enérgicos, e verberando, de modo o mais categórico, isso que chamava “os maiores escândalos verificados no Brasil ultimamente”. (Muito bem.)
Parece-me que posso passar à segunda parte das minhas considerações, uma vez que está pacífico entre os meus dignos colegas que o mal é da maior gravidade, e que merece remédio legislativo.
Não é porque o aparelhamento da Justiça seja insuficiente que se deve pôr em risco a estabilidade do vínculo conjugal
Argumentou-se contra a conveniência da apelação ex officio, como meio processual.
O Sr. Arruda Falcão – É de toda a conveniência, porque há vários casos em que o interesse em litígio justifica a revisão da sentença do Tribunal Superior.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Exatamente. Como dizia, tem sido afiançado que os tribunais de segunda instância, já sobrecarregados por processos de toda a ordem, só muito lentamente poderão decidir as apelações ex officio, encaminhadas ao seu conhecimento, e que as apelações tornam muito lentos os processos de anulação de casamento, com grave prejuízo para as partes. A esta objeção, eu respondo que, se entre o prejuízo para as partes e o gravíssimo prejuízo para os interesses da sociedade, houvesse de se estabelecer um conflito, eu estaria inteiramente ao lado dos interesses coletivos, contra os interesses individuais.
O Sr. Xavier de Oliveira – Com V. Ex.cia está a maioria da opinião nacional. (Muito bem.)
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Muito obrigado a V. Ex.cia.
Devo ponderar, no entanto, a V. Ex.cias que, parece-me, esse argumento absolutamente não procede porque ele descobre apenas um mal de que talvez devamos tratar nesta Constituição, ou que será afeto à sabedoria dos Constituintes Estaduais, quando se ocuparem do assunto. O mal é exatamente o acúmulo de tarefas com que se vêm assoberbadas as segundas instâncias das justiças estaduais, acúmulo esse que redunda forçosamente em prejuízos para a Justiça. Entretanto, não é porque o aparelhamento da Justiça dos Estados seja insuficiente para dar vazão a todas as suas necessidades, que se deverá pôr em risco a estabilidade do vínculo conjugal; não há de ser por esse motivo que haveremos de permitir que o suborno se introduza no seio da nossa Magistratura, e que a mancebia tome ares de legalidade, pretendendo ombrear com famílias legítimas, em situação de igualdade na consideração social.
Não é, portanto, argumento que se possa apresentar, máxime num momento como este em que temos em nossas mãos os destinos do País, com a possibilidade de alterar ou reformar todos os pontos de sua legislação.
Tem-se ↓33 argumentado, também, a respeito de custas; não sei se esse ponto merece que me alongue muito. É preciso, entretanto, ponderar que, ainda aí, seria mais vantajoso prescindir das custas decorrentes das apelações ex officio, do que cobrar essas custas altas, caras como as que atualmente se cobram, para evitar graves inconvenientes para a família que, do contrário, ficará com a sua estabilidade prejudicada.
A ação dos curadores falha exatamente nos casos em que deveria funcionar com mais severidade
Afirma-se, também, que nos processos de anulação de casamento intervém, forçosamente, um curador para defender os interesses superiores do Estado, de sorte que a apelação ex officio se torna desnecessária.
Penso que esse argumento também não merece exame detido.
Os fatos que acabam de ser tão claramente comprovados pelos meus eminentes colegas, mostram, eloqüentemente, que a intervenção dos curadores tem sido inoperante e, por isso, é indispensável recorrer a medida processual de outra natureza.
O Sr. Ferreira de Sousa – A intervenção dos curadores não é nem operante nem inoperante; depende, simplesmente, do modo de ver do juiz que nomeia o curador. Há juízes, por exemplo do Distrito Federal, que só nomeiam curadores ao vínculo advogados reconhecidamente inimigos do divórcio, de sorte que eles sabem, de antemão, que esses advogados vão naturalmente defender o vínculo; mas, quando o juiz se acumplicia com as partes para nomear curadores ao vínculo, que com elas também se combinam, não há eficiência do curador nem do próprio juiz.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Por esse motivo, dizia eu que os curadores são inoperantes, pois que sua ação falha exatamente naqueles casos em que deveriam funcionar com mais severidade, e com conhecimento mais austero de seus deveres, isto é, quando devem servir de fiscais à inconsciência de um juiz venal.
Nada repugna a que se procure assegurar a indissolubilidade do vínculo conjugal por meio de preceito constitucional
Quanto à constitucionalidade da medida, devo notar, in limine34, que o eminente jurisconsulto João Mangabeira, na comissão elaboradora do anteprojeto constitucional, do Governo Provisório, quando o Sr. Ministro Oswaldo Aranha pretendeu introduzir no projeto da Constituição alguns dispositivos relativos à indissolubilidade do vínculo conjugal, alegou não ser esta matéria constitucional. O Sr. Ministro Oswaldo Aranha – e essas informações podem ser lidas no livro Elaborando a Constituição, que todos os Srs. Deputados têm em mãos – fez sentir ao Sr. João Mangabeira que, uma vez que o casamento era posto sob a proteção do Estado, em nada repugnava que se procurasse assegurar a indissolubilidade do vínculo conjugal, por meio de preceito constitucional.
O Sr. João Mangabeira, então, num gesto de alta compreensão de seus deveres, como representante do pensamento brasileiro, declarou que, pessoalmente favorável ao divórcio, no entanto, dentro da comissão ou, se fosse Deputado, dentro da Constituinte, votaria contra o divórcio, por estar certo de que [votar a favor] representaria medida altamente antipática para a maioria da população brasileira; motivo pelo qual, consciente de seus deveres, aceitava os argumentos do Sr. Ministro Oswaldo Aranha e dava seu voto para que a afirmação da indissolubilidade do vínculo conjugal constasse na Carta Constitucional.
Quando se tratou da medida que ora me preocupa, nem o Sr. João Mangabeira levantou o menor protesto. Adversário, no entanto, da indissolubilidade do vínculo, já era para ele medida mansa e pacífica a constitucionalidade da apelação ex officio, das sentenças anulatórias do casamento.
Seria muito de desejar que essa largueza de vistas fosse extensiva a todos os Deputados. Infelizmente, porém, por uma circunstância ou por outra, talvez porque não quisessem ver, com clareza, a unanimidade que há, no Brasil, contra o divórcio, alguns de nossos constituintes entenderam que essa medida seria inconstitucional, que seria inconveniente talvez, e, por isso, suprimiram-na no substitutivo.
O Sr. Arruda Falcão – Foi um erro. Não atenderam a que estamos elaborando uma Constituição em sentido lato, isto é, não limitada à organização do Estado, mas estendendo-se à organização social.
O Sr. Ferreira de Sousa – Há uma espécie de fetichismo pelas fórmulas feitas. A matéria constitucional é abstratamente declarada inconstitucional, quando deveriam compreender que numa constituição pode figurar tudo que convenha, aos altos interesses do País, considerar como medida de caráter permanente.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Os apartes dos nobres colegas muito me satisfazem e de certa maneira vão antecipando a demonstração da matéria de que me ocupo, e que, já agora, julgo não ser tão necessária.
A constitucionalidade de uma matéria não depende da natureza do assunto, mas de sua relevância
Um dos mais eminentes membros desta Casa, o Sr. Carlos Maximiliano, sustenta – e é um dos paladinos desse pensamento –, a velha doutrina da constitucionalidade, que se admite apenas em casos restritos, atendendo exclusivamente à natureza especial da matéria que se quer incluir na Constituição.
O Sr. Homero Pires, entretanto, em memorável discurso pronunciado dessa tribuna, provou, cabalmente, que a constitucionalidade de uma matéria não depende hoje em dia da natureza do assunto, mas apenas da sua relevância. Para este efeito, citou uma série de disposições legislativas, adotadas em outros países, que pretendo reproduzir.
Dizia o Sr. Carlos Maximiliano, por exemplo:
“A hierarquia, como todo mundo sabe, mas é preciso no momento aludir a ela, consiste em colocar em primeiro lugar um código supremo. Com essa série de necessidades, a que de passagem me referi, com essas exigências da civilização contemporânea, por mais concisa, por mais resumida, por mais perfeita sob o aspecto técnico que ela seja, já não pode ser tão breve, tão curta quando as leis anteriores congêneres.” §
Mesmo ele já admite alguma elasticidade no seu conceito inflexível.
“Em todo o caso, porém, forma a cúpula de todo o sistema; é apenas o arcabouço da legislação nacional. Corporifica o pensamento do povo naquele momento…”
Se quiséssemos corporificar, agora, o pensamento do povo brasileiro…
“… e atende de maneira global às suas mais prementes necessidades. Depois, vêm as leis orgânicas, também já não alteráveis tão facilmente, um pouco mais desenvolvidas, mas expondo os princípios cardeais para a justiça, para as Forças Armadas, e para a higiene, para a educação. Em seguida, as leis ordinárias.”
Vimos como esta Casa – na votação que fez em primeiro turno – rejeitou, radicalmente, essa orientação, admitindo, no substitutivo, medidas referentes às Forças Armadas, à justiça, à educação e, até, à família, aceitando ainda como assunto constitucional a indissolubilidade do vínculo conjugal – que S. Ex.cia pretendia não fosse constitucional –, e mantendo como constitucional um artigo que trata da proteção ao patrimônio artístico do país.
Outra tendência, a do professor Homero Pires, foi muito brilhantemente expressa. Quero reproduzir algumas das palavras do seu discurso.
Dizia S. Ex.cia, depois de defender o sentido lato da noção de constitucionalidade, aceito pelas modernas constituições:
“Nesse sentido o que é constitucional e o que não é constitucional? Difícil se torna a resposta… Precisamos compreender a Constituição como a soma de todos os interesses familiares, econômicos, industriais, científicos, morais e jurídicos da nação brasileira.”
E o eminente professor mostra, a seguir, que o único critério é o da relevância da matéria, sob qualquer dos aspectos acima enumerados.
Aristóteles, citado pelo famoso constitucionalista anticatólico Jiménez de Assua (Comentários da Constituição Espanhola), define a Constituição:
“A ordem estabelecida no Estado, com referência às diferentes magistraturas e ao seu funcionamento, determina a soberania do Estado e o objeto de cada associação política.”
Jiménez de Assua mostra, muito bem, como, com a evolução do espírito jurídico, a parte dogmática – e insisto nesta palavra que é empregada por um escritor anticlerical –, introduzida pela Revolução Francesa nas constituições políticas, já lhes alargou o conceito.
O Sr. Ferreira de Sousa – Perfeitamente.
As questões políticas estão intimamente ligadas às de ordem social
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Mais tarde, lentamente, se verificou que a vida de um povo não podia depender apenas de uma carta constitucional, tratando de problemas rigorosamente políticos e jurídicos, pois que o desenvolvimento das ciências sociais demonstrou cabalmente que as questões políticas estão intimamente ligadas às de ordem social, cuja solução condicionam de maneira muito importante.
Chegando a ciência jurídica a essa conclusão, não foi mais possível fechar as cartas constitucionais às soluções de problemas de natureza social. E temos [o Sr.] Carlos Maximiliano contrariando a orientação do eminente jurista, quase todas as cartas promulgadas na Europa depois da guerra, e algumas até anteriores, repudiando formalmente qualquer diferenciação sobre a constitucionalidade por força da natureza do assunto, para aceitar como critério apenas a sua relevância.
O Sr. Ferreira de Sousa – V. Ex.cia pode citar a própria França, onde a Constituição é muito resumida. Hoje, uma das grandes campanhas no sentido de reformá-la visa alargar o seu campo de ação, estendendo-o a outros problemas.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Perfeitamente.
Admite-se hoje toda sorte de assuntos como matéria para uma Constituição
Vem muito ao caso citar alguns exemplos. A Grécia, verbi gratia35, a Grécia ortodoxa – não pensem que é arrojo dos católicos – declara inalterável o texto das Sagradas Escrituras e proíbe edições não autorizadas pela igreja ortodoxa autocéfala.
A Suíça atribui à União a incumbência de legislar sobre caça e pesca, com a particular recomendação de conservar a caça maior e defender as aves úteis à agricultura e silvicultura, e ordena que as reses destinadas a serem sacrificadas se insensibilizem previamente.
A Alemanha coloca as paisagens, em sua Constituição, sob a proteção do Estado.
O Sr. Mário Ramos – Não pode haver maior detalhe.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – A Holanda traz numerosas disposições, na sua Constituição, referentes às águas. O México tem legislação particular, de natureza constitucional, sobre o petróleo e os carbonatos de hidrogênio. Os Estados Unidos, cujo modelo procuramos seguir em matéria constitucional, incluíram na sua Constituição a lei seca. A Espanha admitiu como matéria constitucional o divórcio a vínculo. É exatamente para justificar este exemplo que argumenta Jiménez de Assua dizendo ser perfeitamente constitucional o preceito do divórcio a vínculo, uma vez que tal matéria é relevante para o interesse do Estado…
O Sr. Ferreira de Sousa – Aliás, a Constituição espanhola o consagrou.
O Sr. Barreto Campello – Em sentido contrário ao nosso.
O Sr. Arruda Falcão – Mas a matéria jurídica é a mesma.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – … mostrando a que ponto na realidade o pensamento jurídico moderno quebrou os moldes de aço dentro dos quais o Sr. Maximiliano queria comprimir nossos trabalhos constitucionais, admitindo-se hoje toda a sorte de assuntos como matéria para uma constituição.
Na nossa Constituição de 91, as liberdades individuais tiveram a maior proteção e desenvolvimento. Se os Constituintes de 91 não fugiram diante no expediente de incluir na Carta Constitucional medida eminentemente processual, como o habeas-corpus36, por reputá-lo imprescindível para a defesa das liberdades individuais, por que motivo não havemos de acompanhar a marcha dos espíritos e a evolução da ciência jurídica? Por que motivo não havemos de incluir na Constituição as apelações ex officio, para as sentenças anulatórias do casamento, uma vez que este também passa a ser matéria constitucional e é colocado sob a proteção especial do Estado?
Parece que foi suficientemente demonstrada a inanidade do argumento que se opõe a essa medida, altamente salutar e moralizadora.
O Sr. Arruda Falcão – V. Ex.cia permite um aparte?
Quero apenas dizer que não será só pela relevância da matéria, mas pela sua própria natureza, que a Constituição legislará, pois cumpre ao Estado regular a existência das instituições e entre todas, portanto, da família.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Aliás, a família é instituto de direito público. O aparte de V. Ex.cia vem esclarecer minha tese.
O Sr. Almeida Camargo – Basta que nos dispamos do tabu das definições.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – É exatamente este o mal.
Houve alguém em São Paulo, o Dr. Plinio Barreto, que [a] comparou à antiga Arca da Aliança, na qual não se podia tocar sem ser fulminado. Infelizmente, estou me expondo a ser excomungado da ciência jurídica, por parte de alguns dogmatistas, inimigos contraditórios de outros dogmas, que aceito. Mas eu faço mesmo questão de parecer herege na sua igreja, exatamente como eles o fazem quanto à minha.
A medida visa debelar germes de corrupção em partes absolutamente vitais da organização do País
Creio, Sr. Presidente, que não será mais necessário que me estenda a respeito dessa matéria, que encontrou tão boa aceitação. Uma vez estabelecido que o único critério para a constitucionalidade de qualquer assunto é sua relevância, [acho] apenas necessário lembrar que também é relevante esta medida, que vem enfrentar exatamente dois perigos mortais, debelando germes de corrupção, que se instituíram em partes absolutamente vitais, da organização do País, como seja a estabilidade do vínculo conjugal e a honestidade da magistratura.
Posso, portanto, passar à parte segunda das minhas considerações, que versa sobre matéria inteiramente outra.
Em 1891, espíritos de valor, e insuspeitos do
ponto de vista anti-religioso, reconheceram aos
religiosos o direito de voto
Quero ainda aqui impugnar o trabalho da Comissão Constitucional, data venia37, ferindo agora a parte referente à proibição de voto aos religiosos, e a situação em que os coloca no seu substitutivo.
Cumpre-me, entretanto, afirmar, preliminarmente, que não é investindo contra a primeira Constituinte Republicana, que pretendo estabelecer a minha argumentação, pois que, na própria Constituinte de 91, espíritos do valor e da insuspeição, do ponto de vista anti-religioso e democrático, de Júlio de Castilhos, Conselheiro Saraiva, Anfilóquio, de toda a bancada rio-grandense, de Amaro Cavalcanti, Demétrio Ribeiro, Meira Vasconcelos, Zama, Barbosa Lima, João Barbalho…
O Sr. Ferreira de Sousa – Os maiores constitucionalistas.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Muniz Freire, Tosta, Alcindo Guanabara, Serzedelo e, principalmente, o apostolado positivista, em famoso memorial enviado à Constituinte de 91, insistiram para que fosse reconhecido aos religiosos o direito de voto.
O Sr. Ferreira de Sousa – O que é de lamentar é que a Comissão Constitucional tenha retrogradado, em matéria de preconceitos anti-religiosos, a ponto de restabelecer a proibição de votarem os religiosos regulares.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – A comissão, que chamarei de super-Comissão…
O Sr. Ferreira de Sousa – Super-Comissão também já a chamei eu.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – … por causa das atribuições ilimitadas, foi contra os desejos do apostolado positivista, e, no entanto, bem suspeito a nós, católicos.
O espírito anti-religioso se levanta contra o voto dos religiosos com cinco argumentos
O Sr. Lauro Sodré fez, em 1891, uma argumentação que mostrara bem o que chamarei a acidez do espírito anti-religioso, quando se levanta contra o direito de voto dos sacerdotes regulares.
Os argumentos expostos pelo eminente brasileiro, e que ainda hoje refletem a mentalidade dos que são contrários ao votos dos religiosos, são os seguintes:
Em primeiro lugar, os religiosos fazem renúncia da autonomia de suas consciências; em segundo, saem espontaneamente da sociedade; em terceiro, se furtam, pelo egoísmo social, ao ônus do matrimônio; em quarto, se votarem, confundirão os poderes espiritual e temporal; em quinto, o clero estava agindo anti-republicanamente e os republicanos não se podiam entregar a seus inimigos.
Argumentava-se que o clero estava agindo contra as instituições republicanas. É textual a parte que vou reproduzir: dizia-se que os republicanos seriam tolos se se entregassem de mãos atadas a seus adversários.
Esses argumentos fazem pensar.
O religioso não tem voto de obediência em matéria relativa à política
Em primeiro lugar, é preciso se afirmar, de uma vez por todas – e que esta noção fique definitivamente na convicção geral – que o religioso não tem voto de obediência em matéria relativa à política. O voto de obediência, de acordo com a fórmula dentro da qual foi emitido, abrange apenas a regra da instituição a que o religioso se vai filiar.
Assim, se o religioso se filia, por exemplo, à benemérita Companhia de Santo Inácio, que tem por missão o apostolado habitualmente exercido através do ensino secundário, não é obrigado a aceitar imposições de seus superiores, ainda que feitas em nome da santa obediência, quando essas imposições são de natureza a forçá-lo, por exemplo, a trabalhar em hospitais, pois que o trabalho hospitalar não está nas finalidades visadas por Santo Inácio, quando fundou a Companhia de Jesus. Vemos, pois que é totalmente contrário à realidade a afirmação do Sr. Carlos Maximiliano, nos seus comentários à Constituição, p. 679, quando diz que “os regulares fazem voto de obediência passiva em todos os assuntos”.
A liberdade do religioso em assuntos alheios à Ordem existe e foi, recentemente, objeto de luminosa sentença de um tribunal eclesiástico na Espanha, relativamente – se não me engano – a um frade agostiniano, que se declarava isento de qualquer obediência à ordem que lhe fora dada para seguir como missionário em África, alegando que a finalidade agostiniana não era essa. Pois bem: o tribunal deu ganho de causa ao frade e ficou mais uma vez vencedora a doutrina, pacífica, aliás, entre todos os canonistas, que o voto de obediência só atua dentro da finalidade da ordem religiosa.
Ora, V. Ex.cias, por mais que procurem, não encontrarão instituição religiosa que tenha por finalidade o exercício do direito de voto.
Nessas condições, o religioso, tanto quanto qualquer um de nós, é absolutamente livre para votar nas eleições.
O Sr. Costa Fernandes – É tão bom patriota, quanto qualquer um outro.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Melhor patriota, muitas vezes.
O Sr. Ferreira de Sousa – A Constituição nem reconhecia as relações emergentes entre os religiosos e a comunidade de que fazem parte. No entanto, deu-lhes o efeito de desnacionalizar – vamos dizer assim. Pelo dispositivo do projeto, homens da alta mentalidade de Leonel de Franca não poderiam votar, em face de qualquer analfabeto.
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Mais ainda: o padre José de Anchieta, que a Constituição acaba de homenagear, não poderia ser eleitor, do mesmo modo que Nóbrega e tantos homens que formaram, com o seu suor, e, muitas vezes, o seu sangue, a nossa nacionalidade.
O Sr. Ferreira de Sousa – Citei o padre Leonel de Franca como a maior celebração do Brasil atual.
O Sr. Arruda Falcão – V. Ex.cia não esqueça o exemplo de Feijó.
O Sr. Ferreira de Sousa – Feijó não era frade.
O Sr. Arruda Falcão – Mas era padre.
O religioso atua na sociedade de modo altamente meritório e benemérito
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Quanto ao segundo argumento, de que os religiosos se segregam espontaneamente da convivência social, devo dizer que o religioso não é o anacoreta que se retira do meio social; mais do que qualquer de nós é social, porque se coloca debaixo da influência de uma sociedade particular, atuando através dela na sociedade geral de modo altamente meritório e benéfico.
O Sr. Arruda Falcão – Os religiosos da ordem de São Filipe Neri, em Pernambuco, foram todos leaders da independência do Brasil. Aqueles heróis de nossa independência eram religiosos professos. Às manifestações anticlericais, minha objeção é a seguinte: não é permitido, absolutamente, sem clamorosa injustiça, que os brasileiros sejam anticlericais, porque os padres têm estado com o povo e com a pátria, sempre na vanguarda, em todos os acontecimentos notáveis da nossa história. Aos opositores peço que deduzam, desde a colônia até agora, a contribuição do padre, na cultura, no progresso, na formação e, em suma, no [desenvolver] ↓38 geral do Brasil e nos declarem, lealmente, o que é que ficará?
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Ser anticlerical, é ser antibrasileiro.
Os liberais privam os religiosos do direito de voto por recearem que eles se insurjam contra a forma republicana, o que a história demonstra ser falso
Há outro argumento interessante a que, apenas pelo valor histórico, desejaria responder, é o de que se serviu Lauro Sodré, quando dizia que o clero se estava levantando como verdadeiro exército e anti-republicano.
Não seria demais que recordasse nesta circunstância uma afirmação do Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, quando no Império, ocupando ele o cargo de Ministro, alguém o interpelou no Parlamento a respeito das providências tomadas pelo Governo contra a propaganda republicana que se desenvolvia de Norte a Sul do País. O Conselheiro respondeu que não havia medidas a tomar, uma vez que a propaganda se fazia sem infração da ordem material e que, no momento em que a Nação optasse pela forma republicana, o governo estaria de acordo em que a República fosse implantada no Brasil.
Essa a atitude do Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, na qualidade de Ministro do Império.
Veja V. Ex.cia, Sr. Presidente, ao que muitas vezes a paixão conduz a consciência dos liberais, que chegam a ser mais autoritários do que os monarquistas, privando do direito de voto religiosos eminentes, de incontestável valor, que seriam elementos de grande utilidade, para levantar o nível do nosso eleitorado, apenas com a preocupação de que eles pudessem se insurgir contra a forma republicana, o que a história está a demonstrar que é falso.
Quem pode afirmar que um missionário no Araguaia é menos útil à sociedade do que um médico ou advogado?
Há ainda outro argumento, este também endossado por Lauro Sodré, em virtude do qual o religioso seria privado do direito de voto, atendendo-se a que o seu celibato é uma deserção vergonhosa com relação aos encargos de matrimônio.
Se este foi um dos motivos determinantes da iníqua cassação do direito de voto aos religiosos, foram incoerentes os constituintes de 91, não tendo a coragem de levar este princípio às suas últimas conseqüências.
Porque não retiraram eles o direito de voto aos homens que se conservam alheios ao vínculo conjugal, não para se recolher à austeridade de um claustro, mas para dissipar a sua vida nas orgias e nos deboches em que só tem a perder o indivíduo e a sociedade?
No entanto, Sr. Presidente, não só o princípio foi aplicado de modo injusto, ferindo na sua severidade os religiosos, e poupando os libertinos; além disto, ele é errado em sua raiz, e não pode resistir a uma análise séria.
Quem, de boa fé, ousará afirmar que é o egoísmo e o horror aos encargos de família, que arranca padres e irmãs de caridade à suavidade do lar, para conduzi-los aos leprosários, aos hospitais de tuberculosos, expondo-os ao contágio das mais tremendas enfermidades?
Quem poderá afirmar com sã consciência que um religioso missionário no Araguaia, ou por exemplo um jesuíta que consagre toda a sua existência à educação e instrução da juventude, é menos útil à sociedade do que um médico ou um advogado?
Tenho absoluta certeza de que não fala em mim a paixão religiosa que porventura me abrase, em conseqüência do amor ilimitado que voto à Igreja Católica. Não quero trazer o meu depoimento, sobre este assunto, pois que, além de ser eu falho em autoridade, sou suspeito aos olhos de alguns de meus colegas, em conseqüência das crenças religiosas que nunca me fartei de proclamar.
A História imparcial glorifica como heróis e como mártires os religiosos fundadores da nacionalidade
Quero aduzir, à guisa de depoimento, a opinião dos nossos maiores expoentes intelectuais sobre a benemerência da ação das ordens religiosas. E desejoso de não afastar as minhas considerações do terreno das famosas realidades brasileiras, é sobre a ação das ordens religiosas no Brasil, que quero arrolar testemunhas do valor de um Euclides da Cunha, de um Capistrano, de um Nabuco, sem falar em Eduardo Prado e Brasílio Machado, imortais pela contribuição que trouxeram a este respeito, com o lustre de seu talento, às comemorações anchietanas de seu tempo.
Diz Euclides da Cunha: §
“A solicitude calculada dos jesuítas…” §
Bem vedes qual a insuspeição do autor que cito, na virulência deste ataque injusto à benemérita Companhia de Jesus. §
“… ou a rara abnegação dos capuchinhos ou dos franciscanos incorporavam as tribos à nossa vida nacional e, quando no alvorecer do século XVIII, os paulistas irromperam em Pambú e na Jacobina, deram, de vista surpresa, nas paróquias que ali já centralizavam cabildas.”
Segundo Capistrano… §
“... os sobre-humanos trabalhos desses insignes heróis (os jesuítas) enchem de tal modo as páginas de nossa história colonial, que é atrevimento escrever-se a História do Brasil antes de estar escrita a história dos Jesuítas” (Capítulos da História Colonial).
Nabuco assevera que… §
“... é de todo duvidoso que existisse a unidade brasileira sem a unidade da Companhia de Jesus; a probabilidade é que não haveria Brasil se, em vida de Loyola, Portugal não tivesse sido feito província da Companhia.”
E, em outro trecho, acrescenta com sua indiscutível autoridade de diplomata: §
“Se não fosse a Companhia, acreditais que o Brasil seria o grande bloco de continente que vai das Guianas do Amazonas às missões do Paraná? Acreditais que esse território não se teria pelo menos dividido em três ou quatro imensos fragmentos, um huguenote, outro holandês e apenas o quarto brasileiro?”
Saint Hilaire, no seu livro sobre São Paulo nos tempos coloniais, entre muitas considerações elogiosas aos Jesuítas, disse: §
“Esses homens corajosos (os Jesuítas) dedicaram-se sem reserva à felicidade dos índios; …. Os Jesuítas faziam todos os esforços para reerguer os colonos portugueses à dignidade de homens e reconduzi-los aos seus deveres de cristãos, por tanto tempo olvidados; opunham-se às suas injustiças, lutavam corajosamente em prol da liberdade dos índios e separa[va]m da comunhão dos fiéis os opressores desses infelizes…”
E Saint Hilaire continua a se estender longamente em frases encomiásticas, que a angústia do tempo me impede de reproduzir.
Rocha Pita, na sua História da América Portuguesa, diz que são os Jesuítas…
“... varões verdadeiramente apostólicos, dignos das muitas possessões que têm nesta região, cujas rendas dispendem religiosa e piamente no culto das suas igrejas, na sustentação dos religiosos, e de infinitos pobres a quem socorrem com o quotidiano alimento, e outras tão precisas como liberais esmolas”.
Juan Teran, que o insigne Tristão de Athayde em um de seus magistrais Estudos cognomina de Capistrano Argentino, no seu El nacimiento de la América Española, diz que… §
“... quem realmente catequizou foram os frades ignorados… A Companhia de Jesus deu os maiores exemplares. Não há inimigos nem preconceitos que consigam obscurecer esta verdade, sem contar que se lhes devem o maior exemplo de disciplina no fim do século XVI e começo do seguinte”. §
Não foi só no Brasil, portanto, mas em toda a América Latina que os religiosos, especialmente os Jesuítas, derramaram os tesouros de sua ação cristianizadora e civilizadora.
Compreendem-se, pois, os motivos que levaram Sabatier, o famoso discípulo de Comte, a afirmar ao Geral da Companhia de Jesus, ao se despedir dele, depois do célebre encontro que tiveram: §
“Quando as tempestades políticas do futuro manifestarem toda a intensidade da crise moderna, achareis os jovens positivistas prontos a se fazer matar por vós, como vós estais prontos a vos fazer matar por Deus” (“Revue Occidentale”, julho, 1886, in Eduardo Prado, Polêmicas).
Por estes motivos, o Primeiro Congresso da História Nacional do Rio de Janeiro, reunido em 1914, depois de uma série de consideranda que são a maior consagração nacional com que a História poderia ter celebrado os Jesuítas, resolveu… §
“… consignar na ata de sua última sessão plena, um voto de contentamento pela recordação desse ato de justiça…” §
Referia-se o Congresso ao restabelecimento e reabilitação da Companhia de Jesus, pelo decreto do Sumo Pontífice Pio VII, cujo centenário então transcorria. §
“… que solene e juridicamente restituiu ao seu primeiro ser a ilustre Sociedade a quem deve o Brasil tão denodados e eficazes obreiros de sua grandeza e civilização”.
E, fazendo eco a tais sentimentos, o primeiro Congresso Internacional da América, que se levou a efeito no Rio de Janeiro, quando do centenário de nossa Independência, aprovou um voto de reconhecimento… §
“…aos denodados evangelizadores cristãos que, do Canadá até à Patagônia, a preço de suores e de sangue, devassando o território, e fundando cidades, educaram os colonos, amansaram os bárbaros e difundiram por toda a parte os germes da cultura intelectual, no desempenho de uma extraordinária missão humanitária, civil e política, sem esquecerem jamais a preocupação científica, mercê da qual se tornaram eles próprios, com extremo labor, fundadores da geografia, da história e da etnografia americana”.
Estes os homens, Sr. Presidente, a que Lauro Sodré queria negar o direito de voto, vendo neles apenas elementos sociais negativos, que, impulsionados por um egoísmo ilimitado, se segregavam do convívio social, furtando-se às preocupações às vezes ásperas, mas cheias de tão suave consolo, dos encargos familiares.
A estes egoístas, a história imparcial glorifica hoje como heróis e como mártires, enquanto nossa gratidão unânime aclama neles os fundadores da nacionalidade.
É de lastimar que a paixão sectária e anticlerical da nossa despótica comissão dos três [sic] não tenha rompido com estes preconceitos que, em Lauro Sodré, se explicava sem se justificar, pela ebulição anticatólica que sucedeu à queda do trono.
É injusto cassar o direito de voto aos religiosos e simultaneamente impor o serviço militar
Mas a iniqüidade não parou aí. Cassando aos religiosos o direito de voto, ainda se estabeleceu uma penalidade para aqueles que, alegando crença filosófica ou religiosa, se furtarem aos ônus impostos pelo serviço da República.
Ressalta aos olhos de qualquer observador imparcial a injustiça que há, na cassação do direito de voto, e na simultânea imposição do serviço militar. Pois não são correlatos o direito e a obrigação? Como negar o direito e ao mesmo tempo impor tiranicamente a obrigação?
Por que razão se fere com pena política humilhante aqueles que, por motivos respeitáveis como os de crença filosófica ou religiosa, se furtam ao serviço militar, sem que a constituição cogite de punir com pena idêntica ou mais grave aqueles que, pelo mero comodismo e pelo pouco patriotismo que os domina, desertam do serviço militar provando freqüentemente, graças ao suborno, moléstia de que não sofrem?
E nem se diga que a estes se aplica pena criminal, enquanto que aos outros se aplica pena somente política. Preliminarmente, não sei qual das duas é a mais infamante. Ademais, o fato é que, enquanto a Constituição de 91 e o substitutivo já aprovado cominam pena política aos religiosos, sem proibir por isto que a lei ordinária venha fulminá-los eventualmente com pena criminal, os desertores vulgares, por força da própria Constituição, só por meio de pena criminal podem ser punidos.
Por que não permitir aos religiosos que prestem seu serviço militar tendo em vista sua especialização futura no combate?
Mas eu trairia meu mandato, Sr. Presidente, se eu pleiteasse para os religiosos e os sacerdotes em geral a isenção do serviço militar, pois que eu contrariaria o desejo veemente de todo o Clero brasileiro, de que lhe seja facultado, não o dever, mas aquilo que reconhecem como direito precioso, que é a participação dos deveres que lhes incumbem como a brasileiros patriotas entre os que mais o sejam.
O que eu pleiteio juntamente com todos os Deputados Católicos desta Casa, é que lhes seja permitido prestar seu serviço militar em condições compatíveis com a sua vocação.
Depois de se ter levantado nesta Casa a voz cheia de competência e sinceridade do General Cristóvão Barcelos, demonstrando cabalmente a vantagem da assistência religiosa aos quartéis, não será necessário insistir longamente neste ponto.
Se os sacerdotes, na eventualidade de uma guerra, serão inevitavelmente chamados a prestar sua assistência espiritual, muito mais preciosa sob o próprio ponto de vista bélico do que o seu concurso armado, por que motivo não permitir que sua aprendizagem nas fileiras seja feita, tendo desde já em vista sua especialização futura no combate? Não é a especialização das funções o princípio tailoriano, que preside à orientação de toda as organizações modernas?
Que prejuízo sofrerá a liberdade de pensamento, se a assistência espiritual às Forças Armadas se facultar a fiéis de todos os credos, sem coação para os que não se incluem em alguma igreja? Porventura não é este o exemplo que nos dão Nações das mais modernas e civilizadas?
Por outro lado, que direito tem o Estado de forçar o cidadão a abandonar as suas ocupações normais, para encerrá-lo por dois anos em quartéis, e lhe exigir eventualmente o sacrifício da própria vida sem lhe facultar os socorros espirituais, tão necessários para o crente quanto o oxigênio que respira?
Que diríamos nós de um Estado que recusasse aos seus soldados o alimento material, exigindo dele, no entanto, os mais árduos trabalhos?
Por ventura materializou-se tanto o homem, que lhe baste o pão do corpo, deixando à míngua o espírito?
Muito mal ajuíza de seus cidadãos um Estado que assim pensa.
No entanto, assim tem pensado a República Brasileira, e ainda assim pensam alguns de meus colegas, felizmente pouco numerosos.
Percorrei as constituições de outros povos e nada encontrareis que lembre a proibição da Constituição brasileira (1891)
Encerrando minhas considerações, e voltado ao voto dos religiosos, eis o que [afirma] um outro escritor, este também muito insuspeito a nós católicos, o Sr. Humberto de Campos, em artigo publicado no “O Jornal”, de 19 de setembro de 1931: §
“A recusa do direito de voto aos membros de comunidade religiosa, sob pretexto de que eles se acham sujeitos a um voto de obediência, constitui, assim, uma anomalia, ou melhor, um anacronismo. Representa, mesmo, um ato de hipocrisia involuntária.
“Exclusão da União Soviética e de uma [ou] outra democracia secundária, nenhuma outra nação reorganizada depois da guerra inclui o voto religioso como estigma condenatório do cidadão.”
Realmente, percorrei as constituições Alemã, Austríaca, Bávara, de Dantzig, dos Estados Unidos, da Espanha, da Estônia, da Itália, da Irlanda, da Lituânia, de Portugal, da Polônia, da Prússia, da Tcheco-Eslováquia, da Turquia, e nada encontrareis, que lembre a estranha proibição da Constituição Brasileira de 1891.
V. Ex.cia, Sr. Presidente, já me advertiu que o meu tempo já está esgotado. Tenho de deixar a tribuna e não posso dar maior desenvolvimento às minhas considerações.
O Sr. Costa Fernandes – Com tristeza para todos nós. (Apoiados.)
O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Tenho a certeza, entretanto, de que a Assembléia Constituinte, ao enfrentar o estudo da matéria, acompanhará a orientação verdadeiramente brasileira, a orientação verdadeiramente sadia de não negar o direito de voto aos religiosos, como não o nega, por exemplo, aos maçons, que, do mesmo modo, proferem voto de obediência, e de equiparar a assistência espiritual prestada às Forças Armadas ao serviço militar comum. (Muito bem; muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado.)
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1936, vol. XIII, pp. 359-36439
114ª Sessão, em 7 de abril de 1934
Em defesa dos capelães religiosos
O Sr. Presidente – Tem a palavra o Sr. João Villasboas.
O Sr. JOÃO VILLASBOAS40 – [Declara-se partidário da Constituição sintética, defendendo sua posição. Aborda alguns artigos do anteprojeto constitucional. Em certo momento passa a tratar do art. 143:]
[…] No art. 143 há este dispositivo de importância capital para a defesa nacional:
“Sempre que se tornar necessário, nas expedições militares, hospitais, penitenciárias, ou outros estabelecimentos oficiais, será permitida a assistência religiosa, sem coação ou constrangimento nem ônus para os cofres públicos.”
A este dispositivo propus em tempo emenda supressiva, que foi rejeitada pela Comissão dos 26. Diante disso, ofereço-lhe, agora, um substitutivo, abrindo-lhe um parágrafo para consentir a assistência religiosa nas expedições militares, apenas por sacerdotes brasileiros natos e que não tenham voto de obediência. Como é sabido, os sacerdotes congregados com voto de obediência, são verdadeiros autômatos; não pensam, não resolvem, não deliberam, senão em obediência às determinações de seus superiores hierárquicos. Nessas condições, o sacerdote, embora brasileiro, perde o próprio sentimento de patriotismo, por força dessa obediência.
O Sr. Corrêa de Oliveira – V. Ex.cia permite um aparte? Não é, no entanto, o que tem mostrado a experiência. Sabemos que os religiosos têm dado as provas do mais acendrado patriotismo.
O Sr. JOÃO VILAS BOAS – Não conheço a experiência nesse tocante; nem sei da existência de sacerdote congregado, com voto de obediência, tendo outro pensamento que não seja o recebido de seus superiores.
O Sr. Corrêa de Oliveira – A observação de V. Ex.cia não procede; essa obediência não se observa em matéria alheia à religião.
O Sr. JOÃO VILLASBOAS – Pode ser ordenado ao sacerdote o exercício de espionagem no seio das tropas brasileiras.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Não apoiado; o sacerdote não é obrigado a cumprir ordens hierárquicas contrárias à sua consciência.
O Sr. JOÃO VILLASBOAS – O sacerdote com o voto de obediência abdica de todo o pensamento.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Pediria ao nobre Deputado que deixasse consignada uma afirmação…
O Sr. Maurício Cardoso – E aquele que está adstrito a um programa de partido?
O Sr. JOÃO VILLASBOAS – Não tem juramento…
O Sr. Maurício Cardoso – Tem compromissos, imperativos morais muito sérios.
O Sr. JOÃO VILLASBOAS – … mas apenas o dever de lealdade. Este, porém, não pode ir ao extremo de trair a Pátria.
O Sr. Ferreira de Sousa – É sabido que o Estado não reconhece esse voto, essa relação que se estabelece entre o padre e a sua congregação. Como pode o Estado, que não sanciona esse voto, esse compromisso, calcar nele a aplicação de um direito?
O Sr. JOÃO VILLASBOAS – Sr. Presidente, ao mesmo tempo que se permite ao sacerdote estrangeiro acompanhar as expedições militares, na alínea d do art. 146, nega-se ao estrangeiro o direito de se reunir, sem armas, para uma simples manifestação, para qualquer demonstração de simpatia… País que incrementa a imigração, que precisa do estrangeiro para a construção do seu progresso e da sua grandeza, o Brasil não comporta tão estreito nacionalismo.
O Sr. Presidente – Advirto ao nobre orador que está a findar o tempo de que dispõe.
[O Deputado João Villasboas passa a tratar da emenda que propôs, sobre a inelegibilidade do chefe do Governo Provisório e dos interventores nos Estados, para os cargos de presidente da República e presidente dos Estados.]
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1937, vol. XIX, pp. 401-402
Sala das Sessões,
12 de abril de 1934
Proposta de emenda, a respeito da apelação
ex officio das sentenças de nulidade de casamento
Nº 1.820
Capítulo IV (Da Família e Educação). Acrescente-se o seguinte: Art… Haverá sempre apelação ex officio, e com efeito suspensivo, das sentenças anulatórias ou declaratórias de nulidade de casamento.
Justificação
Parece desnecessário reproduzir a argumentação que, a este respeito, foi desenvolvida na tribuna da Assembléia Constituinte41, e que se pode ler no Diário da Assembléia, do dia 10 de abril, p. 2369.
Resumindo rapidamente as considerações então expendidas, podemos estabelecer este dilema inicial: ou se contesta a oportunidade e eficiência da medida pleiteada; ou se objeta não ser ela matéria constitucional.
Quanto à oportunidade. O que se tem passado a respeito de anulações de casamentos no Brasil – ou ao menos em alguns dos Estados – é clamoroso.
Juízes de pequenas localidades, mancomunados com o curador e as partes, anulam casamentos de validade jurídica incontestável, graças ao fornecimento de quantias vultuosas, que fazem calar os protestos de sua honestidade profissional.
Introduz-se, assim, no Brasil, realmente, uma gravíssima anomalia igualmente perigosa para a estabilidade da família e a dignidade da Justiça.
A tal ponto chegaram as irregularidades nesta matéria, que o Governo Provisório baixou um decreto em que se estabelecia a apelação ex officio para as sentenças anulatórias de casamento.
Por interferência do Ministro Oswaldo Aranha incluiu-se no anteprojeto governamental um dispositivo preceituando igual medida. E, ao justificar-se a medida, o Ministro Oswaldo Aranha fez uma suscinta exposição do que se passava em matéria de anulações fraudulentas, não hesitando, com o conhecimento de causa que pôde adquirir no Ministério da Justiça de que foi titular, em afirmar que constituem “um dos maiores escândalos do Brasil”. (Mendonça de Azevedo, Elaborando a Constituição, p. 957).
Ao debater-se a matéria no plenário da Constituinte, vários Srs. Deputados deram apartes em que, confirmando as considerações do orador, tiveram oportunidade de corroborar, com seu testemunho, o que então se afirmava a respeito da rápida multiplicação de casos de anulação fraudulenta.
Demonstrada a gravidade do mal, torna-se patente a oportunidade da medida. Mas tem-se também argumentado contra a sua conveniência.
A medida proposta é perfeitamente adequada ao mal que se quer debelar. Forçando o magistrado de primeira instância a submeter à consideração da instância superior o seu julgamento evita-se o suborno, pois que desaparece a vantagem de conquistar a cumplicidade do Juiz, e será impossível subornar um Tribunal.
A prática tem confirmado os excelentes resultados desta medida.
Constitucionalidade. Se a medida já consta de lei ordinária, porque repeti-la na Constituição? A esta objeção respondemos que é necessário colocar uma medida como esta, absolutamente essencial para a garantia do vínculo conjugal, acima do alcance da legislação ordinária.
Sobre a constitucionalidade da matéria, muito haveria que dizer. Para abreviar, lembraremos ainda uma vez as considerações constantes do Diário da Assembléia.
Não vemos como negar a constitucionalidade da medida, que se relaciona com o casamento, uma vez que se coloca a este “sob a proteção especial do Estado”, como fazem nosso substitutivo e as mais modernas Constituições de outros Países. Se é matéria constitucional o casamento, como negar que é constitucional o preceito da apelação ex officio, que protege o mesmo casamento?
Esperamos, pois, que prevaleça, no parecer da respetiva comissão, a medida pleiteada.
Sala das Sessões, 12 de abril de 1934. – Corrêa de Oliveira. – Barreto Campello. – Barros Penteado. – Almeida Camargo. – José Carlos de Macedo Soares. – Moraes Andrade. – Cunha Vasconcellos. – Rodrigues Moreira. – M. Hyppolito do Rego. – Valente de Lima. – Carlos Gomes. – Costa Fernandes. – Jeovah Motta. – Arnaldo Braga. – Mário Domingues. – Alfredo da Matta. – Alde Sampaio. – Simões Barbosa. – Arruda Câmara. – Luiz Cedro. – Augusto Cavalcanti. – João Beraldo. – Luiz Martins Soares. – Mário de A. Ramos. – Carneiro de Rezende. – P. Matta Machado. – Jacques Montandon. – Gabriel de R. Passos. – Vieira Marques. – Delfim Moreira. – Izidro de Vasconcellos. – Amaral Peixoto. – Luiz Sucupira. – Guedes Nogueira. – João Pinheiro Filho. – Alberto Roselli. – Waldemar Falcão. – Pontes Vieira. – Demétrio Mercio Xavier. – Leandro Pinheiro. – Pedro Rache. – Godofredo Vianna. – Xavier de Oliveira. – Arruda Falcão. – Nereu Ramos. – Renato Barbosa. – Ascânio Tubino. – Gaspar Saldanha. – Ferreira de Souza. – Aarão Rebello. – Lino Machado. – Polycarpo Viotti. – Lycurgo Leite. – Fernandes Távora. – Irineu Joffily. – Alfredo Mascarenhas. – Leôncio Galrão. – Manoel Novaes. – Arlindo Leoni. – Abelardo Marinho.
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1937, vol. XIX, pp. 196-197
Sala das Sessões,
13 de abril de 1934
Proposta de emenda, a respeito da lei de organização sindical
Nº 1.827
Ao cap. III, título VI, do substitutivo:
Redija-se assim o art. 11 das Disposições Transitórias, colocando-o como parágrafo do art. 162:
§ A lei federal permitirá a pluralidade de sindicatos de uma mesma profissão, em cada município, assegurando-lhes a autonomia em relação aos governos e partidos, bem como a liberdade política de seus associados.
Justificação
O mencionado art. 11, das Disposições Transitórias, se acha assim redigido: “Art. 11. A lei de organização sindical assegurará a completa autonomia dos sindicatos, relativamente a partidos e governos, e garantirá a unidade sindical e a liberdade política de seus associados.”
Esta redação ambígua, particularmente no que se refere à “unidade sindical”, poderia permitir uma interpretação restritiva da liberdade sindical, assegurada pelo art. 162. Além disso, tratando-se de um dispositivo permanente, deve figurar no texto da Constituição e não nas Disposições Transitórias. A redação e a transposição propostas atendem, portanto, ao objetivo colimado, de garantir o direito de sindicalização.
Sala das Sessões, 13 de abril de 1934. – Corrêa de Oliveira. – Abreu Sodré. – Th. Monteiro de Barros Filho. – Abelardo Vergueiro César. – R. Pinheiro Lima. – A. Siciliano. – A. C. Pacheco e Silva. – Cardoso de Mello Netto. – Almeida Camargo. – Moraes Andrade. – Henrique Bayma. – Barros Penteado. – Carlota de Queiroz.
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1937, vol. XIX, p. 435
Sala das Sessões,
13 de abril de 1934
Proposta de emenda, pedindo a
supressão do exame pré-nupcial
Nº 1.824
Ao cap. IV, título VI, do substitutivo:
Substitua-se a redação do art. 169 pelo seguinte:
Art… A lei regulará a apresentação pelos nubentes, de prova de sanidade física e mental, tendo em atenção as condições sociais do País.
Justificação
Só é estável nas leis positivas o que já está nos costumes. O exame pré-nupcial ainda não está em nossos costumes. Logo, se for introduzido pela lei, com o caráter imperativo do art. 169, redundará num completo fracasso, abrindo margem ao concubinato, estimulando o abandono do casamento civil e multiplicando os atestados de favor. E como estamos legislando para o Brasil e não para um País imaginário, é preciso atender preliminarmente à exequibilidade da medida, se não quisermos que fique letra morta. Daí a nova redação que propomos.
Sala das Sessões, 13 de abril de 1934. – Corrêa de Oliveira. – A. Siciliano. – Th. Monteiro de Barros Filho. – Almeida Camargo. – Ranulpho Pinheiro Lima. – Mário Whately. – Henrique Bayma. – Moraes Andrade. – Barros Penteado. – Abelardo Vergueiro César. – Carlota de Queiroz.
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Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1937, vol. XIX, p. 446
Sala das Sessões,
13 de abril de 1934
Proposta de emenda, a respeito da exigência de os exames finais serem em institutos oficiais
Nº 1.826
Ao cap. IV, título VI, do substitutivo:
Suprimam-se no final do art. 170 as palavras: “mas os exames finais do ensino secundário e do superior serão prestados em institutos oficiais ou reconhecidos pelo Governo Federal, na forma da lei, e onde não houver instituto oficial”.
Justificação
A exigência dos exames finais em institutos oficiais é impraticável no interior, e a isso atendeu a nova redação do substitutivo. Com essa redação, porém, cria-se uma diferenciação odiosa entre os estabelecimentos das grandes cidades, justamente os mais reputados, aos quais se cassa o direito de conceder diplomas e os estabelecimentos das localidades pequenas, onde não há instituto oficial, aos quais é concedido esse direito. Em face, pois, da inexequibilidade verificada ou do privilégio concedido, é preferível manter aos estabelecimentos de ensino, sob inspeção oficial permanente, o direito de conceder diplomas, tanto mais quanto é natural que o rigor da inspeção oficial se exerça, tanto para os exames de série quanto para os finais. Sendo assim, é mais justo suprimir o final do artigo.
Sala das Sessões, 13 de abril de 1934. – Corrêa de Oliveira. – A. Siciliano. – Th. Monteiro de Barros Filho. – Abreu Sodré. – A. C. Pacheco da Silva. – Ranulpho Pinheiro Lima. – M. Hyppolito do Rego. – José Ulpiano. – Moraes Andrade. – Barros Penteado. – Carlota de Queiroz.
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Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1937, vol. XIX, pp. 476-477
Sala das Sessões,
13 de abril de 1934
Proposta de emenda,
a respeito da liberdade de cátedra
Nº 1.825
Ao cap. IV, título VI, do substitutivo:
Redija-se assim o art. 177, do substitutivo, mantida a redação anterior:
Art. 177 – É garantida a liberdade de Cátedra, sem ofensa aos alunos por adotarem opinião diferente, excluída toda a doutrinação contrária à ideia de Pátria.
Justificação
A redação do substitutivo – “é garantida ampla liberdade de cátedra” – inspira-se em uma pedagogia atrasada, que apenas atendia aos direitos do professor. Hoje em dia, a opinião unânime das autoridades modernas, em matéria de educação, procura atender, tanto aos direitos do professor, quanto aos do aluno e aos da coletividade. É o que justamente se verifica na redação proposta, que era, aliás, a que estava no substitutivo, antes da emenda que o desfigurou.
Sala das Sessões, 13 de abril de 1934. – Corrêa de Oliveira. – Almeida Camargo. – A. C. Pacheco e Silva. – A. Siciliano. – Th. Monteiro de Barros Filho. – M. Hyppolito do Rego. – Henrique Bayma. – M. Whately. – Abreu Sodré. – Cardoso de Mello Netto. – Barros Penteado. – Carlota de Queiroz. – Ranulpho Pinheiro Lima. – Moraes Andrade. – Abelardo Vergueiro César.
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Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1937, vol. XIX, p. 472
Sala das Sessões,
13 de abril de 1934
Proposta de emenda, a respeito da
constituição do corpo docente das escolas oficiais por intermédio de concurso
Nº 1.819
SUBEMENDA
À emenda nº…, [sic] no artigo em que diz: o corpo docente das escolas oficiais ou reconhecidas, secundárias ou superiores, será constituído mediante concurso de títulos e provas. Não serão reconhecidos os estabelecimentos particulares de ensino que não assegurem a seus professores a estabilidade, enquanto bem servirem, e uma remuneração condigna. Os professores catedráticos dos institutos oficiais serão vitalícios.
Suprima-se a primeira frase. – Corrêa de Oliveira.
Justificação
Somos pela supressão do artigo, pois que, sem vantagem para os professores, constitui para os colégios uma exigência perigosa.
Não vemos vantagem para os professores em colocar-se sua vida profissional na dependência absoluta de concursos que, por motivos vários, constituem um meio de seleção reconhecidamente frágil, dando freqüentemente ganho de causa aos espíritos vivos, contra temperamentos tímidos, impossibilitados, por isto mesmo, de permitir uma fácil demonstração dos conhecimentos dos candidatos.
Prejudicam-se os colégios que, naturalmente interessados em admitir em seu corpo docente elementos do maior valor, não podem deixar de lado, como critério de seleção, outros pontos de vista, como, por exemplo, orientação intelectual do candidato, ou certas qualidades morais cuja deficiência pode ser percebida por uma pessoa, sem que seja suscetível de prova documental.
Pela sua ambigüidade, o artigo cuja emenda pedimos pode ser interpretado nesse sentido extensível, contrariamente, talvez, à intenção de seus autores.
Sala das Sessões, 13 de abril de 1934. – Corrêa de Oliveira. – Xavier de Oliveira. – Luiz Sucupira.
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1936, vol. XIV, pp. 489-49042
121ª Sessão em 14 de abril de 1934
A preocupação dos promotores das emendas religiosas é beneficiar o País
O Sr. JOÃO GUIMARÃES43 – [Discurso longo, abordando vários temas, entre os quais os do ensino religioso e do matrimônio.]
[…] Ou fazemos dentro do Estado a religião oficial, coordenando os seus interesses espirituais com fiscalização do Estado, ou damos ao culto toda a liberdade, como tínhamos outrora com a completa separação da Igreja do Estado. O regime que ora se quer implantar é absurdo.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Não apoiado.
O Sr. JOÃO GUIMARÃES – Ao mesmo tempo que se obriga o Estado para com a Igreja, subordinando-o a manter, dentro dos seus institutos oficiais, o ensino religioso…
O Sr. Corrêa de Oliveira – É facultativo; não obrigatório.
O Sr. JOÃO GUIMARÃES – … consente-se e reconhece-se a legitimidade do casamento religioso perante o sacerdote. Qual a obrigação que a Igreja assumiu junto ao Estado para que esse Sacramento da religião seja ministrado com todas as regras e rigores canônicos?
O Sr. Corrêa de Oliveira – A preocupação dos promotores das emendas religiosas, foi de beneficiar o próprio País. Não há, pois, como V. Ex.cia supõe, um benefício constituído pelo Estado em favor da Igreja, acarretando, por parte desta, o dever de uma retribuição. O que há, é apenas um benefício simultaneamente auferido por um e outro, com a aceitação das emendas religiosas. Para apurar este benefício comum, devem ambos colaborar. E é isto que pleiteamos.
O Sr. JOÃO GUIMARÃES – É um benefício moral.
O Sr. Costa Fernandes – Já é muito.
O Sr. JOÃO GUIMARÃES – Mas os malefícios jurídicos são maiores. Em Roma, dentre 75 processos de anulação, foram anulados 34 casamentos. Isso quer dizer que esse sacramento não foi ministrado segundo as regras canônicas.
O poder civil poderá entrar nessa análise, penetrando nas sacristias, para examinar os registros?
O Sr. Arruda Falcão – O registro é feito em tabelião.
O Sr. Costa Fernandes – É civil.
O Sr. JOÃO GUIMARÃES – Não é isso que está no projeto. A habilitação…
O Sr. Arruda Câmara – A habilitação no caso, será feita de acordo com a lei civil.
O Sr. JOÃO GUIMARÃES – Mas quem cumprirá a lei civil? Quem cumprirá? O pároco?
O Sr. Arruda Câmara – A habilitação e o registro serão feitos de acordo com a lei civil.
O Sr. JOÃO GUIMARÃES – Mas lembro a V. Ex.cia que, no interior do Brasil, há muita criança batizada cujo registro não consta das sacristias. […]
[O orador conclui sua oração desviando um pouco o tema, citando um autor norte-americano, sem relevância para o discurso.]
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1936, vol. XV, pp. 39-4544
122ª Sessão, em 16 de abril de 1934
Defesa do Nome de Deus na Constituição
O Presidente – Tem a palavra o Sr. Guaracy Silveira.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – [Começa afirmando que, na tribuna, não tocou qualquer ponto do interesse do Estado de São Paulo, pois os Deputados paulistas, esquecidos do partidarismo, o fizeram com todo zelo. Expressa-lhes, por isso, sua solidariedade. Em seguida passa a explicar porque não assinou o requerimento que “mandava colocar uma declaração de confiança em Deus” na Constituição:]
[…] Neguei minha assinatura ao requerimento que mandava colocar uma declaração de confiança em Deus em nossa Carta Magna, não obstante confiar sempre no auxílio do Altíssimo. Conquanto, nos trabalhos desta Câmara, esteja constantemente pedindo as luzes de Deus, entendo que numa Carta Constitucional, num estatuto político é perfeitamente desnecessária qualquer declaração de confiança íntima em Deus, por aqueles que o confeccionarem. A confiança em Deus é uma questão íntima e somente o próprio Deus sabe se os que elaboraram a Constituição confiaram ou não confiaram nEle.
O Sr. Corrêa de Oliveira – É o lado doloroso da posição de V. Ex.cia que, dizendo-se Ministro de Deus, coloca-se ao lado de todos os ateus da Assembléia.
O Sr. Barreto Campello – É uma contradição.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – O resultado dos nossos trabalhos será a máxima prova da nossa confiança no Altíssimo. […]
Desejo também me referir à legação junto à Santa Sé. É, atualmente, a Santa Sé um Estado, que se denomina Vaticano. Se tencionarmos manter uma legação junto ao Vaticano, como Estado, nada há que o proíba em nossas leis. Se, entretanto, queremos ter uma legação junto à Santa Sé, que represente [a] Igreja e não [o] Estado, estaremos então em contraposição com as próprias leis por nós estabelecidas…
O Sr. Corrêa de Oliveira – Estaríamos na mesma situação da Inglaterra, protestante, que mantinha embaixador junto à Santa Sé.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – … declarando que não há aliança com a Igreja e, ao mesmo tempo, determinando que haja essa aliança.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Os internacionalistas distinguem entre aliança e relações diplomáticas.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Tomando o Vaticano como Estado, não há necessidade de se estabelecer na Carta Constitucional a existência dessa legação.
Há, do mesmo modo, uma emenda atinente à colaboração da Igreja com o Estado. Como já declarou um ilustre colega, essa emenda é uma porta aberta para as concordatas. Se a Igreja é brasileira, se a Igreja sente a brasilidade no seio de seus membros, ela será uma colaboração necessária no trabalho de moralização do povo, e o governo, que pertence a essa Igreja (como todos os nossos governos têm pertencido), não terá dificuldade em aceitar a sua cooperação, onde quer que ela se torne precisa. […]
Há uma emenda pretendendo restabelecer o voto dos religiosos. Deve ela merecer a consideração da Assembléia. O religioso que tem voto de obediência, deve sempre seguir as ordens dos seus superiores.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Em matéria política não é exato.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – V. Ex.cia se engana, porque não teve a experiência que tive, estando até aos 22 anos em meios religiosos.
Para o religioso, a voz do superior é quase a voz de Deus, e nas coisas mínimas ele obedece, e pela vontade dos seus superiores se inspira.
Se negamos o voto às praças de pré, porque têm superiores que podem exercer coação, devemos também negá-lo a qualquer pessoa que faça o voto de obediência.
O voto dos sargentos, que não é permitido por dispositivo de nosso projeto, também deve ser considerado. Atualmente, os sargentos formam uma classe e não são mais praças que passem apenas um ano nas fileiras. Ficam no Exército dezenas de anos, tendo direitos adquiridos no posto, reforma e pensões. É uma classe.
Eis um fato interessante: as esposas desses sargentos terão direito do voto que a eles a Constituição está negando. Os sargentos são os homens que trabalham junto aos soldados, que vão para as trincheiras nos lugares mais perigosos, quando a Pátria exige o sacrifício das suas vidas. Não devemos negar-lhes o direito de escolherem os dirigentes do País.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Há contradição de V. Ex.cia negando o direito de voto aos religiosos e concedendo-o aos sargentos. Não posso compreender esse ponto de vista.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Devo dizer ao nobre colega que a exigüidade do tempo não me permite responder aos apartes, que, entretanto, aceito agradecido pela distinção que S. Ex.cia me está concedendo. […]
Sobre o ensino religioso, tenho a dizer aos meus nobres colegas alguma coisa que me parece importante. O art. 171 é grandemente ambíguo, dá lugar a todas as explorações, quer contra o ensino religioso de um credo, quer a favor. Alguns Deputados da bancada paulista apresentaram uma emenda que resolve melhor a situação, determinando que o ensino seja facultativo e ministrado por pessoas estranhas ao estabelecimento.
Este dispositivo vem evitar grandes dificuldades. Não creio, nem posso crer de maneira alguma, que os meus nobres colegas pretendam que o ensino religioso seja ministrado pelos próprios professores nas suas classes.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Eu pretendo.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Isso seria uma coação tão revoltante à consciência dos alunos que não posso admitir tenha guarida na mente de homens que representam os ideais da República de 1889.
Sr. Barreto Campello – Essa é defunta.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Defunta para os monarquistas e para os integralistas. Para nós está viva, muito viva, e esperamos vê-la melhorada.
Senhores, tenho auscultado a opinião de ilustres colegas desta Casa e tenho encontrado, nos mais fervorosos católicos – naqueles que não se envergonham de ser praticantes e manifestam a sua condição de católicos praticantes –, tenho encontrado apoio integral a essa emenda de alguns Deputados da Bancada Paulista, declarando que o ensino deve ser facultativo e ministrado por pessoas estranhas ao estabelecimento. De um dos mais lídimos representantes nesta Casa, ouvi que daria o seu voto a essa emenda não obstante as suas ligações muito sinceras com a Igreja, de que é filho praticante.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Será um católico de valor relativo.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Relativo?! Não quero dizer-lhe o nome porque seria a maior ofensa que V. Ex.cia faria a um dos católicos mais dignos desta Assembléia.
O Sr. Corrêa de Oliveira – O católico que faz restrições ao ensino de sua crença é um católico de valor muito relativo.
O Sr. GUARACY SILVEIRA – Sr. Presidente, não mudo de opinião, como diz um dos meus nobres colegas; estou escolhendo entre uma emenda ambígua, cuja aprovação se pretende para transformar as nossas escolas num lugar de contendas, de dissensões. Estou fazendo o contraste entre essa emenda e uma outra, apresentada por alguns Deputados da Bancada Paulista, com o fim de estabelecer apenas o princípio do ensino religioso, sem provocar a luta dentro das escolas e sem negar o princípio da laicidade do ensino.
O Sr. Zoroastro Gouveia – A doutrina sustentada pelo orador é uma espécie de jesuitismo protestante, pois que finge combater pela liberdade do ensino, quando, de fato, serve aos interesses da Chapa Única.
[O orador mantém sua posição com mais algumas explicações, e termina entregando um discurso escrito onde explica todos os pontos que acabou de mencionar e outros que faltaram.]
***
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1936, vol. XV, pp. 510-517
130ª Sessão, em 26 de abril de 1934
A moral não é alheia à Religião
O Sr. Presidente – Tem a palavra para explicação pessoal, o Sr. Deputado Plinio Tourinho.
O Sr. PLINIO TOURINHO45 – [Começa afirmando que a Liberdade, dentro do Direito, constitui um dos princípios fundamentais da organização política. Em seguida, defende o ensino leigo nos estabelecimentos públicos.]
[…] A escola leiga sempre ministrou o ensino da moral.
O Sr. Aarão Rebello – Permita-me V. Ex.cia mais um ligeiro aparte. Considera V. Ex.cia que todas as religiões têm um fundo moral?
O Sr. PLINIO TOURINHO – Perfeitamente.
O Sr. Aarão Rebello – Tanto quanto me parece, a escola leiga não trata como devera do lado moral, da educação moral, que caberia, por certo, à religião.
O Sr. PLINIO TOURINHO – É engano de V. Ex.cia, a moral não é privilégio de religião alguma.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Não poderá V. Ex.cia considerar a moral alheia à religião.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Dessas escolas saímos todos nós que aqui estamos prestando serviços ao País; e a luta será mais intensa, a desarmonia mais acentuada entre alunos e professores, nos cursos secundários, onde a mentalidade dos alunos já se esboça claramente, às expensas de noções científicas que lhes são ali ministradas. […]
O Dr. Viveiros de Castro, homem de valor, assim se expressa sobre o ensino religioso nas escolas públicas: §
“As relações entre o princípio de obrigação escolar e a consciência religiosa, diz Rui Barbosa, têm sugerido até hoje quatro soluções diversas:
1ª O ensino religioso professado obrigatoriamente na escola, a todos os alunos pelo instituidor civil;
2ª O catecismo ensinado na escola, pelo professor, mas facultativamente aos alunos que concorrerem a uma parte do curso;
3ª Religião excluída do programa escolar, mas lecionada em edifício escolar, pelos ministros dos diferentes cultos, aos alunos que o quiserem;
4ª A instrução religiosa fora do programa escolar e do edifício da escola.”
Adotamos depois de proclamada a República, este último regime, que realmente considero o melhor, e (o grifo é nosso) manifestando esta opinião, sinto-me inteiramente à vontade, porque sou católico e não me filio em nenhuma das escolas filosóficas que têm como dogma o ateísmo de Estado.
Por exclusão de partes, procurarei mostrar as vantagens da última solução.
A primeira parece fora da questão porque é ofensiva à liberdade de consciência e não se coaduna com o regime da completa separação que deve existir entre a Igreja e o Estado.
A segunda é prejudicial à pureza da doutrina católica, sem proveito para as instituições civis. Guarda da fé, somente a Igreja tem competência, por intermédio dos seus ministros para ensinar o catecismo.
Falta ao próprio leigo, a autoridade doutrinante; e as verdades da religião transmitidas por mestres que apenas procuram cumprir um dever de cargo, não terão o calor vivificante do fervor religioso, não encontrarão eco nos corações infantis.
Considero também inconveniente a terceira solução, porque sendo o ministro de culto, o professor de religião, há grande vantagem em ser dada a aula na igreja onde o ambiente favorece tanto o proselitismo. A experiência do antigo regime corrobora a minha maneira de pensar.
O Sr. Arruda Câmara – Não é a Igreja que reclama o ensino religioso; é a família.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Ninguém reclama. V. Ex.cia é que está reclamando.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Reclamamos como representantes que somos do povo brasileiro.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Também represento o povo brasileiro.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Falamos em nome do eleitorado que nos elegeu.
O Sr. PLINIO TOURINHO – V. Ex.cia representa uma corrente; eu represento outra e, em nome desta é que me manifesto.
O Sr. Aarão Rebello – Sendo facultativo o ensino religioso, fica livre a qualquer que seja aceitá-lo ou não.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Com isso V. Ex.cia não afirma novidade.
O Sr. Corrêa de Oliveira – O lar é formado por cidadãos que deveriam ter recebido na escola a instrução religiosa que o Estado nega. Depois de proclamada a República, a religião católica desenvolveu-se extraordinariamente no Brasil. V. Ex.cia está lançando argumentos que nada têm que ver com a exposição. O autor que V. Ex.cia cita, dizia que o abastardamento que caracteriza o lar era mais pernicioso que o ensino leigo, que não tinha responsabilidade nesse abastardamento. Contesto. Afirmo que o lar é constituído por indivíduos que deveriam ter recebido na escola o ensino religioso, e que é a falta desse ensinamento que tem causado o abastardamento dos caracteres.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Não recebi esse ensinamento, e o nobre Deputado não terá mais moral do que eu.
O Sr. Corrêa de Oliveira – V. Ex.cia não pode argumentar personalizando o caso. É até pouco parlamentar.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Não só eu, como muitos dos que aqui se acham, saímos das escolas públicas, onde não havia o ensino religioso.
O Sr. Aarão Rebello – É por isso mesmo talvez, que V. Ex.cia combate o ensino religioso nas escolas.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Onde V. Ex.cia aprendeu a religião?
O Sr. Aarão Rebello – Tanto no lar como na escola.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Em que escola? Em escola pública?
O Sr. Aarão Rebello – Desde a minha meninice aprendi em escolas dirigidas por padres.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Aqui no Brasil, os pais católicos são obrigados a pagar impostos para manter escolas leigas, e sabemos que os católicos constituem a maioria do país.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Não constituem a maioria do país; V. Ex.cia é quem o diz.
O Sr. Leandro Pinheiro – V. Ex.cia quererá negar esse fato evidente?
O Sr. PLINIO TOURINHO – No sertão não existe catolicismo; há fetichismo. Na minha terra, para cem católicos há seiscentos protestantes.
O Sr. Valdemar Reikdal – V. Ex.cia pode acrescentar: e algumas centenas de espíritas.
O Sr. Leandro Pinheiro – O orador não conhece o Brasil. Como o Sul, o Norte é grandemente católico.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Continuo a citar o senhor Viveiros de Castro. O ensino religioso fazia parte do programa escolar; quais foram os resultados desse sistema?
Desenvolveu-se o espírito religioso?
Tinham as nossas instituições o cunho da fé política [sic]? Absolutamente, não. Mesmo nas fileiras católicas, era palpável a tibieza. Confiando na proteção do Estado, os pastores adormeceram e o rebanho sem direção se entregou ao indiferentismo, ou contentou-se com as exterioridades do culto, sem ter um profundo sentimento religioso. […]
[Em seguida, numa alocução extensa, o deputado cita o Conselho Universitário do Rio de Janeiro, que defende a limitação do ensino religioso aos templos.]
É a opinião do Conselho Universitário do Rio de Janeiro. Não valerá nada?
O Sr. Corrêa de Oliveira – Une vieille chanson…46
O Sr. Vasco de Toledo – As funestas conseqüências já se estão fazendo sentir no nordeste brasileiro.
O Sr. Arruda Câmara – Contra essa opinião do Conselho há a de mais de 3.000 professores brasileiros, que pedem o ensino religioso.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Outro artigo do projeto a que me oponho é o que permite a assistência religiosa nos quartéis, navios de guerra…
O Sr. Corrêa de Oliveira – É uma providência excelente.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Sou favorável em parte.
Diz o art. 143:
“Sempre que se tornar necessário, nas expedições militares, hospitais, penitenciárias…”
Até aqui, estou de inteiro acordo.
“… ou outros estabelecimentos oficiais, será permitida a assistência religiosa, etc., etc.”
O Sr. Aarão Rebello – Se V. Ex.cia admite uma parte, tem que admitir a outra. Os efeitos são os mesmos.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Então, porque concordo com a primeira parte, devo concordar com a segunda?! Com a primeira estou de acordo e vou dizer porquê: um hospital, uma penitenciária, são estabelecimentos em que há indivíduos que sofrem. E onde há sofrimento, admito e compreendo que se leve a religião como alívio. Não sou contra a religião, não sou um irreligioso. Mas, dentro dos quartéis, a religião dará ensejo à mesma balbúrdia que determinará nas escolas.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Como o sofrimento é generalizado, conclui-se que V. Ex.cia é favorável a que a religião esteja em toda parte.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Basta dizer que o clero no Paraná é composto de 80% de estrangeiros.
O Sr. Aarão Rebello – Não na Capital.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Mesmo na Capital há muitos estrangeiros.
O Sr. Corrêa de Oliveira – É porque V. Ex.cias não permitiram que a religião exercesse livremente a sua influência; contribuíram grandemente para a desnacionalização do clero.
O Sr. PLINIO TOURINHO – A razão é que o brasileiro não dá para isso. O seminário, lá, está cheio de rapazes. Mas, quando chega a idade de se tornarem padres, abandonam a carreira.
O Sr. Aarão Rebello – Dever-se-ia nacionalizar o clero.
O Sr. Adroaldo Costa – No entanto, estrangeiro era Anchieta; estrangeiro era Vieira, e nem por isso deixaram de prestar relevantíssimos serviços à Pátria brasileira.
O Sr. PLINIO TOURINHO – V. Ex.cia está apresentando sumidades.
O Sr. Luiz Sucupira – E aquele frade relativamente ao qual o orador propôs um voto de pesar? Não era estrangeiro?
O Sr. PLINIO TOURINHO – Não há nada demais. Era um padre estrangeiro que há muitos anos estava no Brasil.
E os portos do país estão abertos. Diariamente recebemos levas de padres estrangeiros. Sou do lado do padre brasileiro e temo o padre estrangeiro.
Se V. Ex.cias derem um passeio pelo interior do Paraná hão de concordar comigo, se forem brasileiros.
O Sr. Corrêa de Oliveira – Eu sou brasileiro. Quem sabe se V. Ex.cia está pensando que sou estrangeiro?! (Risos.)
O Sr. PLINIO TOURINHO – Digo isso para reforçar e para que possa observar de perto que estou com a razão. […]
Ora, todos os representantes ou ministros dessas religiões ficam com o direito de obter prosélitos nos estabelecimentos oficiais do Estado. É ou não uma balbúrdia?
Sr. Presidente, não posso ao terminar este meu discurso, deixar de referir-me embora ligeiramente, à instituição do divórcio, que reputo necessário à sociedade brasileira. Nesse sentido, apresentei uma emenda, cuja justificação reproduzo aqui.
O Sr. Aarão Rebello – Se podemos fazê-lo agora, não devemos deixar para depois.
O Sr. PLINIO TOURINHO – Mas dizem os homens do direito que não é assunto constitucional.
O Sr. Corrêa de Oliveira – A Espanha instituiu o divórcio em sua Constituição.
O Sr. PLINIO TOURINHO – […] As Constituições são verdadeiras sínteses discriminativas das organizações políticas dos povos e consubstanciam no espaço e no tempo, as mais legítimas aspirações e necessidades; e a lei social, francamente evolutiva sem caráter, portanto, de imutabilidade e de fatalidade, tem que ser a tradução real, num dado momento de uma realidade social. Como, pois, subordinar a instituição do divórcio a dogmas religiosos, rígidos, imutáveis, instituídos há milênios pelos legisladores político-religiosos, adstritos à observação de fenômenos e necessidades nos estreitos limites de sua época?
A lei civil, considera o casamento como um contrato, logicamente como não admitir o distrato, uma vez fracassadas as bases fundamentais que devem presidir a união conjugal?
[O Deputado Plinio Tourinho continua com um longo discurso, favorável à inclusão do divórcio na Constituição, porém, sem outros apartes de Dr. Plinio.]
***
1) (N. do E.) Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1935, vol. IV, pp. 319-320.
2) (N. do E.) O presente debate foi publicado também no “Legionário”, nº 135, de 24/12/1933. A fim de ambientar o leitor nos trabalhos da Constituinte, sugerimos a leitura dos artigos “Como sempre” (pp. 493-496), e “Uma página de diário” (pp. 504-506), no I volume desta coleção.
3) (N. do E) Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870-1946) – deputado federal, ministro da Fazenda, senador e presidente do Estado de Minas Gerais (1926-1930). Participou da organização da Aliança Liberal, da Revolução de 1930 e da fundação do Partido Progressista (PP), em 1933. Foi presidente da Assembléia Nacional Constituinte de 1934. Após o término desta, assumiu a presidência da Câmara dos Deputados.
Atraiu a atenção de Dr. Plinio quando este o encontrou ajoelhado numa igreja do Rio de Janeiro, durante uma Missa. Algumas décadas mais tarde, o Autor o descreveu nestes termos: “Mineiro, homem dos mais interessantes que pude conhecer, descendente de um dos heróis da Independência brasileira – José Bonifácio –, e que, assim, trazia um nome histórico: Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. […] Homem finíssimo, nobre, distinto, brilhante, inteligente, irônico, sabendo contornar como ninguém as encrencas da Constituinte, sem se queimar. Dava-me não pequeno prazer vê-lo em ação.” (Extratos de conferências realizadas em 22/6/1973 e 23/11/1990, publicadas na “Dr. Plinio”, nº 15, junho de 1999, pp. 14-15).
4) (N. do E) Guaracy Silveira (1893-1953) – pastor metodista e escritor, eleito deputado constituinte pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) de São Paulo. Durante os trabalhos da Constituinte foi expulso do partido pela ala marxista.
5) (N. do E.) A respeito do programa e fins da Chapa Única por São Paulo Unido, ver o artigo “Chapa Única por São Paulo Unido”, no I volume desta coleção, pp. 442-445.
6) (N. do E.) Levi Fernandes Carneiro (1882-1971) – jurista carioca, nomeado consultor-geral da República em 1930, eleito deputado constituinte em 1934 e membro na Academia Brasileira de Letras em 1936. Foi membro da Comissão Permanente de Codificação do Direito Público Internacional.
7) (N. do E.) “Art. 106. […] § 4º. Não se poderá recusar, aos que pertençam às classes armadas, o tempo necessário à satisfação de seus deveres religiosos, sem prejuízo dos serviços militares.
“§ 5º. Sempre que a necessidade do serviço religioso se fizer sentir nas expedições militares, nos hospitais, nas penitenciárias ou outros estabelecimentos públicos, será permitida a celebração de atos cultuais, afastado, porém, qualquer constrangimento ou coação, e sem ônus para os cofres públicos.”
8) (N. do E.) Os debates desta sessão foram transcritos no “Legionário”, nº 136, de 21/1/1934.
9) (N. do E.) Frederico João Wolfenbutell – católico, deputado do Rio Grande do Sul, pelo partido Republicano Liberal.
10) (N. do E.) Note-se que esta é uma alusão a Dr. Plinio. O Autor fará menção a esse ataque, num aparte que fará ao discurso do Sr. Guaracy, transcrito na p. 37.
11) (N. do E.) Mais tarde, nessa mesma sessão, o Deputado Frederico tomará a palavra, para explicação pessoal, continuando a defesa das emendas religiosas. Depois dele, voltará à tribuna o Deputado Guaracy, também para explicação pessoal, transcrita em seguida.
12) (N. do E.) Os debates desta sessão foram também publicados em “O Legionário”, nº 137, de 21/1/1934.
13) (N. do E.) A respeito dos Srs. Guaracy e Zoroastro, ver comentários do Autor no artigo “As emendas católicas”, no I volume desta coleção, pp. 506-509.
14) (N. do E.) {em a}.
15) (N. do E.) Veja-se, acima, p. 33, no discurso do Deputado Frederico Holfenbutell, o aparte que o Sr. Guaracy faz, a respeito das intervenções de “gordos e magros”.
16) (N. do E.) Plutarco Elías Calles (1877-1945) – político mexicano, presidente da República entre 1924 e 1928. Seu mandato caracterizou-se por uma sangrenta perseguição aos católicos. Deposto por uma revolução, exilou-se na Europa.
17) (N. do E.) Rejeito!
18) (N. do E.) O Sr. Acir Medeiros é representante dos Empregados. O Sr. Edmar da Silva Carvalho, que aparteia o orador, é também representante dos Empregados.
19) (N. do E.) Escrita pelo Autor, a fim de precisar a homenagem apresentada, foi publicada pelo “Estado de São Paulo”, em 25/2/1934, 1ª página.
20) (N. do E.) Publicado no “Legionário”, nº 143, de 15/4/1934.
21) (N. do E.) Carlos Maximiliano Pereira dos Santos (1873-1960) – magistrado gaúcho, exerceu diversos cargos públicos: deputado federal, ministro da Justiça, ministro interino da Agricultura, Indústria e Comércio, consultor-geral da República, procurador-geral da República, ministro do Supremo Tribunal Federal. Enquanto deputado constituinte, presidiu a Comissão Constitucional – Comissão dos 26 –, na qual teve atuação decisiva
22) (N. do E.) Ver explicação sobre a Comissão dos 26 no artigo “Na hora H” (“O Legionário”, nº 140, de 4/3/1934).
23) (N. do E.) Referência à emenda nº 61: “Nós, os representantes do Povo Brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, e reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para o fim de estabelecer um regime democrático destinado a garantir a liberdade, assegurar a justiça, desenvolver a educação e preservar a paz, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”. […]
“Justificação
“Satisfará, naturalmente, a alma cristã brasileira, trabalhadora, bondosa e pacífica que haja no preâmbulo da sua Constituição uma palavra de pensamento no Criador, embora se escreva nas tábuas da sua lei: a independência dos dois poderes espiritual e temporal e em obediência ao próprio princípio do livre arbítrio: a liberdade dos cultos e das consciências.” (Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1935, vol. III, p. 12.)
24) (N. do E.) O discurso foi publicado no “Estado de São Paulo”, de 20/3/1934, p. 4.
25) (N. do E.) “Silenciarei ou falarei, Mãe Santíssima?”
26) (N. do E.) Cf. Lc 1, 48.
27) (N. do E.) Mt. 5, 5.
28) (N. do E.) Vaso de eleição (At 9, 15).
29) (N. do E.) O deputado que em seguida toma a palavra, tece um elogio ao discurso do Autor:
“Sr. WALDEMAR FALCÃO – Pouco devo eu dizer, após as palavras brilhantes do nobre representante de São Paulo, o ilustre deputado Plinio Corrêa de Oliveira.
“O Sr. Corrêa de Oliveira – Bondade de V. Ex.cia.
“Sr. WALDEMAR FALCÃO – É que, através de seu discurso, senti como que filtrar‑se a alma generosa de Piratininga, a alma agradecida do povo bandeirante, toda ela voltada, neste momento, num gesto de gratidão e de civismo, para a lembrança do apóstolo incomparável que foi José de Anchieta.
“Sinto, também, Sr. Presidente, que através da voz dos paulistas fala a voz do Brasil, a voz da nacionalidade, genuflexa diante da memória desse homem extraordinário que serviu tão bem à sua fé, servindo tão bem à sua Pátria; que soube tanto engrandecer a sua crença religiosa, sabendo magnificamente servir aos direitos dos pequeninos, aos interesses, ao aperfeiçoamento do selvícola brasileiro” (p. 520).
30) (N. do E.) Publicado no “Legionário”, nº 145, de 13/5/1934. Um resumo do discurso foi, também, publicado no “Estado de São Paulo”, de 6/4/1934, 1ª página.
31) (N. do E.) Por dever do cargo, por obrigação e regimento.
32) (N. do E.) A respeito do Governo Provisório, ver o artigo “Como sempre”, no I volume desta coleção, pp. 493-496.
33) (N. do E.) {se}.
34) (N. do E.) No limiar, antes.
35) (N. do E.) Por exemplo.
36) (N. do E.) Que tenhas o corpo. Lei inglesa que consente ao acusado de certos delitos esperar em liberdade, sob fiança, o dia do seu julgamento, e garante aos cidadãos a liberdade individual contra as prepotências da autoridade.
37) (N. do E.) Com o devido respeito.
38) (N. do E.) {evolver}.
39) (N. do E.) Publicado no “Legionário”, nº 146, 29/5/1934.
40) (N. do E.) João Villasboas – jornalista e advogado, eleito deputado pelo Mato Grosso. Foi senador de 1935 a 1963.
41) (N. do E.) O Autor refere-se ao discurso por ele feito na 112ª Sessão, de 5/4/1934, acima transcrito; e que foi publicado no Diário da Assembléia Nacional, nº 76, de 10/4/1934, pp. 2369-2374.
42) (N. do E.) Publicado no “O Legionário”, nº 146, de 29/5/1934, p. 3.
43) (N. do E.) João Antônio de Oliveira Guimarães – deputado pelo Rio de Janeiro. Foi 1º vice-presidente do Governador desse Estado (o Dr. Francisco Chaves de Oliveira Botelho) de 1910 a 1914.
O deputado bate-se aqui contra a Sub-emenda nº 411 ao anteprojeto da – Constituição – Título X – Da família apresentada por alguns deputados, entre os quais Dr. Plinio:
“O casamento é regulado pela lei civil. Seu processo, documentos respectivos e celebração serão gratuitos. § 1º Respeitado o disposto no artigo anterior e precedendo a habilitação processada segundo a lei civil, serão, para todos os efeitos, válidos os casamentos religiosos registrados perante oficial competente.” (Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1935, vol. IV, p. 284).
44) (N. do E.) Publicado também no “Legionário”, nº 146, de 29/5/1934.
45) (N. do E.) Plinio Alves Monteiro Tourinho – oficial do Exército, simpatizante do tenentismo, eleito Deputado à Constituinte pelo Paraná.
46) (N. do E.) Uma velha canção.
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