1932 – maio a dezembro
“O Século”, 1/5/1932
A Nota da Semana
[Inação, indolência, indiferentismo, equivalem a traição, crime e pecado]
A intervenção dos católicos nas pugnas políticas do país, anunciada presentemente por alguns dos seus leaders, prejudicará o prestígio de que goza a Igreja perante o Governo e a população?
É esta uma das freqüentes objeções que se opõem a quantos pretendem organizar um largo movimento social católico que projete sua influência no terreno dos problemas nacionais.
[Pode a Igreja continuar alheia ao que se passa em nossa vida pública?]
Sua solução deve ser subordinada a esta outra questão: qual o dever da Igreja? Moralmente, pode ela continuar alheia ao que se passa em nossa vida pública?
Esta questão se reduz aos seguintes termos: pode a Igreja consentir, sem a menor veleidade de reação, que, na legislação, se desconheça Deus, se impeça o ensino religioso, se neguem os efeitos civis ao casamento religioso, se dissolva a família pela adoção do divórcio e se destruam as poucas tradições religiosas que o cinema ainda não nos roubou?
Evidentemente, não. Se a Igreja, instituída por Cristo para a defesa de sua doutrina, não lutasse com armas lícitas contra tamanhas calamidades, sua inação implicaria numa abdicação virtual de sua missão sobrenatural.
Ora, tal abdicação a Igreja não a faria, por maiores que fossem os riscos a que se devesse sujeitar, e por mais prejudicial que fosse o injusto desprestígio com que a quisessem reduzir ao silêncio.
[A Igreja está habituada a contemplar o esboroar dos ataques contra sua organização divina]
É próprio às instituições humanas, instáveis por natureza, recear os golpes fatais do desprestígio. Nunca o faria, porém, a Igreja, ciente da força sobrenatural que lhe confere seu mandato divino, e habituada a contemplar, há dois mil anos, o esboroar sistemático de todos os ataques humanos dirigidos contra sua organização divina.
Nunca seria a Igreja que se acobertaria sob a capa de uma inatividade criminosa, para se preservar do desprestígio passageiro que lhe lançaria uma geração que há de morrer.
Nunca seria a Igreja que se revoltaria contra a vontade de Deus, para ganhar algo na consideração dos homens.
Há terrenos em que a transação é uma infâmia. Este é um deles.
No entanto, a sabedoria inspirada da Igreja reconhece a necessidade de completar a intransigência com uma sábia prudência.
Daí o manter-se o Episcopado alheio às lutas políticas, e superior às contendas travadas em torno de alguns dos grandes problemas nacionais, atinentes aos direitos da consciência religiosa do País.
Os fiéis, porém, ficam obrigados, por um imperativo moral absoluto, a ligarem seus esforços para, dentro da caridade e da disciplina, lutarem pela doutrina de Deus, da qual são, pela Fé, depositários e defensores, impedindo que os nossos adversários reduzam a um vergonhoso estado de escravidão espiritual o Brasil, que se ufana de ser católico.
No momento atual, inação significa traição. Indolência significa crime. E indiferentismo significa pecado.
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“O Legionário”, nº 97, 8/5/1932, p. 4
O valor de uma renúncia
Para os materialistas, a História é um desenrolar de fatos que obedece, segundo alguns, ao fatalismo inexorável das leis naturais, e, segundo outros, às combinações caprichosas e desgovernadas do Acaso.
Em qualquer das hipóteses, o homem se vê aniquilado diante de forças muito superiores às suas, que afogam sua fraqueza na imensidade das coisas criadas, sujeitando sua ação inteligente ao imperativo brutal e inconsciente das forças materiais.
Para os adeptos do materialismo histórico, as tentativas do homem para sujeitar ao seu império os elementos da natureza, e abrir livremente, pelo esforço de sua vontade, a senda de seu destino, são tão ridículas como a luta de um grão de areia que se quisesse insurgir contra o turbilhão que o arrasta pelos ares.
O turbilhão da natureza impele o homem a um destino independente de sua vontade, como a gravidade atrai os corpos que se despencam no abismo.
Nascido da matéria, por ela dominado inteiramente durante sua vida, o homem para ela volta, inelutavelmente, com a morte, quando desaparecerem definitivamente os últimos lampejos do que se convencionou chamar vida – um estado especial das forças materiais.
[Para os filósofos materialistas, o reino do Acaso]
Nenhum lugar, nesta filosofia, para as grandes idéias que ainda ontem aromatizavam com as fragrâncias de sublimes ideais a vida dos homens de bem.
A perfeição no viver consiste apenas em se conformar escrupulosamente com essas leis naturais, transformando-se o homem em autômato comparável a algumas máquinas modernas que abrem válvulas quando chega a certo ponto o ponteiro do relógio, apitam quando está pronta a tarefa para que foram engenhadas, e obedecem em tudo ao fatalismo imperioso de sua constituição interna.
Para os filósofos materialistas do Acaso, o homem é certamente livre de talhar para si próprio o destino que escolher. No entanto, por mais estupenda que seja a fecundidade de seu engenho, por mais robusta que seja a compleição de sua vontade, seus esforços podem fracassar de um momento para outro diante de uma conjunção imprevista e imprevisível de fatos fortuitos, estupidamente forjada pelo Acaso, que esmaga com uma inconsciência brutal o fruto dos esforços pacientes de toda uma vida, como nós, às vezes, destruímos com um simples acalcar de pés, distraidamente, um formigueiro industriosamente arquitetado por toda uma grei de formigas.
Seu símbolo mais adequado é a Fortuna, que se vê nos anúncios de nossas modernas loterias, de olhos fechados, gargalhada louca, cabelos ao vento, distribuindo a correr suas prodigalidades loucas, enquanto passa inconscientemente por sobre chagas e misérias, espezinhando sofrimentos, aguçando torturas, exacerbando as ambições desiludidas.
[A História se ilumina com o clarão da Fé para os católicos]
Para os católicos, porém, a História se ilumina com um clarão todo especial: o da Fé. O homem não é um joguete inerme nas mãos de uma natureza implacável. Não é, também, um soberano insolente, sujeitando com o despotismo de sua vontade, a seu império, todos os elementos da natureza. É, antes de tudo, uma pobre criatura decaída do seu estado de glória primitivo, tentando a sua reabilitação, com o auxílio da graça, e de alguns corações devotados, que vencem suas dificuldades internas, para se entregar inteiramente a Jesus.
[Renúncia que, por si só, vale muitíssimo para a salvação do Brasil]
É no fundo das celas dos conventos, ou no recesso dos corações dos crentes, que o destino do Brasil está a se resolver.
O Brasil não precisa de sábios, nem de heróis. Precisa de santos. Afirmou-o Tristão de Athayde, como conclusão às suas conferências sobre o Problema da burguesia.
Ora, Monsenhor Pedrosa, com a suprema renúncia que acaba de fazer, cortando os vínculos de ouro que o prendiam a tantos corações inteiramente seus, acaba de dar, neste sentido, um passo decisivo.
Sua alma privilegiada, escrínio em que Maria Santíssima havia depositado tesouros preciosíssimos, volta-se mais uma vez para Deus, com a fidelidade leal com que tem sabido ouvir a voz da graça.
A renúncia suprema1 que Monsenhor acaba de fazer valerá muito mais, por si só, para a salvação do Brasil, do que todos os discursos inócuos, do que todos os ódios incendiados, do que a explosão de todos os interesses pessoais que a Revolução exacerbou.
E, mais uma vez, Monsenhor faz, na sombra de sua santa humildade, muito mais bem do que todos os irrequietos do mundo, no espalhafato de sua vaidade.
Diante da grandeza de seu gesto, e do assombroso alcance religioso e social de sua renúncia, só uma coisa nos resta: inclinarmo-nos respeitosamente diante da grandeza de sua dor, e, mais uma vez, com imenso respeito, com carinho de filhos, lhe beijarmos respeitosamente a mão.
Monsenhor! Compreendemos vossa lição!
Plinio Corrêa de Oliveira
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“A Mocidade”, nº 41, maio de 1932, Ano IV, pp .1 e 4
Organização política dos Católicos
Já é tempo da Igreja, por intermédio dos seus fiéis, dizer algo sobre o verdadeiro pensamento dos católicos.
A ideologia de muitos inimigos da nossa Fé tem chegado às raias do confusionismo.
Amigos de teorias errôneas, têm criado um ambiente desfavorável ao clero, procurando afirmar haver ambição e interesses inconfessáveis da parte dos padres, quando a verdade é outra.
O apelo aos católicos, largamente divulgado pela imprensa brasileira, despertou um extraordinário interesse, foi o início entusiástico da ação católica com projeção na vida pública do país.
Os nomes que firmaram aquele importante documento são conhecidíssimos no cenário político, assim como ilustres católicos militantes da culta sociedade paulistana.
Paladinos da organização política dos católicos, pela imprensa e, em ótimas conferências, têm incentivado esse amor à nossa tradição cívico-religiosa.
Nesta época de agitações estéreis e ambições inconfessáveis, só mesmo a voz da Igreja, irmanando os seus fiéis poderá dar correta orientação às massas.
O Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, redator-chefe de “O Século”, membro do Centro D. Vital, e um dos chefes mais destacados da Ação Católica em São Paulo, dera um belo exemplo de idealismo saltando sobre a barreira de suas divisões partidárias, para acolher em defesa de um ideal comum. Já vê que o Catolicismo logo ao ingressar na vida pública nacional, inicia a sua ação com um esplêndido exemplo de amor ao ideal, que, freqüentemente, nos tem faltado.
Interrogado sobre se os católicos procurariam arregimentar-se desde já, para efeitos eleitorais, declarou que não. Pertenciam seus correligionários, na atual emergência, à alta linha de ponderação, discrição e elegância moral que caracteriza todas as iniciativas católicas. Não se apressariam portanto, os católicos, de agir. E quando o fizerem, o farão com um elevado critério de idealismo e moderação e com a preterição absoluta de seus interesses pessoais, em benefício da vitória de sua causa. Fora e acima dos partidos, eis a senha que, no momento oportuno, quando os fatos nos chamassem à ação, saberemos adotar e impor.
É preciso ser mantida a frente Única dos Católicos, para maior glória do Brasil e defesa da nossa santa religião.
J. Vantuilde Brandão
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“O Século”, 5/6/1932
A Nota da Semana
[A raça que abandonou a Deus, e que Deus abandonou]
Não é suficiente que os católicos se compenetrem da gravidade da hora presente e que, engrossando as fileiras, hoje incontáveis, dos descontentes, chorem, como Eneas saindo de Tróia, os tristes destinos de sua pátria incendiada.
Nossa função histórica é mais do que a de simples carpideiras chorando sobre os escombros do Brasil. Eneas só abandonou Tróia quando ardiam em chamas os últimos redutos de sua cidade natal, e só chorou os destinos de sua Pátria depois de ter utilizado todos os recursos capazes de a livrar dos gregos.
Ora, nem tudo, no Brasil, está a arder, e entre as coisas que ainda não foram atingidas pelo fogo da indisciplina moral e social se destaca a Igreja Católica, que o Dr. Plinio Barreto afirma ser “a única coisa organizada que existe no Brasil”.
Enquanto, portanto, este reduto estiver incólume, deveremos lutar com esperança e com ardor pelo Brasil, certos de que nada estará perdido enquanto estiver ilesa a Igreja.
Não nos assiste, portanto, o direito das recriminações estéreis e das explosões infrutíferas de uma tristeza que só conduz ao desânimo. É necessário que os católicos entrem imediatamente em ação, com eficiência, disciplina e espírito cristão.
[A situação excepcionalmente favorável em que se encontra a Igreja no Brasil]
A Igreja se encontra, presentemente, no Brasil, numa situação excepcionalmente favorável à expansão de seus princípios religiosos e sociais. A opinião pública, profundamente descrente de todos os partidos políticos, de todos os Clubs e de todos os nossos estadistas, verá com bons olhos a entrada, na arena política, de elementos superiores às rivalidades pessoais ou de facções, e preocupados exclusivamente com a vitória dos princípios católicos, a cuja aplicação temos direito par droit de conquête et par droit de la naissance2.
Por outro lado, a Doutrina Católica, imenso repositório de verdades fecundas para a vida dos povos, exige de seus fiéis uma disciplina espiritual capaz de congregar facilmente, em torno de algumas reivindicações básicas, uma massa imensa de elementos pertencentes à élite moral do país.
Um poder eleitoral fortíssimo, amparando uma doutrina cujas vantagens sociais e morais só os comunistas podem negar, eis a contribuição salvadora que os católicos têm a obrigação de oferecer ao Brasil, no momento em que se torna necessária a colaboração de todos os elementos conservadores e reacionários, para conter a onda de lodo moscovita que ameaça submergir a terra de Santa Cruz.
[É preciso que os católicos se compenetrem da aplicabilidade imediata de sua doutrina]
Para conseguir isto, é necessário que os católicos se compenetrem das excelências e da aplicabilidade imediata da doutrina que professam. Do que lhes adianta estarem a regenerar o País, mediante o emprego de forças morais inteiramente gastas e contaminadas pelo maçonismo, quando está às suas mãos o Catolicismo, sempre moço na perenidade de sua doutrina, e sempre incorruptível em relação às bactérias de dissolução social?
Congreguem-se os católicos sob a orientação de seus princípios religiosos, abandonando de vez quaisquer tentativas mais ou menos fantasiosas e inseguras de colaboração com elementos suspeitos. Terão, assim, andado metade de seu caminho.
No entanto não é suficiente que se congreguem. É necessário que se submetam leal e nobremente à direção de um órgão comum que tenha poderes suficientes para coordenar as atividades e opiniões individuais, enfeixando-as de modo a conseguir uma atuação unanimemente seguida e unanimemente adotada.
[O sacrifício das opiniões individuais em benefício das deliberações coletivas inspiradas na Fé]
Enquanto os católicos não souberem sacrificar aos seus princípios religiosos algumas de suas opiniões individuais, nada será possível conseguir.
Está na índole e na essência do Catolicismo o respeito das opiniões individuais às deliberações coletivas realmente inspiradas na Fé e na prudência.
Se cada católico resolver impor seus pontos de vista particulares, a respeito da organização, do modo de agir e da administração de uma corrente católica influente na vida pública, teremos em pouco tempo o caos. Respeitadas, portanto, as linhas gerais que o próprio bom senso traça como limite para a ação de qualquer diretoria de grupo ou associação, é necessário que reine a disciplina a mais inflexível entre os católicos, pois que só a disciplina assegura a união, e que sem união não é possível o sucesso.
Finalmente, é preciso que os católicos compreendam a necessidade de fechar definitivamente os olhos às divisões administrativas de dioceses e paróquias, para olhar, com um idealismo são, para os interesses coletivos da Igreja Católica.
Entendemos com isto que os católicos precisam saber fechar os olhos aos interesses regionais, quando se tratar de salvar interesses gerais de maior importância. Daí resulta ser necessário que as pequenas autonomias locais fundamentalmente boas não prejudiquem de modo algum a articulação das forças católicas em um órgão de direção geral, fortemente centralizado e munido de uma larga margem de poderes, imprescindível para a defesa dos interesses coletivos.
Só assim poderemos salvar o Brasil. E se assim não procedermos, teremos dentro em breve os últimos escombros de nossa Pátria transformados em um muro das lamentações, que recolherá os prantos amargos e estéreis de uma raça que abandonou a Deus, e que Deus abandonou!!!
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“O Século”, 12/6/1932
A Nota da Semana
[Acinte aos católicos: as manifestações comunistas na escadaria da Catedral]
A campanha comunista está atingindo entre nós proporções assustadoras. Por um lado, favorece as paixões das camadas inferiores da sociedade, profundamente deseducadas e entregues ao império das mais censuráveis inclinações. Por outro lado, tem o esquisito sabor das novidades. Seduz, portanto, alguns elementos excêntricos de nossa jeunesse dorée, sempre à cata de novidades, sejam elas o ópio chinês, o whisky americano ou o leninismo moscovita. Finalmente, oferece aos literatos da segunda linha oportunidade para atitudes sensacionais. Declaram-se comunistas. Assumem as mais estranhas atitudes. Desafiam com seu procedimento o bom senso e o pudor do público. Em pouco tempo, seu nome está em todas as bocas, e sua fotografia nos placards de todos os jornais. Sua insensatez causa espanto à boa população ordeira, que sente calafrios. E com isto se obtém facilmente um certo renome, todo ele originado pelo espanto da população, espanto este que nossos comunistas confundem freqüentemente com admiração.
[Não se pode conceber que uma coligação de aventureiros e de agitadores ponha em cheque a tranqüilidade pública]
Nossas autoridades não podem mais continuar a sorrir indiferentes e céticas a estes atentados perpetrados contra a dignidade do povo paulista. Não se pode conceber que, em uma cidade erguida sob as bênçãos de um sacerdote para ser o grande centro de vida religiosa, política e econômica, que é São Paulo, uma coligação de aventureiros, de blasés3 e de agitadores profissionais ponha impunemente em cheque a tranqüilidade pública e a riqueza moral e econômica do Estado, acumulada pelo intenso labor de muitas gerações operosas e moralizadas.
É necessário, é absolutamente necessário que uma repressão se faça sentir imediatamente. E urge que ela venha imperiosa, inexorável e definitiva.
Não nos deve a prudência levar ao extremo de desistir de qualquer repressão, de medo que se exacerbem os ânimos dos elementos alvejados pela ação da polícia.
[Não nos atemorize o receio de fazer mártires do comunismo]
É verdade que as grades das prisões nunca converteram os prisioneiros. Mas a ação do Estado, ao prender um agitador, é principalmente preventiva. Visa seqüestrar do convívio social um indivíduo nocivo, pondo-o portanto em estado de não poder mais fazer a propaganda de seus princípios deletérios. É uma camisa de força que se passa sobre intelectos demasiadamente agitados.
Nem nos atemorize o receio de, com nossa repressão, fazer mártires do comunismo, que possam vir a ser, futuramente, a encarnação da ideologia perseguida. É só nas reações incompletas que tal se pode dar. Uma reação completa suprime simultaneamente os mártires e todos quantos os possam chorar. Por falha de uma reação como esta é que se perdeu a Rússia. E foi graças a ela que se salvou a Itália.
Nas manifestações comunistas de 1º de Maio, realizadas na escadaria de nossa Catedral (em acinte a nossos elementos católicos que acolheram impávidos esta afronta), foram presos perto de vinte agitadores. Destes, apenas um era brasileiro. Se a polícia tivesse impedido o ingresso dos estrangeiros em nosso território, teria ela corrido o risco de presentear a III Internacional com alguns mártires brasileiros? Evidentemente não. E, no entanto, está claro que, sem estes cabeças, a manifestação não se poderia ter efetuado.
O perigo comunista está, por enquanto, concentrado nas mãos de alguns agitadores. Esmagado o perigo in ovo4, ter-se-á prestado à Pátria insigne serviço.
E enquanto a tanto não se decidirem nossas autoridades, não lhes darão tréguas os verdadeiros católicos e patriotas.
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“O Século”, 19/6/1932
A Nota da Semana
[Mais laicista e republicano do que Ruy]
O PD5, em seu programa, propõe que se reconheça a Igreja Católica como sendo a da maioria dos brasileiros.
A título informativo, queremos esclarecer os nossos leitores sobre o alcance deste reconhecimento.
[Os Estados Unidos não professam o laicismo ridículo em que se atolou o Brasil]
Nos Estados Unidos (cuja Constituição Federal é o original sobre o qual se decalcou a nossa), a imensa maioria da população é protestante. O esboroamento do protestantismo, decorrente da fragmentação de suas inúmeras seitas, fez com que, no entanto, cada seita protestante, considerada isoladamente das demais, seja muito inferior, numericamente, ao Catolicismo. Não se pode, portanto, dizer que, nos Estados Unidos, qualquer das religiões cristãs congrega a grande maioria dos norte-americanos em torno de si. No entanto, o Cristianismo, considerado de um modo geral como abrangendo todas as religiões que professam a crença na divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, constitui a corrente espiritual que predomina de modo quase exclusivo nos Estados Unidos.
Reconhecendo este fato, os legisladores norte-americanos têm considerado todas as religiões cristãs como credoras de certo amparo oficial e da máxima consideração por parte das autoridades.
E por tal forma esta concepção tem afastado os Estados Unidos da prática do laicismo ridículo e obsoleto em que se atolou o Brasil, que o Presidente decretou um dia nacional de jejum, para obter de Deus que afastasse da América do Norte os perigos que a ameaçavam, e que, cada ano, há um feriado nacional especialmente destinado a permitir ao povo que dê graças a Deus pelos benefícios recebidos. Todos os dias, antes de iniciar o Congresso Nacional seus trabalhos, prosterna-se aos pés de um capelão, que lhe transmite as bênçãos do Senhor. Em diversos Estados da União, a Constituição é promulgada em nome de Deus, se proíbe o divórcio a vínculo, e o ensino religioso é adotado nas escolas públicas. A Universidade Católica e os grandes empreendimentos católicos ou protestantes são bafejados pela proteção oficial. E as imagens e objetos para o culto gozam de isenção de impostos de alfândega.
Como, no Brasil, o Catolicismo é o que, nos Estados Unidos, é o Cristianismo (pois que entre nós o Catolicismo é senhor da absoluta maioria dos brasileiros), claro está que, se quisermos imitar os Estados Unidos, deveremos conferir à Igreja Católica, entre nós, as regalias de que goza na América do Norte, regalias estas que em nada ferirão a liberdade de consciência das seitas dissidentes.
[Não se trata apenas de um reconhecimento estéril]
À primeira vista, poderá parecer que o programa do PD pleiteia para o Catolicismo apenas um reconhecimento estéril, despido de quaisquer vantagens concretas.
O fato de figurar entre os signatários o nome do Dr. Marrey Jr., que, como grão-mestre da Maçonaria, é inimigo irredutível dos católicos e do Catolicismo, confirma em parte esta suspeita. No entanto, parece-nos tranqüilizadora a assinatura do Dr. Vicente Rao, que se lê ao lado da do Dr. Marrey. O Dr. Vicente Rao não subscreveria o programa do PD se não fosse sincera a intenção do partido de atribuir ao Catolicismo vantagens de ordem moral palpáveis. Efetivamente, o Dr. Rao, que tem manifestado freqüentemente suas simpatias doutrinárias pelo Catolicismo, é por demais inteligente para supor que uma regalia platônica seria suficiente para atrair o apoio dos católicos ao PD. E, por outro lado, é por demais honesto para pactuar com a ignomínia de um camouflage político destinado a iludir as massas católicas zelosas dos interesses de Deus.
Nossos parabéns, portanto, e sinceros, ao PD, pela atitude que assumiu.
[Pode-se ser laicista sem ser contrário a que se concedam regalias ao Catolicismo]
O Dr. João Sampaio, leader perrepista6, sentiu-se melindrado nos seus brios de laicista ferrenho, ao ler o programa do PD, e daí uma série de imprecações que S. Ex.a despejou pela imprensa contra a simpática atitude dos democráticos. Disse S. Ex.a que convinha manter o laicismo da Constituição de 1891. Que a paz espiritual do Brasil o exigia. Que a Igreja não deveria perturbar esta paz com reivindicações imoderadas… etc. etc.
S. Ex.a se tem em conta de abalizado conhecedor de nossos problemas públicos. Já que fala em Constituição, não será mau que tome uma pequena lição de Direito Constitucional. Meteu-se neste campo com muita infelicidade. Receberá de Pedro Lessa e de Ruy Barbosa uma severa repreensão. Mostrar-lhe-ão os grandes mestres que se pode ser laicista, sem por isto ser contrário a que, no Brasil, se concedam ao Catolicismo as regalias de que, nos Estados Unidos, goza o Cristianismo.
Vejamos o que dizia Pedro Lessa, sempre tremendamente laicista: “Imbuídos dessas idéias (liberdade e igualdade), os americanos, sem embargo de manterem a mais plena liberdade de cultos, não julgam contrário à sua constituição o reconhecimento do cristianismo como religião nacional” (Dissertações e Polêmicas, p. 10). E, mais adiante, continua: “Se todas as confissões ou religiões fundadas nos princípios do cristianismo têm direito a uma proteção igual, nunca se poderá censurar o legislador que, respeitando o princípio de igualdade, propulsar entre nós o desenvolvimento do catolicismo; porquanto dele podemos dizer o que do cristianismo em geral repetem freqüentissimamente todos os bons publicistas norte-americanos; se não é hoje a nossa religião oficial, ou legal, é inquestionavelmente a religião nacional do Brasil” (op. cit., pp. 23-24).
Nos Elogios e Orações (p. 311, ed. 1924), diz Ruy Barbosa, depois de ter enumerado todas as regalias do Cristianismo na América do Norte: “Aí está porque o constitucionalismo americano repele essa uniformidade atéia, cuja superstição professa a república no Brasil, e que não estava de certo nos intuitos dos seus fundadores.” E na p. 312 acrescenta: “Foi sob esse pensamento que adotamos a constituição de 1891. Tínhamos então os olhos fitos nos Estados Unidos, e o que os Estados Unidos nos mostravam era a liberdade religiosa, não a liberdade materialista.” E na p. 314 diz: “Antes da república existia o Brasil; e o Brasil cresceu cristão, cristão continua a ser até hoje. Logo, se a república veio organizar o Brasil, e não esmagá-lo, a fórmula da liberdade constitucional na república necessariamente há de ser uma fórmula cristã.”
Temos aí os dois maiores intérpretes da Constituição republicana, os dois mais indefectíveis paladinos da liberdade espiritual, a infligirem ao Sr. Sampaio uma severa lição de Direito Constitucional.
Mais realista do que o rei, mais laicista e mais republicano do que Ruy, que fez a República e o laicismo, o Sr. Sampaio se nos apresenta como um Quixote do positivismo, a ver atentados contra a liberdade espiritual onde não os há, assim como o lendário herói de Cervantes via gigantes imaginários onde apenas havia moinhos de vento.
Lembra-se S. Ex.a do que sucedeu a D. Quixote quando investiu contra os moinhos? Acautele-se, pois…
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“O Século”, 3/7/1932
A Nota da Semana
[O laicato católico e a vida pública do País]
A árvore frondosa do Catolicismo brasileiro acaba de estender um ramo novo, em um terreno até aqui quase inteiramente abandonado ao descaso pelo laicato católico: a vida pública do País.
[É dever dos católicos empenhar-se em cristianizar nossa legislação]
É necessário que os elementos sinceramente desejosos de promover a restauração religiosa do Brasil se empenhem seriamente em cristianizar a legislação que orienta e forma os destinos da Pátria.
Enquanto, neste terreno, os católicos não se organizarem definitivamente, estaremos expostos, a qualquer momento, aos golpes da impiedade, que têm inúmeras vezes flagelado a Igreja no Brasil, deixando profundas cicatrizes na moralidade do nosso povo.
E a garantia única com que podemos contar é a força eleitoral de uma massa compacta e disciplinada de católicos, disposta a manifestar sua repulsa invencível por todas as leis atentatórias dos direitos da consciência religiosa no Brasil.
[Programa definido, combatividade enérgica, visão segura dos interesses religiosos e morais da Nação]
Saudamos, portanto, como auspicioso acontecimento, o aparecimento da União Popular Brasileira, organização eleitoral católica que acaba de se apresentar ao público contando com o apoio de elementos prestigiosos do laicato católico.
Programa bem definido e perfeitamente ortodoxo; combatividade enérgica e prudente; visão segura dos interesses religiosos e morais da Nação, eis as credenciais com que se apresenta ao público a nova organização.
Da eficiência de sua ação não se pode duvidar. Dispõe de todos os elementos necessários para uma vitória pronta e segura. Brilha nela o espírito de altivez e de disciplina, que caracteriza todas as verdadeiras iniciativas católicas.
[Frente única dos católicos em oposição à frente única dos adversários do Catolicismo]
Uma única condição, porém, é indispensável. É necessário que a UPB saiba entroncar-se em uma extensa rede de centros eleitorais católicos, dirigidos por um órgão central forte e intimamente articulados entre si.
Ainda há pouco, vimos os adversários da Igreja se ligarem todos, contra o Catolicismo, para combater o ensino religioso. O ódio à Igreja fez cair todas as barreiras doutrinárias que os separavam. Ficou apenas o rancor anticatólico, congregando em uma frente única indissolúvel todos os adversários do Catolicismo. Será necessário que os católicos, que são chamados à união por todos os motivos, compreendam mais do que nunca a necessidade de conjugar seus esforços para o triunfo de suas idéias.
Sendo unidos, serão fortes. E sendo fortes vencerão.
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“O Século”, 10/7/1932
A Nota da Semana
[Do que vale a maioria, se ela se pulveriza?]
Os católicos, no Brasil, são a grande massa. Ser brasileiro e ser católico são termos, entre nós, quase equivalentes.
Como se explica, então, o irritante ostracismo com que a Igreja se tem visto constantemente proibida de exercer qualquer influência sobre nossa vida pública?
O mal não nos vem tanto de nossos adversários, quanto de nós mesmos. Muito mais importante é, para nós, incutir nos verdadeiros católicos uma noção exata de seus deveres para com a Igreja, do que conquistar para esta algumas ovelhas desgarradas.
[A obra gigantesca do reerguimento religioso do Brasil exige a união dos católicos]
Os católicos brasileiros são a maioria e, no entanto, são oprimidos como se constituíssem a mais insignificante minoria! Onde pode estar o mal senão na timidez inviril, na indolência criminosa e no individualismo degradante que caracterizam bom número de fiéis brasileiros?
É certo que os católicos são a maioria. Mas do que vale a maioria, se ela se desagrega em um sem-número de pequenos grupos estranhos ou hostis uns aos outros? Do que vale a maioria, se ela se pulveriza em uma multidão de pequenas associações, cuja rivalidade é a melhor arma do adversário comum?
Enquanto os católicos não forem unidos, não serão vencedores. E só serão unidos no dia em que, abandonando seu individualismo condenável, souberem sacrificar suas pequenas vaidades aos grandes interesses coletivos, e dobrar suas preferências pessoais e caprichos insignificantes ao jugo severo de uma autoridade forte e respeitada.
Não é possível que, em uma obra gigantesca como seja o reerguimento religioso do Brasil e a organização do laicato católico [ainda] inteiramente incipiente, cada qual se julgue no direito de impor suas vistas, integralmente, a todos os seus colaboradores de apostolado.
É mister que um grupo, investido legitimamente de uma autoridade indiscutível, goze do direito de impor sem receio de desobediências, e ordenar sem perigo de insubmissões.
O Rio Grande e os partidos católicos
Existia, no Rio Grande do Sul, um Partido Católico, superiormente orientado pelos elementos religiosos locais, e que se destinava à defesa dos princípios sociais e religiosos da Igreja, na vida pública do Brasil.
Recentemente, o Episcopado brasileiro, exprimindo seu pensamento por intermédio de seus elementos preponderantes, tem apoiado a Liga Eleitoral Católica. Como se sabe, esta agremiação nada tem de comum com os agrupamentos partidários, e se recusa formalmente a assumir qualquer coloração política ou partidária.
Os católicos, arregimentados e devidamente disciplinados, conjugarão seus esforços, sob a bandeira da Liga, para impor a aceitação de seus ideais religiosos, sem se imiscuir em pugnas políticas ou dissidências partidárias de qualquer ordem. A Liga não constitui, portanto, um partido católico, mas uma agremiação católica de finalidade eleitoral, e de cunho nitidamente extrapartidário.
Os católicos sul-rio-grandenses compreenderam imediatamente a superioridade deste novo plano, e distinguiram ↓7 a simpatia do Episcopado, através das numerosas provas de confiança que a nova organização vem recebendo.
Cedendo a seu elevado idealismo religioso, e ao seu temperamento nitidamente disciplinado, os católicos dos pampas transformaram imediatamente seu partido em Liga Eleitoral. Deram, assim, uma prova da profundeza e correção de seus sentimentos religiosos, dobrando sua opinião pessoal aos seus sentimentos de solidariedade e profunda comunhão espiritual com os católicos do Brasil inteiro.
Exemplos como este merecem ser registrados e meditados.
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“O Século”, 17/7/1932
A Nota da Semana
A revolução legal
Para os católicos há, na revolução8 que empolga presentemente a alma paulista, um aspecto importantíssimo a salientar.
[Fiel às tradições ordeiras de seus maiores, São Paulo se ergue em defesa da Lei]
Se São Paulo tivesse interrompido sua vida comercial e industrial intensa para erguer, contra a Lei e os Poderes Públicos, milhares de fuzis criminosos, se fosse a anarquia o sopro animador do esforço titânico que ora desenvolve a população bandeirante, os católicos outra coisa não teriam a fazer senão, afastando-se de sua terra natal, chorar copiosamente sobre as ruínas morais de Piratininga, como Jesus chorara amargamente sobre a orgulhosa Jerusalém, rebelde à sua vocação divina.
Ferir o princípio divino da autoridade, voltar contra o poder constituído por força da vontade de Deus, as ondas caprichosas e fatais da demagogia anárquica, eriçar contra os legítimos representantes do Poder Público inúmeras baionetas sanguinárias, é, para São Paulo, o maior desmentido à ordem material que admiramos no seu trabalho ininterrupto, no inflexível espírito de disciplina e respeito à Lei, que foram sempre as características da história bandeirante.
Do que nos valeria a suntuosidade de nossa esplêndida Capital, se nela tivesse perecido o espírito sublime de Amador Bueno da Ribeira, que recusou as honras da realeza para se manter fiel aos legítimos laços de submissão que o prendiam ao rei de Portugal? O São Paulo moderno, cheio de progresso e de riqueza, não poderia mais intitular-se o continuador dos antigos bandeirantes, mas apenas o sepulcro suntuoso de uma tradição morta, se decaísse das tradições ordeiras de seus maiores.
Mas a preocupação de respeitar as autoridades reviveu agora, com o empenho manifestado por nossas autoridades em demonstrar que, se São Paulo se ergue contra o Governo Provisório, é porque este não quer a Lei Constitucional, pela qual os paulistas estão dispostos a derramar até a última gota de seu sangue.
São Paulo se ergue, portanto, contra o Governo, mas pela Lei. E se agora investe de armas em punho contra os detentores do poder discricionário, fá-lo depois de ter esgotado pacientemente, um a um, todos os recursos necessários para obter, pacificamente, aquilo que a povo algum é lícito negar: uma organização política estável, com poderes públicos nitidamente definidos e delimitados, que salvem a nação da anarquia financeira e administrativa para a qual ia descambando.
[O direito de revolução, em casos muito restritos, é reconhecido pela Igreja]
A Doutrina Católica é, de todas, a que cerca com maiores garantias a autoridade, contra os caprichos e desmandos do demagogismo popular.
É conhecido o rigor com que São Tomás de Aquino discute o direito de revolução.
Mas, se o discute, é para, em casos muito restritos, o reconhecer.
E causa-nos prazer e orgulho verificar que os paulistas, profundamente imbuídos da tradição cristã do Brasil, tiveram a precaução de, antes de entrar na arena, rejeitar a dura pecha de mazorqueiros e revolucionários.
[A cor branca é a dos partidários da ordem e da disciplina social]
Julgamos, por esta razão, muito feliz a sugestão do Major Octávio Bandeira de Mello, que, em proclamação ao povo paulista, enviada da frente de operações militares, propunha que o movimento armado, que São Paulo levantou, tivesse como distintivo a cor branca.
Na Revolução Francesa, o azul indicava os republicanos, repletos do espírito satânico com que demoliram o Trono e pretenderam destruir o Altar. O branco era a cor dos exércitos reacionários, partidários da ordem e da disciplina social.
Na Revolução bolchevista da Rússia, o vermelho era a cor dos comunistas. Os anticomunistas adotaram o branco.
Na Revolução Brasileira, o vermelho foi a cor com que um grupo de militares subornados por Moscou assaltou São Paulo, com a cumplicidade dos elementos da Aliança Liberal e a ingênua colaboração de muitos elementos paulistas de elevado valor moral.
É necessário que o atual movimento armado, que São Paulo chefia juntamente com o auxílio de inúmeros mineiros, gaúchos, etc., tenha por distintivo a cor branca, que encarna o espírito legalista, em flagrante oposição ao famoso espírito revolucionário.
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“O Século”, 24/7/1932
A Nota da Semana
[Condições para a paz]
Os jornais desta capital publicaram, todos, o telegrama que S. Ex.a Rev.ma o Sr. Arcebispo Metropolitano9 enviou a S. Em.a o Cardeal Dom Sebastião Leme.
Neste telegrama, o Chefe espiritual de São Paulo interpõe seus bons ofícios junto ao leader do Episcopado Brasileiro, para conseguir a pacificação do País.
Não poderíamos nós ouvir, os paulistas, uma proposta de paz mais auspiciosa do que esta das autoridades religiosas do País. São tais as queixas articuladas por São Paulo contra os políticos cujas tropas ora assediam suas fronteiras, que qualquer negociação que não fosse iniciada em um terreno livre, e superior às competições partidárias, importaria em uma transigência da parte dos bandeirantes.
Quando a Igreja, porém, aconselha a paz, Ela se coloca acima das divergências que provocaram à luta os beligerantes, para atender somente à sua situação de Mãe comum de todos os católicos e de todos os brasileiros.
[Uma paz honrosa deve contemplar os anseios de ordem e de estabilidade que levaram ao combate]
Uma paz negociada pelas autoridades religiosas não pode deixar de ser uma paz inspirada e fundada sobre os ensinamentos do Salvador. Será, portanto, uma paz honrosa, em que as reclamações justas serão plenamente atendidas, e largamente contemplados com seu justo quinhão os anseios de ordem e de estabilidade que a população paulista alimenta.
Dentro destes termos, respeitados estes anseios, garantida eficazmente a aplicação das medidas que São Paulo julga indispensáveis para a reintegração do Brasil no regime da Lei é que qualquer idéia de paz é viável.
E o povo paulista nenhuma garantia mais eficiente poderá ter, de absoluto respeito a seus legítimos interesses, do que confiando a árdua tarefa de pacificação do Brasil ao venerando Arcebispo que, há 25 anos, empunha com extraordinária dedicação o báculo da Sé de São Paulo.
São Paulo não quis a luta; foi lançado à liça pela indefectível oposição que a ditadura movia contra a constitucionalização do Brasil.
São Paulo, portanto, não recusará a paz. Mas a paz só poderá ser aceita pelos descendentes dos bandeirantes quando integralmente satisfeitas as aspirações que os levaram ao combate.
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“O Século”, 31/7/1932
A Nota da Semana
[São Paulo não se levantou contra a autoridade e o Brasil, mas sim contra a ditadura e pelo Brasil]
A alma paulista tem o direito de se alegrar pela vigorosa colaboração que todas as classes sociais prestam ao movimento de libertação de São Paulo.
Trata-se de uma solidariedade impressionante, que bem evidencia a repulsa de São Paulo aos métodos de governo socialistas do Coronel João Alberto, e positivistas do Coronel Rabello.
[Movimento anticomunista, não separatista]
São Paulo tem uma consciência cívica norteada principalmente pelo sentimento da ordem e da disciplina social. Todas as experiências governamentais que venham de encontro a estes sentimentos provocam uma reação veemente. Os fatos que agora se desenrolam bem o demonstram.
No entanto, nunca será suficiente esclarecer as verdadeiras finalidades do presente movimento armado. Ele é constitucionalista. Não é separatista. É anticomunista.
Não há melhores auxiliares da ditadura do que certos paulistas – felizmente em pequeníssimo número – que pretendem desviar o movimento de julho de suas legítimas finalidades, para lhe imprimir um cunho excessivamente regionalista, contrário à índole paulista, e contrário, sobretudo, às intenções dos animadores da atual conflagração.
São Paulo tem queixas contra a atitude de certos Estados. O governo do Rio Grande do Sul põe suas forças militares à disposição de uma ditadura que ele parecia combater. Minas presta ao Governo Provisório um apoio inesperado e contrário a seus próprios interesses. Serão estes ressentimentos suficientes para legitimar certas recriminações injustas e imprudentes contra os nossos irmãos de outros Estados? Não.
Todos sabemos que as populações civis de todos os Estados do Brasil acompanham com verdadeira e calorosa simpatia o movimento iniciado por São Paulo. A atitude inesperada de certos elementos políticos e militares tira às populações civis que estão sob seu jugo todos os meios de traduzir suas simpatias em auxílios eficazes. Sua situação é absolutamente idêntica à de São Paulo em outubro de 1930. A maioria da população (com ou sem razão, não vem ao caso) desejava a derrota do governo Júlio Prestes. No entanto, assumiu uma atitude de mera espectadora, pois que não pôde prestar ao exército revolucionário o menor apoio material.
É idêntica a situação das populações de Minas e do Rio Grande do Sul. Limita-se a negar o seu apoio material a nossos adversários, não lhes fornecendo voluntários, e deixando ao cargo dos departamentos oficiais, sem colaboração alguma das iniciativas particulares, os encargos de combate aos paulistas.
Que São Paulo vença, e nossos exércitos serão recebidos com iguais demonstrações de entusiasmo no Rio, em Belo Horizonte ou em Porto Alegre.
A luta não é de São Paulo contra os Estados. É de São Paulo contra os interesses políticos indefensáveis dos militares e dos politiqueiros civis, cuja ambição é igualmente nociva à terra dos bandeirantes, como a todas as outras regiões do território brasileiro.
[Os católicos são tradicionalmente apegados à unidade brasileira]
Continuemos, portanto, a empunhar com entusiasmo e convicção a bandeira do Brasil Unido. Foi por ele que nos atiramos à luta. Por ele, em seu benefício, para vantagem sua, é que será nossa a vitória.
O “Século”, interpretando o sentimento unânime de todos os elementos representativos da vida social paulista, e especialmente o pensamento dos elementos católicos, tradicionalmente apegados à unidade brasileira, não poderia deixar de acentuar mais uma vez que São Paulo não se levantou contra a autoridade e o Brasil, mas contra a ditadura, e pelo Brasil.
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“O Século”, 7/8/1932
A Nota da Semana
A atitude dos católicos
São Paulo está em luta. E, como toda a luta, a nossa tem seu êxito dependente, em grande parte, do ambiente moral em que os paulistas travam seus combates. De nada valerá a eficiência de nossa estupenda mobilização militar, civil e industrial. Será inútil a conjugação de todos os esforços dos defensores da lei. Fracassarão completamente os planos de nossos generais, se São Paulo não souber conservar a todo o custo o ambiente de energia viril em que decorreram os primeiros dias da revolução.
[A ação nociva do boato otimista]
É necessário, portanto, que os paulistas lutem energicamente contra um novo ardil dos partidários da ditadura, destinada a provocar em São Paulo a depressão moral, precursora certa de nossa derrota. Trata-se do boato otimista.§
O boato pessimista tem uma ação essencialmente passageira. Seus malefícios apenas atuam enquanto os fatos não dão aos boatos um formal desmentido. Uma vez verificado tal desmentido, cessa o mal produzido pelo boato. E, no fim de certo tempo, a população acaba por se vacinar e imunizar contra os augúrios venenosos de uma derrota que, proclamada sempre iminente, nunca se aproxima realmente.§
O boato otimista, pelo contrário, tem uma ação nociva remota e sutil, mas de caráter definitivo. Enquanto ele circula, estimula os sentimentos, mas ao mesmo tempo paralisa as atividades. Na perspectiva da vitória próxima, todas as abnegações desaparecem. Já se prelibam as delícias da vitória, da paz e da tranqüilidade. Só se pensa na volta dos que, no front, coroam de louros o nome de São Paulo. Distendem-se as energias. Desarticulam-se inevitavelmente as organizações civis e militares. Mas, uma vez verificada a falsidade do boato, há todo um trabalho de readaptação à realidade a refazer. Todos os sacrifícios feitos, a resignação à separação entre pais e filhos, esposo e esposa, às privações, às apreensões de todos os momentos, se repete no íntimo de cada um, deixando em todos um sentimento de fadiga e de sonho, que dificilmente se vence. E a vitória que se antevira próxima, mais do que nunca parece distante, quase inatingível.
[É preciso reagir contra as alternativas de otimismo e pessimismo]
É necessária uma reação contra estas alternativas de otimismo e pessimismo. A situação de nossas forças em operações de guerra não autoriza outra coisa senão um objetivismo sadio, que nos conduza ao exato conhecimento da realidade. Ora, esta realidade é que São Paulo só terá a vitória nas suas mãos se não esmorecer no trabalho titânico que empreendeu em favor da Constituinte. E este trabalho só poderá prosseguir no seu ritmo atual enquanto os paulistas souberem conservar um ambiente moral propício à luta.
Para tal é necessário que desprezemos quaisquer boatos.
[O entusiasmo só é realmente grande quando não se abate pela adversidade]
Por enquanto, absolutamente nada nos autoriza a aceitar qualquer hipótese pessimista. Suponhamos, porém, que os revezes inesperados, sempre possíveis na luta, venham a colocar São Paulo em situação desfavorável. Será aí, mais do que nunca, que a têmpera de aço dos netos dos bandeirantes se deverá pôr à prova. O entusiasmo só é realmente grande quando se defronta com o perigo e não se abate pela adversidade. Será então, mais do que nunca, que deveremos depositar na Providência Divina, e no indomável valor de São Paulo, as mais seguras esperanças. E, no meio das maiores adversidades, nos transes das mais inesperadas calamidades, deveremos sorrir indiferentes, como quem, seguro de seu valor, e confiante em Deus, não esmorece e nem se enfraquece pelo sofrimento.
[Foi na força do sofrimento e da vitória que se formou a história de Piratininga]
Suponhamos, pelo contrário, que acontecimentos sobrevenham de modo a aproximar muito de nós a vitória que todos almejamos. Deveremos, por isto, entregar-nos aos delírios de uma alegria descomunal? Não. É certo que a cessação de uma luta entre irmãos é sempre auspiciosíssima. É indiscutível que o triunfo de uma causa justa e a derrota de uma camarilha iníqua são sempre fatos que despertam o máximo regozijo. Mas nossa história já registra muitas vitórias. Tenhamos a certeza de que, assim como esta não será a primeira, também não será a última vitória de São Paulo.§
Recebamo-la como quem está habituado a vencer. Porque é na força do sofrimento e da vitória que se formou a história de Piratininga, e é retemperada neste mesmo ambiente de luta que a transmitiremos às gerações vindouras.
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“O Século”, 14/8/1932
A Nota da Semana
[A Revolução instituída como forma de governo]
Tem sido objeto de certos reparos o fato de prestarem elementos católicos, em caráter particular, o mais decidido apoio às forças constitucionalistas que se levantaram contra o governo do Sr. Getúlio Vargas.
[O Catolicismo é o inimigo sistemático do espírito de revolução]
A Igreja, que é, e se proclama, o mais firme esteio do princípio de autoridade no mundo, é o último e inexpugnável baluarte da ordem, nesta época entregue absolutamente à anarquia e à demagogia. O Catolicismo é, portanto, e por definição, o inimigo sistemático e irredutível do espírito de revolução e de indisciplina.
Espanta, portanto, a muitos, o ver a solidariedade emprestada por inúmeros elementos católicos à revolução constitucionalista.
Quem escreve estas linhas não tem a pretensão, e nem mesmo a autoridade necessária, para tratar de uma tal questão. À Hierarquia eclesiástica, superiormente esclarecida pelo Espírito Santo, incumbe de modo exclusivo – a nosso ver – a tarefa de dar solução a esta questão, quando para tal solicitada pelos fiéis que, individualmente, lhe forem pedir esclarecimentos e conselhos.
De nossa parte, o que podemos afirmar é que a Igreja, nesta emergência como em outras muito mais graves, continua a se opor decididamente a qualquer atentado dirigido contra o princípio da autoridade.
Mas, uma vez posto isto, não seria ocioso perguntarmos, em uma simples causerie10 com os leitores, e sem o desejo de doutrinar ou de estabelecer princípios em nome de quem quer que seja, se São Paulo atenta agora contra o princípio de autoridade.
[Uma ideologia esquerdista e esotérica, designada como espírito revolucionário]
Cumpre, a este respeito, salientar que o Governo Provisório, e os delegados de confiança que enviou a São Paulo, nunca tiveram a preocupação de exercer o poder em nome da autoridade pública do Brasil. Excetuam-se, é claro, os Drs. Laudo de Camargo e Pedro de Toledo.
Os atos governamentais, as medidas administrativas, a própria linguagem usada nos decretos e comunicados oficiais, não eram inspirados e promulgados em nome da autoridade própria aos que regem o povo brasileiro, mas em nome de uma ideologia esquerdista e esotérica, designada como espírito revolucionário.
Segundo a ideologia do Club 3 de Outubro, o Governo não estava nas mãos do Sr. Getúlio Vargas senão para servir à revolução em marcha. Não era outra coisa senão um instrumento nas mãos do espírito revolucionário, uma arma formidável posta nas mãos da anarquia e da desordem em virtude de um assalto ao poder, para formar um Brasil novo, em que se cristalizassem integralmente as formas mais ousadas da demagogia socialista ou mesmo comunista.
O governo do Sr. Getúlio Vargas não era o órgão da Nação, encarregado de assegurar a ordem e a estabilidade, mas a Revolução com “R” maiúsculo, em estado permanente, incumbida de esmagar o Brasil, para mais facilmente o colocar nos moldes leninistas tão caros ao Club 3 de Outubro.
[Governo e revolucionário, termos que hurlent de se trouver ensemble]
Assim é que, por uma antítese odiosa, o Brasil teve de aturar por 18 meses um Governo Revolucionário, apoiado em uma Delegacia Revolucionária de Ordem Política e Social, expressões cuja justaposição depõe simultaneamente contra a cultura nacional e contra o nosso senso jurídico, pois que Governo e Delegacia de Ordem Política e Social são expressões essencialmente inadaptáveis ao adjetivo revolucionário.
Governo e revolucionário são palavras que, no dizer dos franceses, hurlent de se trouver ensemble11.
Revolucionário! Mas revolucionário contra quem, ou contra o quê, quando estavam definitivamente por terra os governos cuja deposição a Aliança Liberal visava?
Seria o Governo Revolucionário uma espécie de monstro político que, como governo, procurasse manter na ordem o País e, como revolucionário, destruísse sua própria obra?
Ou seria o Governo Revolucionário – interpretação que nos parece mais exata – apenas a Revolução instituída permanentemente como forma de governo, como sistema de administração, a flagelar o Brasil com a anarquia administrativa, preparando no silêncio um novo assalto com que iria devorar, de um momento para outro, a ordem social e econômica e as tradições religiosas do País, depois de já lhe ter roubado a ordem jurídica?
Que princípio de autoridade pode invocar em seu benefício, no momento do perigo, um Governo que se proclamava revolucionário, e portanto adversário nato de qualquer autoridade? Com que direito anatematiza ele os paulistas que se revoltaram pela lei e pela ordem, contra um Governo que é a desordem e a negação de toda a lei?
Formulamos apenas as perguntas. Não mantemos dúvidas sobre o que responderão, no íntimo, nossos leitores.
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“O Século”, 28/8/1932
A Nota da Semana
[Debout, les morts!]
Já é tempo de cuidarmos das conseqüências de nossa vitória, uma vez que ela se aproxima cada vez mais, de acordo com os comunicados oficiais.
[No momento da vitória, a cada qual deve ser distribuída uma parte correspondente ao seu esforço]
Há quem nutra o receio de que, uma vez conhecida em todo o Brasil a eficiência de nosso aparelhamento de defesa, comecem a surgir adesistas da última hora, sedentos de repartir conosco as delícias do triunfo, embora não tenham participado conosco do pão amargo da luta.
Tais adesistas, retirando em seu proveito as vantagens que deveriam caber aos verdadeiros defensores dos ideais vitoriosos, são os mais terríveis adversários de toda a regeneração política e social.
Nós, católicos, que mais do que ninguém, temos concorrido para a vitória com nosso sangue, com nossas fortunas e com nossas dedicações, também devemos impedir que adesistas de última hora procurem roubar ao movimento armado de São Paulo o verdadeiro caráter que lhe deram seus iniciadores, e em virtude do qual estes contaram com o apoio da população.
Não significa isto que queiramos romper a perfeita harmonia que liga atualmente todos os credos religiosos e todos os partidos políticos que acorreram pressurosos em defesa da Ordem.
Significa apenas que, no momento da vitória, a cada qual deve ser distribuída uma parte correspondente ao esforço que prestou, e aos sacrifícios que ofertou para a vitória do ideal comum.
[Ao Catolicismo devemos tudo quanto somos]
A imensa maioria dos paulistas é católica. Católicos são, em via de regra, os inúmeros soldados que ofereceram à Pátria o sacrifício de seu sangue. Católicas são as mães, as esposas e as irmãs que generosamente ofereceram seus entes mais queridos, em benefício da Constituição. Católicas são as criancinhas que, expostas ao perigo da orfandade, murmuram uma prece para que Deus proteja seus pais. Católicas foram as gerações passadas, que acumularam em São Paulo todos estes tesouros, todas estas riquezas, todas estas preciosidades que atualmente vemos mobilizadas em benefício de nossa causa.
É à Religião Católica que a massa de nossa população está recorrendo, para buscar nos consolos da Fé o lenitivo para seus pesares. É nas suas promessas de vida futura que o soldado haure as forças necessárias para o supremo sacrifício de sua vida. É a confiança na proteção divina que dá a tantas esposas e mães a força suficiente para resistir às tristezas de uma tão longa separação. É a confiança na proteção da Virgem Aparecida que anima toda esta população, mantendo-lhe constante o entusiasmo e a dedicação, sejam quais forem as extremidades a que nos reduza a luta, e ↓12 os sacrifícios que ela de nós exigir.
Se tanto sangue, tantas lágrimas e tantas preces confiantes não tiverem, no momento da vitória, uma compensação condigna; se a cegueira positivista conseguir, profanando a memória dos mortos e os mais sagrados sentimentos dos vivos, afastar de nossas instituições o Catolicismo, a quem somos devedores de quanto fomos, de quanto somos e de quanto seremos; será então o caso de erguer contra o Brasil de hoje até mesmo a revolta das gerações passadas, fraudadas nas tradições que nos legaram e nos sentimentos religiosos que as inspiraram. Debout, les morts!13
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Discurso pronunciado no dia 1/9/1932, aos microfones das
Sociedades Rádio Educadora Paulista e Rádio Cruzeiro do Sul
[Sob o signo do Cruzeiro do Sul14]
No belo brasão de armas com que acaba de ser dotado o Estado de São Paulo, figura, como sinal heráldico principal, a espada com que a Igreja costuma representar o Apóstolo São Paulo, o indomável evangelizador dos gentios.
É intenção da Igreja salientar assim o espírito combativo do grande Apóstolo.
Nosso Estado, no momento da luta, ao escolher seu brasão de armas, homenageia seu Patrono, ostentando-lhe a espada, como que a indicar que a sua energia combativa, posta sempre a serviço da causa de Deus, é o grande modelo em que se inspiram os heroísmos de que nosso Estado tem sido fecundo.
E foi desembainhando esta espada, posta a serviço da causa da Pátria, da família e da propriedade, que, no dia 9 de julho, o Estado de Paulo se erguia como um só homem, para depor a ditadura chefiada pelo Dr. Getúlio Vargas.
Desde os primeiros instantes da luta, a maravilhosa unanimidade dos habitantes de Piratininga se revelava através de uma estreita colaboração que se ia estabelecendo entre todos os fatores econômicos, políticos, sociais, intelectuais e espirituais do progresso paulista.
[A resistência tenaz dos paulistas, fator auspicioso]
Hoje, 1º de setembro, depois de 51 dias de luta, a ditadura pode constatar sua impotência em sufocar a revolução nascida em São Paulo. Em todas as frentes, os comunicados oficiais anunciam o fracasso das ofensivas tentadas por nossos adversários. Suas investidas encontraram na resistência paulista uma barreira intransponível, contra a qual se arremessaram em vão os esforços da artilharia e os ardis maquiavélicos que, de há muito, o Direito proscreveu das guerras entre exércitos civilizados.
Ainda que outros fatos mais favoráveis não existissem, esta resistência tenaz dos paulistas já nos poderia sorrir como auspicioso prenúncio da vitória.
O Brasil, porém, acode todo ele pressuroso ao chamado de São Paulo. O Rio Grande do Sul se convulsiona. Agita-se o Rio de Janeiro. Irrompe um levante em Minas. Motins ensangüentam a Bahia. Por toda a parte, enfim, uma reação decidida mostra à evidência que a condenação do escol dos brasileiros cai severamente sobre a ditadura, abandonada por todos, e defendida apenas por um pequeno grupo de fiéis que vão haurir no desespero toda a sua energia combativa.
Como a árvore que faz estalar sua velha casca, um Brasil novo surge e se manifesta, que por toda a parte se revolta contra a rede de interventores que o Governo Provisório espalhou sobre nosso território.
A vitória se aproxima, portanto.
[Aproveitar a vitória]
Não nos esqueçamos, porém, nas alegrias do triunfo, das preocupações inerentes à reorganização nacional. Napoleão Bonaparte afirmava que vencer é pouco; o importante é aproveitar o sucesso. Modificando ligeiramente a afirmação do grande general corso, poderíamos dizer que vencer é muito, mas de nada vale se não for bem aproveitada a vitória.
Ora, a vitória não será bem aproveitada enquanto não forem definitivamente removidos, até nas suas causas as mais remotas, os fatos que nos forçaram a apelar para o recurso extremo das armas.
[A raiz da crise é de ordem moral]
Não nos iludamos sobre as causas profundas da tremenda crise que o Brasil atravessa e que enche de angústias a mais tormentosa quadra de nossa história.
A crise do Brasil apresenta sintomas econômicos, sociais, políticos. Sua raiz, porém, é de ordem moral, e exclusivamente moral.
E se alguém ainda duvidasse da existência ou da profundidade do mal, dir-lhe-íamos que atendesse ao fato simplesmente inquietante de, em um país que tem quatro séculos de história honrada e cheia de brilho, aparecer subitamente uma ditadura, cujos atos mereceriam figurar em operetas e não em compêndios de História, que arvora a anarquia administrativa em sistema de governo e a arte de despistar em arte de governar.
Qual o ponto de apoio desta ditadura? Como o sepulcro de Maomé, suspenso entre o Céu e a Terra, a ditadura nenhum apoio tem, quer de Deus, quer dos homens.
Quais os defensores desta ditadura? Um grupo reduzido de ditadores do ditador, a lhe impor determinações, a tutelar Estados e dividir o Brasil em interventorias e vice-reinados, como crianças que entre si dividem um lote de brinquedos!
É tal sua força convincente, tal o ardor com que fazem a apologia do estranho governo que apóiam, que conseguiram a adesão de diversos elementos de boa-fé.
Excluídos, porém, estes elementos, que são um mero joguete nas mãos do Club 3 de Outubro, temos o espetáculo inédito de um sindicato de políticos a feitorizar a nação por um ano e meio, forçando finalmente a população a se levantar para impor um regime de ordem e de lei, contra o desejo – suprema ironia – das autoridades que deveriam ser as defensoras natas da mesma ordem e da mesma lei!
[É vão reconstruir sem sanar a causa do mal]
Este fato gravíssimo nos força à reflexão. E, por menos que reflitamos, vemos claramente que é na moralidade fraca de certos elementos que reside a causa de tantas desgraças.
E enquanto não for sanada a causa de tal debilidade moral, estará aberta a porta a novas lutas, que condenarão o Brasil ao suplício tantálico15 de ver fugir-lhe dos lábios ressequidos a paz e a ordem que tanto almeja, logo que esta se aproxime por momentos de sua boca sedenta.
Eternamente a construir revoluções e a destruir, desencantado e desiludido, a obra que levantara, o Brasil consumirá nesta tarefa ingrata o melhor de seu tempo, em lugar de caminhar decididamente para a alta missão que lhe reserva a Providência.
Não constitui argumento alegar que é pequeno o número de elementos nefastos que provocaram e agora defendem a lamentável situação atual, que só conseguimos remover com o recurso às armas. O micróbio se vale justamente de sua pequenez para iludir a atenção dos incautos, e vitimar em pouco tempo os mais robustos organismos.
Agora que São Paulo, arrastando consigo todo o Brasil, enche páginas e páginas de glória, que legará ao futuro, é imprescindível que cogitemos seriamente das providências necessárias para a definitiva pacificação do Brasil.
[Nova Constituição conforme às tradições do País]
A grandeza do heroísmo com que lutam nossos soldados, a beleza da abnegação com que aflui às arcas do Tesouro o que de mais precioso continham as economias dos pobres e os cofres dos ricos, o edificante exemplo de solidariedade cívica que damos hoje ao mundo inteiro, tudo isto precisa ser resguardado dos perigos que virão depois da vitória.
É imprescindível que, quanto antes, se dote o Brasil de uma Constituição realmente conforme às tradições espirituais e históricas do País. É imprescindível que novas leis venham pôr cobro a abusos que já se tornam velhos.
[De que valem as leis, se a moralidade não lhes assegurar o cumprimento?]
Mas de que valerão as melhores leis, e a mais perfeita Constituição, se uma profunda moralidade não lhes assegurar o cumprimento?
Do que vale o voto, se não é dado pelo eleitor com sinceridade, e aceito pelo candidato com reta intenção?
Do que serve um Congresso, se nele não se cuida dos interesses do Brasil, mas dos de uma facção?
De que nos serve o mais bem municiado dos exércitos, se se desvia da ética militar, e se arvora em tutor ou feitor do País?
Do que vale um perfeito aparelhamento escolar, se por seu intermédio se ensina a História do Egito ou a composição do sistema solar, mas se omite intencionalmente o estudo dos deveres para com Deus, a Pátria e a família?
Todo o seu aparelhamento administrativo, que deveria ser para a nação como o maquinismo que conduz o navio ao porto, não será outra coisa senão um fardo pesadíssimo e impossível de sustentar, se não for por toda a parte disseminada a seiva de uma profunda moralidade.
[Onde buscar essa moralidade?]
E esta moralidade nova, o Brasil não deverá buscá-la nos ensinamentos amorais de um Lenine, ou nas fantasias mais ou menos sedutoras de algum filósofo contemporâneo.
Folheie o Brasil as páginas de sua própria história. Indague de Anchieta qual o fundamento de sua admirável abnegação apostólica; pergunte a Vieira qual a chama que acendeu, em prol das mais nobres causas, o talento de sua inexcedível eloqüência; pergunte a Amador Bueno da Ribeira qual o princípio em virtude do qual se julgava obrigado a guardar fidelidade a seu rei; interrogue o Duque de Caxias sobre o segredo que tornou gloriosa a sua espada no Paraguai; investigue as razões que levaram a Princesa Isabel a abolir o cativeiro, com o sacrifício do próprio trono. E todos, a uma voz, apontarão para nosso céu estrelado, mostrando o Cruzeiro do Sul, símbolo bendito da Redenção que a Providência desenhou em nosso firmamento.
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“O Legionário”, nº 103, 4/9/1932, p. 1
A Igreja e o progresso
Os historiadores anticatólicos empreenderam a ingrata tarefa de alterar a verdade histórica, para submetê-la aos interesses de seus ódios religiosos. Assim é que, freqüentemente, penas autorizadas não têm hesitado em sustentar que a Igreja é uma adversária sistemática de todo o progresso humano.
[A Idade Média foi um período fecundo de trabalho intelectual e material]
No entanto, a História em geral, e a da Idade Média em particular, desmentem categoricamente tal asserção.
A Idade Média foi um período fecundo, de trabalho intelectual e material incessante, que preparou todos os frutos que a Renascença pagã veio colher.
No descobrimento da América, ainda não foi suficientemente divulgada toda a importância da contribuição valiosa que os elementos do Clero trouxeram a Cristóvão Colombo.
De um modo geral, pode-se afirmar que este, embora constituindo um dos vultos mais eminentes da História, não fez outra coisa senão coordenar genialmente os conhecimentos geográficos de sua época, dando-lhes, graças a sua coragem, a seu arrojo, uma aplicação a cujos resultados felizes deve toda a sua glória.
Colombo, segundo o depoimento de Rocha Pombo, na sua História do Brasil (Vol. I, Parte I, Cap. II, p. 45), foi movido, no seu grandioso empreendimento, pelo ardente desejo que tinha de propagar a Fé católica entre os povos das terras distantes, cuja existência lhe parecia incontestável.
[Influência dos escritos do Cardeal Pedro d’Ailly sobre Cristóvão Colombo]
Um de seus grandes inspiradores foi o Cardeal Pedro d’Ailly, o famoso Petrus de Alíaco.
O Instituto Histórico e Geográfico, que possui um documento a esse respeito, assim se exprime, na sua “Revista”:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo 85, Vol. 139, Ano 1919, p. 9:
“Alíaco, Petrus de – Tratactus de imagine mundi et varia ejusd. auct., et Joannis Gersonis opuscula – S.l.u.d.
“Incunábulo de fins do século XV, apenas citado por Hain, in Repertorium bibliographicum.
“Em uma página em branco, por letra de D. Pedro II, a cuja biblioteca particular pertenceu o exemplar do Instituto Histórico, a seguinte inscrição: ‘avant-coureur de Colomb’16.
“Petrus de Alíaco é o célebre teólogo Cardeal Pierre d’Ailly, águia dos doutores da França, martelo dos heréticos, como lhe chamaram seus contemporâneos. Nasceu em Compiègne em 1350: foi Bispo de Cambrai em 1393 e recebeu o chapéu cardinalício em 6 de junho de 1411; faleceu em Avignon, entre 1420 e 1425.
“Representou papel importante nos negócios eclesiásticos de sua época. Suas obras cosmográficas resumem tudo o que se sabia e ensinava em fins do século XIV e princípios do século XV.
“O Dr. L. Salembier, em monografia recente – Pierre d’Ailly et la découverte d’Amérique (Paris, 1912), refundindo pesquisas anteriores, fixa definitivamente a influência exercida sobre Cristóvão Colombo pelos escritos de Pierre d’Ailly. Corroborando esse fato, cita os documentos existentes na biblioteca do Capítulo de Sevilha, cujos livros mais curiosos são os que pertenceram ao almirante, cheios de notas suas. Entre os autores favoritos, aquele que ocupa o primeiro lugar. No volume que contém a principal obra cosmográfica do Cardeal, a Imago mundi e outros tratados, contam-se 898 notas, escritas por Cristóvão Colombo e por seu irmão Bartolomeu, a quem pertencia o exemplar”.
Vemos aí uma influência curiosa e decisiva do elemento clerical, dos mais representativos, sobre a obra de Colombo.
Como sustentar, ainda, a incompatibilidade da Igreja com o progresso humano?
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira
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“O Século”, 4/9/1932
A Nota da Semana
[Anchieta, primeiro rebento de santidade de uma grande nação]
Magnífica a idéia de um grupo de senhoras paulistas de apelar solenemente para a proteção da Virgem Aparecida, no transe doloroso que faz padecer atualmente toda a Nação brasileira.
Coroada solenemente Soberana do Brasil, Nossa Senhora não será insensível às preces angustiadas que lhe dirige um povo tradicionalmente apegado à sua devoção.
Uma outra sugestão, porém, de ordem piedosa, e que poderá concorrer poderosamente para uma feliz solução do atual conflito, é que se façam preces numerosas e ardentes ao Venerável José de Anchieta, cuja causa de canonização está sendo examinada pela Santa Sé.
Se pudéssemos recorrer a uma comparação profana, para dar a idéia da importância de Anchieta em nossa história, diríamos que ele foi para o Brasil o que Licurgo17 foi para Sparta e Rômulo18 para Roma, isto é, um desses heróis fabulosos que se encontram nas origens de algumas grandes nacionalidades, a levantar os primeiros muros, edificar os primeiros edifícios e organizar as primeiras instituições.
Sua figura, de uma rutilante beleza moral, se ergue nas nascentes da nação brasileira, a construir seu primeiro hospital e seu primeiro grupo escolar, e a redigir, confiando-os às praias do Oceano, os primeiros versos compostos em plagas brasileiras.
O fundador de São Paulo foi, portanto, simultaneamente, nosso primeiro mestre-escola, nosso primeiro fundador de obras pias e o patriarca de nossa literatura, “o mais antigo vulto da literatura brasileira”, como o chamava Sylvio Romero19.
E sobre esta tríplice coroa fulgura ainda o diadema de uma virtude que fez reproduzirem-se em selvas brasileiras os milagres do Poverello de Assis, que, com sua simples presença, amansava feras e atraía os passarinhos, nas florestas densas da Umbria.
Seu processo de canonização está confiado ao juízo soberano da Santa Igreja. Esta, porém, já baixou um decreto concedendo-lhe as honras de Venerável, o que torna possível e recomendável o recurso à sua intercessão.
E todas as razões nos levam a crer que Deus ouvirá as orações que lhe forem dirigidas por intermédio de Anchieta, facilitando assim a causa de sua canonização, para erguer sobre seus altares um grande santo, primeiro rebento de santidade de uma grande nação.
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“O Século”, 11/9/1932
A Nota da Semana
[Pro Ecclesia et pro Brasilia fiant eximia]
A identidade da Igreja a si mesma, através dos vinte séculos de sua história, é uma das mais palpáveis manifestações da assistência divina que a sustenta.
A luz do sol é, por toda a parte, a mesma, quer ilumine a lendária terra dos faraós, quer doure as famosas margens do Ganges, as tumultuosas avenidas nova-iorquinas, ou as torres da gótica Notre Dame.
Assim, também, a influência da Igreja ilumina, com esplendor uniforme, as mais diversas civilizações, fazendo renascer, debaixo da couraça do cavaleiro medieval, o mesmo heroísmo que afrontara feras e suplícios no Coliseu dos Césares, e haveria de animar futuramente a resistência contra os seus Neros modernos de todos os matizes, chamem-se eles Robespierre, Calles ou Lenine.
Demonstrou-o mais uma vez a Igreja com o recente apelo que o Episcopado de São Paulo, por intermédio de seu venerando chefe, acaba de lançar a todos os Príncipes da Igreja brasileira.
[O Episcopado paulista alerta contra os porta-vozes do comunismo no Brasil]
Não sabemos o que mais admirar neste documento tão cheio de elevação, se o primor da forma, a nobreza da atitude ou a justeza dos conceitos nele contidos.
Só quem ponderar detidamente todas as dificuldades da situação que atravessamos poderá dar seu devido valor às palavras com que o Episcopado acaba de aureolar de prestígio a revolução constitucionalista.
Por mais fortes que sejam nossas posições estratégicas, por mais aguerridas que sejam nossas tropas, por mais hábeis que sejam nossos generais, podem a qualquer momento surgir acontecimentos imprevistos, inevitáveis em qualquer guerra, e que venham alterar a marcha promissora que os fatos vêm tomando.
Nesta hipótese, em que condições ficará o Episcopado, que tão nobremente acaba de apontar, nos militares que atualmente sustentam a ditadura, os porta-vozes do comunismo moscovita no Brasil?
Qual a situação da Igreja em São Paulo, se se vir entregue à violência material dos agentes comunistas que, com tanta altivez, ela acaba de estigmatizar com sua censura desassombrada?
É evidente que uma era de perseguição religiosa se abriria, e que, à semelhança do raio que fere de preferência as montanhas, as primeiras vítimas do movimento seriam os próprios Pastores que acabam de apontar a seu rebanho, com tanta energia, o lobo que se mascara em cordeiro.
[O Episcopado expôs a própria segurança, e a de seu rebanho, para que se salve a civilização cristã no Brasil]
O Episcopado acaba de dar, portanto, a São Paulo e à causa da constitucionalização brasileira, tudo quanto de mais precioso possui. Vincula, aos destinos da nossa causa, os da Igreja em São Paulo. Prestigia nosso movimento com o valor de sua simpatia. Expõe a tranqüilidade do rebanho e a vida dos Pastores, para que se salve a própria civilização cristã, que São Paulo defende.
É, portanto, cheio da mais respeitosa e admirativa gratidão que, em nome do “O Século”, prestamos homenagem ao Episcopado e a seu ilustre chefe, solidarizando-nos absolutamente com eles na sua atitude, prontos a todos os sacrifícios, em todas as emergências!
Pro Ecclesia et pro Brasilia fiant eximia20.
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“O Século”, 18/9/1932
A Nota da Semana
[Que recear dos homens, quando Deus nos estimula?]
“O Século” não poderia receber melhor recompensa pelos esforços que tem desenvolvido em bem servir a causa da Igreja, do que as palavras do venerando Arcebispo Metropolitano21, pronunciadas no estúdio do Palácio das Indústrias.
[Por trás da figura de proa da ditadura, o verdadeiro paladino do comunismo no Brasil]
Efetivamente, “O Século” sempre lutou contra a ditadura do Sr. Getúlio Vargas, no qual via o maior obstáculo à constitucionalização do País e o mais eficiente leader comunista do Brasil.
No Sr. Getúlio Vargas, porque era esta a figura de proa, atrás da qual se ocultava a figura sinistra do Coronel João Alberto, o verdadeiro paladino do comunismo e do anticonstitucionalismo no Brasil.
Não lutávamos contra a ditadura, e pela Constituinte, por ser a ditadura antiliberal, e liberal a futura Constituinte. Católico, exclusivamente católico, apaixonadamente católico, “O Século” é absolutamente indiferente à questão da forma de governo.
A ditadura em si22 nunca seria, portanto, considerada pelo “O Século” como um mal. Atacando o Governo Provisório, não atacávamos a ditadura, mas esta ditadura que, na ação governamental que desenvolveu e nos propósitos mal disfarçados de seus próceres, conspirava ativamente contra os interesses da Igreja e da Pátria.
Repudiamos, portanto, a pecha de liberais, que alguns elementos nos lançaram, como repudiaremos qualquer outra acusação que revelasse incompreensão da atitude elevada e imparcial que nos norteia.
Se a ditadura brasileira, em lugar de ser exercida por um grupo de políticos gananciosos e subornados pelo comunismo, estivesse em mãos de elementos honestos e integrados no espírito tradicionalmente religioso do País, não seríamos capazes de lhes negar nosso apoio.
[Impunha-se trabalhar pela queda do regime oriundo da Revolução de Outubro]
No entanto, a realidade que tínhamos diante de nós era outra.
A anarquia campeava em todos os departamentos da administração. A fraqueza e a inconstância do ditador, seu pasmoso poder de dissimulação, lhe tiravam qualquer autoridade e qualquer prestígio aos olhos da nação.
Seus delegados militares, e especialmente o Coronel João Alberto, emitiam, em entrevistas escandalosas, as mais desencontradas e perigosas opiniões. O interventor em São Paulo, acompanhando as palavras com os atos, fazia de Piratininga a nova Canaã de todos os agentes de Moscou.
Nestas condições, como não trabalhar pela queda imediata do regime oriundo da Revolução de Outubro?
Por outro lado, impunha-se a Constituinte porque, neste deserto de homens e de caracteres, que foi a política nacional sob o azorrague dos tenentes revolucionários, nenhum homem havia com prestígio suficiente para assumir sobre si todas as responsabilidades da ditadura e livrar o Brasil da mortal influência dos tenentes interventores, e dos cirurgiões políticos, à moda do Sr. Pedro Ernesto.
A realidade, portanto, era esta: de um lado, um grupo de malfeitores, salariados pelo comunismo, para destruir a civilização cristã no Brasil; de outro lado, o grosso dos elementos honestos e conservadores do País, coligados contra a ditadura para a defesa de seus ideais, de seus lares e de suas fortunas.
Como hesitar? Como tergiversar? Como calar, sem que o silêncio se transformasse imediatamente em cumplicidade?
[Aprovação que ratifica as lutas do passado, bênção que encoraja para os prélios do futuro]
Pusemo-nos a campo, portanto, francamente, decididamente, quando ainda era inseguro o sucesso da causa constitucionalista, que começava apenas a se bater nas colunas dos jornais.
Ainda era interventor o Coronel João Alberto, e já nós lhe fazíamos sentir nossa inflexível hostilidade. E não nos intimidaram nem as mais descomedidas prepotências do Coronel Rabello.
Chamaram-nos uns de liberais, outros de reacionários. Veio finalmente a única voz autorizada a nos julgar, e de cujo julgamento fazemos absoluta questão. E esta voz – a do Sr. Arcebispo – foi para nós uma aprovação e uma bênção, aprovação que ratifica as lutas do passado, bênção que encoraja para os prélios do futuro.
O Sr. Arcebispo Metropolitano, na profunda visão que possui dos interesses religiosos e sociais de sua Arquidiocese, atacou precisamente os pontos que têm sido mais feridos pela campanha de “O Século”. Sua atitude, de reprovação serena, mas severa, foi exatamente a que já havíamos assumido. Seu denodo e a sua energia desassombrada, com que soube apontar os “verdadeiros comunistas”, foram uma aprovação do denodo e da energia com que não hesitamos em estigmatizar a esses mesmos comunistas quando, entre nós, eram governo.
“O Século” pode, pois, registrar para sua história um fato auspicioso e do máximo alcance. Conta com as bênçãos do Episcopado, que são as bênçãos de Deus.
E de que nos devemos aí recear por parte dos homens, quando Deus nos estimula?
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“O Século”, 25/9/1932
A Nota da Semana
[Perigo comunista: apenas um espantalho?]
Merecem especial registro as declarações do bravo Ribeiro de Barros, relativamente às dificuldades que encontrou em conseguir o seu regresso ao Brasil.
Segundo informou aquele aviador, é quase insuperável a dificuldade em conseguir câmbio para o dinheiro brasileiro. Interrogado sobre a causa deste fato, um banqueiro francês lhe explicou que a campanha comunista, desenvolvida no Brasil pelos elementos mais representativos da facção ditatorialista, torna insegura a estabilidade da ordem social e vacilante o crédito brasileiro.
As declarações do referido banqueiro se revestem de um valor todo especial, atendendo-se a que os bancos estrangeiros mantêm por toda parte um serviço de informações admiravelmente organizado e capaz de esquadrinhar a vida de uma nação, nas suas mais secretas minudências.
De mais a mais, um banqueiro estrangeiro é, em geral, um mero espectador imparcial dos acontecimentos políticos que aqui se desenrolam, o que dá ao seu depoimento o valor de uma prova irrefutável.
Vêm muito a propósito as informações que nos trouxe Ribeiro de Barros, pois ↓23 mostram claramente a realidade do perigo comunista no Brasil.
Há quem suponha que tal perigo, inteiramente irreal, foi apenas uma arma política nas mãos dos revolucionários da ala esquerda. Os elementos católicos teriam feito deste simples instrumento político um espantalho, e com isto contribuído para perturbar, sem razão, a tranqüilidade pública.
Para os que assim raciocinam, rebeldes às duras lições que lhes têm ministrado os fatos, é especialmente oportuna a declaração de Ribeiro de Barros, que lhes há de arrancar as últimas ilusões sobre a aparente estabilidade da ordem social no Brasil.
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“O Legionário”, nº 105, 2/10/1932, p. 2
Patriotismo
Já que tanto se fala em renovação, seja na política, seja nas leis, seja na economia nacional, é tempo que se cuide da renovação fundamental de que o Brasil carece, isto é, a renovação da mentalidade pública.
[Caos no mundo do pensamento]
Quebrada a unidade de pensamento estabelecida pela Igreja na Idade Média, a diversidade de tendências religiosas e filosóficas foi gradualmente tomando tal incremento que, no século XX, a anarquia triunfou completamente no domínio da vida intelectual, estendendo-se daí, como onda de lava destruidora, a todas as instituições, a todas as nações e a todos os continentes.
O Brasil sofre a tal ponto das desastrosas conseqüências deste mal, que é impossível constituir-se hoje uma grande corrente de pensamento que seja capaz de se concentrar em um programa completo de reorganização nacional.
É freqüente verem-se pontos de vista radicalmente inconciliáveis defendidos por uma mesma pessoa, com igual calor. São deste naipe os conservadores socialistas, os comunistas que desejariam a abolição da propriedade e a manutenção da família, os liberais socialistas, os reacionários liberais, etc.
Todos os sentimentos, mesmo os mais nobres, são postos em cheque por doutrinas exóticas, sempre aceitas com favor.
E enquanto subsistir esse caos no mundo do pensamento, será absolutamente impossível instituir uma ordem durável no domínio da política e da economia.
Entre os sentimentos mais visados ultimamente, figura sem dúvida o patriotismo, cuja falência os próceres do comunismo e do socialismo não se fartam de proclamar.
[Falso conceito de patriotismo]
A Doutrina Católica se opõe nitidamente a qualquer tendência intelectual destruidora do ideal patriótico.
Mas, para que este ideal não seja vulnerado pelos ataques de seus adversários, é imprescindível que uma reação se esboce contra o falso conceito de patriotismo que tem sido veiculado entre nós por um nacionalismo mal compreendido.
Por enquanto, nosso patriotismo se tem estribado principalmente nas belezas naturais com que a Providência ornou o Brasil.
Nossos poetas têm celebrado à porfia as palmeiras de nossa terra, “onde canta o sabiá”, a espessura de nossas selvas, a beleza de nosso litoral e a riqueza de nosso solo.
Pergunte-se a uma pessoa de cultura média qual a razão por que se ufana de ser brasileira, e imediatamente, num arroubo de entusiasmo, ouviremos a interminável lista de referências a nosso céu de anil, a nossa fauna, flora, etc.
Raramente, rarissimamente virá à tona uma referência à inteligência de nosso povo, ao seu tino musical invulgar, às tradições históricas brilhantes que o honram, e ao magnífico futuro que a Providência lhe reserva.
Ora, está aí, precisamente, o grande erro a que temos sido induzidos por um nacionalismo mal compreendido.
[Nem toda a majestade do Amazonas tem a beleza de nossa velha vida familiar]
É certo que nos devemos ufanar da beleza natural de nossa Pátria. Muito mais do que isto, porém, nos honra o fato de descendermos da raça de gigantes que, desbravando selvas, dominando selvagens e domando feras, abriram em um continente por eles descoberto uma civilização que o futuro tornará florescente.
A figura sublime de um Amador Bueno da Ribeira nos honra mais do que a Baía de Guanabara. Os sermões do Padre Anchieta nos dão mais lustre do que as cachoeiras de Paulo Afonso e das Sete Quedas, e nem toda a majestade do Amazonas tem a beleza austera e suave de nossa velha vida familiar, profundamente imbuída de espírito de Fé, e até hoje preservada – até certo ponto – do vírus fatal do modernismo.
A mentalidade brasileira, no que ela tem de tradicional e nacional (pois que, no Brasil, tradicional, nacional e católico são idéias concêntricas), contém em si germens de uma grande civilização. Não nos contaminou ainda a insensibilidade sentimental do norte-americano, frívolo, egoísta e sedento de prazeres. Não nos gangrenaram ainda a dureza, a ganância e o egoísmo implacável que avassalam o mundo. E até nos nossos defeitos há elementos de bondade mal compreendida. Assim, a célebre moleza com que muitas vezes – é preciso confessá-lo – nos cumpliciamos com as ações as mais condenáveis, por meio de uma tolerância culposa, não é propriamente uma adesão ao mal, mas o receio (censurável, é certo) de causarmos desgosto a alguém.
[Cetro da hegemonia mundial]
Eduque-se nos princípios religiosos e católicos esta grande raça, e ver-se-á dentro em pouco um Brasil novo florescer, em que, eliminados os defeitos e reconduzidas as qualidades boas a seus verdadeiros limites, a História saudará o aparecimento de uma grande nação.
E quando a América do Sul empunhar o cetro da hegemonia mundial que, com razão, lhe profetizou o Conde de Keyserling, este cetro será colocado nas mãos do Brasil por suas coirmãs do continente, par droit de conquête et par droit de naissance.
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira
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“Folha da Manhã”, 13/11/1932
Liga Eleitoral Católica24
A sua solene instalação, hoje –
Posse da comissão diretora –
Uma circular da Chancelaria do Arcebispado
Hoje, às 20 horas, será solenemente instalada a Liga Eleitoral Católica e empossada a Comissão Diretora.
A reunião será realizada no salão nobre da Cúria Metropolitana, à Rua Santa Teresa, nº 17, sob a presidência do Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano.
Para essa reunião S. Ex.a Rev.ma convoca todos os católicos desta capital e recomenda aos srs. vigários convidem seus paroquianos a comparecerem hoje no salão da Cúria.
Circular do Secretário-geral do Arcebispado
O Sr. Secretário-geral do Arcebispado expediu a seguinte circular:
“Rev.mo Sr.
Obedecendo a um plano geral, já em andamento, nas diversas dioceses do Brasil, está constituída nesta arquidiocese a comissão da Liga Eleitoral Católica, composta dos seguintes srs.: Drs. Estevão de Rezende, Adolpho Borba, Mário de Souza Aranha, Papaterra Limongi, Paulo Sawaya e Plinio Corrêa de Oliveira.
Estranha a lutas e interesses partidários, tem a Liga por único objetivo o alistamento dos católicos de um e outro sexo, orientando-lhes o voto, principalmente nas próximas eleições para a Constituinte. Não se lhes pede o sacrifício das suas legítimas preferências partidárias, mas tão-somente que reservem a sua liberdade enquanto respeita à salvaguarda dos direitos da Igreja e da família.
Fiel a esta orientação, a comissão da Liga dará oportunamente as instruções necessárias para o alistamento e as demais informações convenientes. Fora desse programa, aliás concebido em bases largas e prudentes, deixando a cada cidadão a sua liberdade partidária, esta Cúria desautoriza e condena toda e qualquer agremiação político-religiosa, considerando como um ato de indisciplina religiosa qualquer tentativa ou cooperação nesse sentido.
Os Rev.mos Srs. Vigários, evitando criteriosamente, sobretudo no púlpito, tratar de assuntos propriamente políticos, procurarão orientar os seus paroquianos, explicando-lhes os fins da Liga e a obrigação do voto, segundo as normas da Pastoral Coletiva de 1915, recomendando-lhes outrossim que auxiliem zelosamente os trabalhos da comissão acima referida em quanto respeita ao cumprimento da missão patriótica que lhe é confiada.
De ordem e mandado de S. Ex.a Rev.ma o Sr. Arcebispo Metropolitano,
S. Paulo, 12 de novembro de 1932.
O Secretário-geral do Arcebispado,
(a.) Pe. Ernesto de Paula.”
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1) (N. do E.) Monsenhor Pedrosa tornara público seu desejo de fazer-se beneditino, tendo renunciado ao cargo de Pároco de Santa Cecília. A 23 do mesmo mês partiu para a Bélgica, a fim de ingressar no Mosteiro de Maredsous.
2) (N. do E.) Por direito de conquista e por direito de nascimento.
3) (N. do E.) Literalmente, no singular: enfastiado, farto. Aplica-se a quem que está farto de algo, de certo status quo, de algum estado de espírito.
4) (N. do E.) No começo, no princípio.
5) (N. do E.) Partido Democrático.
6) (N. do E.) Isto é, do PRP – Partido Republicano Paulista.
7) (N. do E.) {imediatamente}.
8) (N. do E.) A Revolução Constitucionalista, deflagrada a 9 de julho.
9) (N. do E.) D. Duarte Leopoldo e Silva.
10) (N. do E.) Conversa.
11) (N. do E.) Urram de se encontrar juntas, usa-se para indicar que duas expressões (doutrinas, indivíduos, concepções, etc.) são o mais antagônicas possível entre si, em razão de uma incompatibilidade mútua e profunda.
12) (N. do E.) {sejam quais forem}.
13) (N. do E.) “Mortos, levantai-vos!”: brado lançado no Bois Brûle (em França), em 8 de abril de 1915, pelo Subtenente Péricard quando os alemães atacaram sua trincheira, cuja defesa estava reduzida a um punhado de feridos entre os cadáveres.
14) (N. do E.) Nota do Autor, escrita à máquina, no começo da primeira página:
“Foi o primeiro discurso a tratar dos assuntos relativos à organização a ser dada ao Brasil depois da vitória da revolução de 1932. Por este motivo, a censura, querendo evitar explorações políticas, permitiu que eu pronunciasse o discurso, mas impediu sua divulgação pelos jornais.
A própria autorização de pronunciar o discurso só me foi dada atendendo às finalidades católicas e extrapartidárias do que eu dizia. Do contrário, todo o discurso teria sido cortado.
Até o dia 1º de setembro, ninguém falara, por determinação superior oriunda de combinação da frente única, em reorganização do Brasil.”
15) (N. do E.) Relativo a Tântalo, personagem lendário que teria roubado o manjar dos deuses para dá-lo a conhecer aos homens, e que recebeu o castigo de estar perto da água sem a conseguir tomar, pois esta se afastava quando ele tentava bebê-la; e de estar sob as árvores, sem lhes conseguir comer os frutos, por elas encolherem os ramos.
16) (N. do E.) Precursor de Colombo.
17) (N. do E.) Licurgo – personagem considerado pela tradição como o legislador de Esparta, crê-se ter vivido no século IX a.C. A constituição conhecida como Lycurgo foi responsável durante muitos séculos pela grandeza política e militar de Sparta.
18) (N. do E.) Rômulo – personagem lendário, fundador e primeiro rei da cidade de Roma. Segundo a lenda, descendia de Eneias, filho de Marte e da vestal Réia Sílvia, tendo sido lançados (ele e seu irmão gêmeo Remo) dentro de uma cesta ao Tibre, logo após o nascimento, foram recolhidos por uma loba que os amamentou até serem adotados por um pastor. Depois de ter sido ladrão, fundou uma cidade no Monte Palatino, traçando um sulco que marcava os seus limites. Assim nasceu a Roma quadrata. Assassinou seu irmão Remo, quando este, zombando dele, atravessou o sulco delimitatório de sua cidade. Ainda segundo a lenda, organizou o rapto das sabinas (povo estabelecido na Sabina, a nordeste de Roma) para que casassem com seus homens e, deste modo, garantissem a povoação de Roma. Foi o responsável pela organização da cidade, criando um conselho de patres e dividindo o povo em cúrias e tribos.
19) Sylvio Romero, História da Literatura Brasileira, vol. I, p. 118.
20) (N. do E.) Pela Igreja e pelo Brasil pratiquem-se ações exímias. Adaptação do antigo lema do Estado de São Paulo: Pro Brasilia fiat eximia.
21) (N. do E.) D. Duarte Leopoldo e Silva.
22) (N. do E.) Sobre a posição do Autor em face da ditadura in genere, ver nota 213.
23) (N. do E.) {que}.
24) (N. do E.) Apesar de não ser do Autor, transcreveu-se aqui o presente documento devido à sua importância histórica no sentido de mostrar o progressivo desenrolar das atividades de Dr. Plinio, enquanto líder católico.
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