1933 – agosto a dezembro
“O Legionário”, nº 125, 6/8/1933, p. 1
É necessário1
Plinio Corrêa de Oliveira
A mocidade mariana, que formou a primeira linha de combate do grande pleito de 3 de maio, e que, como vanguardeira, desbravou o terreno em que devia caminhar a Liga Eleitoral Católica, assumiu, com o triunfo que obteve, novas responsabilidades perante a opinião pública.
Os olhos de todos os paulistas estão voltados para esta mocidade que constitui a sua mais cara esperança. Nada mais se pode esperar das gerações anteriores que, vitimadas pelo liberalismo, e abraçadas agora ao socialismo, amontoaram em torno de si ruínas sobre ruínas, deixando aos vindouros a ingrata tarefa da reconstrução. Como a árvore estéril do Evangelho2, não produziram frutos, e estariam fadadas à destruição, se a mocidade não chamasse a si, energicamente, a causa da restauração.
Mas a mocidade verá dissiparem-se seus sonhos e ambições, se ela não repudiar decididamente as fontes envenenadas em que as gerações que nos precederam foram haurir inspiração.
[A restauração moral tem de ter como ponto de partida a restauração religiosa]
É necessário que a restauração moral tenha como ponto de partida a restauração religiosa, e que os brasileiros, em lugar de reformarem sua Pátria somente a golpes de decretos ou de baionetas, se preocupem em retemperar seus caracteres e suas energias na prática séria da Religião Católica.
A mocidade mariana, pois, precisa entrar decididamente na arena das lutas em que se jogam os destinos da Nação. É necessário que tenha um órgão que lhe sirva de porta-voz, e em que, denodadamente, saiba externar o ponto de vista da juventude católica, em todos os acontecimentos que se desenrolarem, pois que o pleito de 3 de maio provou a sua força, e esta força precisa ser ouvida.
O afastamento em que o elemento católico tem vivido, em relação às questões de interesse coletivo, poderá destoar, talvez, desta nova orientação. O terreno está atulhado de preconceitos infundados e de obstáculos de todo o gênero.
Não conhecemos, porém, obstáculos intransponíveis no caminho do dever. Já se fez a Liga Eleitoral Católica. §
É necessário, agora, que a opinião católica seja orientada e formada de acordo com princípios às vezes pouco conhecidos pelo público.
[É necessário que os grandes problemas da reconstrução nacional não sejam resolvidos à revelia da Igreja]
É necessário que a mocidade mariana, vanguarda das coortes católicas, faça sentir a todos que a era da indiferença e da neutralidade já passou.
É necessário que a mocidade mariana não permita mais que os grandes problemas da reconstrução nacional continuem a ser debatidos e resolvidos – como até há pouco – à revelia da Igreja.
É necessário que a cortina de fumaça que a imprensa paulista procura estender sobre o êxito da Liga Eleitoral Católica seja dissipada pelo elemento mariano, através de uma nova imprensa que procura formar.
É necessário que a muralha de aparente ignorância dos princípios católicos, constantemente ostentada por certos elementos, seja destruída pela onda mariana que avança.
É necessário, enfim, que, contra os defensores de todos os erros, os paladinos de todas as corrupções, os advogados de todos os sofismas, a mocidade mariana empunhe o estandarte imaculado da Cruz, constituindo-se, como contrapeso, em defensora de todas as verdades, paladina de todas as virtudes e advogada de todas as causas justas.
E, para vencer os obstáculos que se lhe oporão, para destruir as resistências que lhe queiram embaraçar o passo, para fazer face às objeções que seu acometimento suscite, ela responderá singelamente que não desfalecerá em seu empreendimento porque, para a Igreja, ele é necessário.
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“O Legionário”, nº 125, 6/8/1933, p. 1
Novos rumos3
Cada vez mais se faz sentir em São Paulo a falta de um jornal Católico, capaz de arcar com as pesadas responsabilidades de fazer frente à avalanche macabra da imprensa má.
De meses para cá as bancas dos jornaleiros apresentam quase cada dia, um novo periódico. Parece que a febre de jornalismo apossou-se de todos os paulistas. E, ai de nós, o que ressalta logo à vista, é que a maioria desses cogumelos é francamente hostil à Religião Católica.
Reação, talvez, das forças diabólicas, à nossa primeira arregimentação: a Liga Eleitoral Católica.
O fato é que Lanternas, Homens Livres, Socialistas, etc., aí estão num insulto perene ao sentimento religioso dos católicos.
Aos assinantes e amigos de “O Legionário” não passará desapercebido o primeiro passo de uma remodelação que se inicia com o presente número.
Já lutamos sete anos vencendo todas as dificuldades próprias dos órgãos doutrinários. É um passado de tradições que simboliza uma vontade de vencer. Todos os moços que formam a redação encetaram aqui as suas atividades. Eles se reúnem agora, dispostos a marchar para a frente. Não apresentam programas, nem fazem promessas. Desejam pôr a ação antes da palavra.
Para preencher as suas finalidades asseveram com razão que “O Legionário” precisa se afastar do estreito âmbito de sacristia, em que tem vivido.
Jornal de moços faz empenho em se distinguir por um espírito vigoroso de combatividade, não perdendo de vista, entretanto, as sapientíssimas palavras de Leão XIII, quando afirma que para a defesa da Igreja o peso da argumentação, e não a violência e aspereza, deve dar razão ao escritor.
À frente de “O Legionário”, coloca-se, agora, Plinio Corrêa de Oliveira; no cargo de redator-secretário, ficará José Filinto da Silva; no de gerente Vicente Greco.
Entre seus colaboradores, podemos já registrar o Rev.mo Pe. Leopoldo Ayres, nome bastante conhecido em São Paulo, Tristão de Athayde, o príncipe dos intelectuais católicos brasileiros.
Terá nosso jornal, a guarnecer-lhe o setor, os membros do Centro D. Vital desta capital e do Rio de Janeiro.
Com tão valiosas cooperações e com firme vontade de vencer pomo-nos em marcha para novos rumos.
Para que alcancemos, porém a meta a que nos dirigimos, precisamos e contamos com as indispensáveis ajuda e simpatias dos católicos de São Paulo.
“O Legionário”, nº 126, 20/8/1933, p. 1
Os primeiros frutos
A belíssima demonstração de civismo dos católicos, no pleito de 3 de maio, já está produzindo seus primeiros frutos, com o crescente prestígio que a Liga Eleitoral Católica vai assumindo nas altas esferas da vida pública do Estado.
Colocada fora e acima dos partidos, a Liga tem desenvolvido uma atuação rigorosamente apolítica, e tem sabido, assim, assumir uma posição de grande elevação moral, que a torna objeto do respeito e da simpatia de quantos pugnam na política de São Paulo.
A neutralidade política em que se tem encastelado não obstou, no entanto, que zelasse com grande energia e eficácia pelos altos interesses espirituais que lhe estão confiados.
No momento atual, em que uma nova fase de tranqüilidade e de concórdia parece abrir-se para São Paulo, a Liga Eleitoral Católica, a despeito da discrição de sua atitude, tem uma grande tarefa a cumprir.
Podemos adiantar com toda a segurança que o Dr. Armando Salles de Oliveira, que foi nomeado Interventor Federal no Estado de São Paulo, se dispõe a governar com o programa da Chapa Única, mostrando assim o desejo de que sua administração corresponda à expectativa da grande maioria eleitoral que sufragou os candidatos da legenda Por São Paulo unido.
Ninguém pode fechar os olhos à importantíssima colaboração do elemento católico nas eleições de 3 de maio, colaboração esta cuja valia ficou bem patenteada pelos resultados finais da apuração. Nestas condições, podemos afirmar que, a 3 de maio, ficou claro que a população paulista quer o ensino religioso nas escolas, uma das condições sine qua non4 do apoio dado pela Liga à Chapa Única.
Qualquer governo que deseje, pois, entrar em franca colaboração com a população, que ainda está em carne viva graças às recordações trágicas e recentes que ainda se gravam profundamente na memória de todos, deverá começar por restabelecer o decreto Laudo de Camargo5 que, devidamente aperfeiçoado, tomará o lugar do infeliz decreto do General Rabello.
Sem que se tranqüilize a consciência religiosa, indebitamente usurpada nos seus direitos mais sagrados, não poderá haver verdadeiramente aquela “tranqüilidade da ordem”, que São Tomás de Aquino chamava paz.
Tudo indica que o Dr. Armando Salles de Oliveira soube compreender esta situação, e que se dispõe a restaurar imediatamente o ensino religioso, um dos pontos salientes do programa da Chapa Única.
Com a instauração do ensino religioso, a Liga começará a colher os primeiros frutos de sua benemérita atuação.
Foram os católicos que plantaram a boa semente na campanha eleitoral de 1933. Colham agora o fruto de seus esforços, porque dignum et justum est6.
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“O Legionário”, nº 127, 3/9/1933, p. 1
Previsões
A ebulição política verificada a propósito das diretrizes que adotarão na futura Constituinte as bancadas mineiras, veio pôr em foco o estado das diversas correntes de opinião na Constituinte.
Dizia Morbeau que uma assembléia legislativa que interpretasse fielmente o pensamento do eleitorado deveria ser uma miniatura da nação, em que se representassem todas as suas correntes de opinião, na proporção exata do número de seus adeptos.
A próxima Constituinte, fruto de um pleito livre, em que todos os grupos eleitorais puderam manifestar sem constrangimento as suas preferências, parece aproximar-se do ideal do famoso demagogo francês.
[Contraste entre a força numérica dos liberais e a timidez de sua atuação]
Ao que parece, a maioria vai ser liberal, daquele liberalismo convencional, cristalizado em um certo número de axiomas e frases feitas que – com ou sem vantagem para o País – estão ainda profundamente embebidos no espírito público.
Mas, se alguma coisa impressiona o espectador, é justamente o contraste entre a força numérica da corrente liberal e a timidez com que se apresta para defender sua ideologia. Poucos, pouquíssimos até, serão os liberais ortodoxos, dispostos a sustentar em todas as suas conseqüências os princípios de 1789. Deles, um grande número se inclinará para o socialismo, que oferece às suas tendências igualitárias um derivativo cômodo. Outros, impressionados pela argumentação cerrada que se tem feito ultimamente contra as teses liberais, farão concessões às correntes da direita, dispostos a pactuar com algumas reformas moderadas, contanto que continue intacto o tríptico da liberdade, igualdade e fraternidade, diante do qual o mundo viveu genuflexo desde 1789.
[Os dois extremos ardorosos e combativos: o espírito revolucionário e o espírito reacionário]
Ao lado desta grande corrente, que chamaríamos central, e que, ao que nos parece, será mais uma massa do que uma corrente, estão os dois extremos ardorosos e combativos do espírito revolucionário e do espírito reacionário.
Por grupo do espírito revolucionário entendemos as correntes da extrema-esquerda, que terão certamente sua representação ao lado dos demolidores de todos os matizes, enviados pelas minorias de alguns Estados, inclusive os dois deputados socialistas eleitos em São Paulo.
Não sabemos ao certo no que consistirá a atuação deste grupo. Como de costume, procurará perturbar os trabalhos, criar casos e forjar incidentes, impressionando pelo barulho, uma vez que não pode impressionar pela força do número ou dos argumentos. Tudo indica que, se a Constituinte levar a cabo sua tarefa, a influência deste grupo apenas se tornará ponderável se, em algumas de suas exigências, encontrar a indefectível benevolência dos liberais lato sensu.
O outro grupo, finalmente, será o do espírito reacionário, que assim chamamos para acentuar sua oposição ao famigerado espírito revolucionário. Consta principalmente de elementos eleitos pelo norte, e que encontram sua expressão mais característica nos monarquistas integrais, desejosos de opor ao comunismo (que é o espírito de revolução levado até os seus últimos desdobramentos) o patrianovismo, isto é, o princípio da autoridade adotado em todos os terrenos.
[A Liga Eleitoral Católica, fora e acima dos partidos]
Onde o Catolicismo? É o que já terá perguntado mais de um leitor, impaciente pela longa enumeração que fizemos. Fiel ao programa traçado por Leão XIII, a Liga Eleitoral Católica não se pode reduzir a nenhum dos grupos enumerados. Apoiando ora os liberais (entendida a palavra com as restrições impostas pelo espírito católico), ora os reacionários, desde que uns e outros prometam seu apoio aos postulados católicos, a Liga soube manter aquela linha de superior neutralidade, em matéria temporal, que lhe foi imposta pela autoridade da própria Igreja.
Com esta sábia tática, ela evitou que os católicos se desunissem por questões temporais, com prejuízo dos supremos interesses espirituais de que a Igreja é guardiã. E a futura Constituinte mostrará claramente o imenso triunfo do elemento católico que, acorrendo ao Rio através das bancadas de todo o Brasil, se reunirá na Constituinte para vitoriar o programa da Liga.
A despeito das perfídias de alguns e da incompreensão de muitos, a Liga mostrará então, nesse dia, que, se os católicos se arregimentaram, foi com finalidades exclusivamente apolíticas, para, “fora e acima dos partidos”, realizar o grandioso programa com que entrou em liça no “momento decisivo” em que tudo parecia conspirar para derribar a Igreja Católica que, segundo o Sr. Plinio Barreto, ainda é a única coisa organizada que existe no Brasil.
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“O Legionário”, nº 128, 17/9/1933, p. 1
Credo caduco
Venerável mas caduco, o Credo católico, segundo uma declaração do General Rabello, publicada pelos jornais.
Esta afirmação veio a público a propósito da construção de uma escola militar, em cujo conjunto o arquiteto havia encaixado uma capela.
Estamos certos de que se a visão intelectual do famoso militar não estivesse obstruída pela catarata do positivismo, não poderia deixar de encomiar altamente o pensamento do arquiteto, que atende aos mais profundos interesses do povo brasileiro.
Afirmamos sem receio que os dois problemas máximos com que o Brasil luta hoje em dia nada mais são senão as duas velhas chagas da Monarquia – que a República deixou progredir até à gangrena: o problema religioso e o problema militar.
[O velho regalismo de Pombal atacou a árvore frondosa do Catolicismo]
O problema religioso – a questão religiosa, dizia-se na época – girava em torno das relações entre a Igreja e o Estado. No tempo da Monarquia, a Igreja era para o Estado um canário guardado em gaiola dourada, que tem a permissão de encher o ambiente com os seus trinados harmônicos, que é tratado com todo o mimo, mas que vê sua liberdade e suas possibilidades de um vôo mais alto impiedosamente tolhidas dentro das grades tristemente douradas da gaiola.
Não queremos de maneira nenhuma afirmar que se trate de uma situação atribuível à Monarquia como forma de governo. Decorria principalmente do velho regalismo de Pombal, cuidadosamente conservado no Brasil através de inúmeros lustros, dentro dos reservatórios de erros e heresias que eram, em toda a Monarquia lusitana e suas colônias, as universidades portuguesas.
O fato, porém, é que enquanto o Estado afirmava oficialmente sua crença nos ensinamentos da Igreja Católica, reservava para si o direito de, por meio do placet7, não pôr em execução as determinações emanadas da autoridade inviolável da Santa Sé.
Por outro lado, as ordens religiosas, viveiros em que se cultiva a santidade e se prepara o clero, que deve ser, segundo os Evangelhos, o sal do mundo8, eram feridas na raiz pela ingerência do Governo na sua constituição íntima, noviciados, etc.
E assim a árvore frondosa do Catolicismo definhava, não porque o machado herético a atacasse, mas porque as suas raízes eram corroídas pelo verme do regalismo, e privadas de toda a irrigação indispensável. Montava-se guarda junto à árvore para que não fosse partida pelo machado do mau lenhador, mas negava-se-lhe água. E, desta incoerência, o problema religioso surgiu, até que facilitou a queda da monarquia.
[O mal que fizeram foi bem feito; o bem que fizeram foi mal feito]
A questão militar nasceu no flanco ferido da Nação, que era a chaga aberta da questão religiosa.
Sem preparação religiosa suficiente, nossos militares eram desde cedo contaminados pelos ensinamentos liberais contrários a toda e qualquer disciplina, e pondo na força da espada ou das urnas toda a autoridade.
Daí um dissídio inevitável entre o elemento civil e o militar, dissídio este que inevitavelmente conduziu ao 15 de Novembro, abrindo para a Nação o inicio da era republicana.
A República ou, mais verdadeiramente, os homens que estavam à testa da República, em lugar de sanearem os males da Monarquia, pareceram, neste particular, atrair para si a velha acusação que uma vez se lançou contra o Estado: o mal que fizeram, o fizeram bem feito; o bem que fizeram, o fizeram mal feito.
Assim é que o bem, isto é, a liberdade religiosa reconhecida à Igreja, foi [in]completo, procurando-se afastar o Catolicismo do ensino público e permitindo, pois, que a Nação formasse as gerações mais jovens dentro de um inteiro indiferentismo religioso.
O mal que ela fez, afastando o Catolicismo do ensino, ela o fez bem feito9, pois que suprimiu os últimos vestígios de influência católica na escola militar.
O resultado não se fez tardar. A questão militar foi assumindo uma gravidade cada vez maior, até chegar à situação atual, de insatisfação geral, em que se encontram descontentes simultaneamente as classes armadas e o elemento civil, em grande parte por uma incompreensão recíproca de suas relações, incompreensão esta que só o ensinamento católico poderia dissipar.
Posto isto, não temos palavras suficientemente admirativas para exaltar a ação da Liga Eleitoral Católica, reivindicando energicamente a restauração do ensino religioso e das capelanias militares.
[O Credo do Catolicismo não é caduco porque é eterno]
O Credo caduco que, para o General Rabello, é o Catolicismo, mostrará, se o Estado não lhe fechar as portas, que ele não é caduco porque não é velho, pois para as coisas eternas o tempo não existe, e a sua perene mocidade zomba dos homens e dos séculos.
E é do Credo caduco, que é antigo sem ser velho, que podemos esperar a seiva moral que há de dar nova mocidade ao nosso pobre Brasil, que, na situação em que está, parece ser velho… sem ser antigo.
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“O Legionário”, nº 129, 1/10/1933, p. 1
O leão mudo
É curiosa e lamentável a situação em que se deixam ficar os católicos, no momento de ebulição intelectual que atravessamos.
[As eleições de 3 de maio mostraram a grande força moral do Catolicismo em todo o Brasil]
Parece-nos indiscutível que as eleições de 3 de maio mostraram a grande força moral de que o Catolicismo dispõe.
Não é só em São Paulo que esta força se manifestou. Em todos os Estados do norte, do centro e do sul do Brasil, o apoio da Liga Eleitoral Católica foi vivamente procurado por gregos e troianos, valendo como fator de primeira grandeza na vitória que obtivemos. Quando a Junta Nacional tiver concluído o seu serviço de estatística, viremos novamente a público para bater nessa tecla.
Por enquanto queremos apenas salientar que as eleições de 3 de maio valeram por um verdadeiro plebiscito, em que o Brasil reafirmou seu desejo de ser católico.
Como o leão que dorme, o Catolicismo brasileiro estava imerso em profundo sono, do qual abusavam seus adversários, impondo à consciência religiosa do País toda a sorte de medidas vexatórias e humilhantes. Os últimos abalos acordaram o leão que, tendo saltado na arena a 3 de maio, já pode resumir seus primeiros triunfos na famosa frase de Júlio César: Vim, vi e venci.
[Enquanto as grandes questões nacionais, são debatidas, o silêncio rodeia o movimento católico]
No entanto, depois desta manifestação de vitalidade e de energia, a opinião católica parece ter voltado novamente à passividade.
Tudo se discute e se comenta pelos jornais. As grandes questões nacionais são estudadas sob todos os seus pontos de vista. Por toda a parte, as diversas correntes de opinião se fazem ouvir. E, enquanto isso, um profundo silêncio rodeia os próceres do movimento intelectual católico, de sorte que a opinião vitoriosa ontem, já hoje, como Cincinato10, volta à obscuridade, sem que ninguém se lembre de lhe auscultar o pensamento e os desejos.
[Não basta que os pontos mínimos da Doutrina Católica sejam respeitados]
Não há dúvida de que os pontos absolutamente essenciais do programa católico parecem vitoriosos. No entanto, uma coisa é a Doutrina Católica, e outra o senso católico.§
Diversos pontos há em que a Doutrina Católica só é aplicada com grande proveito quando secundada pelo senso católico. A Doutrina Católica não condena o casamento dos sacerdotes11. Mas o senso católico, profundamente identificado com o pensamento da Igreja, compreende que, no terreno dos fatos, a grandeza do sacerdócio exige o celibato eclesiástico.§
A Doutrina Católica é perfeitamente compatível com a primitiva organização da Igreja, em que algumas dignidades eclesiásticas eram preenchidas por meio de eleição entre os fiéis. Mas o senso católico, compreendendo embora as vantagens deste sistema em outras épocas, defende hoje em dia, intransigentemente, a atual organização da Igreja, única compatível com as circunstâncias de nossa época.§
A Doutrina Católica não obriga o Santo Padre a cercar-se, no Vaticano, de todo o esplendor da Corte pontifícia. Mas o senso católico compreende perfeitamente a necessidade deste esplendor, como manifestação humana da excelsa dignidade do Sumo Pontífice.§
Em suma, a Doutrina Católica é, para nós, um conhecimento tão necessário quanto, para o navegante, o conhecimento da posição dos astros que perscruta no céu para orientar seu roteiro. Mas o senso católico, por sua vez, representa os conhecimentos práticos do piloto que, sabedor dos escolhos, dos recifes traiçoeiros e dos bancos de areia, não volta seus olhos somente para o céu, mas para o mar, procurando nele os perigos de que se deve desviar. Sem uma e outra coisa, sem o conhecimento dos astros do céu e dos obstáculos escondidos no mar, não é possível a navegação. Do mesmo modo, sem uma Doutrina Católica séria e sem um senso católico apurado, é impossível que navegue com segurança, neste mar das tormentas em que andamos, a nau dos interesses espirituais do Brasil.
Não é bastante, pois, que os pontos mínimos da Doutrina Católica sejam respeitados. É mister que o senso católico se infiltre por toda a parte, para resolver a seu modo nossas múltiplas dificuldades.
E, no entanto, os católicos silenciam. Como um leão mudo, ou antes, surdo-mudo, eles dispõem da força, mas se conservam silenciosos ante os maiores ataques, e sem resposta contra as mais pérfidas acusações.
[Os católicos ainda não compreenderam a necessidade de uma imprensa genuinamente católica]
É que os católicos ainda não compreenderam a necessidade de uma imprensa genuinamente católica. Eles não compreendem que sem um porta-voz junto à opinião pública, eles serão como o réu sem advogado, que se condena sem poder fazer ouvir suas razões. Eles não compreendem a necessidade de um jornal são12 que, como novo chevalier sans peur et sans réproche, saiba investir contra a estagnação a que se pretende condenar o problema religioso entre nós. Eles permitem, com uma tranqüilidade de quem lava as mãos, que diariamente a imprensa hostilize seus princípios, tornando a Fé odiosa às massas incultas e ridícula para a élite intelectual burguesa. E com isto eles se tornam colaboradores inconscientes dos agitadores da ordem social e de todos os adversários da Igreja.
[Os católicos espanhóis só acordaram quando viram suas igrejas ardendo em chamas]
No seu último número, “O Legionário” noticiava a aquisição de um importante maquinário para o jornal católico “El Debate”. Os católicos espanhóis só acordaram quando viram suas igrejas ardendo em chamas, violados os tabernáculos e profanadas as imagens. Tendo dormido sobre o perigo, foram cruelmente chamados à realidade pelos seus adversários. E foi só à luz das catedrais que se incendiavam que eles souberam ver a necessidade de uma imprensa e uma ação católica organizada.
Esperaremos também nós, católicos brasileiros, a luz do incêndio e o vociferar dos petroleiros, para acordar? Leão mudo, não compreenderemos finalmente que o rugido de protesto de nossas consciências, ecoando diariamente através de um jornal nosso, é a maior defesa que possamos ter? Até quando hesitaremos? Quanto tempo levaremos para compreender que o silêncio é para nós uma deserção, e a indiferença um crime? Até quando continuaremos inertes, à espera de se transformarem nossos louros de ontem em algemas que já amanhã nos agrilhoarão?
Quousque tandem?13
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“O Legionário”, nº 130, 15/10/1933, p. 1
A missão da América Latina
Estamos na tarde de uma civilização.
A velha Europa agoniza, estirada sobre seu solo exausto, abalada pelos últimos estertores do materialismo. Todas as desilusões parecem ter-se conjurado para lhe amargar o último cálice. O homem ocidental já não encontra encantos na liberdade de que abusou, na igualdade com que sonhou e na fraternidade que não realizou. Sua economia pujante, orgulho de seus velhos dias, foi devorada pela superprodução. A filosofia, a quem erguera um altar na sua admiração, foi abeberar-se nas correntes envenenadas a que não resistem povos nem civilizações. Servem-lhe de leito funerário os escombros de suas glórias passadas. E o único facho que clareia este quadro fatal é a chama vermelha, que hoje arde em Moscou, mas que ameaça devorar amanhã até a sua própria mortalha.
A seus pés, os Estados Unidos, filho de seus erros como de seu engenho, surpreendido em pleno desenvolvimento pela crise de crescimento fatal, parece ter o cérebro atacado pela paranóia que se convencionou chamar americanismo, enquanto seu organismo atlético se sente minado precocemente, no terreno financeiro como no intelectual, no político como no moral.
A Ásia milenária arde, na sua periferia, na mesma febre fatal que acometeu o Ocidente. E as populações do centro do Continente continuam embaladas no mesmo sonho oriental sobre o qual os séculos se têm escoado lentamente, sem nada alterar.
A África, ou se deixou arrastar na voragem do mundo ocidental, ou continua votada à estagnação silenciosa e irremediável dos grandes desertos e das florestas impenetráveis, que são obstáculos intransponíveis para a população nativa, definitivamente enamorada pelos encantos agrestes das civilizações primitivas. O vírus da supercivilização a convulsiona em febres, quer em Capetown, quer no Cairo. E por outro lado a agressividade da natureza tem desarmado todas as boas vontades colonizadoras, quer no Saara, quer às margens do Zambeze.
Nesta tarde de civilização, que ameaça ser a tarde da própria humanidade, só dois fatores nós vemos, realmente capazes de abrir para o homem uma janela salvadora sobre o futuro: no plano espiritual, a Igreja Católica, e no plano terreno, a América Latina.
[A Igreja tem os tesouros espirituais e morais necessários para solucionar todas as crises]
Uma lenda antiga nos conta que à beira de certo lago havia um rochedo que crescia à medida que as ondas o acometiam, de sorte a nunca ser submergido, ainda nas maiores tempestades. Hoje em dia, este rochedo é a Pedra, é a Cátedra de Pedro, que tem avultado com as revoluções, zombando das heresias, crescendo em vigor à medida que seus adversários crescem em rancor. Há já vinte séculos que Ela vem espargindo água benta sobre os adversários que tombam no caminho. A crise presente, que nos empolga com seus aspectos dantescos, é, para ela, apenas um episódio na História desta humanidade que ela já tem visto gemer em outras ocasiões, sob o fardo dos mesmos erros, esmagada pelo peso das mesmas paixões. Assistiu ao nascer de todos os países do Ocidente. Vê-los-ia morrer sem receio por seus próprios dias, que não se contam com a brevidade dos dias de uma nação.
Em sua doutrina divina, tem todos os tesouros espirituais e morais necessários para solucionar todas as crises. Neste mar revolto do século XX, em que naufragam homens, idéias e fortunas, só Ela continua e será via, veritas et vita14, que a humanidade há de aceitar, para levantar um vôo salvador sobre o próprio abismo que ameaça tragá-la.
[A nova ordem de coisas terá por base o respeito à Igreja, à propriedade e à família]
Para atuar, porém, ela também se serve de fatores humanos. E, destes, o mais promissor é a América Latina.
Tenham embora os católicos latino-americanos pecado como pecaram, não pesa sobre os ombros de suas nações, ainda na infância, a culpa esmagadora de que a Europa e os Estados Unidos são réus. É verdade que nos deixamos todos, latino-americanos, embair pelo conto de fadas do liberalismo. É certo que floresceu entre nós, em toda a sua plenitude, o pombalismo opressor. É certo que a ação subterrânea das seitas minou e desfibrou profundamente as inteligências e os caracteres. É certo que a nós, como nações, se poderia aplicar a frase de Santo Agostinho: tantilus puer, et tantum peccator! – Tão jovem, e já tão grande pecador!
No entanto, nunca partiu daqui um grito de heresia. Fomos impermeáveis à propaganda protestante, viesse ela precedida pelo dólar ou pela argumentação pérfida, que facilmente poderia seduzir nossa incultura religiosa.
Apesar dos pesares, nossos costumes ainda conservam muito daquela suave urbanidade que é a característica das índoles cristãs. Mesmo a moralidade do lar, de modo geral, ainda não foi corrompida pelo divórcio a vínculo, que legaliza farisaicamente o amor livre.
Quando, portanto, da imensa caldeira em que fervem os restos de nossa civilização emergirem os primeiros princípios de uma nova ordem de coisas, tendo por base o respeito à Igreja, à propriedade e à família, só a América do Sul oferecerá ao mundo um caminho a ser edificado, com suas regiões imensas, que as crises econômicas não esgotaram, e seus povos de reservas morais sólidas, que até lá terão passado pelo cadinho do sofrimento, e nele terão formado sua têmpera de povos fortes.
A América do Sul será, portanto, o grande laboratório onde a nova civilização católica se vai erguer.
[A América Latina se deve erguer com o firme propósito de continuar católica]
Para isto, porém, para que ela não apostate desta sua missão providencial, é necessário que ela aplique, em sentido latino-americano, a doutrina de Monroe15: a América católica para os católicos americanos. E que ela faça derivar estes princípios para o campo internacional: os exércitos da América Latina, só contra os adversários dos latino-americanos.
Contra Moscou, como contra Washington, focos de corrupção de amanhã ou de hoje, a América Latina se deve erguer, com o firme propósito de continuar a ser católica.
E a visita do General Justo ao Brasil foi um passo significativo dado no caminho meritório da realização dessa grande missão providencial!
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“O Legionário”, nº 131, 29/10/1933, p. 1
Roma, Nova York e Moscou
Os telegramas dos últimos dias nos têm trazido notícias sobre o reatamento das relações diplomáticas entre a Rússia e os Estados Unidos.
A muitos terá causado estranheza a aproximação do país-leader do industrialismo burguês e da rubra república dos soviets. Muito maior, no entanto, foi o pasmo geral com a notícia de que o Vaticano declarara só poder negociar com a Rússia tomando como base as propostas apresentadas pela Chancelaria da Santa Sé em 1922.
Estas duas notícias, que põem em foco a delicada diplomacia dos três eixos em torno dos quais gira o mundo moderno – o Vaticano, a Casa Branca e o Kremlin – merecem alguns reparos.
[O estabelecimento de relações diplomáticas não significa o reconhecimento da legitimidade de um governo]
Preliminarmente, é preciso acentuar que o estabelecimento de relações diplomáticas com um governo qualquer não significa o reconhecimento da legitimidade da investidura deste governo, ou a aprovação dos princípios e da política interna que ele pratica. É este um axioma de Direito Internacional Público, de que a diplomacia do Vaticano tem feito uso em todas as épocas. Assim, por exemplo, em épocas remotas, o Santo Padre ↓16 [manteve] nunciaturas apostólicas junto às cortes de dois príncipes que, em luta civil, disputavam a posse da coroa, dispensando a ambos os pretendentes o tratamento de Majestade. Ainda em virtude deste princípio, a Santa Sé não hesitou em aceitar relações diplomáticas com os diversos soberanos protestantes, cujos países haviam abraçado a heresia de Lutero. E, em relação à própria Rússia, no regime imperial, o Santo Padre mantinha um Núncio Apostólico junto ao Kremlin, e aceitava um embaixador russo junto ao Vaticano, a despeito de ser o Czar o maior sustentáculo do cisma russo. A formação de relações diplomáticas é fato que atua tão-somente na esfera internacional, sem a menor repercussão na hostilidade doutrinária entre o Catolicismo e o comunismo, tão irredutível quanto o ódio do bem ao mal.
[O Papa exige a restauração da liberdade religiosa antes de qualquer tentativa de aproximação]
Ninguém ignora que, de todas as religiões perseguidas pelo regime soviético, a mais visada foi a católica. O que o Santo Padre exige é que o governo soviético, para ser admitido no concerto das nações civilizadas, restaure dentro das fronteiras russas a liberdade religiosa, que é a característica de todos os povos que pretendem ter foros de civilizados.
Enquanto o governo comunista não der este passo, será inútil qualquer tentativa de aproximação.
Mas, indagamos, por que, da parte das autoridades soviéticas, uma tão invencível relutância em permitir a restauração do culto católico?
[Catolicismo e comunismo hurlent de se trouver ensemble]
A resposta não é difícil de se dar. Catolicismo e comunismo são coisas que hurlent de se trouver ensemble. Por toda a parte onde o culto católico for franqueado aos fiéis, a propaganda anticomunista será feita, a propósito de tudo e a propósito de nada, desde o mais alto prelado ao último dos sacristãos ou catequistas. Basta ensinar a existência de um Céu e de um inferno, para afirmar implicitamente a falsidade de todos os dogmas leninistas. Basta assistir a uma cerimônia da Igreja, com seu ritual deslumbrante, para adquirir, da autoridade, uma noção santa e elevada, em contraste com a concepção comunista. Se me fosse possível usar uma imagem explicativa, diria que, em qualquer lugar em que se encontre, o bom católico sua o anticomunismo por todos os seus poros.
Como a última das preocupações comunistas é a liberdade de pensamento, eles conjuram o perigo com toda a simplicidade: matam os fiéis, saqueiam os templos, e resolvem cirurgicamente o problema religioso. Et tollitur quaestio17.
[Legações soviéticas: núcleos de propaganda comunista]
Já não é assim, porém, que agem as nações burguesas, incoerentes por definição.
O comunismo não deseja a introdução de elementos católicos na Rússia, para manter a ordem interna. Os burgueses, tendo todos os motivos para recear que as legações e consulados russos em seus países venham a fomentar a dissensão e a luta social, não se importam, porém, em semear, em todos os países onde dominam, uma verdadeira profusão de agências soviéticas.
Na França, na Inglaterra, na Alemanha, na Espanha, por toda a parte onde funcionam, as legações soviéticas são os mais valentes núcleos de propaganda comunista. E, a despeito disto, os países burgueses tolamente fecham os olhos ao perigo, e continuam a brincar com o fogo! E os jornais nos trazem a dolorosa notícia de que os Estados Unidos, a nação industrial e burguesa por excelência, também já pensam em restabelecer relações econômicas com a Rússia!
[A diferença de atitudes do Vaticano e da Casa Branca definem dois estados de espírito]
Na diferença de atitudes mantida pelo Vaticano e pela Casa Branca, em relação ao Kremlin, estão perfeitamente definidos dois estados de espírito.
O Santo Padre vê, diante de si, a horda vermelha que avança. Uma por uma, as nações civilizadas se vão deixando tragar pela propaganda socialista, prelúdio da revolução comunista. Uma por uma, vão reconhecendo os soviets. E, no entanto, ele, firme como a rocha de Pedro, continua a manter sua irredutível oposição.
Por outro lado, os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Alemanha, e a própria Itália, vão cedendo. Os canhões, os exércitos, as esquadras, os aviões, os gases asfixiantes e o ouro, nada lhes parece suficiente para levantar diques à inundação que se aproxima. Cedem, e cedem burguesamente, tolamente, sem ter sequer terçado as primeiras armas, para experimentar a bravura do adversário.
Não tem ouro, não tem canhões, não tem exército, o Santo Padre. Mas ele não cede. Ele, que é a potência espiritual, levanta barreiras com o simples prestígio de sua palavra. Instrui, trabalha, ora, encoraja e reprime. E, lentamente, a contra-ofensiva católica em todo o mundo se vai desenhando, com terror para os semitas da III Internacional.
Diante desta invencível oposição, não se lembrarão, talvez, eles, do non praevalebunt18 com que foi dada à Igreja de Pedro a prerrogativa da indestrutibilidade?
***
“A Mocidade”, Taubaté, novembro de 1933, pp. 3 e 5
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira
As Congregações aumentavam em S. Paulo.
A mocidade começava, já, a apreender os benefícios inestimáveis de sua organização, os frutos consoladores de uma vida interior bem orientada.
Um exército formidável, as Congregações vieram a formar. Soldados da fé. Com seus generais, os sacerdotes abnegados.
Dessa mocidade admirável e resoluta, tida e havida como modelo, num instante em que a sociedade começava a época de confusões em que, ainda hoje, se debate, começaram a surgir os valores.
Um Paulo Sawaya. Um Vicente Melillo. Um Galvão de Souza. Um Plinio Corrêa de Oliveira.
Como em todos os ramos da atividade humana aparecem os notáveis, os “campeões”, os expoentes, esses e muitos outros eram, por bem dizer, “campeões da Marianeidade Paulista”.
Plinio Corrêa de Oliveira, moço, bem moço, formado há pouco pela gloriosa Faculdade de Direito de S. Paulo, era um paradigma. Culto. De ação. Jovem na idade, porém, ponderado e sensato como um ancião.
Surge um Brasil sacudido pelas ideologias. Lutas internas. Constituinte. Eleições, e com estas o advento da Liga Eleitoral Católica.
Plinio Corrêa de Oliveira, indicado pela Liga, obtém a maior votação até hoje registrada em terras de Santa Cruz. Uma apoteose, e a prova mais autêntica que se poderia dar de pujança da Liga.
E Plinio Corrêa, como católico, como paulista e como brasileiro, vai para a Constituinte defender a Religião dos nossos antepassados, a Religião dos contemporâneos e a Religião dos vindouros.
E.
* * *
Homenagens ao Dr. Plinio Corrêa de Oliveira
No salão da Cúria Metropolitana, em S. Paulo, realizou-se grande demonstração de estima e apoio das Congregações Marianas, ao Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, nosso bondoso amigo, Congregado Mariano, Secretário da Junta Estadual da LEC e Deputado eleito à Constituinte, pelos católicos.
Falaram diversos oradores, inclusive o Dr. Vicente Melillo, Presidente da LEC e membro da Federação das Congregações Marianas de S. Paulo que fez a saudação oficial.
Também a Ação Universitária Católica ofereceu um banquete a S. S. tendo saudado o constituinte católico o Dr. Francisco da Silva Prado.
A mensagem da Congregação Mariana de Taubaté
A Congregação Mariana do Santuário enviou ao deputado-congregado, o seguinte telegrama de saudações:
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira
Alameda Barão de Limeira, 111
S. Paulo
Congregação Mariana Paróquia N. S. Rosário, Taubaté, saúda provecto Constituinte católico, rogando Nossa Senhora ilumine espírito decidido apóstolo causa Igreja nossa cara Pátria.
Saudações
(a) Vantuilde José Brandão
Presidente
A Junta Regional da LEC também telegrafou a S. S.
Também a Junta Regional da LEC telegrafou-lhe nos seguintes termos:
Doutor Plinio Corrêa de Oliveira
Alameda Barão de Limeira 111
São Paulo
Vésperas sua partida Rio, vimos trazer nobre Deputado católico votos feliz atuação Constituinte, confiando Deus sua profícua defesa altos interesses gloriosa Igreja Católica nossa cara Pátria.
Saudações
(a) Luciano Alves Pereira
Presidente da Junta Regional
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“O Legionário”, nº 132, 12/11/1933, p. 1
Como sempre
Estão iniciados os trabalhos da Constituinte. Praticamente, portanto, deixou de existir no Brasil o poder discricionário exercido pelo Governo Provisório a partir de outubro de 1930. Um poder novo aparece no tablado da política nacional, investido de poderes irrestritos, e apto, portanto, a ditar suas leis ao Governo Provisório.
Tudo indica, portanto, que estamos chegando aos últimos dias da ditadura, e que já está próximo o momento em que o Brasil se governará por autoridades legalmente investidas, e com poderes delimitados pela nova Constituição.
Parece, no entanto, que o Governo Provisório, nesta quadra terminal de sua carreira, quis perpetuar, num esforço supremo, a sua orientação doutrinária, cristalizando-a nos artigos do anteprojeto de Constituição.
Em suma, esta orientação se resume na flutuação incessante entre o Catolicismo e o socialismo.
[Embaraço ao fazer o balanço das benemerências da ditadura em relação à consciência católica]
Se, no plano espiritual, quisermos fazer um balanço para apurar os títulos de benemerência da ditadura em relação à consciência católica, ficaremos realmente embaraçados.
É incontestável, por um lado, que tivemos o ensino religioso – ao menos em tese – coisa que foi impossível obter na vigência da chamada República Velha. Mesmo no terreno da legislação do trabalho, tivemos alguns progressos a acentuar. As relações entre os poderes espiritual e temporal decorreram num ambiente de perfeita harmonia e tranqüilidade. A cortesia do Governo para com o Legado ao Congresso Eucarístico da Bahia foi inatacável. Mas… e fica realmente de pé um mas.
Efetivamente, por quê, para quê, o Governo Provisório – se pretendia afinal reconhecer à consciência católica os seus direitos – facilitou e protegeu os preparativos para um grande Congresso protestante a realizar-se no Rio, chegando mesmo a ceder para este efeito o Teatro Municipal? Por quê, ao instituir uma legislação do trabalho que quebrava os velhos moldes do liberalismo da República Velha, instituiu ao mesmo tempo o laicismo sindicalista, tão ou mais pernicioso do que o laicismo escolar, que ele baniu?
Na distribuição dos altos cargos administrativos, não foi outro o seu critério. Ora confiava as mais importantes tarefas a elementos mais ou menos da direita, apaixonados da disciplina social, e freqüentemente simpáticos ao Catolicismo, ora introduzia habilmente, em outros cargos, alguns agitadores impenitentes, capazes de imprimir à sua atividade os rumos mais inquietantes. Ora combatia o liberalismo, servindo-se das armas da sociologia católica. Ora fazia socialismo do mais extremado, flertando a esquerda com a mesma insouciance19 sorridente com que, há pouco, se aproximara da direita.
[Essa obra se fez às vezes conosco, às vezes sem nós, e outras contra nós]
Pensarão todos que reavivamos estes fatos para lançar uma condenação. Queremos ser mais práticos e mais positivos. Não nos serve de nada condenar uma obra que chega ao seu termo. Indaguemos, porém, por que motivo ela se fez às vezes conosco, às vezes sem nós, e outras contra nós. É esta a lição que, por hoje, queremos colher.
Coloquemo-nos no plano exclusivamente espiritual, fazendo, no momento, abstração de todos os problemas temporais.
Um Governo Provisório é antes de tudo um governo que precisa de apoios. Se não tem uma coloração nitidamente católica ou acatólica – e é este o nosso caso – será tão católico ou tão acatólico quanto lho aconselharem as circunstâncias.
Não é, pois, o governo que toma a iniciativa de se filiar a esta ou àquela orientação religiosa. Depende das diversas correntes o poder e saber atrair, para o campo magnético de sua influência, a ação governamental.
A orientação religiosa de tal governo depende pois, em grande parte, da atividade, energia, força e persistência das diversas correntes religiosas.
[Com uma Liga Eleitoral Católica perfeitamente organizada a história seria outra]
Tivesse o Brasil uma Liga Eleitoral Católica perfeitamente organizada, quando se instituiu o Governo Provisório; tivesse esta Liga uma disciplina férrea, posta a serviço de uma pureza de intenções sem mácula; ingressassem em seu seio todos os católicos, para coordenar suas forças, enfeixando-as em uma organização eficiente:§ eles se teriam tornado uma potência de primeira grandeza (que hoje ninguém discute, depois do 3 de maio), capaz de propor e eventualmente de impor todas as medidas exigidas pela consciência católica.
O que se fez contra nós não se teria talvez feito. O que se fez sem nós se teria feito conosco. E o que se fez por nós teria sido mais aproveitável.
Não condenemos pois, irrefletidamente, a inconstância, a tibieza ou a pouca sinceridade daqueles de quem, posto que católicos, queríamos exigir uma conduta religiosa irrepreensível.
Não será a sua inconstância um reflexo da atenção secundária que costumamos prestar a nossos problemas espirituais? Não será a sua tibieza uma conseqüência da indiferença com que tratamos os princípios católicos?
Reflitamos. Durante três anos de ditadura, o Governo Provisório foi, sem dúvida, a cortiça que flutuou ao sabor de todas as ondas ou correntes, em matéria religiosa. Mas o mar revolto e inconstante, que guiava a cortiça, não terá sido talvez a opinião católica brasileira, sempre tão tímida em suas exigências, tão pouco consciente da força de seus direitos e do valor de sua influência?
Não queremos fazer política, e falamos apenas com referência ao campo espiritual. Isto posto, concordemos: é muito fácil, às vezes, dizer j’accuse20 para as falhas alheias, mas não teremos nós também a ocasião para recitar, ao mesmo tempo, o confiteor?
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“O Legionário”, nº 132, 12/11/1933, p. 1 e 3
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira21
Congregado Mariano, Deputado eleito à Assembléia Constituinte pela Chapa Única, Secretário da Junta Regional da Liga Eleitoral Católica em São Paulo, diretor deste jornal, Plinio Corrêa de Oliveira, por motivo de sua partida para o Rio a fim de tomar parte dos trabalhos da Assembléia, tem sido muito homenageado pelas Associações representativas dos católicos, de cujos princípios ele será defensor e paladino na Constituinte da Segunda República.
A todas as manifestações por ele recebidas, juntam os seus companheiros de trabalho orações e votos de felizes vitórias na defesa dos ideais cristãos em que se empenhará com todo seu ardor.
* * *
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira
Revestiu-se de grande brilho e cordialidade o jantar oferecido pala AUC (Ação Universitária Católica) no dia 10, ao Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, por motivo da extraordinária votação com que foi o homenageado eleito Deputado à Assembléia Constituinte, e ao mesmo tempo como despedida pelo seu próximo embarque para a Capital Federal.
O ágape realizou-se no Restaurante Elite.
Aderiram à manifestação as seguintes pessoas: [segue a enumeração das personalidades presentes, que, por ser longa, não transcrevemos].
Saudou o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, o aucista Francisco da Silva Prado, acadêmico de Direito, tendo o homenageado agradecido em poucas palavras, afirmando aos presentes que, na Assembléia Constituinte, será o que sempre tem se honrado de ser – um católico em ação.
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“O Legionário”, nº 132, 12/11/1933, p. 1
A Liga Eleitoral Católica
nas eleições de 3 de maio
Nas vésperas da reunião da Constituinte, que, no próximo dia 15, dar-se-á na Capital da República, é interessante verificar a posição da Liga Eleitoral Católica na bancada representante de 7.600.000 paulistas, escolhida pelo eleitorado inscrito num dos mais belos movimentos cívicos presenciados em nosso Estado, que conseguiu em poucos meses um eleitorado de 299.974 pessoas.
Apoiando a Chapa Única, lídima expressão do sentir de nossa gente, a LEC, por seu delegado na Comissão dos Cinco, Dr. Estevão de Souza Rezende, indicou como seus candidatos os Drs. Plinio Corrêa de Oliveira, Raphael de Sampaio Vidal, Alcântara Machado e M. Hypolito do Rego. Destes, o primeiro fazia parte apenas da Liga.
A candidatura do Dr. Plinio Corrêa de Oliveira foi-nos especialmente cara, pois era mais do que intérprete do sentimento católico de São Paulo, expressão do pensamento mariano da nossa mocidade. E esta acorreu pressurosa a prestigiá-lo, obtendo assim a maior votação individual em todo o País.
A votação obtida pelos candidatos apresentados pela LEC não representa mais que uma parcela do seu eleitorado, porém se eleva a 42.682 votos, superior aos obtidos pelo Partido Socialista e pelo Partido da Lavoura. Dos quatro candidatos da Chapa Única eleitos pelo quociente eleitoral, Drs. Plinio Corrêa de Oliveira, Alcântara Machado, Macedo Soares e Theotonio M. Barros F.º, que obtiveram respectivamente 24.017, 12.483, 12.257 e 11.816 votos, os dois primeiros são candidatos da Liga, e os outros dois são católicos, sendo o último secretário da Junta Regional da Liga em Rio Preto. Assim, receberam especial acolhida do eleitorado católico.
O comparecimento às urnas em 3 de maio foi de 257.952 eleitores, ou seja 86% do eleitorado, tendo os candidatos da Chapa Única obtido, em 1º turno, 165.860 votos, contra 38 e 40 mil votos obtidos respectivamente pelos Partidos da Lavoura e Socialista. Dos candidatos da Liga, o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira obteve votação suficiente para eleger 2 deputados pelo 1º turno, e todos os seus candidatos obtiveram 42.683 votos, tendo os restantes candidatos da Chapa Única, apresentados pela Associação Comercial, pela Federação dos Voluntários e pelos Partidos Republicano e Democrático obtido 123.177 votos. A Liga concorreu, pois, com a maior porcentagem de votação da Chapa única em 1º turno.
Notaremos também que o Dr. Moraes Andrade, como católico desassombrado que é, foi alvo da simpatia e interesse do eleitorado da Liga, que dentro da disciplina necessária, soube demonstrar suas preferências.
Pelos resultados obtidos vemos como a fundação da Liga Eleitoral veio corresponder a uma necessidade em nosso meio, e foi recebida com entusiasmo pelos católicos, conseguindo, poucos meses depois de iniciada sua campanha eleitoral, um sucesso que ultrapassou as mais otimistas expectativas, e que satisfaria qualquer agremiação partidária com longos anos de lutas eleitorais.
Estamos, pois iniciando ainda a nossa atuação nos meios eleitorais do País, e devemos contar, sobretudo, com o futuro, que o terreno firme que pisamos nos permite divisar colorido das mais risonhas esperanças, para respeito e obediência das justas reivindicações que, neste momento de despertar das forças vivas do País, a consciência católica de nossa terra impõe aos seus homens públicos.
José N. C. Lessa
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Discurso pronunciado, a 23/11/1933,
na rádio “Jornal da Constituinte”
[Missão da bancada paulista:
pleitear na Constituinte
nossas tradições católicas]
São Paulo pode e São Paulo deve encarar com tranqüilidade confiante a ação de sua bancada, na hora augusta que se aproxima, em que a Assembléia Constituinte, definitivamente resolvidas as questões regimentais, passará a elaborar a Constituição da II República.
Um sem-número de circunstâncias especiais contribui para dar aos trabalhos da atual Constituinte uma importância sem precedentes no Brasil.
[Situação intelectual caótica]
Em primeiro lugar, há a situação mundial, tristemente grandiosa, pela extensão dos cataclismos que presenciamos, e pelo vulto dos problemas que se rasgam como abismos, diante dos olhos do estadista moderno.
Tudo vacila, no terreno dos fatos como no das idéias.
Os próprios dogmas políticos e sociais, que até há pouco informavam todas as mentalidades, são hoje submetidos a exame impiedoso que, em inexoráveis sentenças, lhes aponta as falhas e defeitos.
Não há uma única doutrina que se possa inculcar como senhora universal dos espíritos. Tudo se afirma, tudo se nega e tudo se discute.
[A Constituinte deverá abrir novos rumos para o futuro]
Esta situação intelectual caótica vem dar à atual Constituinte uma característica nova, que suas antecessoras não tiveram.
Em 1824 como em 1891, as correntes de pensamento eram duas: havia os reformadores e os retrógrados. E presumia-se, com uma convicção absoluta, de que os últimos também participavam, que a marcha dos acontecimentos haveria de esmagar os reacionários sob as rodas impiedosas do carro de triunfo em que a humanidade caminhava para a conquista da civilização integral.
Como orientadora suprema da elaboração constitucional existia, pois, a crença em uma civilização a ser conquistada em breve prazo, de que a Constituição deveria ser precursora, e que se realizaria com a aplicação dos princípios de Rousseau, ou seus sucedâneos.
Em ↓22 [1933] é outro, muito outro, o panorama.
Desapareceram, em política como em sociologia, os dogmas rousseaunianos, que, de convicção quase geral, passaram a ser mera opinião de grupos ou de correntes.
Nenhuma convicção comum coordena a atividade das inteligências senão esta, de que a situação mundial, tendo criado problemas novos, exige rumos novos, e que às Assembléias Constituintes cabe, antes de tudo, a tremenda tarefa de preparar o futuro.
As Constituintes anteriores têm sido, principalmente, consolidadoras de orientações e situações vitoriosas. A nossa, pelo contrário, deverá abrir rumos e traçar diretrizes para o futuro. § A nossa não consolidará apenas, mas inovará.
E vem a propósito a segunda característica.
[Por São Paulo Unido]
Neste momento de divisão dos espíritos, São Paulo, que é um grande centro onde todas as correntes de pensamento têm uma expressão, São Paulo dá o espetáculo impressionante de uma bancada numerosa e homogênea, como a que se subordina ao lema Por São Paulo Unido.
Penso que São Paulo nunca compareceu a uma Constituinte tão completamente e tão minuciosamente representado como agora. Em 1891, por exemplo, o São Paulo monarquista, que constituía importante corrente, não se fez representar.
Em 1933, porém, no momento em que o povo paulista tinha reivindicações do mais alto alcance espiritual e nacional a fazer valer, todas as correntes ponderáveis e realmente paulistas se ligaram para, por meio de um programa comum, levar à Constituinte uma série de teses que representassem o pensamento de São Paulo.
A bancada paulista não é, pois, o porta-voz de um grupo que venceu as eleições graças a uma maioria ocasional, ou a paixões de momento. Ela figura São Paulo na plenitude de seus valores espirituais, intelectuais e econômicos.
A bancada paulista outra coisa não é, pois, senão a encarnação de todos os anseios de São Paulo, um pouco da alma e do coração bandeirante, a pleitear na Constituinte em favor do patrimônio espiritual inestimável de suas tradições católicas, da integridade de sua autonomia e da unidade e prosperidade do nosso caro, do nosso grande Brasil.
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“O Legionário”, nº 133, 26/11/1933, p. 1
Alerta!
É necessário que os católicos de São Paulo, como os de todo o Brasil, estejam alerta para repelir, com toda a energia, a tendência que se esboça de dotar o Brasil de uma Constituição votada de afogadilho, versando apenas sobre os pontos fundamentais de nossa organização política, e deixando de parte, como matéria de legislação ordinária, uma ou muitas de nossas reivindicações católicas.
Concebemos, certamente, que os fautores de desordens, os autores de todos os golpes desferidos contra o Brasil em nome de um espírito que não se definiu, tenham interesse em impor à Nação suas ideologias ambíguas, por um lance de astúcia ou de força.
Nós, porém, que tomamos parte na grande batalha eleitoral de maio, que fizemos nossa vitória, pacientemente conquistando eleitor por eleitor para os nossos ideais, nós temos o direito e o dever de colher neste momento o fruto de nosso trabalho.
O Brasil mostrou, nas últimas eleições, que é católico, e que católico quer se conservar.
[Corrente anticatólica quer relegar para a legislação ordinária o problema do divórcio]
A despeito disto, consta que o Sr. Carlos Maximiliano e o Sr. Levi Carneiro, encabeçando uma corrente anticatólica, têm empenho em relegar o problema do divórcio para o plano secundário da legislação civil ordinária, conseguindo, assim, que a Constituição silencie a esse respeito.
O ponto de vista tem, em São Paulo, um defensor no Dr. Sampaio Dória, mestre de Direito, cuja formação jurídica se processou no tempo em que a elaboração de uma Constituição não era senão uma questão de alfaiataria jurídica, em que se procurava alinhavar a Magna Carta de acordo com os últimos figurinos legislativos vindos de Nova York, Paris ou Londres.
Posta de parte, porém, a hostilidade religiosa, que é a causa mater23 desse movimento na Constituinte, nada encontramos que possa justificar essa opinião.
[O que é mais importante: a inviolabilidade da correspondência ou a do lar?]
Modernamente, as constituições tratam de todos os assuntos relevantes, pertençam eles, ou não, ao Direito Público.
Aliás, as fronteiras que separavam o Direito Constitucional do Direito Privado cada vez mais se apagam, sendo que alguns juristas eminentes já sustentam a fusão destes dois grandes ramos do Direito.
O espírito moderno não tolera mais o sacrifício das vantagens práticas ao espírito de esquematização científica.
Não se compreende mais, em nossos dias, que uma Constituição consagre todo um capítulo para garantia de direitos freqüentemente insignificantes, como o sigilo da correspondência, e deixe de lado o direito imensamente mais sério de um cidadão, de impedir que sua esposa o abandone para casar-se com terceiro.
O que é mais importante? A inviolabilidade da correspondência ou a do lar?
O que interessa mais: um dispositivo sobre alfândega ou o ensino religioso, que não leva aos bolsos o ouro das tarifas aduaneiras, mas comunica aos espíritos o ouro infinitamente mais valioso da verdade?
O bom senso repele pois este jurisdicismo outré24, que pelo sabor de uma divisão teórica do Direito – hoje apagada – quer sacrificar os direitos de nossas consciências religiosas.
Alerta, pois, católicos!
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“O Legionário”, nº 134, 10/12/1933, p. 1
Uma página de diário
À medida que vão passando os dias, os diversos tipos de deputados se vão definindo perfeitamente, e os hábitos, usos e costumes da nova Constituinte são consolidados pela prática.
A primeira impressão que me deu a Constituinte foi a de um enorme e suave aquário de água morna, banhado por uma luz brandamente pálida, em que evoluíam, com a discrição silenciosa com que só os peixes sabem evoluir, os tubarões ou as sardinhas da política nacional.
Só quem conhece o Palácio Tiradentes pode apreciar a justeza da comparação. Tudo nele é rico, discreto e acolchoado, desde a poltrona em que pontifica o Sr. Antônio Carlos25, até a cadeira de engraxate instalada na barbearia.
[Cortesia, nota característica da Constituinte]
Neste ambiente, que o Sr. Zoroastro de Gouveia chama provavelmente de plutocrático, circulam os representantes da nação brasileira, com uma gentileza recíproca sem igual.
Realmente, a cortesia é a nota característica de nossa Constituinte.
O fato tem sua explicação. A grande maioria dos constituintes é composta de calouros do parlamentarismo brasileiro.
A 15 de novembro, ninguém se conhecia. E, ainda hoje, o regime é das abordagens jeitosas e das sondagens disfarçadas.
Compreende-se facilmente que, neste estado de coisas, um sorriso mais insistente, um pequeno obséquio, ou mesmo um olhar esgueirado, abre perspectivas inteiramente novas no mapa político de qualquer deputado.
[Combinações pitorescas]
Já começam a se esboçar as primeiras combinações, e as negociações se desenvolvem freqüentemente no modo mais pitoresco.
Assim, por exemplo, o deputado X quer salvar a pátria, resolvendo o problema do ensino primário. Por seu [turno], o deputado Y, que professa o máximo descaso pela opinião do seu colega, tem por preocupação central a proteção à pecuária, coisa de que o X nunca cuidou.
Depois de alguns sorrisos e algumas sondagens, chega-se rapidamente a um acordo, em que a pecuária e a instrução pública lucram cada qual um novo defensor.
[Líderes da tribuna e líderes do cochicho]
Outro aspecto curioso é a diferenciação das atividades. Há os deputados de tribuna, e há os de corredor.
Os primeiros são os leaders dos grandes torneios oratórios. Sua ação é essencialmente explosiva e detonante. São a artilharia pesada. Ao lado destes, há os de corredor. São os leaders do cochicho e da confabulação. Afetam um desdém condescendente para com os grandes debates oratórios, de que não sabem participar.
O tipo intermediário mais característico é o do leader da maioria, Sr. Oswaldo Aranha.
Ora S. Ex.a conversa discretamente com algum colega, alheio ao discurso, mesmo quando está em causa na verrina do orador, ora intervém nas menores questões, aparteando com frases proferidas no tom em que Júpiter tonante desfechava seus raios.
Dado o aparte, volta-se para os circunstantes, a procurar com os olhos um contendor, para continuar mais baixo a discussão entabulada.
Retira-se depois do recinto, com a fisionomia satisfeita de si mesmo, distribuindo para a esquerda e para a direita sorrisos mágicos, que eletrizam e enchem de sol o semblante dos beneficiados.
Com o olhar admirado e solícito, certos deputados ainda o acompanham de longe, com a vista.
E, no seu porte dobradiço e na sua atitude reverente, há alguma coisa que diz aos profanos: Voilà le soleil26.
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“O Legionário”, nº 135, 24/12/1933, p. 1
As Emendas Católicas
Continuam a decorrer auspiciosamente os trabalhos da Liga Eleitoral Católica do Rio de Janeiro, para o efeito de coordenar os esforços dos elementos católicos na Constituinte.
[A privilegiada capacidade de ação de Tristão de Athayde]
A figura central nesse delicado trabalho é Tristão de Athayde.
Sua privilegiada capacidade de ação parece encontrar, em face das exigências de sua melindrosa missão, recursos inesgotáveis.§
São Francisco de Sales conta-nos uma antiga lenda de certo lago italiano, que jamais transbordava a despeito das mais violentas tempestades, porque os rochedos que o marginavam cresciam com as ondas levantadas pelo vento.
É assim também Tristão de Athayde, que cresce em atividade à medida que as dificuldades se avolumam, conseguindo, hoje em dia, acumular as múltiplas funções de diretor de uma importante sociedade de fiação, do homem de estudos constantemente a par das últimas novidades bibliográficas, de crítico e jornalista, de diretor da “Ordem”, de Presidente do Centro Dom Vital e, atualmente, de leader católico da Constituinte.
Se sua autoridade de leader provém de seu cargo na Junta Nacional, ela existiria, no entanto, da mesma forma, e com o mesmo ascendente, independentemente deste cargo, pelo prestígio que tem junto a todos os representantes católicos do povo brasileiro.
É junto a essa autoridade que se reúnem todos os representantes católicos, ↓27 firmemente dispostos a defender os direitos espirituais do povo brasileiro contra qualquer investida dos dois imperialismos que ameaçam o Brasil: o de Nova York e o de Moscou.
Aliás, ambos os imperialismos têm na Constituinte seus defensores tenazes, dos quais os mais ostensivos e inofensivos são os Srs. Guaracy da Silveira28 e Zoroastro de Gouveia.
Eleitos ambos graças ao molejo da boîte à surprise29 que o Governo deu ao Brasil sob forma de Código Eleitoral, encontram-se atualmente em grande atividade, para a defesa de suas respectivas crenças ou descrenças.
[Zoroastro de Gouveia serve a seus eleitores quitutes parlamentares ao sabor de 1789 ou 1917]
Nada temos a dizer quanto à atitude do Sr. Zoroastro de Gouveia. S. Ex.a parece absolutamente resolvido a constituir eleitorado em São Paulo, e procura, para isto, servir aos seus amigos e eleitores alguns quitutes parlamentares ao sabor de 1789 ou 1917.
Provoca então, intencionalmente, os grandes incidentes parlamentares, atirando aos seus adversários insultos grosseiros, dominando com sua voz possante e desalinhada os próprios tímpanos com que a Presidência da Constituinte procura manter a ordem.
Não há, para S. Ex.a, troca de apartes que não sirva de pretexto para tais touradas, em que procura ferir grosseiramente, ora através do Sr. Cardoso de Mello, ora através do Sr. Moraes Andrade, os deputados da Chapa Única.
E, com isto, procura constituir eleitorado… Ainda bem que, pelo sabor dos pratos, se pode imaginar o valor dos clientes, e pelo seu modo de propaganda se pode imaginar as virtudes do eleitorado que S. Ex.a espera conquistar.
No Sr. Zoroastro, nada disso nos espanta.
[Coligação monstruosa de um soi-disant “Ministro de Deus” com ateus socialistas]
O que nos causa, porém, profundo desprazer é a simpatia com que o Sr. Guaracy da Silveira, que se presume “Ministro de Deus”, se liga a todos os adversários de qualquer religião, para tentar com maiores probabilidades de êxito a demolição de nossas tradições religiosas.
Em todos os países em que o protestantismo ocupa situação privilegiada, a Igreja Católica se tem sempre recusado a apoiar os apóstolos do laicismo e da incredulidade, contra a seita dominante.
É bem frisante o caso do famoso Cardeal inglês que, solicitado a dar seu apoio a um projeto de desoficialização da igreja anglicana, negou-se terminantemente, declarando que preferia que na Inglaterra se formassem bons anglicanos, a que o laicismo escolar do Estado viesse produzir gerações inteiras de incréus e de céticos30.
O protestantismo, que só tem de invariável a mutabilidade essencial de suas doutrinas, sempre condicionadas às circunstâncias no tempo e no espaço, vem defender na América do Sul uma tese inteiramente oposta.
E como fruto desse absurdo genuinamente protestante, vemos a coligação monstruosa de um soi-disant31 sacerdote com ateus socialistas e demolidores de todos os matizes, para atacar o alvo comum de seus ódios: a Igreja.
É bom que o Brasil assista a esse espetáculo, instrutivo na tristeza dos aspectos que oferece. É bom que, mais uma vez, essa coligação impotente e inofensiva venha estraçalhar-se, na derrota final, aos pés da Igreja Católica. É bom que, mais uma vez, fique bem documentado, ad perpetuam rei memoriam32, que nem a coligação de todos os erros, nem a conspiração de todos os ódios, nem a urdidura de todos os sofismas conseguirá destruir a inabalável fidelidade do Brasil à verdadeira Igreja de Jesus Cristo.
Nada temamos do rancor impotente da minoria. Do fundo dos séculos, uma voz se faz ouvir a nossas almas de crentes, majestosa na serenidade de sua afirmação: … portae inferi non praevalebunt adversus eam33.
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Federação das Congregações Marianas, Anuário nº III, 1933
[Dedicatória]
Ao Dr. Plinio Corrêa de Oliveira
Congregado mariano e deputado à Constituinte
Por S. Paulo, a
Federação das Congregações Marianas
Empresta todo o seu apoio, como a expoente mariano
Da marianeidade da hora presente, por ter conseguido, nas últimas eleições, a maior soma de votos que houve no Brasil (24.079 votos) bastante para eleger dois deputados conforme o quociente eleitoral de São Paulo.
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1) (N. do E.) O presente artigo foi o primeiro escrito pelo Autor, enquanto diretor do “Legionário”. Até então, era este apenas o Órgão da Congregação Mariana da Paróquia de Santa Cecília. A partir do presente número deixa de usar esse título e, aos poucos, Dr. Plinio o transformará em semanário e órgão oficioso da arquidiocese paulistana.
2) (N. do E.) Cf. Lc 13, 6-9.
3) (N. do E.) O presente artigo não é de autoria de Dr. Plinio. Resolveu-se publicá-lo dada a sua grande importância em marcar a grande mudança que se vai operar.
4) (N. do E.) Sem a qual não, indispensável.
5) (N. do E.) Cf. “O Século”, 3/1/1932.
6) (N. do E.) É digno e justo (do Prefácio da Santa Missa).
7) (N. do E.) Agrada. Terceira pessoa do singular do indicativo presente do verbo placere (agradar).
Em muitos países onde a Igreja estava unida ao Estado, certas nomeações eclesiásticas – e por vezes até mesmo os documentos papais – precisavam de aprovação prévia (o placet) da autoridade civil para terem validade ou poderem ser publicados. Dessa forma o poder temporal tinha um meio de fazer contestação surda à autoridade da Santa Sé, engavetando tudo aquilo que não lhe agradasse.
8) (N. do E.) Cf. Mt 5, 13.
9) (N. do E.) Isto é, completo.
10) (N. do E.) Lucius Quinctius Cincinnatus (séc. V a.C.) – cônsul romano célebre por sua simplicidade e pela austeridade de seus costumes. Foi duas vezes ditador, mas quando os lictores lhe foram levar as insígnias da sua dignidade, encontraram-no na sua propriedade, além Tibre, cultivando pessoalmente os campos com uma charrua.
11) (N. do E.) Em ritos da Igreja Oriental (Católica) admite-se a ordenação sacerdotal de homens casados. No rito latino vigora o celibato eclesiástico.
12) (N. do E.) Sadio.
13) (N. do E.) “Até quando, enfim?” – Palavras com que Cícero inicia a primeira Catilinária.
14) (N. do E.) Cf. Jo 14, 6: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.
15) (N. do E.) James Monroe (1758-1831) – republicano duas vezes presidente dos Estados Unidos da América. Implementou uma série de princípios, mais tarde denominados Doutrina de Monroe (que se podem resumir na frase: “A América para os americanos”) destinados a impedir novas intervenções colonizadoras européias nas Américas. Doutrina essa que, na realidade, serviria de pretexto para a progressiva influência dos EUA no continente, ao mesmo tempo que declarava seu desinteresse pelos negócios europeus e se isolava da Europa.
16) (N. do E.) {tem mantido}.
17) (N. do E.) Assunto encerrado.
18) (N. do E.) Cf. Mt 16, 18: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela”.
19) (N. do E.) Despreocupação.
20) (N. do E.) Eu acuso! Título da carta aberta de Émile Zola ao Presidente da República da França, Dr. Faure, publicada em “L’Aurore” no dia 13/1/1898, atacando o Estado-Maior francês por ter condenado injustamente o Capitão Alfred Dreyfus à prisão perpétua, degradação militar e deportação para a Ilha do Diabo (na Guiana Francesa), sob a acusação de ter entregue à Alemanha documentos confidenciais referentes à defesa nacional.
Sendo Dreyfus de origem judia, o affaire provocou uma forte onda de anti-semitismo, dividindo a opinião pública francesa, e mundial, entre dreyfusards (esquerda progressista) e antidreyfusards (direita conservadora). Devido à sua prisão e deportação, o caso estendeu-se durante anos.
Por fim, em 1899, o então Presidente da República, Dr. Loubet, indultou o acusado e este foi libertado. A 12 de julho de 1906, a Corte de Cassação considerou sem efeito o julgamento, reabilitou o Capitão e reintegrou-o no Exército, tendo sido promovido e condecorado com a Legião de Honra.
21) (N. do E.) Entre o título e o corpo do artigo vem uma foto de tamanho razoável do Autor.
22) (N. do E.) {1932}.
23) (N. do E.) Causa mãe, isto é, a causa que dá origem a algo.
24) (N. do E.) Levado além da medida.
25) (N. do E.) Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870-1946) – deputado federal, ministro da Fazenda, senador e presidente do Estado de Minas gerais entre 1926-1930. Tomou parte na organização da Aliança Liberal e na Revolução de 1930. Foi presidente da Assembléia Nacional Constituinte de 1934.
26) (N. do E.) Eis o sol.
27) (N. do E.) {do povo brasileiro}.
28) (N. do E.) Guaracy da Silveira (1873-1953) – pastor metodista e escritor nascido em São Paulo. Foi deputado nas Constituintes de 1934 e 1946. O Autor teve algumas altercações com ele nos debates da Assembléia Nacional Constituinte de 1934.
29) (N. do E.) Caixa de surpresa.
30) (N. do E.) Cfr. “O Legionário”, nº 61, de 13/7/1930.
31) (N. do E.) Pretenso.
32) (N. do E.) Para perpétua lembrança do fato.
33) (N. do E.) “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18).
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