1935 – janeiro a julho
1935
“O Legionário”, nº 162, 6/1/1935, p. 1
Na montanha-russa
De um amigo vindo dos Estados Unidos, ouvi, certa vez, uma pormenorizada descrição de um passeio empreendido em uma terrificante montanha-russa de um Luna Park nova-iorquino qualquer. E seu coração de provinciano paulista perdido na grande City ainda pulsava apressadamente, com a simples narrativa dos perigos corridos na diabólica montanha-russa. Ora o carro se embrenhava por um túnel inquietante, cheio de ecos infernais, ora era vertiginosamente atirado para uma grande altura, de onde caía de cheio em abismos devoradores, graças a um alçapão sorrateiro que o passageiro só notava ao ser deglutido pelo vácuo.
Finalmente atingia-se um parque maravilhoso e, quando o viajante já se julgava chegado ao termo, o carro que o conduzia sofria um forte solavanco, caindo em novos precipícios e sendo arrastado para as novas torturas, em que se desdobrava o infindável suplício.
Prenúncios de um ano carregado de ameaças
A leitura das últimas notícias dos jornais me tem feito lembrar a descrição ingênua do meu amigo provinciano. Que significam estas greves que eternizam; estes conflitos gênero Bauru ou Itajubá que se multiplicam; estas conspirações que se derramam pelo país inteiro?
É tal o número de notícias alarmantes, tantas são as oportunidades que temos de discernir, através e apesar da incoerência dos boatos, realidades pouco promissoras, que, quando se fala em revolução, nos vem logo aos lábios a pergunta: qual delas? A do General Rabello, a do General Góes, a do General Leite de Castro? Falam-nos em futuras greves e logo indagamos se é a da Central, se é a do Lloyd, e assim por diante. E, na realidade, são tantas as revoluções anunciadas, tantas as greves prometidas, que não se sabe por que não será desferido o primeiro golpe, desde já ficamos a olhar com desconfiança para este 1935 que, nos seus primeiros dias já se mostra tão barulhento e tão carregado de ameaças.
Restabelecimento da ditadura?
Ainda será tranqüilizadora a situação, se só conspirassem… os conspiradores, mas parece que o próprio governo conspira para fazer contra-conspiração – é isto ao menos o que se pode depreender dos conciliábulos de Interventores, da misteriosa démarche a que está procedendo o Sr. Getúlio Vargas, e, principalmente, a insistência com que amigos declarados de S. Ex.cia, como os irmãos Chateaubriand, aconselham a dissolução da atual Câmara dos Deputados, o futuro conselho municipal do Rio e de outras “coisas miúdas”, que teriam por resultado concreto o imediato restabelecimento da Ditadura entre nós.
Para onde vamos, Senhor? Ainda perdurará para o Brasil a dolorosa obrigação de recomeçar a trilhar a montanha-russa de suas sucessivas esperanças e desilusões políticas quando a 16 de julho já parecíamos ter atingido o porto tranqüilo da legalidade!
Os católicos não foram ouvidos porque não souberam cumprir seu dever
Enquanto nas altas esferas da política, a incerteza das conspiratas e dos conciliábulos nos avizinha do abismo, nossa simples atitude de espectadores nos reduz à impotência.
Esta impotência provém do fato de não se preocupar ninguém em ouvir os católicos. E os maiores culpados por este exílio a que nos atiram somos nós mesmos, soldados rasos da Igreja, que não soubemos cumprir nosso dever.
Em um momento, em que se jogam os destinos da Nação em confabulações sucessivas e numerosas, os católicos são atirados à margem. Por quê? Porque os católicos são minoria? Porque os católicos nada têm a ver com isto? Não. Ninguém se recusaria a ouvi-los, se eles estivessem organizados e ninguém nega que eles sejam a grande maioria.
O mal vem de mais longe.
Por respeitáveis motivos, certamente inspirados nos superiores interesses da Igreja, a Liga Eleitoral Católica entendeu de dar liberdade a seus eleitores1 para votarem nas legendas peceista, perrepista e da Federação dos Voluntários.
Esta atitude, aconselhada pela extrema delicadeza de nossa situação, não proibia os católicos de fazerem uma seleção entre bons e maus elementos das três correntes.
Ela significava apenas que o católico podia sufragar três legendas, sem trair suas crenças.
Mas, para aqueles que desejam um pouco mais do que a modestíssima honra de não serem incluídos entre os traidores, outras questões deveriam inevitavelmente surgir. Das três chapas autorizadas, qual a melhor? Havia maus elementos a serem cancelados em uma ou outra chapa?
Em outros termos: para um católico que fosse inteiramente de Nosso Senhor, a grande questão em matéria eleitoral, era esta: como votar de modo a acautelar o mais possível os interesses da Igreja? E nunca esta outra: dentro de que medida posso satisfazer minha paixão política sem trair a Igreja?
Os protestantes elegeram quase todos os anticatólicos
E no entanto, o que foi que vimos? O frenesi da paixão partidária invadir a seara católica, e a amizade pessoal pelos chefes políticos reivindicar para si direitos eleitorais sobre o voto católico, que deveria ser, nas mãos dos nossos, uma arma ao exclusivo serviço da Igreja.
Qual o resultado deste olvido de nossos deveres? Mostraremos claramente a dura realidade, que é esta: uma legenda protestante organizou-se e obteve a vitória de quase todos os candidatos anticatólicos, em um Estado essencialmente católico como o nosso dotado de um dos mais pujantes eleitorados católicos do País.
Reagir com a veemência de um tufão e não desanimar
Convirá desanimar?
Nunca.
Seria esta a última das defecções e o pior dos recuos.
Abandonar a Igreja porque Ela não foi devidamente defendida por seus filhos, seria absolutamente igual a abandonar Nosso Senhor no Calvário, porque todos O haviam abandonado.
É preciso reagir, e reagir com a veemência de um tufão. A palavra de ordem no momento é esta: não desanimar.
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“O Legionário”, nº 162, 6/1/1935, p. 1
Sobre a greve
Está agitado o ambiente nacional, em primeira plana, o movimento grevista dos empregados dos Correios e Telégrafos, que são funcionários públicos, e, portanto, parte da engrenagem mesma do Estado. Depois, outras greves, seqüestros, empastelamento de jornais, atentados, conflitos políticos, repulsas à autoridade, conspirações, boatos!… Há uma nítida sensação de insegurança, que é mais reforçada ainda, pela fraqueza da autoridade governamental, preocupada em não desgostar a certos elementos, quase afastada do estudo dos problemas nacionais, entregue à decifração de complicadas charadas políticas.
Comodidade de quem não deseja “consertar a casa”
Muito fácil e cômodo é atirar a culpa aos outros. Assim faz o Brasil. Acusam-se os agitadores comunistas, acusam-se as oposições, os descontentes; e sobre esses elementos, muitas vezes meramente oportunistas descem, nem sempre entretanto, as cóleras do alto. Este, porém, não vai ao fundo da questão e não sabe senão consertar de um modo imperfeito, as inúmeras fendas e desmoronamentos que apresenta o edifício de nossa organização social. Todo ele ameaça ruína, mas o senhor da casa não quer construir um outro; parece que prefere aguardar o desabamento daquele para depois, talvez, aproveitar ainda os tijolos!
Paralelamente à inatividade governamental, observam-se elementos de valor intelectual e moral que se desviam do verdadeiro caminho da reedificação do Brasil, para se entregarem a lutas mesquinhas em campos acanhados. Nelas não ganham nenhum brilho para seus brasões, nenhuma glória para seus nomes; antes, perdem a independência que possuem, em troca da agregação a um pequeno grupo puramente humano e de fins simplesmente humanos.
Falta de justiça, a razão da ruína do edifício social
Se os agitadores conseguem movimentar as massas, é que há algo cujo funcionamento não é perfeito. Elas não reagiriam favoravelmente, se a justiça reinasse. É justamente porque não há justiça que o edifício social ameaça ruína, sacudido de todos lados por aqueles de seus componentes que se sentem oprimidos e esmagados, e que querem e reclamam o que de direito lhes pertence. Eles são atendidos pelo governo, com paliativos, e são ignorados, pelos que, fora do governo, ainda lêem a cartilha do liberalismo. Aquele é imprudente, estes talvez se admirem um dia, ao verem explodir a revolução cujos pródromos não sentiram.
Parece que no Brasil ainda não é supérfluo repetir que a organização social deve e precisa ser refundida totalmente. Inútil executar trabalhos simplesmente ocasionais, momentâneos, que depois se desgastam e desaparecem, consumindo energias e abalando confianças. E procurando a verdadeira justiça social, só à luz do Catolicismo ela pode ser encontrada. É ele a única reserva espiritual inesgotável e perfeita a que se possa recorrer, para a renovação dos valores morais que toda a reconstrução exige. Não é nos princípios muito limitados do simples nacionalismo, nem nos extensos, mas revolucionários do internacionalismo socialista. Sob qualquer destes que se erguesse o novo edifício social, suas bases seriam tão frágeis, ou talvez mais ainda, que as do erguido sobre a tríade liberal da Revolução Francesa.
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“O Legionário”, nº 163, 20/1/1935, p. 1
Progressos
Não basta assinalarmos aos nossos leitores os perigos de que se acha ameaçado o Brasil católico, nesta dura quadra que vivemos. Também convém retemperar suas esperanças e seu ardor, com a constatação das vitórias que gradualmente se vão alcançando entre nós.
Pujança do movimento religioso expressa em números
Deixemos falar os números. É do Anuário da Cúria Metropolitana, que os tiramos. Referem-se todos à Arquidiocese de São Paulo (isto é, ao arcebispado constituído atualmente pela Cidade de São Paulo, Itu, Jundiaí e outras menores, e não à Província Eclesiástica de São Paulo, que abrange todo o Estado).
1912
População católica 925.715
Batizados 26.449
Comunhões 1.433.596
Associações católicas para leigos 204
Número de membros inscritos nessas associações 66.997
1933
População católica 1.290.870
Batizados 36.882
Comunhões 3.895.965
Associações católicas para leigos 722
Número de membros inscritos nessas Associações 135.456
Por este pequeno quadro podemos constatar a incomparável pujança de nosso movimento religioso.
Para se dar aos algarismos acima todo o seu valor, é necessário considerar que, em 1912, a Arquidiocese abrangia, além de seu território atual, as Dioceses de Sorocaba, Santos, Bragança, Cafelândia, Assis, Jaboticabal e Rio Preto.
Imenso superávit da balança espiritual
Mas o que mais conforta, é que não se pode absolutamente dizer que o atual movimento de renascimento católico tem suas raízes particularmente numa camada social. Efetivamente, entre as Paróquias que, em 1933, mais se distinguiram pelo número de comunhões – índice mais seguro da solidez do desenvolvimento religioso – notam-se Aparecida, Bela Vista, Consolação, Higienópolis, Itu, Mogi, Pari, Perdizes, Pirapora, Santana, Santa Cecília, Ipiranga, alfabeticamente enumeradas, e todas com muito mais de cem mil Comunhões por ano, sendo que só Santa Cecília atingiu o belo total de 560.224.
Ora, a população do Pari, por exemplo, pertence de modo geral a uma esfera social inteiramente diversa de Higienópolis, o mesmo se dando quanto a Consolação e Santana, ou Santa Cecília e Ipiranga. Paróquias todas em que, a julgar pelo número de Comunhões, é florescentíssimo o movimento espiritual, a despeito da grande diversidade de cultura, de nível social, de meios de vida, das respectivas populações.
Aliás, para medir a intensidade do esforço católico, nas nossas diversas Paróquias, não se deve tomar o número de Comunhões como índice exclusivo. Por um lado, há lugares em que se constituíram Paróquias novas, centros de vida religiosa mais recente, em que não é possível atingir desde logo a pujança alcançada por outras Paróquias mais antigas. Por outro lado há, às vezes, Paróquias [em] que apenas há pouco tempo começou – a despeito de antigas – uma ação mais desenvolvida, graças às maiores possibilidades de ação do Clero, cujas fileiras se vão engrossando, e à coadjuvação de Ordens ou Congregações religiosas que se vão tornando cada vez mais numerosas e que constituem um incomparável fator de progresso espiritual em qualquer Paróquia.
É inútil, pois, que a rajada inclemente de greves e de boatos encha de sombra os horizontes políticos do País. É inócuo o déficit que se nota em nossas finanças.
Se os déficits quase irremediáveis abundam em nossos orçamentos, desde os do mais humilde município até os da União, a balança espiritual acusa um imenso superávit, que constitui a mais sólida garantia da prosperidade da Nação.
Nossos progressos espirituais quase não se fizeram sentir, ainda, na esfera administrativa, exclusivamente entregue a gerações formadas longe de Deus.
Mas a onda vai subindo. Ela já invadiu a esfera legislativa. Dia virá em que, tendo galgado todas as camadas sociais, penetrará em todas as esferas da administração pública ou das empresas particulares.
Nesse dia, o Brasil será grande: terá raiado para ele um novo 7 de Setembro.
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“O Legionário”, nº 163, 20/1/1935, p. 1
Cultura Católica
Inicia-se muito bem o ano cultural católico, nesta capital: no CEAS (Centro de Estudos e Ação Social), organização feminina da Ação Católica, está se realizando um curso de formação social e moral, professado pelos melhores elementos de nosso meio pensante; para os moços, o Mons. Dr. Henrique Magalhães, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, fará na próxima semana três conferências na Igreja de Santa Cecília, a convite da Congregação Mariana dessa Paróquia. Grande entusiasmo, portanto, pela cultura católica, entre a nossa mocidade de ambos os sexos, movimento inédito no Brasil para a procura de uma base de real valor moral onde se assente solidamente o verdadeiro espírito novo, reedificador de nossa sociedade e de nossa Pátria.
Só a concepção cristã da vida possibilitará o renascer do mundo
Revela a necessidade que sente a mocidade brasileira, de uma doutrina e de uma diretriz puramente espirituais que a elevem, afastando-a do terra-a-terra de todos os dias, da aridez da concepção materialista da vida. E é interessante notar-se que, enquanto os moços se afastam dessa concepção, aspirando a horizontes mais externos e mais altos, mestres há que a ela se entregam totalmente, anunciando-a e propagando-a como a única esperança do Brasil. Veja-se o discurso de Fernando de Azevedo, ao encerrar os cursos do Instituto de Educação, da Universidade de São Paulo, a 4 do corrente, encarecendo que a Universidade deve manter-se “distante de todos os preconceitos e de todas as superstições”, (sic), e mais uma vez estabelecendo a confusão entre o Naturalismo e a Ciência, ao endeusar esta última, como a única que pode dar ao homem “o sentido da solidariedade moral”, como a única que pode estabelecer os mais puros sentimentos sociais.
Os que assim pensam, porém, passarão, como hão de passar as doutrinas simplesmente humanas a que se filiam. E nesta “civilização em mudança”, a que o mesmo Fernando de Azevedo se refere, só os verdadeiros valores serão capazes de resistir à “rápida sucessão de situações novas”, à “profunda revisão de valores sociais”, à “ebulição intelectual, feita de todos os fermentos filosóficos, literários e científicos”. Esses valores só se encontram no Catolicismo Romano. É por isso que este sobrenada ao naufrágio de todas as doutrinas e que, farol sempre iluminado, acolhe todos os náufragos que não se entregam ao desespero, e procuram a salvação. Só a concepção cristã da vida possibilitará o renascer do mundo; e, na verdade, para ela se dirigem todos os que sinceramente desejam que a justiça e a paz reinem no universo.
O bem-estar da humanidade se acha na vida espiritual intensa
Verificando, pois, que não é na Ciência, como a concebe o Naturalismo, mas na moralidade, na vida espiritual intensa, que se há de encontrar o bem-estar da humanidade, a nossa juventude procura as fontes de onde brotam as palavras de vida eterna. Daí a volta ao Catolicismo, nas organizações da mocidade católica; daí o florescer da intelectualidade cristã alimentada em S. Tomás e nos clássicos do Cristianismo, daí o novo misticismo católico no renascer da liturgia tradicional. De tudo isso é também um fruto o curso do CEAS e a série de conferências de Mons. Dr. Henrique Magalhães. É a mocidade que afirma o seu Catolicismo e que se prepara para o projetar no seio da sociedade, escudada em seu valor e fiel ao seu ideal.
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“O Jornal”, 25/1/1935
Erro imperdoável2
Plinio Corrêa de Oliveira
(Copyright dos “Diários Associados”)
Foi apresentado à Câmara dos Deputados um projeto de lei que propõe o reatamento de nossas relações diplomáticas com a Rússia Soviética. É mais uma tentativa que se faz, no sentido de uma aproximação soviético-brasileira. Esperamos que o bom senso de nossa gente nos livre, ainda desta vez, de um erro diplomático que, sobre ser de problemática vantagem comercial, acarretará certamente, para o Brasil, funestíssimos prejuízos de ordem interna.
Medida inoportuna, enquanto Moscou crava suas garras no Brasil
É flagrante a inoportunidade da medida proposta. Ainda está quente o sangue vertido no largo da Sé em São Paulo, em Bauru, em Itajubá, por defensores da ordem golpeados no cumprimento do dever, por agitadores comunistas. Não é um distúrbio isolado, mas são três conflitos gravíssimos, que vêm manifestar a intensidade de uma propaganda que já mostra suas garras até no interior do país, em plena roça de São Paulo e de Minas. E não é só nestes três lugares que a propaganda soviética estende seus tentáculos. Informações que nos vêm de toda a parte provam que é de norte a sul que se trabalha e se conspira contra a ordem social, procurando aproveitar as dificuldades financeiras do momento presente, como pretexto para greves e agitações em que se percebe facilmente a ação do levedo de Moscou. É ainda recentíssimo o caso dos Correios, em que funcionários indisciplinados, alegando motivos parcialmente justos, tiveram a inconcebível audácia de se pôr em greve contra o próprio Estado, rugindo em todos os tons sua indignação, a despeito da intervenção tímida e conciliatória das autoridades.
O que há de perigoso e de prejudicial em tais perturbações, exatamente no momento em que o Brasil procura normalizar sua vida constitucional, refazendo-se dos abalos de 4 anos de regime discricionário, qualquer pessoa de bom senso mediano poderá dizê-lo.
Hora de se manifestarem os defensores de nossas tradições e de nossa terra
Estamos em situação econômica precária. Os erros acumulados de há muito estão fazendo explodir agora suas conseqüências funestas e numerosas. Ainda há dias, vimo-nos forçados – sabe Deus com que prejuízo para nosso renome – a suspender em parte, os pagamentos de nossa dívida externa. Nossa situação financeira é das mais melindrosas. Nossa situação política está longe de ser tranqüilizadora. Como qualquer doente, o Brasil precisa, para se restabelecer, de um ambiente calmo em que se possam desenvolver livremente as atividades produtoras do nosso corpo social. A propaganda extremista que se infiltra entre nós, favorecida por uma Constituição exageradamente liberal, constitui, sob este aspecto, um perigo particularmente digno de medidas acautelatórias.
E é precisamente agora que se cogita de reatar as relações comerciais… com a potência que, por intermédio de agentes largamente remunerados, vem soprar entre nós o vento mortal da discórdia de classes!
Não acreditamos, porém, que a Câmara dos Deputados aprove o projeto. Depois de ter construído o edifício constitucional, irá nosso Legislativo, com suas próprias mãos, abrir as portas aos semeadores da dinamite que desejam fazê-lo saltar? Seria a maior das incoerências. Há, na Câmara atual, uma grande corrente de defensores de nossas tradições e de nossa terra, que se oporia irredutivelmente à aprovação do projeto. Entre os próprios auxiliares do Sr. Getúlio Vargas, são numerosos os defensores decididos de nossa ordem social, e há mesmo alguns que são católicos declarados. O momento exige que todos estes elementos se ponham a campo. Não é crível que tanta gente que manifesta boas intenções se deixe seduzir pela miragem da venda de alguns quilos de café ou de açúcar à Rússia!
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“O Legionário”, nº 164, 3/2/1935 p. 1
A Lei de Repressão ao Extremismo
Nada é mais difícil e ingrato do que falar a linguagem da serenidade, quando sobe o termômetro das paixões políticas e baixa o do bom senso geral.
Não é, pois, sem um vivo receio de ser mal compreendido, que “O Legionário” aborda o espinhoso assunto da lei de repressão ao extremismo; seu dever, porém, é de orientar a opinião de seus leitores. Ei-lo, portanto, a postos para dizer sua palavra, sem a menor preocupação de agradar à esquerda ou à direita, movido pelo intuito único de, segundo a fórmula espanhola, dizer “a verdade, toda a verdade e só a verdade”.
Necessária proporção entre a pena e a gravidade do crime
Em nota de fundo publicada nos primeiros dias de dezembro passado3, já apontamos aos nossos leitores o que há de injusto em punir com penalidades iguais os agitadores de duas doutrinas que visam finalidades inteiramente diversas.
É óbvio que, se é crime atentar por meios violentos contra a organização política e social, tanto mais grave será o crime, quanto mais funda a modificação planejada pelos delinqüentes.
Transportemos este princípio para um outro terreno e ele aparecerá em toda a sua clareza meridiana. É crime danificar qualquer monumento público, no entanto, a lei não pode aplicar penalidades iguais ao anarquista que tente fazer saltar, por meio de dinamite, o monumento do Ipiranga e ao que procurasse simplesmente quebrar a espada de bronze empunhada por Pedro I. Qualquer destes atos constituiria um atentado. No entanto, claro está que a gravidade de pena deveria ser proporcional à importância do dano causado.
Mais uma vez, portanto, reafirmamos nosso ponto de vista: não se pode, em sã justiça, aplaudir a equiparação que a “lei de repressão”, tenta estabelecer, entre comunistas e integralistas.
O aspecto excelente da lei
Feita esta ressalva preliminar, pergunta-se: é boa a lei?
Respondemos: sob certos aspectos, é excelente; sob outros é inofensiva.
É excelente, em todos os dispositivos em que procura acautelar o Estado contra tentativas violentas de perturbação da ordem. Parece-nos, mesmo, que neste terreno, poderia ter sido maior sua energia, e que ao Estado assiste mais do que o direito, o imperioso dever de jugular e reprimir com mão de ferro qualquer tentativa revolucionária.
É preciso ter os olhos inteiramente fechados às exigências de nossa situação, para nutrir qualquer forma de complacência para com os incorrigíveis fabricantes de bernardas4 – venham eles de que lado vierem, fardados ou não, liberais ou não – que procuram lançar o Brasil em uma nova aventura revolucionária.
O Estado não pode, sob pena de ser suicida, deixar de punir as infrações materiais à ordem pública. Neste terreno, achamos magnífica a lei de repressão, e lhe damos nossa melhor solidariedade.
O lado fraco
Há, porém, um lado fraco. É que a lei procura conservar-se, na maioria de seus dispositivos, rigorosamente dentro dos limites de ação tolerados pelo liberalismo. Ora, dentro destes limites, difícil será opor diques eficientes a certas ideologias que não têm o direito de vingar.
Neste sentido, absolutamente, não nos podemos associar ao conformismo da “exposição de motivos” da lei, que declara que o povo pode, legitimamente, dentro da Constituição alterar toda a nossa organização política e até social por meios pacíficos.
Não se deve a ação do Estado limitar a prevenir os conflitos armados. A concepção católica é irredutivelmente contrária à velha doutrina do État-Gendarme, do Estado inspetor de quarteirão, que se limita a manter a ordem material. Há certos valores, certos princípios, certos direitos que são superiores a qualquer poder humano – seja ele a soberania do povo, como de um monarca ou de um führer qualquer – contra os quais não se devem permitir os assaltos da demagogia liberal ou do despotismo pagão do nazismo, muito embora sejam eles levados a efeito sem perturbação da ordem material. Neste sentido, portanto, o Estado pode e deve punir a simples propaganda comunista, venha ela por que meios vier, ainda que aparentemente pacífica, e não se pode limitar a cruzar os braços diante da onda que cresce.
Reafirmando sua inteira dedicação à causa da Igreja
Uma última palavra nos resta a dizer.
Procuraremos ser objetivos e imparciais.
Será em vão, portanto, que se procurará discernir alguma simpatia pelo integralismo como por qualquer outra doutrina, nas linhas que aqui ficam.
“O Legionário” é órgão católico. Suas simpatias vão todas para a Igreja de Deus, e, mariano que é, não há lugar em seu coração para outra causa, que não a do Catolicismo, que encarna todos os mais profundos e substanciais interesses do País.
Também a mão que traçou estas linhas pode escrever, ex abundantia cordis, que não é integralista. Mais uma vez, cabe ao autor destas linhas reafirmar sua inteira dedicação à causa da Igreja. Note-se bem, porém, que “inteira” não admite limites, não tolera restrições, não sofre co-participações.
Católico, e exclusivamente católico, procura examinar os acontecimentos, não à luz esfumada de preconceitos ou paixões pessoais, mas à claridade meridiana da doutrina da Igreja.
E dificilmente, parece, se poderá objetar, sob este ponto de vista, algo ao que aqui ficou dito.
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“O Legionário”, nº 164, 3/2/1935, p. 1
Médicos e comunismo
Fez muito bem a polícia proibindo a reunião do Sindicato Médico de São Paulo. Organização reconhecidamente comunista, formada por intelectuais do marxismo, reúne em seu seio os numerosos médicos que se filiam ao sovietismo. Como elementos orientadores que são, e portanto perigosíssimos, devem ter seus meios de ação convenientemente cerceados, de modo a se limitar suas possibilidades de propaganda. É uma medida necessária a quem queira defender a existência normal do homem, condicionada pela triple afirmação da Religião, da Pátria e da Família.
Dura prova para os alunos de Medicina
Para quem conhece o meio médico nacional, essa providência se impunha imediata e necessariamente.
Sujeitos a uma formação materialista nas Escolas de Medicina, só caracteres de rija têmpera são capazes de resistir sem desfalecimentos ao ateísmo, ao amoralismo e ao indiferentismo que nelas dominam. Quando em uma aula de Biologia se afirma que “devemos considerar a vida como um acidente de ordem magnético ou da radioatividade”; e que “seria tão pueril imaginar o universo feito para ela como para a realização do magnetismo”, entendendo-se a vida como se “fosse um subproduto do Universo”, sendo a Biologia “a ciência que se preocupa com tal subprojeto”; quando em diversas cadeiras se ridiculariza a religião e na obstetrícia se criticam as doutrinas católicas sobre a vida da criança, nada há que admirar, se os médicos perdem a visão moral da vida.
Adesão ao comunismo pela liberdade moral que ele concede
Afirmou um clínico desta Capital que seus colegas se fazem comunistas por razões de piedade, condoídos com a sorte dos miseráveis a quem socorrem. Não tem fundamento essa hipótese, em primeiro lugar, porque não é no comunismo que se devem buscar exemplos de caridade, baseado como é no ódio de classes; em segundo, porque domina entre os médicos comunistas, materialistas que são, a idéia de superioridade absoluta de determinados homens e o desprezo mais completo pela vida e pelo estado dos miseráveis, inferiores psíquica e fisicamente e, portanto, destinados a desaparecer, os pobres são assim perfeitamente comparáveis a animais de experiência, nos quais se tem direito a tudo fazer. A verdadeira causa da adesão dos médicos e de outros elementos das classes cultas, ao comunismo, se encontra na liberdade moral que este concede; não se encontram entre eles ascetas da virtude, mas homens a quem a civilização cristã não permite o máximo de depravação, e que procuram então, o regime ideal em que ela se possa estabelecer.
É dever do governo preservar nossas tradições de espiritualismo cristão
Por isso mesmo, fez bem a polícia em proibir a reunião do Sindicato Médico. Embora seja uma medida que apenas constitui um paliativo, deve ser usada rigorosamente, pois o mal já existe e o governo tem como dever evitar que ele se propague. Mais profundamente, porém, deve agir o governo, evitando que novas gerações se envenenem nas Escolas Superiores. Está, essencialmente, em seus deveres preservar a moralidade e as nossas tradições de espiritualismo cristão; o projeto da Lei de Segurança Nacional o reafirma quando estabelece penas de 3 a 6 anos de prisão aos pervertedores da juventude. É o que exprime o parágrafo 4º do artigo 3º no Capítulo II, quando inclui entre os crimes contra a ordem social, “pregar por qualquer meio, doutrinas contrárias à constituição da família, ou que pervertam os jovens ou os costumes”. Não há uma verdade moral, e uma verdade científica ou social, distintas entre si. Há uma só verdade, e ela deve ser ensinada porque é verdade. Não é lícito, portanto, que se tolerem professores que a deturpam em benefício de [idéias] erradas. Para que a Universidade seja verdadeiramente a luz que ilumine as inteligências, torna-se preciso que seu ensino seja um só, sempre pautado pela linha moral mais severa. Essa linha não existe fora do Catolicismo. Só ele poderá preservar a mocidade do erro, dando-lhe a conhecer a verdade, e oferecendo-lhe a solução racional de todos os problemas humanos.
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“O Legionário”, nº 165, 17/2/1935, p. 1
Alegria por decreto
Treze dias nos separam ainda do carnaval, e já se nota por toda a parte uma extraordinária preocupação em torno dos festejos organizados pela Prefeitura Municipal.
Festejos incompatíveis com a índole paulista
Parece-nos, no entanto, além de censurável, inútil o esforço empreendido pelo Sr. Fábio Prado, no sentido de reanimar uma velha tradição que, felizmente, está em franca decadência.
A realidade é que o carnaval é essencialmente incompatível com a índole paulista, cujo natural sério, laborioso, discreto, não pode tolerar a alegria desabrida e irreal dos festejos carnavalescos. E a prova mais patente desta afirmação está na decadência do carnaval brasileiro por excelência, que é o do corso da Av. Paulista, que vai gradualmente sendo eclipsado pelo carnaval muito mais cosmopolita da Av. Rangel Pestana.
De um modo geral, já se pode afirmar que o carnaval é muito mais um divertimento dos estrangeiros residentes em São Paulo, do que propriamente dos paulistas, que assistem de longe ou apenas participam timidamente das farândolas carnavalescas.
Se, de alguns anos para cá, o carnaval se desnacionalizou por não ser mais feito senão em pequena escala por nacionais, muito mais antiga é sua desnacionalização quanto ao modo por que costuma ser levado a efeito.
A autoridade procura reviver um costume pagão e moderno
Efetivamente, se alguém assistir a um baile oficial, dos que exigem smoking ou até casaca e comportam uma exibição de fantasias muito mais feitas para deslumbrar do que para fazer rir, poder-se-ia lembrar, por acaso, das brincadeiras inocentes do entrudo, em que tanto se compraziam nossos avós?
Onde foi parar o velho carnaval paulista, todo feito para fazer rir (com expedientes aliás quase selvagens, como os baldes de água, os trança-pés, as laranjinhas, etc.)? Cedeu seu lugar a um carnaval à moda de Nice, exclusivamente sensual, em que a alegria dos espíritos não é mais uma inocente hilaridade, como a de nossos avós, mas a festa dos sentidos postos em estado de superexcitação.
O velho carnaval, portanto, morreu. E isto a que o Sr. Fábio Prado, a golpes de decretos e a custo de infusões de dinheiro, quer dar nova vida não é outra coisa senão um costume pagão e moderno, que as autoridades se deveriam empenhar em eliminar.
Cumplicidade contra os interesses do povo
Uma ação das autoridades, em benefício do carnaval, é duplamente absurda, pois que o é nos seus fins e nos seus meios.
A ação governamental se desenvolve em todos os 365 dias do ano, num sentido invariavelmente orientado para a proteção à pequena economia, por meio de Caixas Econômicas; de proteção à saúde pública, por meio de custosos serviços federais, estaduais e municipais organizados para este efeito; de combate à criminalidade por meio de proteção a todas as instituições pias ou educativas em geral.
Nos três dias de carnaval, porém, eis que as autoridades se acumpliciam com seus inimigos do ano inteiro, contra os interesses gerais da população!
Se fôssemos contar o número de pequenas economias domésticas que se desequilibram definitivamente por ocasião do carnaval, poderíamos ver até que ponto os festejos de Momo são uma bomba aspirante que suga os tostões das classes pobres, conduzindo-os para os bolsos intumescidos dos exploradores do carnaval.
Se fôssemos fazer a conta das moléstias de que os desmandos carnavalescos são, direta ou indiretamente, origem, veríamos que o número de suas vitórias é, talvez, maior do que o número de pessoas curadas em muito estabelecimento de caridade erguido com grande sacrifício público.
Se fôssemos tomar em conta o acréscimo de criminalidade de todos os gêneros, de que o carnaval é agente, veríamos que rouba à virtude muito mais ovelhas, do que a polícia consegue, por ação preventiva, roubar ao crime.
E, no entanto, numa inexplicável incoerência, eis as autoridades a darem mão forte ao carnaval.
Onde, porém, mais berrante se torna o absurdo desta tentativa de rejuvenescimento do carnaval, é no seu próprio artificialismo.
O que pode haver de sincero e espontâneo nesta alegria estabelecida por decreto municipal, reclamada pelos afixos das ruas e fomentada por um colossal derrame dos dinheiros públicos?
Felicidade artificial e insincera
Não seria absurdo que a prefeitura pretendesse decretar que, durante 3 dias no ano, todos os cidadãos devem ficar em casa e chorar? Qual a causa para tal tristeza? O pranto não é coisa que se encomende. Ri ou chora cada qual, segundo lhe correm as vicissitudes da vida particular. Assim argumentaria, por certo, o mais irredutível amigo do carnaval.
Se reconhecemos que seria absurda esta tristeza por decreto, por que não reconhecer também que é artificial esta alegria promulgada por uma portaria da Prefeitura? Por que não reconhecer a insinceridade desta alegria que estoura por toda a parte, muito mais como um rito artificial e satânico de revolta contra as dificuldades da vida de cada dia, do que uma expressão sincera da alegria sincera e despreocupada, que há muito tempo desapareceu do coração dos homens e que, certamente, os folguedos do carnaval não podem proporcionar?
Fazendo rir o povo paulista num momento tão carregado como este em que vive o mundo atualmente, não ocorre aos promotores do carnaval a ópera de Puccini?
Falamos sem o menor partidarismo, e nem por sombra temos a intenção de responsabilizar ou não nossas autoridades, pelas dificuldades do atual momento. Mas, exatamente quando a missão Souza Costa5, tangida pelas necessidades, vai arrastar a soberania brasileira aos pés dos magnatas americanos ou europeus, é oportuno coroar nesta terra humilhada pela desgraça, uma estátua do Rei Momo? Se esta estátua pudesse falar, que nos diria ela, senão o triste: “ridi pagliaccio”6.
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“O Legionário”, nº 165, 17/2/1935, p. 1
Igreja, Autoridade e Liberdade
Uma das acusações atiradas à Igreja é a de ser favorável ao absolutismo, à tirania do Estado, e portanto inimiga da liberdade. E em nome desta, prega-se o seu aniquilamento e a destruição, para que os homens sejam livres, no mundo livre. Não vamos passar em revista os fatos de vinte séculos que provam o contrário daquilo que dizem os acusadores. Libertando primeiro os Romanos, formando depois os novos povos resultantes das invasões, dando ao mundo a maravilhosa estrutura social que dominou na Idade Média, ensinando a todos o verdadeiro caminho para não serem esmagados pelos erros do mundo moderno ela cumpriu e ela cumpre brilhantemente o seu papel glorioso da vanguardeira da liberdade. É esse ensino secular da Igreja Católica, que procuramos expor nesta nota e nesta ocasião em que ele se faz tão necessário.
Limites impostos ao Estado pela lei natural
O Estado não possui uma soberania ilimitada. Embora seja o órgão encarregado de realizar o fim último da Nação e de velar pelos seus interesses, apresenta nestas suas funções, limites impostos pela lei natural e pelos diversos elementos que o compõem. Aquela, anterior ao próprio Estado, deve ser obedecida rigorosamente, pois, como dizia Gredt, citado por Tristão de Athayde, “nem mesmo Deus pode dispensar da lei natural senão mudando a matéria”. A segunda limitação é dada pelos componentes da sociedade civil, formada por grupos os mais variados, como a família, as organizações econômicas, políticas, etc. Embora o Estado possa intervir junto a todas elas, para que orientem suas atividades no sentido do bem comum, não pode substituir-se a elas, nem negar-lhes os direitos naturais que possuem. Esses, portanto, os dois limites à soberania irrestrita do Estado.
Estabelecidas as restrições à atividade do Estado, cumpre verificar a quais estão sujeitos os seus súditos. E ainda acompanhando Tristão de Athayde, encontramos três: o bem, a lei natural e a lei eterna. O primeiro representado por tudo o que espiritual e materialmente o homem necessita para realizar a sua atividade e cumprir o seu destino pessoal. A segunda, submetendo a si a personalidade humana, como submete a atividade do Estado e a de qualquer grupo social. A terceira, consubstanciada na lei dada por Deus ao homem e que de modo algum se opõe à lei natural e ao bem comum, pois é a própria fonte de ambos.
Tudo o que ultrapassar na ação do governo os limites que referimos dando origem, portanto, a uma interferência sua em assuntos que não são de sua alçada, constitui o despotismo do Estado. Este abandona suas funções naturais de coordenador das vontades da Nação na procura do interesse geral, entra em conflito com elas e torna-se opressor. Semelhantemente, há um despotismo das massas, quando estas pretendem concessões ou privilégios que vão ferir o bem comum, ou que se opõem ou excedem à lei natural e a lei eterna. Tal é em síntese a doutrina da Igreja, no que diz respeito aos conceitos de autoridade do Estado e de liberdade dos governados.
Acordo completo e respeito mútuo entre governantes e governados
Diz ela de um modo muito claro, quais as funções e quais os deveres de cada um. Dando ao Estado a força necessária para o governo, não o torna entretanto, por assim dizer, a única entidade existente na Nação. Com efeito, os elementos que a compõem, gozando de toda a independência, cooperam livremente com aquele, na realização da finalidade última dos indivíduos, dos grupos e da Pátria. Há assim um acordo completo e um respeito mútuo: compreendendo perfeitamente a grandeza de sua responsabilidade perante o Criador da lei natural, que eles não podem revogar, governantes e governados, a ela submissos, sabem também até onde chegam seus direitos e também seus deveres. Nessa doutrina deve o Brasil abeberar-se principalmente no momento presente, em que se procura delimitar o que se entende por liberdades públicas. Do exagero destas, mas também do autoritarismo governamental temos colhido frutos dolorosos. Não tem havido entre nós, nestes últimos decênios, o equilíbrio de justiça e de caridade que a Igreja em sua sabedoria eterna, prega diariamente aos homens. Que eles não procurem agora acentuar ainda mais esse desequilíbrio deixando-se arrastar por doutrinas, que, soprem de um ou de outro pólo, consagram quase só a tirania do poder. Um olhar à filosofia cristã, os colocará no caminho único da verdadeira harmonia.
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“Diário de São Paulo”, 2/3/1935
A Lei de Segurança apreciada
por um Leader Católico na
Câmara dos Deputados
A lei é excessivamente liberal –
O projeto será sensivelmente melhorado com uma redação prudente – Declarações do deputado
Plinio Corrêa de Oliveira ao “Diário de São Paulo”
O “Diário de São Paulo”, para colher as impressões sobre o significado da lei de segurança em face do regime liberal, dentro do qual foi elaborado o projeto, esteve ontem nos escritórios do Deputado Plinio Corrêa de Oliveira, representante e intérprete da grande corrente católica do Estado. O leader católico na Câmara dos Deputados, que ontem chegou do Rio, fez à nossa reportagem as seguintes declarações:
“Como católico não posso deixar de aplaudir calorosamente a intenção expressa na Lei de Segurança de reprimir com implacável severidade a propaganda comunista. Não me inquieta o receio de ver eventualmente relegadas ao segundo plano nossas tradições liberais, pois que o problema a esse respeito tem sido mal formulado. Não se trata de saber se a lei de repressão é compatível ou não com um liberalismo ao qual não voto, aliás, nenhuma predileção. Trata-se na realidade de indagar se a lei é necessária e, na hipótese afirmativa, não vejo como negar simpatia à lei de repressão, que outra coisa não é senão a lei da defesa do Brasil a cuja conservação devemos sacrificar os preconceitos de um liberalismo exagerado.”
A lei é excessivamente liberal
“Se alguma restrição me cabe fazer ao projeto, procede ela tão-somente do fato de ser excessivamente liberal, fugindo de visar o comunismo com energia ainda maior. Nesse sentido não compreendo como se possa reprimir com iguais penalidades, por exemplo, um motim integralista e um comunista. O primeiro atingiria apenas certo terreno da organização político-social, deixando intactas a família e a propriedade. A um motim deste apenas se deveria aplicar a penalidade correspondente à infração material da ordem. Os móveis dos autores do motim nada teriam de condenáveis.
“O mesmo não se dá com relação à propaganda comunista, condenável nos seus móveis ainda que processada sem infração imediata da ordem pública. Vê-se que a lei, neste ponto, é defeituosa e é precisamente esta a restrição que lhe faço.
“Quanto a outros pontos de detalhes, acredito que a lei ainda será sensivelmente melhorada com uma redação prudente, que confine rigorosamente a sua influência ao verdadeiro intuito dos que a redigiram: reprimir o comunismo sem corroer as garantias individuais asseguradas pela Constituição.”
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“O Legionário”, nº 166, 3/3/1935, p. 1
Prece que salva
Enquanto a imprensa diária consagra longas colunas ao noticiário dos festejos carnavalescos, com grande abundância de detalhes sobre os mais insignificantes bailes de várzea, que se desenrolarão neste São Paulo oficialmente enlouquecido por três dias, todas as referências ao retiro promovido pela Federação Mariana são cuidadosamente relegadas para pequenas notícias nas “secções religiosas”.
Serpentinas da desilusão
Porquê? Dos dois fatos, nos tristes dias que vivemos, qual o mais digno de atenção e de louvor? Que uma população oficialmente estimulada para isto, se entregue aos prazeres fáceis do carnaval, ou que uma numerosa mocidade, vencendo a resistência do ambiente, renuncie a todos estes prazeres, tão atraentes quando se é jovem, para se entregar voluntariamente à austeridade de um retiro espiritual?
Para poder julgar, transporte-se o leitor, em espírito, ao pedestal da estátua de Momo, erguida na Praça Antônio Prado. Daí, examine durante alguns minutos, um por um, os automóveis que passam.
A primeira a passar é uma mãe de família que já passou os cinqüenta anos e que procura comprimir a exuberância de sua carne em uma fantasia de pierrot7! Sua pele fanada, atapetada por um pó de arroz barato, ostenta uma palidez artificial, muito diversa do colorido apopléctico e suarento tão conhecido de seus familiares. Seu olhar amortecido procura encontrar em uma falsa vivacidade os relâmpagos, já há muito extintos, de seus remotos vinte anos. No delírio do corso, perdeu a noção de tudo e chegou a supor-se bela. Atira serpentinas com grande profusão, para as calçadas. O pobre populacho recebe com satisfação a serpentina.
Ela confunde este prazer que causa e os sorrisos que provoca, com uma suposta admiração. Tudo lhe corre bem, até que um moleque desabusado a chama à realidade, exclamando bem alto: “Olhe a gorducha!” E um punhado de confete sujo, apanhado na sarjeta, lhe acompanha a exclamação. A agredida, enquanto se limpa, responde com um olhar iracundo e desiludido. Segue o corso.
Risos que disfarçam os prantos de amanhã
Outros carros passam. É uma Cleópatra, nascida no Piques, que economizou seus ordenados de um ano, para comprar na Casa Sloper um diadema de latão e alguma pedraria feita pela fábrica de garrafas “Santa Maria”. Agitando freneticamente seu cetro de papelão, faz acenos desabridos para a direita e para esquerda, e, com seu movimento desordenado, a coroa quase lhe cai da cabeça. Mas a iluminação feérica do Sr. Prefeito8 é inclemente. É em vão, que procuramos o famoso nariz que seduziu Antônio e mudou a geografia política da Ásia. O nariz, como o cabelo, traem inegáveis afinidades com o Senegal: não pegam.
Outro carro ainda. Desta vez, é uma família realmente virtuosa que passa. Por isto mesmo, não tem queda para o carnaval. Dez filhos superlotam o pobre automóvel familiar. Como são todos bons, não têm ares carnavalescos. Nada mais sem graça do que aquela mãe de família que, com um desajeitado xale de cigana passado pela cabeça, e com as bochechas exageradamente rubras, distribui gravemente sanduíches à prole, controlando a fome de Joãozinho, forçando a dispéptica Eugeninha a se alimentar e segurando com uma das mãos o pé do caçula de 4 anos que, sentado no toldo, só veio ao corso por não ter com quem ficar em casa. Eles não percebem que são uma aberração neste ambiente. Que seu lugar seria no lar. Que não foram feitos para a folia. Que, por isto, são ridículos e sem graça. E que é exatamente por isto, que o povo vê passar com indiferença aquele colossal stock de mascarados.
Enfim, um a outro, os carros se sucedem. Em todos eles, a vaidade acende chamas nos olhos. Todos se julgam belos ou interessantes. Triunfa por isto mesmo o mau gosto.
Alguns usam máscaras de pano ou papelão. Mas a grande maioria usa a máscara de carne do seu próprio rosto. Todas estas máscaras riem. E não poderiam deixar de rir, uma vez que é preciso rir no carnaval.
Atrás destas máscaras, porém, algumas almas choram, muitas bocejam entediadas, outras se contraem ansiosas e outras mantêm a impassibilidade das irremediáveis desilusões. Poucas riem de verdade. E, quando riem, não sabem os prantos que estão acumulando para amanhã…
No seu pedestal, o Rei Momo ri sempre; poucos porém, percebem porque ri. Ele, porém, o sabe. Ele ri da cegueira humana.
“Senhor, perdoai o Brasil de hoje!”
Passemos subitamente, para o Liceu Coração de Jesus. Centenas de moços. No silêncio da noite, terminam-se as últimas orações:
“Perdoai, Senhor, os pecados do mundo. Aceitai o sacrifício que Vos oferecemos na manhã de nossa vida. É o sacrifício dos divertimentos que poderíamos fazer sem Vos ofender, mas de que não nos aproveitamos para resgatar os pecados dos que Vos ofendem. É o sacrifício, também, dos divertimentos que Vos ofenderiam e que, por isto mesmo, nós queremos afastar para muito longe. Aceitai, ó Pai de misericórdia, a reparação que depositamos sobre vosso altar. Muitos riem, outros choram, quase todos, rindo ou chorando, pecam porque sofrem ou se divertem longe de Vós. Quando suportamos no silêncio o riso dos que não compreenderam nossa piedade, perdoai Senhor, as gargalhadas dos que Vos insultam no deboche e na imoralidade.
“Quando choramos com lágrimas amargas nossos pecados, aliviai, Senhor, as dores dos que sofrem longe de Vós.
“Quando ouvirmos as palavras do sacerdote que nos prega o retiro, fazei, Senhor, que seus ecos penetrem, sobre forma de íntimas inspirações até o âmago de tantos corações que não Vos querem ouvir.
“Quando, enfim, descansarmos no sono das consciências tranqüilas, dai um pouco de nossa paz àquelas almas que se agitam longe de Vós, procurando no pecado uma felicidade que só em Vós se pode encontrar.
“Perdoai, Senhor, perdoai nossa Pátria. Para vo-lo pedir, não Vos trazemos nós corpos gastos pela vida, ou almas maculadas pelo pecado.
“É a manhã de nossa vida, que oferecemos, é o nosso sacrificium vespertinum.
“Senhor! É o Brasil de amanhã que Vos fala. Perdoai o Brasil de hoje!”
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“O Legionário”, nº 166, 3/3/1935, p. 1
Ainda o carnaval
É muito interessante a situação de um governo que oficializa determinada festa ou cerimônia. Se ele toma essa medida é porque a festa, que passa assim a categoria de nacional, estadual, municipal, etc., é suficientemente digna e elevada moralmente, para poder merecer a atenção governamental; é porque ela contribui eficientemente, para o bem-estar, não só material, como principalmente espiritual do povo, para sua educação, para o seu aperfeiçoamento. Assim deve ser entendida, por qualquer pessoa de mediano senso comum, uma medida desse teor, tomada pelo governo de qualquer país, província ou municipalidade.
Enganos da Prefeitura
Deixemos a tese e passemos ao fato. A Prefeitura desta Capital oficializou no ano corrente, e parece que pretende fazer nos seguintes, os festejos do carnaval. Deve tê-lo feito, portanto, na convicção de que essa festa é um modelo de dignidade, de honra, de sublimidade moral! Enganou-se, porém. E a prova deste engano, não partiu de nenhum reacionário de quatro costados, ou de algum misantropo, avesso a toda a alegria do próximo. Partiu do próprio governo de que faz parte o senhor Prefeito Municipal.
Em primeiro lugar a voz da magistratura, “impoluta, incorrupta, honesta, serena magistratura”, no dizer mil vezes repetido dos homens que estão no poder; e nós endossamos plenamente essas palavras. O Dr. Eduardo de Oliveira Cruz, Juiz de Menores, baixou uma portaria, estabelecendo normas e proibições diversas, para os menores até 21 anos, os quais devem assim, limitar-se à assistência de determinadas festas carnavalescas, sendo-lhes interditas as demais, mesmo quando oficializadas!… É, portanto, o responsável pelo bom ambiente moral e material dos jovens, dividindo as festas de carnaval em dois grupos, um dos quais não pode ser assistido pelos menores de 21 anos, que assim se exporiam a graves prejuízos em sua formação moral e física. E note-se que essas festas são apoiadas pela Prefeitura Municipal!…
Nem para menores, nem para adultos
Mas, a elas podem comparecer sem receio os adultos, dirá a Prefeitura, que concordando com o Juizado de Menores, reconhecerá, que há na verdade, cenas carnavalescas cuja prática não fica bem aos olhos de uma criança ou de um moço. A isso corrigiríamos nós, dizendo que, aquilo que uma criança ou um moço não podem ver, também não é digno de ser visto por um adulto. Mas, isso não vem ao caso. Vamos anotar apenas, mais um pequenino engano da Prefeitura. E é a Superintendência de Ordem Política e Social que lho vem recordar, limitando a liberdade dos foliões, aos quais não será permitido o porte de armas. E afirma que “tornará efetiva a fiscalização junto às casas onde se realizarem festejos carnavalescos”. Esse aviso da referida Superintendência, vem mostrar que as ocasiões de atritos e as possibilidades de crime são numerosas em todos os lugares onde se pratica o carnaval. Não há, portanto, paz, não há portanto segurança, seja moral, seja física. E, a Prefeitura que se equivocara completamente, só lhe restava depois disto, contribuir ativamente para a felicidade da população, trabalhando pela extinção da festa tão perigosa, que não pode ser assistida, nem por menores, nem por adultos!…
A resposta da verdadeira mocidade
Assim não fez, porém. Preferiu continuar no caminho errado, dando mão forte aos vendedores do vício, aos desmandos da imoralidade. E num retrospecto vivo, apresentam-se à imaginação as civilizações que desapareceram na dissolução dos costumes e na materialização do homem. E o mane, thecel, phares9 do festim de Balthazar, aparece sempre vivo, inapagável das paredes dos festins modernos, onde é a lembrança da eternidade imutável. Mas, ao mesmo tempo, uma finíssima flor da espiritualidade cristã, vem dar a resposta da verdadeira mocidade, da verdadeira virilidade: é o Retiro Espiritual. São os moços, os homens que exaltam o espírito e esmagam a carne; eles vão reunir-se aos pés de Jesus, vão meditar a eternidade, vão assentar solidamente sua vida interior no silêncio e na solidão; eis o que vão fazer os Retirantes do carnaval que hoje começa.
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“O Legionário”, nº 166, 3/3/1935, p. 1
D. José Gaspar de Affonseca,
eleito Bispo de Barca e Auxiliar do
Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano
Desde quinta-feira à noite, São Paulo sabe que S. Ex.cia Rev.ma o Sr. Arcebispo Metropolitano tem um bispo auxiliar. E foi com alegria que os católicos paulistas se inteiraram de que a escolha da Santa Sé recaiu no jovem e prestigioso sacerdote que vem ocupando a reitoria do Seminário Central do Ipiranga.
Intelectualidade, simpatia e simplicidade cativantes
É, o novo bispo, uma das figuras mais salientes de nosso clero. Profundamente culto, orador consumado cuja modéstia poucas vezes tem permitido ser apreciado, S. Ex.cia reúne, aos seus aprimorados dotes intelectuais, uma fidalguia e uma distinção de maneiras dignas das reconhecidas nobreza e cavalheirismo de trato que distinguem o nosso venerado Antístite.
A par, porém, de intelectualidade tão robusta e de fineza de trato S. Ex.cia Reverendíssima é possuidor de tal lhaneza, cordura, simpatia e simplicidade que cativam inteiramente ao primeiro contato de sua personalidade moça.
S. Ex.cia tem sido alvo, nestes dias, desde que foi conhecida sua eleição, de grandes manifestações, partidas de todas as camadas sociais, com que foi acolhida a acertada determinação da Santa Sé.
Também entre os moços católicos de São Paulo reina a mesma alegria, e “O Legionário”, seu porta-voz, testemunha-a a S. Ex.cia.
A mocidade católica paulista lembra-se com carinho daquele sacerdote, moço também, que cheio de simplicidade e simpatia a servia nas refeições dos Retiros do carnaval, na Freguesia do Ó, e, repleta de satisfação, o vê, agora, guindado ao segundo lugar na hierarquia da Arquidiocese.
“O Legionário” foi ao Ipiranga felicitar o novo ornamento do nosso Episcopado e obteve de S. Ex.cia Reverendíssima, para seus leitores, o autógrafo, que junto publicamos e que, melhor do que estas linhas rabiscadas à pressa, dizem do espírito verdadeiramente apostólico do Sacerdote, eleito Bispo-Auxiliar de São Paulo:
“Uma só coisa peço a Deus: que me faça viver somente para Ele e para a Igreja e me conceda a graça de prestar ao Sr. Arcebispo os serviços que lhe devo como filho.
“+ José”
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“Diário de São Paulo”, 8/3/1935, p. 3
Um grande passo10
Plinio Corrêa de Oliveira
(Copyright dos “Diários Associados”)
“Se o apóstolo S. Paulo vivesse em nossos dias, seria certamente jornalista!” A frase é de Louis Veuillot, o infatigável paladino do jornalismo católico na França.
Acaba de confirmá-lo o Santo Padre Pio XI, convocando solenemente, na Cidade do Vaticano, um Congresso Mundial da Imprensa Católica, que está se preparando com grande antecedência e que será inaugurado com a presença do Chefe da Cristandade e do Sacro Colégio.
Espiritualidade profunda unida a uma organização eficiente
É uma das características da atuação de Pio XI a simultaneidade de esforços com que ele procura, a um tempo, dar à ação católica uma base espiritual cada vez mais profunda, e dotá-la dos elementos mais modernos de organização eficiente e aguerrida.
Para o espírito do século, há uma oposição irremediável entre contemplação e ação, entre oração e polêmica, entre vida espiritual e apostolado.
E, aos seus olhos, se a Igreja não alcança maiores triunfos e não conquista maior influência, deve-o exatamente ao seu apego à piedade, de que se deveria despir, para poder desenvolver uma ação mais à século XX.
No entanto, já estamos na 3ª década deste século orgulhoso. Tudo aquilo que ele conseguiu construir com seu espírito organizador, com seu dinamismo, com sua eletricidade, se vai lentamente deixando minar ou inutilizar por aqueles mesmos germens de desordem e de anarquismo que ele soube tão bem vencer no terreno da mecânica, da economia, da indústria, mas que disseminou largamente nas regiões superiores do espírito de onde emana o governo da vida dos povos.
Procedeu de modo diverso a Igreja Católica. Consistiu sempre seu esforço – e já lá vão 2 mil anos de constantes vitórias de sua tática – em subordinar o espírito às verdades que o devem orientar. E depois, somente depois, como preocupação acessória ela trata de disciplinar a sua atividade apostólica e construtora, ajustando-a às múltiplas exigências dos mil e um ambientes que tem enfrentado em sua longa História.
E é precisamente por isto que, quando tudo desaba em torno, mais seguros do que nunca se afirmam os prenúncios da grande vitória que ele há de obter sobre o espírito de revolução, desencadeado por Lutero, conduzido ao termo de sua evolução por Marx.
A Igreja alcança resultados que a civilização pagã nunca obteve
Parece-nos ver o sorriso néscio com que muito adversário da Igreja contemplava ainda há pouco os esforços desenvolvidos pela Santa Sé, na realização dos Congressos Eucarísticos mundiais, pensando de si para si: “Como? Enquanto o mundo pede o pão que mata a fome do corpo, ainda vem a Igreja entretê-lo sobre o Pão que só sacia o espírito? Ainda ousa ela falar em espírito, quando a matéria exacerbada pela fome, ulula no bas-fond de nossa civilização e põe em cheque a estabilidade das mais sólidas instituições? Que mais admirar nesta singular aberração: o espírito de contradição que anima o Vaticano ou a cegueira com que ele caminha para a morte?”
A resposta, os fatos se estão encarregando de dá-la.
Em torno do renascimento eucarístico, que é o resultado da ordem implantada no espírito pela sua comunhão com o Criador, uma admirável florescência de obras de ação católica se vem constituindo.
Este fato mostra que a ordem que, cada vez mais, reina nos arraiais católicos, só vai agora espontaneamente [se] estendendo à ação. Preliminarmente, orienta-a mais diretamente para a sua finalidade. Mune-a em seguida de maior eficiência. Coordena finalmente os esforços especializados, de sorte a encaminhá-los para um resultado supremo, fruto de uma atividade harmônica e inteligente.
A Igreja chega, assim, por via diferente da do nosso século, a resultados que a civilização pagã nunca conseguiu. É que uma edificou sobre o espírito, que é rocha. A outra construiu sobre a matéria, que é areia. Chegado o momento em que se desencadearam as tempestades, o que era frágil caiu e o que era firme continuou de pé. É este o sentindo profundo das atividades díspares e por vezes desconcertantes de Pio XI.
Pio XI, modelo de espírito arrojado, sem desprezar as tradições
O Papa da Eucaristia e dos retiros espirituais é precisamente quem manda generalizar a todos os velhos serviços do Vaticano o uso da eletricidade, quem inaugura o uso oficial de automóveis no seu Estado, quem monta uma estação de rádio no Vaticano, quem se gloria de ser o protetor de Marconi11 e de Edison12.
Por outro lado, é exatamente o Papa da Ação Católica, o Papa que tanto se preocupa em organizar os leigos em um verdadeiro exército de associações às quais incumbem funções especializadas e modernizadas; é exatamente este Papa, o apaixonado pelas antiguidades do Vaticano, o pesquisador e restaurador diligentíssimo de manuscritos imemoriais, o defensor acérrimo do cerimonial da Corte Pontifícia, que alguns espíritos profanos gostariam de ver democratizado.
E ainda agora, vemo-lo organizar com grande antecedência e notável luxo de cuidados um Congresso Mundial da Imprensa Católica, a ser inaugurado no Vaticano, com sua presença e de todo o Sacro Colégio.
Mirem-se neste exemplo supremo, os católicos brasileiros. Exatamente o que lhes falta, em casos demasiadamente freqüentes, é a compreensão do espírito do Papa, que é o espírito da Igreja. Quantos, entre nós, não lhe assimilaram ainda nem o apego às tradições, nem a modernidade de ação, mantendo-se sempre rotineiros no agir e demolidores no lidar com as coisas do passado?
Necessidade de uma grande imprensa católica no Brasil
É o que, por exemplo, se dá com a imprensa católica. Como explicar que o Brasil não tenha ao menos duas dúzias de grandes jornais católicos, a funcionar regularmente em todas as suas cidades mais importantes? Mera rotina.
E que o católico, e de modo particular o católico rico, não compreende ainda a necessidade de atualizar os métodos de ação da Igreja? Trata-se de fundar um hospital que cure corpos, ei-lo pronto a abrir sua bolsa. Trata-se de uma obra de ação católica? Ei-lo reservado ou indiferente. E, no entanto, a ação católica, se não cura os corpos destinados cedo ou tarde à corrupção, cura almas imortais, feitas para glorificar a Deus! Contra esta rotina, é o próprio Papa quem abre fogo, agora.
Os melhores resultados, portanto, são de se esperar, do Congresso Mundial de Imprensa Católica.
Num gesto de profunda compreensão da hora presente, quis Sua Santidade impulsionar pessoalmente, com suas mãos augustas, a causa da imprensa católica.
É este um grande passo para a vitória do jornalismo católico.
Que a população brasileira, sempre tão dócil às diretrizes da Santa Sé, perceba claramente o alto significado do gesto pontifício. Na solução do problema da imprensa católica está uma das condições essenciais para o êxito da ação católica no Brasil.
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“O Legionário”, nº 167, 17/3/1935, pp. 1 e 4
A Questão Militar
Como católicos temos o direito de dizer, a respeito das classes armadas, o bem e o mal que quisermos.
É uma liberdade que se permite aos velhos amigos. E ninguém mais do que a Igreja, pode intitular-se uma velha amiga de todas as forças militares do mundo civilizado.
Realmente, em uma época em que o sentido da hierarquia e da disciplina se evapora, em que o idealismo desaparece, em que soçobra o amor a uma vida austera e metódica, ficam em extraordinária evidência as reais afinidades que ligam o espírito religioso e o espírito militar.
A Igreja e o Exército, duas escolas de defensores da Pátria
O que exige o espírito militar?
Em primeiro lugar, o patriotismo. Ou as classes armadas constituem uma corporação dedicada à pátria, até o sacrifício completo dos seus mais legítimos interesses privados, ou ela se desviará inevitavelmente da nobreza de suas funções, para constituir um bando, mais ou menos numeroso, de vis condottieri. Ora, o que exige o catolicismo, não só dos militares, mas de todos os fiéis? Precisamente o mesmo amor à pátria, que é o eixo do espírito militar.
Em segundo lugar, não se compreende exército sem disciplina. Ora, neste capítulo, qual é o ensinamento da Igreja? Que o homem se submeta àqueles que, legitimamente, o governarão, quer no âmbito da família, quer no do trabalho do Estado, ou no da Igreja, porque a origem divina da autoridade transforma qualquer ato de indisciplina familiar, política ou religiosa, num atentado contra a autoridade do próprio Deus.
Em terceiro lugar, a austeridade da vida. O militar debochado é uma aberração. Fisicamente e moralmente, o militar precisa ser austero, precisa ser continente, para ser realmente válido. Quem leva às manobras e aos exercícios militares um corpo depauperado pela orgia, minado pela moléstia, prostrado pela fadiga das longas noitadas, rouba à Pátria, subtraindo para fins ilícitos o que de mais precioso existe no manancial de sua energia física. Sobrevenha uma guerra e os derrotistas, os pessimistas, os desanimados, que são a peste de uma tropa em combate, serão inevitavelmente aqueles mesmos que [levarão] ↓13 ao campo de batalha, em holocausto à Pátria, corpos contaminados pelo germen mortal do vício. Mais do que fisicamente, porém, moralmente se exige a austeridade. Que resistência para as privações, que energia contra os contratempos, que sobranceria no infortúnio pode ter um militar que habituou sua vontade a capitular sistematicamente diante das injunções de uma imaginação insaciável, e cujo coração é um vaso de lascívia, onde sufocam todos os sentimentos nobres e todas as grandes aspirações? Poderá, neste charco, florescer o edelweiss14 do heroísmo?
Ora, o que exige o catolicismo? Que todos, militares ou não, sejam austeros, sejam castos, sejam continentes segundo o estado de vida que abraçaram.
Com toda razão, pois, se pode dizer que, em tempo de paz, as duas maiores escolas de defensores da Pátria, para os tempos de guerra, são precisamente a Igreja e o Exército. Uma, fazendo, de cada homem prestante, um germen, um soldado ideal, pela austeridade de sua vida, pela rija têmpera de sua vontade, pela sua grave compreensão da disciplina e por seu nobre idealismo. E o outro, fazendo, deste patriota morigerado, austero e obediente, um militar competente e atilado.
Velhos amigos e velhos aliados
Não são, pois, Igreja e Exército velhos amigos, e, mais do que isto, velhos aliados?
Respondem afirmativamente, não só grandes teólogos de todos os tempos e generais de mais consumado valor, mas também os inimigos comuns que o Clero e os militares têm entre todos os agitadores e todos os petroleiros15 de nosso século.
Ideais comuns e inimigos comuns, eis aí um cimento bastante resistente para consolidar as amizades, mesmo quando novas. Quanto mais, se essas amizades datam, não de ontem nem de anteontem, mas de séculos de uma tradição ininterrupta de sincera cordialidade!
Por esta razão, quando um católico fala a um militar – entre nós já os militares católicos são a regra geral, em lugar dos militares positivistas de há alguns anos – fá-lo com a liberdade, a franqueza, a amistosa sem-cerimônia de um irmão.
Atitude censurável de certos militares
Apressamo-nos, pois, em declarar com uma rude sinceridade: desgosta-nos profundamente a atitude que a classe militar vem assumindo. A classe militar, propriamente, não. Mas um grupo de militares que, representado numericamente apenas a minoria, e agindo somente em número reduzido de regiões, espalha por todo o Brasil a peste contagiosa do mau exemplo e da indisciplina.
E temos conosco, como verdade indiscutível, que todo o bom militar nos dará razão.
No dia em que a espada se arvorar em juiz de última instância para resolver as questões debatidas nos parlamentos, neste dia, poderemos fazer os funerais do Exército e do Brasil.
Do Exército, porque neste dia estaria ele morto. Não cremos, absolutamente, que nosso exército pactuaria com uma tal ordem de coisas. Ele morreria, porque estaria morta sua alma, isto é, sua tradição, que é a tradição gloriosa e disciplinadora de Caxias. Ele morreria, porque ele conservaria, apenas, da existência os sinais externos. Mas ele seria um corpo sem alma, um navio sem leme, a navegar ao sabor do capricho das correntezas do espírito revolucionário.
Do Brasil, porque no dia em que os generais, os capitães ou os tenentes – não importa sua patente – se atirassem contra o poder civil para destruí-lo, estaria implicitamente reconhecido aos sargentos, as anspeçadas16 ou soldados rasos o direito de se atirarem contra as autoridades superiores do próprio Exército. E, neste dia, a bandeira vermelha estaria içada no Brasil.
A tremenda lógica das revoluções
É a lógica impiedosa dos fatos. Conta um livro sobre a revolução paulista de 1924 que, ao ser preso pelos revolucionários chefiados por João Francisco, perguntou-lhes o Comandante Quirino: “Então, violam a disciplina?” Ao que o Cel. João Francisco, imperturbável, redargüiu: “Pois o Exército já não destronou o Imperador?”
É tremenda a lógica das revoluções. Eis aí um caso patente. Um ato de rebelião, praticado em 1889, a servir de justificativa para uma revolução em [1924] ↓17, revolução esta que já continha, in ovo, a de 1930 e, talvez, a de 1932!
Quer isto dizer que “O Legionário” toma partido pelo poder civil? Sim.
Quer isto dizer que “O Legionário” toma partido pela política seguida, no Brasil, de há muito, pelo elemento civil, em relação ao Exército e à Armada? Positivamente, não.
É o que explicaremos em nosso próximo número18.
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“O Legionário”, nº 167, 17/3/1935, p. 1
Reunidos por um mesmo ideal
O que foi a manifestação feita por este jornal aos congregados retirantes, do Interior –
“O Legionário é o baluarte do pensamento mariano
do Estado de São Paulo”
A convide do “Legionário”, visitaram sua redação e a sede da Congregação Mariana de Santa Cecília, no dia 6 do corrente, logo após o encerramento do Retiro, vários representantes das Congregações do Interior do Estado.
Foi um encontro de cordialidade que esta folha promoveu, a fim de que mais e mais se estreitem os laços que unem a todos os batalhadores da causa católica.
Depois de demorada visita a todas as dependências do prédio da Rua Imaculada Conceição, foi oferecido um refresco aos rapazes do Interior, saudando-os, então, o diretor do “Legionário”, em nome deste jornal, e o Sr. José Pedro Galvão de Souza, Presidente da Congregação de Santa Cecília.
Respondeu agradecendo o Sr. Evandro Campos, nosso colega, da redação do “Santuário de Santa Teresinha”, órgão oficial da Diocese de Taubaté, que teve expressões de grande simpatia para [com] esta folha, afirmando que “O Legionário”, é, “sem favor, o baluarte do pensamento mariano do Estado de São Paulo”.
Usou da palavra, em seguida, o Sr. Sílvio Pellico de Araújo, congregado de Santa Rita, cujo pensamento, afirmou ele, era “a expressão sincera de todos os congregados do Interior”, que vêem com admiração a coragem com que “O Legionário” vence todas as dificuldades, a caminho da realização do grande ideal da verdadeira imprensa católica.
Finalmente, em meio a um grande entusiasmo e alegria de todos os presentes, foi tirada uma fotografia que reproduzimos aqui.
A todos os congregados que nos honraram com a sua visita, e cujos nomes com grande prazer publicamos abaixo, os agradecimentos sinceros do “Legionário”.
[Em seguida vinham enumerados os congregados marianos representantes das cidades de Mogi Mirim, Pindamonhangaba, Leme, Santos, Bebedouro, Paraíbuna, Itatinga, Angatuba, Botucatu, Bauru, Taubaté, Piracicaba, Gália, Cachoeira, Rio Preto, Natividade, Santa Bárbara, Santa Rita e Avaré.].
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“O Legionário”, nº 167, 17/3/1935 p. 3
Cristo e a Sociedade
Não podem os brasileiros e em especial os católicos, iludir-se no momento que passa. Quando vemos a indisciplina generalizar-se desde os quartéis até às ruas, e uma indisciplina que implanta suas raízes no principio da dissolução social, temos que abandonar o nosso comodismo e que desprezar o nosso bem-estar, para a enfrentarmos, não com algum símbolo morto, mas com a mesma Vida: com Jesus Cristo. Na verdade, só Ele pode curar todos os males da nossa sociedade.
Os homens adaptaram a figura de Cristo às suas próprias idéias
Até agora, os doutrinadores políticos ignoraram a Cristo. Conheciam todas as doutrinas filosóficas anteriores à sua vinda, e desses pensamentos desencontrados tiravam algo para suas concepções, ditas modernas. Depois, desconheciam a sociedade medieval, com sua organização política perfeita, inspirada toda no Cristianismo, com seus doutores, com seus filósofos, com seu pensamento único, reto, católico. Para eles, essa época não existiu e toda a glória do mundo se reduzia a estes últimos quatro séculos, quando a humanidade, retrogradando das alturas a que chegara, iniciava sua volta ao paganismo de onde fora arrancada pelo Cristianismo. Esse o pensamento político que plasmou a sociedade contemporânea e que chegou, como corolário mesmo de seu agnosticismo, à crise moral do presente.
Lembraram-se, então, os homens de que Cristo existira, e foram buscar o que Ele ensinara, não para o dar lealmente como alimento às multidões famintas de ideal, mas para o adaptar às suas próprias idéias e fazer de Jesus o testemunho de seu ensino. E assim viram nEle, uns, apenas o homem que apostrofava os ricos e poderosos e exaltava os humildes; e o tomaram como o primeiro socialista, o primeiro comunista. Outros, viram apenas o homem que mandava dar a César o que é de César, o homem que mandava respeitar e obedecer aos superiores; e transformaram-no no primeiro endeusador do Estado absoluto, e, ao contrário dos socialistas e comunistas, pretenderam usar da Igreja de Cristo, como colaboradora do seu despotismo e do seu autoritarismo.
Só o catolicismo pode dar à sociedade o espírito que a vivifica
Só a Igreja Católica manteve e mantém, entretanto, a verdadeira doutrina de Cristo, e só Ela tem de seu Fundador a verdadeira concepção, adorando-O como Deus e anunciando-O como Redentor dos homens, sem exceção. Só Ela se submete a Cristo e não deforma à vontade de seus membros, a doutrina que Ele pregou. E só Ela dá por isso mesmo a disciplina que salva, a que vem da submissão integral da criatura ao seu Criador, verdade que tem que ser repetida diariamente contra o orgulho humano que se julga único no Universo inteiro. Por isso mesmo, só a sociedade informada19 pela Igreja de Cristo será perfeita, porque só esta prega o verdadeiro Jesus. Inútil é querer galvanizar a matéria sem o espírito; sem este, aquela será sempre e só matéria. Do mesmo modo, a sociedade, a matéria viva que quer subir ao alto, ao ideal perfeito por excelência; só Cristo, só o Catolicismo, podem dar-lhe o espírito que vivifica e que salva. Esse, pois, o grande programa dos católicos no Brasil e também fora dele, nesta época agitada e trágica, de rebeliões, de crimes, de decadência moral.
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“O Legionário”, nº 167, 17/3/1935, p. 3
Socialismo e Religião
Afirmam repetidamente socialistas e comunistas que não são inimigos da Religião, e que a prática desta não encontrará dificuldades no regime socialista. Somente o sacerdócio não poderá persistir por ser, dizem eles, a exploração organizada do povo. Essa, a afirmação que ainda há pouco expunha em sua primeira página um jornal desta capital, simpatizante de Moscou. Há nela algumas considerações a fazer, no que se refere à sua primeira parte, pois a segunda está tão clara que as dispensa perfeitamente.
Sem sacerdotes não há Religião
Argumento feito para convencer os operários cristãos a aderirem ao internacionalismo marxista, mostra de início a fraqueza deste, que assim aparenta renegar os seus ideais de materialismo e de ateísmo, para permitir que ingressem em suas fileiras os que crêem em Deus. Estes, porém, têm o direito de repelir o sofisma com que lhes apontam os pregadores soviéticos. Como admitir que a prática da Religião seja livre, se não se permite que ela tenha seus ministros? Então a Religião é algo de puramente individual, de interno, que cada um pratica como entende, sem ritos, sem cerimônias e sem doutrina? A quem vai ser entregue a guarda de sua pureza doutrinária? Ao ensino de homem a homem, ensino esse de verdades tão grandes por inteligência tão pequena como é a humana?
Todas essas interrogações são insolúveis, sem a existência do sacerdócio. Não há religião sem ministros, como não há, uma vez que argumentamos com socialistas, socialismo sem doutrinadores e chefes. Todo o corpo de doutrina do socialismo se mantém graças aos intelectuais, aos sociólogos, aos doutrinadores, que resolvem as questões duvidosas, que traçam normas de conduta, que o anunciam, que o propagam. Na Religião, do mesmo modo: os sacerdotes são os mestres da doutrina, são os diretores espirituais, são os pregadores; sem eles, não há Religião, porque aos poucos suas grandes verdades se deformam nessa transmissão puramente oral, e da tradição, ↓20 [se não as] auxilia o magistério vivo do sacerdócio.
Admitimos, também, que o socialismo queira a felicidade do homem e que o regime não pretenda governar povo de escravos. Portanto, se os homens podendo praticar livremente sua Religião, reclamarem para satisfação de suas consciências, a existência do clero, até que ponto os governantes socialistas ou comunistas atenderão a essa solicitação? A lógica mandaria que ela fosse atendida integralmente, pois está demonstrado que sem sacerdotes não há Religião. Pensarão assim os socialistas, e estarão dispostos a renegar na prática à proibição do sacerdócio? Ou o homem é livre de praticar sua Religião, e então o sacerdócio também é livre, ou o homem não é livre, pois não se lhe permite o sacerdócio que é necessário, e o regime é, portanto, mentiroso.
O socialismo e sua mentirosa liberdade de religião
E que nos mostram até agora os fatos? Onde o regime socialista se tem instaurado, tem havido essa liberdade de praticar a Religião? Podemos dizer que o regime tem cumprido socialisticamente sua palavra! Campanha contra toda a Religião, morte aos cristãos, Igrejas destruídas ou transformadas em clubes, em sedes de sociedades anti-religiosas, campanha dos sem Deus e muito mais, na Rússia. No México, onde existe o mal terrível de um exército socialista, que também ameaça nossa Pátria, o panorama não é menos desolador que no Antigo Império Russo; é de todos os dias o martírio lento, suportado, entretanto, com a fortaleza cristã daquele povo secularmente religioso. E a Espanha, a quem a república socialista de abril de 1931 trouxe a expulsão das ordens religiosas, o incêndio e o saque das Igrejas, culminando na revolução comunista de Outubro de 1934. E se esses são os fatos de agora, quantos do passado, em todos os países da Europa, mostrando a mentira da liberdade religiosa sempre prometida e nunca concedida pelo socialismo, que na realização prática se encontra sempre em oposição às suas promessas.
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“O Legionário”, nº 168, 31/3/1935, p. 1
Liqüidação de contas
Como um casal em vésperas de divórcio, o Exército e a Nação estão em plena liqüidação de contas, atirando-se reciprocamente à face todas as queixas velhas ou novas, justas ou injustas, que fervem no coração de cada um.
A nação inteira nas mãos de camarilhas, exceto a Igreja
“Exército e Nação”, dissemos. Puro eufemismo. Na realidade, o Exército não é o grupo de politiqueiros de farda, de caudilhos insolentes, que o noticiário da imprensa cotidiana costuma reconhecer absurdamente como representantes autênticos das classes armadas do Brasil. Como também a Nação está muito longe de ser a camarilha de sanguessugas parlamentares ou ministeriais, que, em seus discursos pomposos, costumam intitular-se a Nação.
A verdade, a respeito deste assunto – e se trata aí de uma destas rudes verdades fundamentais, difíceis de dizer e desagradáveis de ouvir – é que toda a Nação está em mãos de camarilhas, de grupinhos, de clãs que se apoderaram da direção das forças vivas do Brasil, com exceção da Igreja.
O País foi inteiramente dominado – e já lá vão ao menos quarenta anos deste domínio – pelos políticos profissionais, que conquistaram todos os laboratórios onde se prepara a opinião pública, desde as Escolas Superiores, até a imprensa e o aparelhamento bancário.
O Exército não fugiu à regra geral, e também foi monopolizado por um grupo mais ou menos numeroso de pseudo-chefes, que o dirige a seu talante. E o mesmo sucedeu com a Marinha.
A Revolução de 1930 substituiu alguns destes chefes. Mas a substituição de chefes não significou, de forma nenhuma, a substituição dos verdadeiros valores aos bonzos. E tudo continuou como antes…
Lágrimas artificiais no enterro dos reis da popularidade
Longe das camarilhas, continua a grande massa da Nação, esta massa que, do ponto de vista psicológico, ainda é absolutamente amorfa, apresentando, apenas, como traço saliente, uma catolicidade que, mercê de Deus, se vai tornando mais coerente e mais acentuada.
Um exemplo que, já hoje, se pode chamar histórico, elucidará perfeitamente o assunto.
Depois de 30, fundou-se o Club 3 de Outubro, constituído unicamente por militares da ala ardida do Exército. Estes militares deliberavam, provocavam, ameaçavam, perturbavam, atrapalhavam, como se fosse todo o Exército. E, no entanto, feito o recenseamento de suas forças, encontrávamos neles apenas um reduzido número de oficiais, de um prestígio inteiramente fictício. E tão fictício era tal prestígio que, um a um, o Sr. Getúlio Vargas foi derrubando os ídolos do pequeno Walhalla21 do 3 de Outubro, a começar pelos mais humildes e a terminar pelo Sr. João Alberto22. Isto, quanto ao Exército.
Quanto ao elemento civil, não era outra a situação. Políticos, que se diziam autênticos representantes da opinião, foram bruscamente afastados. E, no entanto, a comoção da opinião por tal afastamento foi bem pequena. O que resta do Sr. Borges de Medeiros? Do Sr. Afrânio de Mello Franco? Do Sr. Oswaldo Aranha? Do Sr. José Américo? Onde está a popularidade destes campeões da política, que foram, em tempos, apontados pela opinião como “ditadores do ditador”? Do próprio Sr. Getúlio Vargas, o que restaria, se lhe fechasse a carranca, em dado momento, a fortuna que lhe tem sido tão propícia? Que lágrimas acompanharam ou acompanhariam o enterro político destes soi disant reis da popularidade?
Vemos, pela própria experiência, o que há de artificial em tudo isto.
Os católicos nunca desanimarão do Brasil
Pois bem. Brigam exército e políticos. Pode-se dizer, por isto, que haja propriamente uma questão militar? Não. Há uma questão de rivalidade entre camarilhas. Há uma questão de incompatibilidade entre ex-consócios. Com isto, com esta liqüidação de contas de sociedade financeira, nem nós e nem ninguém tem nada que ver, senão do ponto de vista patriótico, o triste consolo de chorar sobre as ruínas de Jerusalém.
Quer isto dizer que devemos desanimar?
Nunca!
Ainda que o mundo inteiro desanimasse da nossa Pátria, ainda que, obedecendo ao convite trágico de João Neves, o mar tragasse o Brasil, os católicos não teriam o direito de desanimar dele.
Aliás, quer nos parecer, infelizmente (ou felizmente, talvez) que este dia virá. Quer nos parecer que não está longe o momento em que os fabricantes de panacéias de todo o gênero, novas e velhas, hão de se voltar para a Igreja, para que ela aplique ao Brasil os remédios que só ela tem.
Porque – e é com esta afirmação que quero finalizar o artigo de hoje – digo-o bem francamente: de todas as iniciativas que vejo em torno de mim, tendentes a salvar o Brasil, nem uma única me parece apta a conseguir esta finalidade.
Como Jackson de Figueiredo, continuo a pensar que nossos problemas são graves “que só uma ação puramente católica poderá salvá-lo”.
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“O Legionário”, nº 168, 31/3/1935, p. 1
O Brasil é esquecido
Um caso político prende nestes últimos dias a atenção dos jornalistas, que o têm comentado em seus detalhes os mais pitorescos. É o do Espírito Santo, onde o interventor deveria ser eleito presidente por 13 votos, contra 12 dados ao candidato da oposição; mas, no mesmo dia em que o Sr. Punaro Bley devia apresentar os seus 13 eleitores ao chefe da Nação, verificou-se a falta de um, que aderira à oposição, a qual passou assim a ser maioria; e logo mais três deputados abandonaram a corrente do interventor para acompanharem a nova maioria. Os nove restantes, porém, procuraram um novo candidato à presidência do Estado e o acharam nas hostes da antiga minoria; e ele, aceitando sua indicação, arrastou consigo mais três companheiros, que juntos aos 9 já existentes e a ele próprio, candidato, restabeleceram a antiga maioria!…
Não é impossível que novas modificações se dêem nessa relação maioria-minoria, condicionada apenas por um deputado de número 13!…
Crise provocada pela falta de convicções e um superficialismo banal
Se esse, porém, é o aspecto, por assim dizer, humorístico, da questão, quanto de grave, de profundamente grave, ela revela. Adicionem-se-lhe todos os outros incidentes aparentemente banais que se desenrolam de norte a sul e ter-se-ia que justificar a afirmação do Ministro da Guerra, em recente manifesto ao Exército: “O Brasil é esquecido.” Essa é a verdade que o general Góes Monteiro fez muito bem em recordar, e que tem de ser enfrentada por todos os que colocam acima de seus interesses pessoais, por mais legítimos que sejam, o interesse da Pátria.
A atitude dos deputados espírito-santenses não é uma particularidade que só a eles pertença; é a regra no Brasil, essa instabilidade de opinião característica de uma falta de convicções, do superficialismo banal com que são tratados os assuntos da mais grave importância, do utilitarismo imoral com que são desejados e tomados os cargos públicos. Generalizou-se esse estado de espírito entre os civis e infiltrou-se o exército por doutrinas extremistas que fizeram perder a muitos militares, o senso da hierarquia; e no meio de toda essa agitação esqueceu-se o Brasil!
O cristianismo alijará com um sacudir de ombros esses parasitas
A confusão, porém, chegou ao máximo; é inútil pretender que todos os que assim clamam e não se entendem, consigam descobrir o caminho que os leva ao Brasil. Eles são elementos estranhos à Pátria, exteriores ao seu querer, ao seu pensar, aos seus ideais. Como parasitas, ainda estão presos ao seu dorso, prejudicando-a em sua lenta convalescença, no renascer de seu espírito, no fortalecimento de sua vontade. Mas o tradicional cristianismo, que é a força do Brasil, alijará um dia com um sacudir de ombros, esses elementos, perversos alguns, inconscientes muitos, que só souberam ver-se a si mesmos e se esqueceram da terra onde nasceram. Esse, o grande papel reservado ao Catolicismo em nossa Pátria, como mais de uma vez tem sido acentuado por estas colunas. Só o conhecimento e a prática integrais de suas doutrinas, salvarão o Brasil. E só ele não se esquece agora do Brasil, preparando-lhe uma élite intelectual católica, só e essencialmente católica, que lhe traça a rota e realizará, quando Deus for servido, o seu reerguimento e a sua grandeza.
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“O AUC”, Ano VI (nova série), nº 14, abril de 1935, p. 623
Ponto 37
Plinio Corrêa de Oliveira
(Lente da História da Civilização do
Colégio Universitário)
Muitos não compreenderam, talvez, a razão que me levou a destacar particularmente, em meu programa, a questão religiosa e a militar no Brasil Império, entre tantos outros fatos relevantes da nossa história política na monarquia.
É que a Guerra do Paraguai, a questão da maioridade e outros fatos análogos são episódios definitivamente relegados para as cogitações meramente históricas, já não exercendo, sobre os fatos e as idéias do Brasil contemporâneo, qualquer espécie de influência, ao menos direta.
Os movimentos separatistas provam a força da coesão nacional
Algum separatista poderá objetar, é certo, que não deveria eu ter preferido estas questões aos movimentos revolucionários da regência e do Segundo Império, que projetam luz singular sobre o problema da unidade brasileira.
A meu ver, porém, tal não se dá. Os movimentos separatistas, no Brasil, têm apenas servido para provar a força de nossa coesão nacional, pela perfeita soldadura que se estabelece, logo que cessado o conflito, entre a região insurrecta e a grande Pátria brasileira.
Aliás, o caráter regionalista de tais movimentos é freqüentemente deturpado pelos maus intérpretes, que lhes emprestam matizes separatistas inexistentes.
Foi o que se deu, por exemplo, com a Revolução Paulista de 1932, em que São Paulo se levantou para reconquistar para o Brasil o regime legal, movido pelo intuito, portanto, de fazer uma obra de sentido marcadamente nacional, e não separatista; e em que não faltou, entre os adversários do movimento, quem procurasse ver nele finalidades separatistas, apregoando-as em todo o Brasil por intermédio de falsas irradiações, com o manifesto propósito de o impopularizar e de obter contra ele a solidariedade das tropas nordestinas. Não vejo, pois, especial importância nas revoluções do Império.
A questão religiosa e a questão militar, pelo contrário, se revestem de importância muito maior, pois que, a meu ver, na raiz de todas as perturbações da nossa vida política presente estão estas duas velhíssimas questões que determinaram a queda do Império, e que a República não soube resolver.
A questão religiosa e a militar: problemas gravíssimos de cuja solução depende a boa orientação do País
Dizem os médicos que as grandes moléstias produzem, freqüentemente, apenas pequenos sintomas. § Por esta razão, quando o doente procura pelo médico, é porque o mal já conquistou insidiosamente todo o organismo, tornando difícil senão impossível a cura.
Foi o que se verificou entre nós. Duas questões gravíssimas, que afetariam interesses vitais para qualquer país, passaram durante todo o Império e a República quase inteiramente despercebidas.
Na vida moral, intelectual, artística e social de um país, a religião tem uma influência preponderante, pois que ela preocupa o espírito humano exatamente na mais nobre esfera de suas cogitações, e da solução que um povo dá ao problema religioso depende toda a orientação das suas múltiplas atividades. Qualquer erro neste terreno pode acarretar conseqüências gravíssimas, e desde que penetre neste terreno o vírus da anarquia e da desordem, está comprometido, próxima ou remotamente, o destino do País.
Por outro lado, a questão militar ocupa também importantíssimo lugar. Se se permitir que o desprezo pelo militar conquiste os civis, teremos um exército de sicários vis que, tendo perdido a noção da dignidade de suas funções, já habituado ao desprezo público, outra coisa não procura senão desforrar-se de sua situação de inferioridade pela conquista do poder.
Se, pelo contrário, o desprezo pelo poder civil invade as classes militares, as Forças Armadas passarão a ser pepineiras de pretensos Lycurgos24 ou Solons25, desejosos de tutelar a nação, impondo-lhes ingênuos sistemas de governo, fabricados com todo o desplante e a sans-gêne26 de que são capazes, em matéria política, aqueles que não estão habituados a estudar, em toda a sua complexidade, os fenômenos sociais e jurídicos de um país.
Se, finalmente, os civis não sabem respeitar a dignidade das classes armadas, teremos a reedição indefinida do eterno episódio de nossa história: clics de políticos oposicionistas a bater de porta em porta, nos quartéis, para convidar à indisciplina e à violação do dever de honra às classes militares, envolvendo-as em bernardas e conspiratas em que o exército e o Brasil só têm a perder.
O caso Dom Vital e Dom Antônio de Macedo Costa
Ora, questão religiosa e questão militar apaixonaram apenas ocasionalmente – embora com grande veemência – nossa opinião pública. Enquanto o Brasil todo se enchia com os ecos da Guerra do Paraguai, ou absorvia a sua atenção em acompanhar os debates parlamentares, muito poucos foram, no Império, os que colocaram em primeira plana questões tão relevantes. Os chefes de partido, os leaders da opinião e os estudiosos da época raramente lhes consagraram estudo mais profundo. Poucos viram neles sintomas de um grave desequilíbrio a ferir os alicerces da Nação. O que impressionou, tanto na questão dos bispos como nos conflitos dos ministérios com os generais do Império, foi principalmente sua repercussão no momento e seus aspectos exteriores e acidentais.
A manifestação exterior da questão religiosa foi o caso de D. Vital e D. A. de Macedo Costa. O que mais debateu a opinião pública a este respeito? Foi o caso em si e não o seu sentido profundo; deveriam os bispos ser presos ou não; competia à Coroa imiscuir-se no governo da Igreja ou não; dever-se-ia consentir nesta tentativa de emancipação do Poder espiritual em relação ao temporal, ou não; aprovaram a Santa Sé e o Superior dos Capuchinhos, de quem dependia D. Vital, a atitude deste ou não; teria ou não sido escrita a bula Gesta tua non laudantur; eis o que interessava à opinião.
Na questão militar, o mesmo se dava. Discutiam-se principalmente as minúcias dos incidentes através dos quais a questão costumava explodir. O intuito da quase totalidade dos políticos era atirar o exército contra os…
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“O Legionário”, nº 169, 14/4/1935, p. 1
Desvairamento
Um curiosíssimo sintoma de cabal desorientação que campeia em nossa política é o entusiasmo com que gregos e troianos, perrepistas e peceistas, recebem o discurso do Sr. Cirilo Júnior, proferido logo após a eleição do Dr. Armando Sales.
Içando “o pavilhão branco da trégua partidária”
Não há a menor dúvida de que foi um discurso de elegância parlamentar primorosa, em que o leader da oposição presenteou seus colegas da maioria com um bouquet de flores retóricas em cujas corolas zuniam, como pérfidas abelhas, as mais mordazes críticas à escolha que vinha de se processar.
Porém, quando a opinião pública aplaudiu o discurso do famoso tribuno perrepista, os aplausos não se dirigiam tanto à habilidade e distinção daquela peça oratória, como à declaração de que, na elaboração da carta constitucional, se apagaria a linha divisória que separa a minoria da maioria. É exatamente este aspecto do fato que queremos analisar.
Não há dúvida de que é nobre o intuito de afastar as preocupações ou ambições pessoais, enquanto discutir a Constituinte os problemas fundamentais atinentes à organização de nosso Estado.
E outra não foi a intenção do leader da minoria ao içar o pavilhão branco da trégua partidária.
Aplausos para uma política sem princípios nem doutrina
Implicitamente, porém, confessou S. Ex.cia que, postas à margem as preocupações pessoais, nenhum marco divisório subsistiria entre as duas grandes correntes políticas do Estado.
Senão, raciocinemos. Seria possível tal atitude em qualquer parlamento Europeu ou mesmo no longínquo Japão? Nunca. Seria precisamente quando se elaborasse a Constituição, que mais fundas se mostrariam as divergências entre socialistas e liberais, monarquistas e republicanos, protecionistas e livre-cambistas, federalistas e centralistas.
E isto porquê? Exatamente porque a divisão partidária naqueles países tem como origem, não paixões pessoais, mas dissídios doutrinários, que aqui não existem.
Eis aí o desvairamento a que chegou a nossa opinião pública: precisamente quando se declara de modo oficial e peremptório que nenhum princípio e nenhuma doutrina explica o fato capital de nossa política, que é a luta entre o PRP e o PC, aplaude-se entusiasticamente tal declaração tanto nos arraiais da maioria quanto nos da minoria.
Uma afirmação falsa e imprecisa
Também causa-nos estranheza a declaração de uma manchete da “Ofensiva”, órgão integralista, de que “a Ação Integralista é a única força moral antiburguesa capaz de salvar o Brasil das garras do comunismo”.
Trata-se de uma afirmação imprecisa na sua forma e falsa no seu sentido.
Não sabemos o que o órgão integralista entende por força “antiburguesa”.
Se “antiburguesa” significa hostilidade ao espírito burguês no que ele tem de mau, isto é, no seu excessivo apego aos prazeres da vida e no seu espírito céptico, a Igreja é a maior força “antiburguesa” que há, ou melhor, o catolicismo é, por excelência, a antítese do burguesismo moderno.
Mas se por antiburguês se entende uma oposição à burguesia como tal, e a condenação inexorável de toda uma classe, emende ela embora os inumeráveis defeitos de que é ré, se é este seu verdadeiro sentido, desenha-se uma oposição irremediável entre a manchette quase marxista da “Ofensiva” e o espírito da Igreja.
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“O Legionário”, nº 169, 14/4/1935, p. 1
Catolicismo e Política
Como frutos sazonados do naturalismo e do teorismo político – um separando a ordem natural da sobrenatural e outro esquecendo que o governo dos povos deve ser baseado em suas realidades próprias – temos tido nestes dias acontecimentos perfeitamente característicos.
Falta de respeito às realidades sociais da nação
Os casos do Espírito Santo e do Pará, onde os interventores foram abandonados à última hora por aqueles que tinham sido eleitos mediante campanhas eleitorais, feitas em torno dos nomes desses representantes do poder central; a atitude do interventor paraense fazendo-se eleger por meio de uma manobra claramente ilegal; finalmente, a situação do Ceará, onde o interventor, nomeado especialmente para dirigir as eleições com justiça, e para acatar seus resultados com a devida serenidade, vencido nas urnas o partido governamental, declara pela voz do jornal situacionista: “O caso cearense já está resolvido. A Liga Eleitoral Católica tem 17 deputados. Que importa isso, se estamos dispostos a vencer revolucionariamente?”
E nas ruas aclama-se a Luiz Carlos Prestes, chefe do movimento comunista no Brasil, e praticam-se depredações contra jornais, entre os quais “O Nordeste”, diário católico daquele estado. De um lado, portanto, homens cujos compromissos afirmados até à mesa dos banquetes interventoriais, são quebrados em um momento como se não houvesse uma lei moral perante a qual eles fossem responsáveis: dissociação da política e da moral. De outro, autoridades pretendendo impor-se e impor ideologias repudiadas pelos governados: falta de respeito às realidades sociais da nação.
Não tomando Deus como medida, se tornam a medida dos homens
Em oposição a esse naturalismo e a esse teorismo, não há senão a concepção cristã da política. Age como ciência experimental reunindo o maior número de observações dos fatos sociais, as quais formam a matéria com que vai trabalhar; todas elas devem ser depois coordenadas, estabelecendo-se as relações entre os fatos, para ser organizada a sociedade de uma maneira que determine o progresso integral e uniforme do homem. Para esse trabalho, a política procura a orientação em uma ciência geral e superior que é a Moral. Estão assim racionalizados os dados da observação; mas a própria razão nos informa da existência de uma realidade superior ao que é visível, e a revelação divina nos mostra o destino sobrenatural do homem. Temos, portanto, como diz Tristão de Athayde, “a política, a moral e a teologia”, formando “uma cadeia não interrompida”. E o grande erro moderno, foi, e continua a ser, a quebra dessa cadeia.
O Cristianismo, ordenando a política à Moral Cristã, afasta o homem das falsas concepções morais, baseadas umas no prazer, outras no servir, outras no dever, e em tantas outras atitudes humanas, todas desconhecedoras, entretanto, da fonte e do fim da Moral que é Deus, e todas podendo ser sintetizadas no utilitarismo. E não havendo Deus como medida, esta é o próprio homem, e ninguém quererá considerar-se inferior a qualquer outro. E não havendo Deus como fim, este é o próprio mundo, é o tempo de vida mais ou menos longo de cada um; e quando o indivíduo for suficientemente otimista para não cair no desespero, procurará não ser inferior a qualquer outro, em prazeres e em proventos materiais. Explica-se, portanto, muito bem a atitude dos nossos políticos que tendo perdido, pela laicização que o regime de 89 impôs ao Brasil, o sentido tradicional de nossa formação cristã, viram-se apenas a si mesmos como super-homens a quem tudo deveria ser concedido!…
Compete aos católicos a retificação da vida nacional
Aos católicos, e só a eles, e só como católicos, compete a retificação de nossa vida nacional, recolocando-a no sentido cristão há pouco referido. E isso não se fará por uma atividade desordenada imediata, por uma multiplicidade de esforços em sentidos contrários, por uma agitação improfícua. Far-se-á em primeiro lugar, por uma retificação individual, por uma catolização dos católicos, pela sobrenaturalização de nossa vida diária. Antes de qualquer outra coisa, portanto, grande vida interior, grande espiritualidade. Na medida do aumento desta, virá a Ação Católica, que só é eficaz quando se baseia naquela. É a hierarquia respeitada, é o realismo a que se refere Tristão de Athayde, na importância dada aos “primeiros princípios e às finalidades últimas”, na subordinação do natural ao sobrenatural. Por essa sobrenaturalização das consciências, que deve ser “objeto primeiro dos esforços dos católicos”, preparar-se-á a verdadeira e solidíssima base para a restauração nacional, pois o dever espiritual supera e condiciona todos os outros deveres.
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“O Jornal”, 27/4/1935
Um “torcedor da Igreja”
(Copyright dos “Diários Associados”)
“Sou um torcedor da Igreja.” Esta frase que Antônio de Alcântara Machado escreveu em uma carta dirigida a Tristão de Athayde, pouco antes da convocação da Constituinte Federal, exprime claramente a posição do jovem e brilhante intelectual paulista, perante as lutas que os católicos iriam enfrentar pela recristianização de nossas instituições políticas.
Discrição elegante e calorosa simpatia
Quando cheguei ao Rio para participar dos trabalhos parlamentares, que então se abriam, Tristão de Athayde contou-me a declaração de simpatia à Igreja, feita por Antônio. E, nas lides da Chapa Única, tive uma confirmação cotidiana da sinceridade de sua torcida.
Foi com um tato de que só seria capaz um homem inteligente e bien né27 que Antônio exerceu suas funções de secretário da bancada paulista.
Nunca lhe ocorreu de intervir indiscretamente nas discussões travadas na secretaria da bancada, entre deputados, para a elaboração das emendas, embora fosse ele senhor de conhecimentos que lhe permitiriam expender em muitas circunstâncias as mais oportunas considerações.
É que ele era por demais bien né para sair, por um momento que fosse, do terreno da mais correta discrição.
Porém, inteligente como era, ele nunca poderia ser e nunca foi um mero burocrata confinado na estreita banalidade dos afazeres de secretaria.
Na realidade, pela sua constante e eficiente pesquisa dos dados técnicos necessários aos trabalhos da bancada, pela rara felicidade com que serviu de agente de ligação com a imprensa, havendo-se nisto com insuperável elegância e diplomacia, pela suas excelentes relações nas mais altas esferas intelectuais, políticas e sociais do Rio, ele foi para a bancada um auxiliar ideal que captou a amizade de todos nós que, a una voce, o aclamávamos o deputado número 23.
Na excelente posição estratégica que Antônio ocupava, torceu eficientemente pela Igreja. Nem uma única vez deixou de me prestar dentro de sua larga esfera de ação o apoio necessário. E quando as discussões em torno do problema religioso entre deputados se acaloravam, embora não participasse ele do debate, acompanhava-me sempre com um olhar quente de simpatia e de solidariedade.
Amor às velhas tradições paulistas, inseparável do amor à Igreja
Qual o molejo psicológico, ao mesmo tempo sutil e forte, que prendia ao velho tronco da Igreja este jovem e moderníssimo rebento de Piratininga?
Eis aí uma interrogação que eu me fazia com curiosidade. A resposta me veio, finalmente, em uma longa e íntima palestra que tivemos, e em que ele me deu a conhecer amplamente seu pensamento a este respeito.
Não versou nossa palestra, senão acidentalmente, sobre problemas religiosos. Conversamos apenas sobre São Paulo, as suas velhas famílias e as suas grandes tradições. Mas verifiquei, então, com uma segurança absoluta que, além dos motivos de razão que sua inteligência haveria de ter provavelmente pesado, Antônio se sentia preso à Igreja por todas as raízes de seu paulistanismo de 400 anos, por seu entranhado amor a toda aquela tradição do São Paulo antigo, a que o prendiam suas mais íntimas fibras psicológicas e que ele soube representar tão galhardamente na sua bela carreira.
Ele sentiu perfeitamente que o amor às tradições de São Paulo é inseparável do amor à Igreja, porque o espírito de Fé dos velhos paulistas foi a fonte de seu heroísmo, e o segredo de sua energia, que ele é o laço fortíssimo que assegura a unidade de nossa obra através dos séculos, conservando a identidade de nossa mentalidade, a inteireza de nossa força, a energia de nosso caráter, a despeito das variações ambientes impostas pelo cosmopolitismo e pelo progresso.
E por isto ele torceu pela Igreja com um coração de crente, sim, mas também com toda a paixão de seu coração de paulista.
Ao som da voz bendita dos pausados rezares paulistanos…
A Providência o recompensou. Não quis ela separar, às portas da morte, o amor à Terra e o amor à Igreja, que haviam ardido juntos em seu coração. E foi de um paulista ilustre, foi das mãos augustas do mais alto dignitário da Igreja no Brasil que ele recebeu a suprema visita do Corpo do Senhor.
Nas preces litúrgicas que lhe embalavam a agonia e lhe abriam o caminho para o Céu falava a Igreja através das fórmulas invariáveis das ladainhas, e falava São Paulo no acento paulista pausado e grave do príncipe da Igreja que as recitava.
A Providência atendeu, assim misericordiosa, na pessoa do filho as preces do pai que desejava “morrer ouvindo a voz bendita dos pausados rezares paulistanos”.
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“O Legionário”, nº 170, 28/4/1935, p. 1
À espera
Há uma obra para nós, católicos, a mais importante, a mais urgente porque é fundamental à realização de todas as demais de uma verdadeira ação social católica, à qual “O Legionário” dedica o mais vivo interesse – a imprensa católica, e, dela vamos nos ocupar hoje.
Falta-nos o grande jornal católico formador da consciência social católica
Quando todos os pensamentos políticos e quase todos os filosóficos ou religiosos, apresentam-se aos homens por intermédio de seus órgãos de imprensa, vemos o Catolicismo, lamentavelmente atrasado nesse campo, pelo menos em nossa Pátria. Há na verdade diários católicos que vegetam ou pela indiferença dos católicos, ou porque não se apresentam devidamente para conquistarem o interesse público. Há o esforço imenso de uma multidão de pequenos jornais e revistas, cada um útil no seu respectivo campo de ação onde tem feito, e continuará sempre a fazer, o maior bem às almas.
Falta-nos entretanto o grande jornal, formador da consciência social católica, construtor de uma sociedade que não será nova, pois será apenas a volta, depois de vários séculos de erros liberais, à sociedade informada pelos puros princípios do Catolicismo. E esta sociedade, nem poderá ser a coletivista que pretendem os extremismos da esquerda, nem a totalitária ditatorial que engloba no Estado todas as coisas, mesmo as que ultrapassam os limites do próprio Estado. Esta sociedade será a sociedade cristã, na qual, portanto, dar-se-á ao homem o seu verdadeiro valor de criatura feita à imagem de Deus, e por isso, digna do maior respeito.
Não será o desaparecimento da personalidade humana nos quadros do proletariado oficial ou nos agrupamentos feitos em função da raça ou da Nação. Mas esta consciência social católica exige, para sua formação, uma voz que todas as manhãs ande pelas ruas, que penetre em todas as casas, que suba a todos os escritórios, que viaje em todos os veículos, que bata a todas as inteligências, mostrando-lhes a perfeição da doutrina católica, os remédios que ela aponta para os males sociais; o tipo de sociedade que ela preconiza; e essa voz é o jornal.
Uma imprensa católica forte contra os abusos daquela que se diz neutra
Nós, os católicos, temos de nos render à evidência da necessidade iniludível de uma imprensa católica organizada, de um grande jornal católico, capaz de guiar os espíritos com a luz da verdadeira doutrina que é a da Igreja infalível, para a moralização dos costumes, para a recristianização da sociedade.
Uma imprensa católica forte será a animadora de todas as grandes obras de ação social católica e a maior inimiga dos abusos e dos atentados da chamada imprensa neutra. Um grande diário católico será o mais corajoso defensor das nossas instituições e tradições, e o mais perigoso inimigo de todos os falsos doutrinadores e de todos os extremismos.
Em nossa terra, o início de uma grande imprensa católica está à espera do apoio decisivo dos católicos, para realizar o seu ideal, para cumprir a sua missão.
XYZ
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“O Legionário”, nº 171, 12/5/1935, p. 1
Mensagem
Íamos tratar, na nota de fundo de nossa edição de hoje, da mensagem presidencial que o Sr. Getúlio Vargas leu na inauguração do Congresso Nacional.
Estranho silêncio presidencial em relação à Divina Providência
Causava-nos estranheza que, em situação política e econômica tão grave, não tivesse tido S. Ex.cia uma única palavra de confiança naquela Providência Divina sob cuja tutela se colocou o Brasil, no preâmbulo de sua carta constitucional.
Se não é fácil compreender o Sr. Getúlio Vargas em matéria política, é impossível decifrar o pensamento de S. Ex.cia em matéria religiosa.
Em família, parece que S. Ex.cia tem pendores protestantes, pois que deu a um filho o expressivo nome de Lutero.
Como deputado, parece que S. Ex.cia foi fiel a suas tendências, pois que conhecemos dele um bom número de discursos parlamentares hostis ao ensino religioso.
Como ditador, mudou S. Ex.cia de orientação. Terá contribuído para isto uma visão mais larga das realidades nacionais, adquirida do alto da suprema magistratura da Nação? Terá influído também, para tanto, alguma evolução religiosa secretamente desabrochada no recesso de seu coração? Não o sabemos.
O certo, porém, é que – honra ao mérito – S. Ex.cia assumiu, de 30 para cá, uma atitude de discreta simpatia em relação às reivindicações católicas.
Não é, pois, sem estranheza profunda, que vemos o silêncio profundo em que S. Ex.cia deixa a Providência Divina, num momento em que, mais do que nunca, seu auxílio onipotente nos é indispensável.
Grande imprevidência dos católicos no que tange a causa da Igreja
A feição inesperada que tomaram os debates parlamentares nos força, porém, [a] reservar algum espaço para a promover, desde já, um ajuste de contas com os católicos de meias-tintas, pela atuação de dois de seus representantes na Câmara Estadual.
Ninguém poderá negar aos Srs. Pacheco e Silva e Alfredo Ellis a qualidade de deputados dos católicos de meias-tintas, uma vez que sem os seus votos, não teriam SS. Ex.cias conquistado as poltronas da Constituinte paulista, que ora ocupam.
Que tal lhes está sabendo, àqueles que, no momento da luta, foram mais armandistas ou mais altinistas do que católicos, a atitude tomada pelos dois jovens parlamentares, na questão da eugenia?
Promovendo uma campanha em benefício da educação sexual e da esterilização, cravam SS. Ex.cias golpes profundos na família, pois que a educação sexual, tal qual a pleiteiam SS. Ex.cias, destrói a família pela depravação da infância (pois que é este o resultado talvez involuntário, a que SS. Ex.cias chegarão com a educação sexual) e a esterilização impede a consecução do fim primordial do casamento, que é a procriação.
O que vemos, pois, é que deputados eleitos com votos católicos atacam a doutrina dos seus eleitores.
Os fatos vêm, pois, em abono do que sempre afirmamos: que a atitude dos católicos que votaram em chapa completa, se não foi incorreta, pois que a tanto os autorizou a Liga Eleitoral Católica, inspirada em justíssimos motivos, foi a expressão de uma grande imprevidência no que concerne à causa da Igreja.
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“O Legionário”, nº 172, 26/5/1935, pp. 1 e 4
Porquê?
Raras vezes pode ter um observador político, de mediana sagacidade, uma ocasião melhor do que agora, para constatar a terrificante inconsistência das fórmulas de 1789, no Brasil.
Insuficiência ou inexequibilidade da democracia no Brasil?
Antes de 1930, afirmavam nossas leis a soberania do povo, enquanto nossos costumes políticos a negavam categoricamente. Contrariados por tal fato, resolveram os fundadores da Aliança Liberal varrer os homens que estavam no poder. Dois grandes ideais nortearam toda a campanha da Aliança Liberal: 1) a deposição das oligarquias estaduais, acusadas de fraudadoras do regime republicano; 2) a manutenção da Constituição de 91, reputada excelente em si mesma e capaz de conduzir o país à idade de ouro, caso fosse aplicada pelas mãos imaculadas dos leaders do movimento libertador.
Vitoriosa a Revolução, é, no entanto, exatamente o contrário que se dá. Enquanto se implanta a ditadura e se estraçalha a Constituição de 1891, a mais poderosa das oligarquias políticas derrubadas pela Revolução – o Partido Republicano Paulista – reconquista habilmente o poder, à sombra do Cap. João Alberto Lins de Barros. Por toda parte começaram a reaparecer em cargos de destaque os pró-homens do regime decaído, desde o ex-ministro das Finanças do Sr. Washington Luís, colocado à testa do governo, até os Calmons da Bahia. E, ao mesmo tempo, vão sendo deglutidos habilmente, um por um, os leaders da Aliança Liberal, vítimas da glutonice silenciosa do então Chefe do Governo Provisório.
Finalmente, reconquista-se o regime legal e, mais uma, vez o Brasil reafirma seu desejo de viver no regime democrático.
Logo, porém, que começa a funcionar o novo maquinário político montado a 16 de julho de 1934, verificou-se que as coisas não haviam mudado e que o Brasil, em lugar de ser governado pelo povo, continua nas mãos dos meneurs28 ágeis, que o conduzem a seu talante, para rumos que todos ignoram.
Insuficiência da democracia em si, quando aplicada a uma grande nação moderna e não apenas a republiquetas gregas como Atenas? Ou inexequibilidade do regime dentro do cenário brasileiro?
Quer nos parecer que ambas as circunstâncias convergem para tornar inviável a prática da democracia. Mas o caso não nos preocupa neste artigo. Desejamos apenas fixar alguns aspectos da dolorosa realidade que atravessamos.
Muitas interrogações sobre o destino de São Paulo
Comecemos por São Paulo. Todo o mundo já ouviu falar dos boatos de cisão em certa corrente. Tudo indica que tais boatos foram muito mais do que um simples rumor público, destituído de fundamento. Quais as causas do estremecimento partidário? Quais os motivos que fizeram declarar-se a crise? Quais as razões para que ela fosse dada por resolvida?
Fala-se em um reajuste partidário entre as nossas mais fortes correntes eleitorais. Será realidade? Mero boato? Como explicar então a inatividade da Constituinte, cujos componentes vivem entre si, num regime de trégua partidária muito diferente do ambiente belicoso em que se travaram as eleições?
O que é feito do projeto de Constituição do Estado, elaborado pelo Governo? Por que razão não se procede imediatamente à sua discussão, uma vez que já foi votado o regimento?
Em uma ocasião em que tantas interrogações candentes pairam no espírito público, os homens do momento se calam, de um e outro lado da barricada. Por quê? Não é o destino de São Paulo, que está em jogo?
E outras muitas sobre o destino da Nação
Mas passemos à esfera política nacional.
Fala-se em reajustamento político, em um congraçamento de larga envergadura, que permita à oposição colaborar no governo (e não com o governo, que é coisa muito menos proveitosa e interessante). Alguns chefes oposicionistas as desmentiram. Outros conservaram-se calados. Os da situação também não se pronunciaram. Mas, evidentemente, il y a quelque chose au fond29. Diz-se, mesmo, que o astuto Andrada30 não tem outra missão no Catete31, de que tecer a finíssima urdidura política deste congraçamento, para entregar bem macio ao Sr. Getúlio Vargas, quando de seu regresso, o leito de rosas da presidência da República. Mas aí, como sempre, reina o silêncio. Tudo se faz nos bastidores. Porquê?
E os resultados concretos da missão Souza Costa? Falou-se em empréstimo com o Japão, e o boato foi desmentido. Surge, bruscamente, em plagas brasileiras a missão econômica japonesa, que está sendo cumulada de gentilezas pelas autoridades. Ora, nem costumam os japoneses perder seu tempo, nem o Sr. Getúlio Vargas o seu latim. Mais uma vez, portanto, acerca da missão, perguntamos: a que veio? Parecem agora viáveis os planos de empréstimo nipônico? O silêncio envolve todas estas interrogações. Porquê?
E o câmbio que cai de dia para dia. Incontestavelmente, já não há grande margem para novas quedas. E, no entanto, o silêncio dos situacionistas e dos oposicionistas cerca o inquietante assunto. Porquê?
Incompreensível silêncio do integralismo a respeito da Igreja
Enquanto todas estas interrogações enchem de trevas os quadros estreitos da liberal-democracia, a Ação Integralista e a Aliança Libertadora se preparam a devorá-la, e a se entre-devorar depois. Uma como a outra destas correntes, no entanto, se cerca também de enigmático silêncio, quanto a mil aspectos importantes de sua atividade.
Quanto à Aliança Libertadora, o caso não nos interessa. É comunista, e as sombras ou os despistamentos que possa empreender não nos interessam. É um caso policial. Resolva-o o Sr. Delegado de Ordem Social, munido dos amplos poderes da Lei de Segurança.
Mas a Ação Integralista? Por que continua seu pesado silêncio em torno da exata posição da Igreja no seu programa? Por que manter em assunto tão fundamental para todos os católicos – o que vale dizer para todos os brasileiros – tão enigmático silêncio? Se é de afirmações que o Brasil precisa – e o integralismo proclama esta verdade em todos os tons – por que não começam os milicianos do Sr. Plinio Salgado por definir com maior clareza os direitos do espírito, que eles têm afirmado de forma imprecisa?
Ninguém ignora o papel decisivo do chefe nos movimentos de tipo fascista do mundo inteiro. A ninguém, pois, pode desinteressar a opinião individualmente professada pelo Chefe, em matéria religiosa. Tem chegado a nossos ouvidos uma ou outra notícia tranqüilizadora a este respeito. Mas que valor dar a tais notícias, enquanto a sua profissão de fé não se fizer clara, explícita, desassombrada? E por que não a faz ele?
E, no entanto, cosi va il mondo, ou melhor cosi va il Brasile32. Enquanto o país inteiro se sente perturbado pela agitação ambiente, seu destino é resolvido em confabulações esotéricas mantidas por elementos freqüentemente desconhecidos, e que jogam cartadas decisivas, sem que possam ser controlados pelo grande paciente, que é o nosso Brasil.
“Não apagam o fulgor da verdade os que não a querem ver”
Ao terminar este artigo, que já se vai alongando desmesuradamente, um certo desânimo nos invade, pela certeza que temos de ter descontentado a muitos eleitores e agradado a um número possivelmente reduzidíssimo.
No entanto, “clama, ne cesses, quasi tuba exalta vocem tuam” – “clama, não cesses, como uma trombeta eleva tua voz”33 – aconselha o Espírito Santo aos que defendem a verdade. Foi a este ensinamento que obedecemos, ao traçar estas linhas, sem que nos movesse a menor paixão política ou partidária, que não temos.
E, realmente, se se calarem os católicos, quem, no Brasil, pode ter a independência necessária para pôr os pingos nos iis? Pois não temos nós a promessa da assistência providencial nesta vida e a da bem-aventurança eterna na outra, desde que tenhamos cumprido singelamente nosso dever, ferindo embora paixões ardentes ou magoando suscetibilidades mais vivas do que legítimas?
Se nós não cumprimos exatamente nosso dever, quem o fará por nós?
Se alguém tem de sofrer por amor à verdade, este alguém devem ser os católicos.
Aqui, fica, pois, devidamente cumprido, o nosso dever.
Se agradamos, muito bem. Se não, nem por isto nos molestaremos. Não apagam o fulgor da verdade os que não a querem ver. Cachez le soleil, il brillerá quand même.34
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“O Legionário”, nº 172, 26/5/1935, p. 1
Aliança Nacional Libertadora
Depois dos inúmeros fracassos por que tem passado em nossa Pátria, parece que o movimento socialista se apresenta agora melhor organizado, mais ativo e mais revolucionário. É a Aliança Nacional Libertadora que, disseminada já em quase todo o Brasil, multiplica os seus esforços, organiza diretórios e congrega elementos, que vão desde os chamados socialistas moderados até os congressistas mais vermelhos que são precisamente os chefes do movimento: de entre estes destaca-se Luiz Carlos Prestes, que é o seu chefe supremo, como se depreende das declarações dos pró-atos da ANL, os quais dizem “confiar nos ensinamentos do grande chefe”. De qualquer maneira, ela representa uma organização nitidamente revolucionária, inimiga da civilização cristã e devemos estar prevenidos contra ela e contra seus manejos e atividades, tolerados pelo maior ou menor esquerdismo de grande número dos nossos homens de governo.
Impõe-se um trabalho de reeducação moral
Se devemos estar prevenidos sobre o perigo de um movimento socialista, sempre possível pelo desenvolvimento que as idéias extremistas têm tomado em todos os meios, não quer isto dizer que devemos esperá-lo para depois esmagá-lo em uma demonstração poderosa de força e de sangue. De um lado, impõe-se agora uma ação governamental coibindo a propaganda do mal, pois essa é sua função como guarda do bem público que é. De outro, impõe-se um trabalho enorme de reeducação moral, que tem de recair sobre os ombros de todos os que, bem orientados, se sentem capazes de contribuir com sua parte para o bem-estar dos homens. E o mal que perturba a humanidade não está tanto nos corpos como nas almas, é muito mais moral que material. É o que no século passado dizia Luiz Veuillot, e que muito melhor se aplica aos tempos atuais, quando a sociedade já chegou aos extremos que o grande pensador previa.
“A chaga está nas almas; a estas é que deve ser levado o remédio. Não se trata de reprimir, de aprisionar, de fuzilar; não se trata mesmo de organizar o trabalho dos braços; trata-se de organizar o trabalho das consciências. Enquanto a sociedade não fizer cristãos os homens que a perturbam, ela os terá como inimigos encarniçados e implacáveis. O bem-estar material, embora realizado como eles o pedem, não os moderará; é do bem-estar moral que eles têm necessidade antes de tudo. A grande fome de que eles sofrem, e que nada pode saciar, é a fome do orgulho…
“Estas multidões que reclamam com tanta insistência o pão do corpo, têm principalmente necessidade do pão da alma, que elas não reclamam e que não se lhes oferece. O que elas querem, não está no poder da sociedade conceder-lhe, pois o que elas querem, não é possível neste mundo. O movimento que as impulsiona é uma revolta profunda contra a lei comum imposta à humanidade. Elas recusam o trabalho e a miséria. É preciso livrá-las deste erro, ou preparar-se para ver a sociedade perecer nas reações mais e mais violentas do despotismo e da anarquia. Que se gastem, que se prodigalizem milhões se se acham, é preciso; mas todos estes sacrifícios serão em pura perda, se não se der um lenitivo à angústia moral das massas populares. Nenhuma prosperidade poderia durar, nenhuma forma política poderia manter-se em meio a um povo embriagado de cólera e de orgulho, entregue a falsos profetas que lhes prometem estabelecer na terra o reino de Deus, e que pelo reino de Deus estão longe, certamente, de querer a lei de Deus”.
A Ação Católica, propugnadora da ordem social cristã
Eis Veuillot, apontando aos homens, aos Católicos principalmente, o grande trabalho da recristianização da sociedade para que se estabeleça a verdadeira ordem. E esta vem primeiro dos próprios cristãos que devem viver como tais, para que suas palavras sejam corroboradas pelo exemplo de suas obras. E graças a Deus, aqui, como em todo o mundo, a Ação Católica desenvolve-se a grandes passos, como a propugnadora e organizadora da ordem social cristã, na qual reine a caridade entre os homens de todas as classes e como a antemural a que se chocarão as arremetidas da impiedade, venha ela de onde vier, da anarquia ou da tirania.
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1) (N. do E.) Cf. “O Estado de São Paulo”, de 4/10/1934.
2) (N. do E.) O presente artigo foi publicado também no “Diário de São Paulo”, de 26/1/1935.
3) (N. do E.) Cf. “O Legionário”, nº 160, de 9/12/1934.
4) (N. do E.) Vem de Maria Bernarda, revolta ocorrida em Braga (Portugal), em 1862, fomentada por políticos locais, contra a cobrança de novos impostos. Foi apoiada por algumas unidades militares que conspiravam contra do governo do Duque de Loulé.
5) (N. do E.) Artur de Souza Costa, Ministro da Fazenda (1934-1945).
6) (N. do E.) “Ri, palhaço.” Excerto da ária Vesti la giubba, da ópera Pagliacci de Ruggero Leoncavallo (1857-1919): “Ah, ri Palhaço, do teu amor destroçado! Ri da dor que te envenena o coração!”
7) (N. do E.) Personagem de comédia, trajado com um vestuário amplo, ornado de pompons e gola grande franzida.
8) (N. do E.) Dr. Fábio da Silva Prado.
9) (N. do E.) “Contado, pesado e dividido” (Cf. Dn 5, 1-29).
10) (N. do E.) Este artigo foi publicado também no “O Jornal”, do Rio de Janeiro.
11) (N. do E.) Guglielmo Marconi (1874-1937) – físico italiano, desenvolveu a telegrafia sem fio.
12) (N. do E.) Thomas Edison (1847-1931) – físico norte-americano, inventor do telégrafo duplex, da lâmpada elétrica incandescente e do cinescópio.
13) (N. do E.) {levaram}.
14) (N. do E.) Sempre-viva, planta encontrada a partir dos 2000 metros de altitude, com flores brancas em forma de estrela.
15) (N. do E.) Terroristas, revolucionários.
16) (N. do E.) Antiga graduação militar do Exército. Caiu em desuso em meados do século passado.
17) (N. do E.) {1934}.
18) (N. do E.) Cf. “O Legionário”, nº 168, de 31/3/1935.
19) (N. do E.) Do latim informare – dar forma a.
20) (N. do E.) {a que não}.
21) (N. do E.) Paraíso. Termo usado pela mitologia escandinava para designar o lugar onde os guerreiros heróicos repousavam eternamente, após sua morte.
22) (N. do E.) João Alberto Lins de Barros (1899-1955) – político pernambucano, participou dos movimentos revolucionários de 1922 e 1924, foi comandante de um dos destacamentos da Coluna Prestes e um dos pivôs para o sucesso da Revolução de 1930. Como interventor federal em São Paulo, até 1932, favoreceu abertamente o comunismo. Ocupou vários cargos relevantes no governo Vargas.
23) (N. do E.) Infelizmente, o artigo está incompleto, por faltar uma página no original disponível.
24) (N. do E.) Licurgo – personagem considerado pela tradição como o legislador de Esparta (séc. IX a.C.).
25) (N. do E.) Sólon – estadista ateniense considerado um dos sete sábios da Grécia. Seu nome ficou ligado à reforma política e social que provocou a expansão da nação.
26) (N. do E.) Sem cerimônia.
27) (N. do E.) Literalmente, bem nascido. De boa família.
28) (N. do E.) Líderes.
29) (N. do E.) Há alguma coisa por detrás.
30) (N. do E.) Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.
31) (N. do E.) Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, na época sede do Poder Executivo federal.
32) (N. do E.) Assim vai o mundo. Assim vai o Brasil.
33) (N. do E.) Is 58, 1.
34) (N. do E.) Tapai o sol e ele brilhará na mesma.
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