1935 – julho a setembro
“O Legionário”, nº 173, 9/6/1935, p. 1
Reconquistemo-los
Não tomaremos o trabalho de mostrar aos nossos leitores o cunho evidentemente comunista da Aliança Nacional Libertadora. A este respeito, só podem ter ilusões os tolos ou os mal intencionados. E nem em uma, nem em outra categoria há leitores d’“O Legionário”.
Mas, como se está fazendo grande alarido em torno de tal associação, parece-nos de toda a oportunidade reafirmar algumas verdades a este respeito.
Só há uma atitude cabível em relação à ANL: o mais rigoroso desprezo
Parece-nos que maior erro não poderiam cometer os que se dizem adversários do comunismo do que dar importância à Aliança, que só poderá ter possibilidades de êxito se for acolhida por seus adversários com qualquer outra atitude que não seja a do mais rigoroso desprezo.
Realmente, do ponto de vista moral, não merece ela a menor consideração. As idéias que professa não são as que prega. Nas dobras de sua bandeira nacionalista, se ocultam a foice e o martelo de Moscou. A mistificação é sua nota característica. A demolição é sua finalidade suprema. E a um bando de mistificadores e de petroleiros outra consideração não se tributa, senão a de encaminhá-lo à Delegacia de Ordem Social.
E não é só deste ponto de vista que o descaso se justifica. Esta corrente que nasceu ontem e que procura voltar-se para o operariado, com o fito de o induzir à revolução, tudo pode ter, exceto o prestígio na classe trabalhadora. Quem [é] o seu leader no Rio? O burguesíssimo Prefeito Pedro Ernesto, Catilina-mirim1, que desertou das hostes burguesas onde comeu, bebeu e viveu em paz durante toda a sua vida, para externar através da campanha comunista o seu venenoso rancor de decaído do Club 3 de Outubro.
Em São Paulo, não é de outro estofo o seu leader, burguês de grande estirpe e de luxuosa vida, egresso também ele de um partido liberal-democrático, para incitar à revolta operários a cuja classe não pertence, e de cujas amarguras não participa, no seu esplêndido palacete.
Quais os contingentes que até agora conquistaram? Quais os adeptos que fizeram? Não se sabe, e eles não querem dizê-lo, para não esconder a extensão da indiferença com que os recebe o povo laborioso.
Combater o comunismo atraindo as élites e o operariado para a Igreja
E o perigo comunista? Devem os católicos desinteressar-se dele?
Nunca.
Mas o meio de combater o comunismo não consiste apenas em vociferar, principalmente quando, vociferando-se, faz-se a propaganda do adversário.
O melhor meio de combater o comunismo consiste em conquistar o operariado, associando-o em organizações caracteristicamente católicas, em saciar sua alma sedenta de carinho e de justiça, em lhe suavizar o trabalho, em lhe facilitar a vida.
Do que vale vociferar, em jornais suspeitos de burgueses, contra o comunismo, se não se vai ao operariado, se não se procura extirpar de sua alma o câncer da inveja e da revolta e dar a suas justas aspirações uma real satisfação?
E não é tudo. É mister, também, conquistar as élites. Não é só da alma do operário, que é mister arrancar o câncer da inveja. É necessário extirpar da alma do patrão o câncer não menos devorador, de uma ganância imoderada. É necessário ensinar às élites os seus deveres, porque trabalhará em vão pela paz social quem quiser encarar unilateralmente o problema, vendo na recristianização de uma das classes toda a chave do problema e fechando os olhos à recristianização da outra.
Discreto e eficiente trabalho de reconquista
Não demos, pois, aos nossos adversários uma importância que não merecem.
Não façamos em seu benefício o reclame do escândalo. Feitos os necessários esclarecimentos para impedir que os incautos se deixem arrastar pela mistificação da Aliança Nacional, não cifremos nossos únicos esforços na campanha pelo clamor. Vamos ao trabalho, ao trabalho discreto, mas eficiente que é o segredo de todas as grandes vitórias no termo social.
A Ação católica tem, no Brasil, uma grande tarefa a realizar: a reconquista dos dois pólos da sociedade, corrompidos um – a haute gamme2 – pelo espírito burguês, e outro – o proletariado – pelo irmão gêmeo do espírito burguês, que é o espírito de revolução.
É a esta tarefa, que nos devemos dedicar de corpo e alma, sem nos impressionar demais com os fantasmas inconsistentes que certo elemento procura agitar diante de nossos olhos, a ver se nos encaminham para outras soluções, que não queremos.
***
“O Legionário”, nº 173, 9/6/1935, p. 1
O aniversário do “Legionário”
A 29 de maio último, entrou esta folha no seu nono ano de vida.
Passaram-se já sobre ela oito anos de lutas, de vitórias e de derrotas!
Mercê de Deus, se as primeiras são ininterruptas, as segundas foram poucas, mas em maior número que as últimas.
Já que para um jornal católico lutar e viver são a mesma coisa, esperamos de nossos leitores que nos ajudem a aumentar o saldo das vitórias, para maior glória de Deus, da Santa Virgem e da Igreja, nossa única razão de ser.
***
“O Legionário”, nº 173, 9/6/1935, p. 5
Ainda a Aliança Nacional Libertadora
Dissemos em nosso último número3 algumas palavras sobre a Aliança Nacional Libertadora, recordando especialmente o que se espera dos católicos na chamada questão social. Há, porém, muito mais a dizer e principalmente depois de apontar com documentos aliancistas o que é a ANL, chamar a atenção do governo, e dos representantes da Nação, que têm assento nas Câmaras, Estadual ou Federal, para essa organização. É a ANL perigosa para o Brasil, revolucionária e comunista? Respondam o resumo de um comício por ela promovido no Rio, e notas de um artigo publicado em um de seus jornais, “A Manhã”, também do Rio de Janeiro.
Não uma homenagem à Pátria, mas a um leader comunista
Foi desfraldada no referido comício, a bandeira nacional que acompanhou a coluna Prestes, em sua marcha pelos sertões do Brasil; uma coisa afirmamos entretanto, sem receio de errar: não o foi para honrar a nossa Pátria, e sim, para homenagear o chefe declaradamente comunista da ANL, Luiz Carlos Prestes. Nesse comício defendeu-se a unidade sindical, portanto o sindicato único socialista, como se tem organizado aqui, negando-se existência ao sindicato que declare ter confissão religiosa, ou que alegue outra ideologia política; combateu-se revolucionariamente a guerra imperialista do Chaco4, e um membro do Sindicato dos Professores protestou contra o ensino religioso nas escolas, enquanto o estudante Carlos de Lacerda disse que “nem os bonecos de galões nem os bonecos de papel de imprensa… etc., poderão deter a massa na conquista dos direitos que ela exige… A massa passará esmagando os ‘bonecos’”. Note-se a sinceridade dos aliancistas, que empunham uma bandeira brasileira e, ao mesmo tempo, chamam de boneco, o Exército Nacional, guarda e defensor desse pavilhão!… E o interessante é que há militares filiados à ANL, constituindo uma confirmação daquelas antigas declarações do General Góes Monteiro, sobre os elementos dissolventes que existem no Exército.
Afirmações de uma organização revolucionária
Só isso? Não! Os jornais que obedecem à orientação política da ANL, batem todos, as mesmas teclas de revolução, de opressão, de anarquia, e em todos eles, a colaboração é extremista. Assim, o já muito conhecido Sussekind de Mendonça, escrevendo na “A Manhã”, sobre a União Feminina, organização extremista anexa à ANL, critica todas as outras organizações da mulher brasileira porque estas, diz, são “focos de um reacionarismo insuportável”, e, “se se dispõem a fazer caridade, com grandes tabuletas em latim, seus benefícios nunca chegam à massa anônima das necessitadas – ficam no meio, distribuídos por tamina5 com caráter ostensivo e odioso de favor, às portadoras certas de bilhetes numerados pelo zelo fiscal das sacristias”. E continua Sussekind, “se se propõem a fazer obra social, ainda que se subordinem declaradamente a trabalhar por tudo o que concorra para o progresso feminino – seu primeiro cuidado é ficar bem com Deus, com a Pátria e com a Família, tanto vale dizer: a não contrariar os interesses da Santa Madre Igreja Católica Romana, a aplaudir todas as bobagens que cismem de ensaiar o Parlamento e as outras mais Autoridades Constituídas e a fazer causa comum com todos os que se oponham ao divórcio, à proteção às mães solteiras, ao reconhecimento ilimitado de todos os filhos ilegítimos, à supressão da infirmitas, e à proscrição definitiva da tutela odiosa às mulheres casadas, isto é, precisamente a tudo o que procure destruir o atraso feminino”.
São textos perfeitamente esclarecedores da atitude de uma organização que não engana a ninguém sobre os fins que procura. Não vamos refutá-los aqui, porque não é esse agora o nosso fim. Trazemos apenas a demonstração escrita de que a ANL, é uma organização revolucionária, pois “esmagará os bonecos de galões” (Exército), e é inimiga do regime e da Pátria (combate o ensino religioso que é estabelecido pela Constituição de 16 de Julho, luta contra a família, batendo-se pelo divórcio, quando a mesma Constituição a declara indissolúvel, critica as mulheres que se apóiam em Deus, na Pátria e na Família etc.).
Suficientes razões para se proibir a ANL, nos termos da Rerum Novarum
Que deve fazer então o governo? Permitirá a sua livre expansão, deixando que ela produza todo o mal que já se pode prever? Não! Se muitas vezes para evitar um mal maior ele dever permitir que certas organizações continuem a existir, não é este o caso da ANL, que procura evidentemente “violar a justiça e minar as bases mesmas da vida social”, razões estas que Rossignoli acha suficientes para que uma associação seja proibida. E Leão XIII, na Rerum Novarum, não é menos explícito: “Por certo, que a máxima parte dos operários quereriam melhorar de condição por meios honestos, sem prejudicar a ninguém; todavia não poucos há que, embebidos de máximas falsas e desejosos de novidades, procuram a todo custo excitar tumultos e impelir os outros a violências. Intervenha portanto a autoridade do Estado, e, reprimindo os agitadores, preserve os bons operários do perigo da sedução e os legítimos patrões de serem despojados do que é seu… O remédio portanto, nesta parte, mais eficaz e salutar, é prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão de nascer os conflitos entre os operários e os patrões.” Esse portanto, o dever dos nossos governos diante da ANL, e se eles não o cumprirem serão grandemente responsáveis pelo que vier a suceder.
Cabe ao governo organizar a proteção eficaz e real do operário
Não basta, porém, uma atitude policial; Leão XIII lembrou aos governos todos os seus deveres para com as classes desprotegidas, e são esses deveres que Pio XI, resume na Encíclica Quadragesimo Anno: “Quanto à autoridade civil, Leão XIII, ultrapassando com audácia os confins impostos pelo liberalismo ensina impertérrito que ela não deve limitar-se a tutelar os direitos e a ordem pública, mas antes fazer o possível para que as leis e instituições sejam tais (…) que da própria organização do Estado dimane espontaneamente a prosperidade da nação e dos indivíduos. (…) Aos governantes compete defender toda a nação e os membros que a constituem, tendo sempre cuidado especial dos fracos e deserdados da fortuna, ao proteger os direitos dos particulares. Porquanto a classe abastada, munida dos seus próprios recursos, carece menos do auxílio público; pelo contrário a classe indigente, desprovida de meios pessoais, esteia-se sobretudo na proteção do Estado. Por conseguinte deve ele atender com particular cuidado e providência aos operários, visto serem eles do número da classe pobre.” Representam essas palavras a obrigatoriedade em que os governantes se acham, de desenvolver uma política social ativa, organizando a proteção eficiente e real do operário, em “sua alma, em sua saúde, forças, família, casas, oficinas, salário, acidentes de trabalho; numa palavra, em tudo o que interessa à classe trabalhadora, principalmente às mulheres e crianças”. É o que quer Pio XI e que, constituindo uma obrigação para os governos, representa também a salvação da sociedade cristã.
***
“O Legionário”, nº 173, 9/6/1935, p. 5
O sacrifício indispensável
Não é a qualquer pessoa que é dado exercer o duro ofício de pescador de pérolas. As compleições fortes são capazes de resistir à pressão da água e às agressões dos polvos, para descer até o fundo do Oceano, e colher lá a pérola alvíssima que procuram. Mas os organismos débeis se sentem asfixiados desde que se aprofundem um pouco nas águas verdes do Oceano, e são forçados a retroceder com, as mãos vazias, para respirar a brisa amena e retornar à pressão fraca, longe das quais são incapazes de viver.
É o que se dá, também, no mundo do espírito. Há certas almas capazes de descer à profundeza das mais sérias cogitações, onde vão buscar a pérola inestimável da verdade. Outras, porém, se sentem asfixiadas desde que as idéias se tornam um pouco mais densas, e retrocedem imediatamente, de mãos vazias, àquela banalidade estéril que é o único ambiente que conseguem suportar.
Hoje é mister o sacrifício da alma que se purifica pela prática da virtude
O grande sentido da vocação da geração que atualmente atingiu a mocidade é o sacrifício.
Ou esta geração enfrentará a dureza de sua vocação com a generosidade do martírio, ou ela será inevitavelmente devorada pelas tempestades que as gerações anteriores acumularam por seus erros, e que estão prestes a desabar sobre o mundo contemporâneo.
Mas o sacrifício que se requer não é o do sangue. Não é a morte que a graça impõe ao moço de hoje como perigo supremo a enfrentar, mas a própria vida. Não é mais o tempo de atestarem os crentes a sua fé, pelo testemunho sangrento do martírio. O que hoje a Igreja pede aos seus fiéis é o testemunho de uma vida exemplar, e o sacrifício generoso de toda a nossa personalidade à grande causa porque é mister lutar.
Este sacrifício, é o sacrifício dos bens temporais. É o sacrifício do tempo que se emprega no apostolado, quando poderia ser utilizado na caça ao dinheiro. É o sacrifício das atitudes que se tomam para salvar as almas, com prejuízo da reputação social, das mais caras relações de família ou de amizade, das mais preciosas simpatias.
Mas sobretudo este sacrifício é o da alma que se purifica pela prática da virtude, que se imola no sofrimento interior, que sobe espontaneamente ao altar das mais dolorosas provas espirituais, com aquela resolução magnânima com que caminhavam para o martírio os primeiros cristãos. Porque o mundo atual foi perdido pelo pecado e só pela virtude se há de resgatar. Porque de nada vale a mais útil das obras de apostolado aos olhos de Deus, quando o [apóstolo] ↓6 leva na alma aquele mesmo espírito do mundo, que combate por suas ações.
Sacerdócio, a vocação por excelência para o sacrifício
É precisamente isto que o mundo não quer compreender, e é a esta incompreensão que atribuo o pequeno número de vocações entre nós.
A vocação sacerdotal é, por excelência, a vocação para o sacrifício. Em primeiro lugar, é toda a ambição humana que se sacrifica, pela humildade voluntariamente abraçada, e que é inseparável do estado sacerdotal.
Em segundo lugar, é a santidade que se tem em vista. E quem diz santidade diz o sacrifício completo de toda a felicidade que o mundo pode dar, através de sua sistemática bajulação dos sentidos, através de sua louca exaltação da concupiscência e do orgulho da vida.
E, em terceiro lugar, vem o sacrifício supremo, em que o sacerdote já não imola à justiça de Deus apenas a sua própria pessoa, mas o próprio Filho de Deus, feito Homem para resgatar os pecados do mundo.
“Seminarista humilde, serás tu o verdadeiro salvador do Brasil”
Vejo às vezes passar pelas ruas algum seminarista, trazendo na gravidade do traje e na humildade do porte a afirmação de todos os princípios de renúncia que o mundo detesta.
Muitos seguem-no com o olhar. Ora são alvejados pelo ódio, ora pelo escárnio.
Em torno de mim, o mundo se agita febrilmente. O jornal que tenho em mãos me dá notícia de que grandes estadistas querem salvar o Brasil, reerguendo seu câmbio, saneando suas finanças ou reformando sua administração.
E, em meu coração, eu me rio por minha vez da loucura do mundo. Não é o grande estadista, nem o grande cientista, nem o grande jornalista, que todos aplaudem, que salvará o Brasil.
Seminarista humilde de que todos se riem, tu serás santo, e serás tu o verdadeiro salvador do Brasil.
***
“O Jornal”, 22/6/1935, Coluna do Centro
Chanceler e Mártir
(Copyright dos “Diários Associados”)
No dia 6 de julho de 1535, aos golpes da justiça inglesa, morria Thomas Morus, ex-membro do Parlamento Inglês, ex-subsheriff de Londres, ex-conselheiro do rei, ex-chanceler da Inglaterra, elevado à categoria de fidalgo, e criado cavalheiro, um dos mais famosos escritores de sua época, autor de uma obra imortal – a Utopia – e amigo do peito de Erasmo, o grande humanista do século XVI.
O preço de uma vida: ser católico
Condenado à morte, determinava a sentença do tribunal que lhe abrissem o ventre e lhe arrancassem as entranhas. Mas a clemência de Henrique VIII havia convertido a pena em decapitação. No dia fixado, deu-se a execução. Por um momento brilhou ao sol de Verão a arma empunhada pelas mãos trêmulas do carrasco. A cabeça do criminoso rolou por terra. Estava tudo consumado. Ele expiava um crime nefando, que a outros antes como depois dele, havia custado preço ainda maior: era católico.
Sua vida fora sempre uma brilhante ascensão, em que a glória e o poder lhe corriam ao encontro, conquanto os desprezasse, voltando seus olhos para uma outra felicidade, que a inconstância da política e a tirania do rei não lhe poderiam roubar.
O sonho de um mosteiro beneditino
Ainda moço, sua alma nobre se deixou atrair pelo encanto místico de um mosteiro beneditino, onde quis engajar-se como soldado, na milícia sagrada do sacerdócio.
Mas a Providência o impeliu para outros rumos e, enquanto se viu obrigado a reduzir o tempo consagrado ao estudo da Teologia, sua matéria predileta, para fazer lugar à Filosofia, interveio a vontade paterna, que o forçou a relegar a um segundo plano estes estudos tão caros, para lhe impor que empregasse o melhor de seu tempo para se formar em Direito, em Oxford.
Dócil, Thomas Morus obedeceu. Adquiriu, na famosa Universidade de Oxford, conhecimentos jurídicos eminentes. Por esta razão, viu abrir-se diante de si as portas da política e do Parlamento e por elas ingressou.
Na rápida ascensão que o guindou aos mais altos cargos do governo, qualquer observador superficial poderia imaginar que o jurista e o político haviam morto definitivamente o filósofo e o teólogo em Thomas Morus, e que nada mais, no valido7 de Henrique VIII, haveria de perdurar do estudante idealista de outros tempos.
Um político iluminado pela teologia
Mas foi o contrário que se deu. Senhor de larga inteligência, pôde formar, a par de uma ciência jurídica notável, profunda cultura filosófica. E suas produções, das quais a mais famosa foi a Utopia, o colocaram na primeira plana dos escritores europeus do seu tempo, valendo-lhe a admiração de reis e príncipes, e a fraternal amizade do imortal Erasmo.
Há, entre o político que ascende aos mais altos graus da admiração munido de profundos conhecimentos filosóficos, jurídicos e sociais, e o político que leva às eminências do poder, como única bagagem, uma pequena cultura e uma grande ambição, a mesma diferença que existe entre o médico e o curandeiro. O primeiro, se orientará pela ciência não menos do que pela prática. O segundo, procederá com um empirismo cego, aplicando aos problemas de hoje o mesmo repertório de fórmulas que ele viu dar certo ontem.
Thomas Morus pertencia à primeira categoria, o político não matou nele o filósofo nem o teólogo; mas o filósofo e o teólogo governaram o político, iluminando-lhe o caminho, ditando-lhe os horizontes e dirigindo-lhe a ação.
Inflexível defensor do Papado
É justamente nesta ocasião que Henrique VIII o colhe no mais brilhante de sua carreira para lhe impor o trágico dilema: ou crê ou morre; ou adere à heresia protestante ou incorre nas iras do rei, presságio terrível de futuras desgraças.
É o momento crucial de sua existência. De um lado a vida a lhe sorrir, de outro a consciência a lhe apontar o caminho do dever. Não hesita. Entrega sua demissão e se recolhe à vida privada.
Foi aí que as iras reais foram fulminá-lo. Conduzido à prisão foi submetido a diversos interrogatórios, em que o soldado dos direitos do Papado mostrou uma energia, uma grandeza de alma, um desprendimento digno dos mártires das primeiras eras cristãs.
Ao Duque de Norfolk, que lhe dizia que “a indignação do príncipe significava a morte”, redargüiu nobremente: “É só isto, mylord? Realmente entre vossa graça e eu não há senão uma diferença: é que eu morrerei hoje e vossa graça amanhã.”
Encarcerado na Torre de Londres por um ano, doente, privado do supremo conforto dos Sacramentos, tudo conspirava contra sua constância, inclusive – suprema tentação – os rogos afetuosos de sua esposa e de sua filha, incapazes de o acompanhar na dolorosa grandeza do martírio. Por fim, sua família se viu reduzida a tal miséria que teve de vender os trajes de corte, para pagar o alimento indispensável para que Morus não morresse de fome na prisão!
Nos intermináveis interrogatórios, foi-lhe ao encontro a perfídia de Tomás Cromwell, que procurava por meio de hábeis perguntas, convencê-lo do crime de alta traição. Morus, porém, não se deixou enredar e, com a tranqüila firmeza de uma alma pura, pronunciou esta frase que resume toda a sua defesa: “Sou fiel ao rei, não faço o mal a ninguém, nem difamo a quem quer que seja; se isto não é suficiente para salvar a vida de um homem, não quero viver por mais tempo.”
Martirizado como quem cumpre o dever
Finalmente, tiraram-lhe os livros de piedade. Fechou, então, as janelas de seu cárcere e se manteve na obscuridade, a meditar sobre a morte, até que o dia chegou em que deveria beber a última gota do cálice.
Caminhou para o martírio com a naturalidade de quem cumpre um dever. E nem aí o abandonou aquela cordura de espírito que tão harmoniosamente se aliava a sua invencível energia. Mostrou-o em dois lances extremos de indefectível humour inglês. Como estivesse pouco firme a escada do cadafalso, pediu ao carrasco que o ajudasse a subir. “Quanto a descer, acrescentou jocosamente, eu me arranjarei só.” Depois de ter abraçado o carrasco, ajoelhou-se e pediu-lhe tempo para arranjar a barba. Gracejando, disse depois ao carrasco: “Não a cortes, ela não tem culpa.” Orou e entregou sua grande alma a Deus.
Exemplo mais valioso do que mil argumentos
Em uma época em que o desprestígio se vai projetando como uma sombra sinistra sobre três categorias de homens que servem de alicerce à sociedade – os políticos, os cientistas e os militares – a Igreja acaba de elevar à honra dos altares três modelos admiráveis de honra e virtude, exatamente nestas três classes. Canonizou Joana d’Arc, canonizou S. Alberto Magno e vem de canonizar agora S. Thomas Morus.
No seu gesto, há simplesmente um ato de justiça para com os Santos. Mas a Providência permitiu que seus processos de canonização só agora chegassem a termo, para que servissem como um protesto bem alto contra a desmoralização que fere de cheio o prestígio da ciência, da autoridade e da espada, sem as quais a sociedade não pode viver.
E foi mais longe na sua reação. Não pregou apenas com exemplos tirados ao passado. Inspirados na doutrina da Igreja formaram-se em nossa época três grandes figuras modelares para dignificar a ciência, restaurar o prestígio da autoridade e reerguer a dignidade da espada: Contardo Ferrini8, um dos maiores cultores do direito romano em seu século; Foch, o vencedor da Grande Guerra9; e finalmente Dolfuss10, o chanceler mártir.
Exemplos como estes, mais do que mil argumentos, podem arrastar as [pessoas] à defesa da Igreja e da civilização ameaçadas pelos povos bárbaros que vêm de Moscou, ou pelos neo-pagãos que se arregimentam na Teutônia…
***
“O Legionário”, nº 174, 23/6/1935, p. 1
Urgente definição
Destinado a ser um dos órgãos do pensamento católico, “O Legionário” tem procurado manter-se sempre acima das divergências partidárias em suas apreciações sobre as questões políticas, em que uma simples atitude de silêncio e desinteresse evidenciaria uma incompreensão injustificável da própria ação da Igreja nesse terreno.
Expressões desrespeitosas contra a autoridade da Igreja
Nesses termos, não podemos deixar de protestar contra uma publicação do Departamento de Publicidade da Ação Integralista Brasileira no “Diário de São Paulo” do dia 9 do corrente, intitulada “A Urgente definição”, mesmo porque se em nossos trabalhos timbramos em ser só e sempre católicos, sentimo-nos também visados com as injúrias contidas naquele documento.
Não o fazemos por qualquer prevenção de nossa parte contra o integralismo, sobre o qual já nos temos referido muitas vezes com a maior imparcialidade, reconhecendo suas qualidades e apontando suas deficiências.
Queremos apenas fazer com que os integralistas de boa vontade compreendam a nossa atitude e, ao mesmo tempo, chamar a atenção do Departamento de Publicidade da Ação Integralista, pelas expressões desrespeitosas que usou para com a autoridade da Igreja. Se deixamos lavrado nosso protesto contra tais afirmações, não é em absoluto por qualquer sentimento de amor próprio, nem apenas – o que já seria suficiente – em defesa da nossa dignidade e da nossa honra, mas sobretudo porque foram ofendidas insólita e arrogantemente a própria dignidade e a honra da Igreja, da qual nos confessamos filhos amorosos e submissos.
Toca ao integralismo definir-se de uma vez para sempre
Começa o escrito em questão perguntando porque não se pronunciam os católicos definitivamente sobre o integralismo. Ora, os católicos não têm obrigação alguma de se definir em relação ao integralismo. De mais a mais, o pensamento dos católicos, como católicos, só pode ser definido pela autoridade da Igreja. Podem eles ter suas opiniões individuais sobre várias questões de ordem temporal e política, dentro dos limites permitidos pela doutrina católica, mas só a Igreja pode, pelo Papa e pelos Bispos, “pronunciar-se definitivamente” sobre tais questões, quando afetam a fé e os costumes, e quando tal definição se impõe por motivos que igualmente só à Igreja, divinamente assistida, cabe julgar. Portanto, solicitando a definição dos católicos, em termos de um verdadeiro desafio, as afirmações que rebatemos não se dirigem apenas aos católicos individualmente, mas chegam a atingir de um modo geral a própria Igreja.
O integralismo é que precisa definir-se de uma vez para sempre, em relação ao catolicismo, por uma exposição minuciosa e tranqüilizadora de sua atitude quanto às liberdades da Igreja e ao reconhecimento da preeminência da Igreja Católica sobre qualquer outra força espiritual do Brasil, por direito doutrinário e histórico. Cumpre-lhe afirmar claramente se a sua “concepção da vida” é a concepção católica e no caso da resposta afirmativa, não mais permitir referências insultuosas, do seu Departamento de Publicidade, à Igreja.
Não contestamos que a Ação Integralista aceite um número maior de princípios preconizados pelo catolicismo na reforma da sociedade do que outros partidos, mas por isso mesmo não tem os motivos destes para evitar uma definição categórica do seu pensamento. Acrescente-se a isso a declaração do próprio integralismo de que não é um partido, mas trabalha por uma reforma até mesmo espiritual, a sua intransigência doutrinária e a sua disciplina rígida (que não estamos censurando mas apenas constatando), – para se concluir que deve a Ação Integralista ser mais explícita em relação à doutrina e aos direitos da Igreja.
A Igreja não precisa dos homens, eles é que precisam dela
Não lutamos pela violência, não nos organizamos “tão fortemente como o integralismo” porque a Igreja não precisa dos homens, mas os homens é que precisam da Igreja. Afirmar o contrário é não ter fé, é não confiar nos meios sobrenaturais que constituem a força própria da Igreja, é não conhecer o que seja a Igreja.
A nossa confiança não está no integralismo nem em qualquer outra organização humana, mas só na Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Autênticos soldados da cruzada iniciada por Jackson de Figueiredo, ainda estamos em que o mundo de hoje está tão perdido que só uma ação puramente católica o poderá evitar.
Sabemos que “Deus quer que o homem diligencie”. Sabemos que é preciso “ter o expediente do bom Samaritano”. Mas diligenciaremos como Deus o quer, seguindo, portanto, as ordens do Papa, pois o Papa é o intérprete da Vontade de Deus, como Vigário de Jesus Cristo. Diligenciaremos, pois, organizando-nos na ação católica e cumprindo as determinações que forem dadas pelos Bispos. Precisamente no momento em que o Departamento de Publicidade da Ação Integralista injuriava desabridamente os católicos – eram assinados pelos Bispos do Brasil os planos da Ação Católica Brasileira. Esta é a única autoridade a quem cumpre organizar os católicos para trabalhar também e não “apenas rezar”. Ninguém mais tem direito a dar ordens aos católicos!
Prescindir das autoridades da Igreja é eliminar o próprio Cristo da direção de seu rebanho
Concluindo estas considerações que a consciência nos ditou queremos tornar patentes os dois erros fundamentais que inspiraram o “desafio” do Departamento de Publicidade da Ação Integralista.
Não é exato que à Igreja Católica, no cumprimento da missão que lhe atribuiu seu Fundador, faltem os meios necessários para a reedificação em Cristo da sociedade contemporânea. Os obreiros que, prescindindo da Igreja Católica, quisessem trabalhar fora do Corpo Místico de Cristo para o mesmo fim, nada [obteriam] ↓11. “Nisi Dominus ædificaverit domum in vanum laboraverunt qui ædificant eam”12.
Também não é exato que a qualquer obreiro da civilização Católica (e não apenas cristã) assista direito de dirigir críticas veladas ou indiretas à autoridade eclesiástica, a quem incumbe de modo exclusivo a guarda e direção do rebanho de Cristo. Prescindir das autoridades da Igreja que, melhor do que ninguém, conhecem o lobo que se esgueira entre as ovelhas para devorá-las13, ou pretender dar-lhes lições quanto ao exercício de seus deveres pastorais, é eliminar o próprio Cristo da direção do seu rebanho, tentando substituí-lo por autoridades meramente humanas. Ora, é o próprio Espírito Santo quem nos diz que: “Nisi Dominus custodierit civitatem, frusta vigilat qui custodit eam”14.
***
“O Legionário”, nº 174, 23/6/1935, pp. 1 e 4
O Cardeal da Providência
Plinio Corrêa de Oliveira
Com as últimas notícias publicadas a respeito da alta direção das atividades católicas no Brasil, podemos dizer que toda uma etapa de nossa vida religiosa se encerra, para ceder o lugar a outra que se anuncia promissora e brilhante. A recente promulgação dos estatutos da Ação Católica Brasileira, a fixação da data em que se realizará o Congresso Eucarístico de Belo Horizonte e, sobretudo, a notícia de que se reunirá em Concílio, brevemente, o Episcopado Nacional, constituem os marcos iniciais de uma inteira renovação de toda a nossa vida religiosa.
Parece-nos, portanto, da mais estrita justiça que no limiar de uma nova série de esforços e de lutas detenhamos por instantes nossa marcha, a fim de examinar o caminho percorrido.
Há vinte anos, a incredulidade ganhava toda a massa da população brasileira
Em 1915 – há vinte anos apenas – qual era a situação religiosa do Brasil? Como se apresenta ela em nossos dias? Quais as modificações operadas? É o que vamos examinar.
Em 1915, era desoladora nossa situação. O povo era católico. Mas, nas mais altas camadas sociais, as tradições católicas iam se diluindo cada vez mais, cedendo o passo aos costumes e à mentalidade do neo-paganismo europeu e norte-americano, largamente importado através dos romances e do cinema. Nas élites intelectuais o catolicismo deixara de existir, ou existia na situação de mero sentimentalismo, sem a menor ligação com as convicções filosóficas, políticas ou científicas. Fortemente infeccionadas as élites intelectuais e sociais, o corpo social inteiro padecia e, vindo do alto, o escândalo da incredulidade e do sibaritismo ganhava toda a massa da população.
Qual a situação em que enfrentava a Igreja a multiplicidade de tamanhos perigos?
Um Episcopado enérgico e um Clero altamente moralizado tentava em vão reagir à onda que se avolumava. Ainda não estava liquidada a pesada herança do Império, e a desorganização ainda afetava alguns dos pontos mais centrais de nossa vida religiosa: as Ordens religiosas, apenas renascentes dos escombros; as irmandades leigas ainda insubmissas; e acima de tudo o Clero ainda muito pouco numeroso, a absorver quase toda a sua atividade em ministrar os Sacramentos e distribuir a palavra de Deus, sem o tempo necessário para organizar associações, dirigir iniciativas, arregimentar elementos.
Aliás, a simples expressão “arregimentar elementos” faria sorrir naquela época, porque, a dizer a verdade, não havia elementos a arregimentar. Com a exceção de algumas irmandades insubmissas e de uma ou outra raríssima associação religiosa realmente prestante, o laicato se desinteressava da ação católica que não compreendia, ou até nem mesmo conhecia. E precisamente por este motivo a mesa eucarística estava quase sempre deserta, freqüentada apenas por raras senhoras, ou por algum homem já idoso.
Muito escasso o Clero e quase nula a vida eucarística de nosso povo, pequeníssima sua cultura religiosa, diminutíssimo o laicato católico, que recrutava raros elementos no sexo piedoso e quase não tinha representantes entre os homens – o que fazer?
Renova-se a pujança do espírito religioso entre os leigos
Deus, no entanto, escreve direito por linhas tortas. Ou, como diz nosso venerado Arcebispo, “nós vemos tortas as linhas direitas em que escreve Deus”. E, em 1935, decorridos apenas 20 anos, o panorama se apresenta inteiramente mudado.
Atacado o gravíssimo perigo da escassez do Clero, pela ação perseverante da Obra das Vocações, a Santa Sé acaba de dar impulso decisivo à solução do problema pela fundação dos Seminários Centrais, que, além de comportarem estudantes numerosos, dispõem de todos os elementos para formar Sacerdotes modelares.
A vida eucarística floresce em todas as camadas sociais e atrai pelo seu esplendor a alma de velhos como de moços, de homens como de mulheres, de sábios como ignorantes. As estatísticas oficiais sobre o número de Comunhões distribuídas na Arquidiocese e nas Dioceses de Campinas, e de Jaboticabal, as únicas cujo Anuário conheço, indicam o mais entusiástico renouveau eucarístico.
A vida intelectual dos católicos tem outro aspecto. Não só o catolicismo vai reconquistando a posição de orientador de todo o pensamento filosófico, científico e político dos intelectuais católicos, mas vai sendo defendido com denodo cada vez maior, por uma plêiade de leigos que vão conquistando gradualmente as Escolas Superiores, quer ocupando as cátedras, quer militando entre os alunos.
O laicato católico é cada vez mais numeroso. E o magnífico movimento da Federação Mariana é bem o índice mais expressivo da pujança do espírito religioso entre os leigos.
As instituições caminham para uma cabal recristianização. E a Constituição de 1934 é um índice bem significativo do vigor da ofensiva católica neste terreno.
Sobressai a figura do Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro
A esta altura, o Episcopado Nacional resolve enfeixar na organização da Ação Católica todas as atividades religiosas do laicato. Convoca, também, um Congresso Eucarístico em Belo Horizonte, no coração do País, para ser eco eloqüente do da Bahia. E um Concílio nacional se anuncia, em que se tratará de ordenar todo este progresso e dar estímulo ainda maior a tantas dedicações que, de todos os lados, vêm oferecer à Igreja saber, talento, energia e atividade.
Uma figura se destaca, no meio de tantas iniciativas e de tantos triunfos. É a do Cardeal-Arcebispo de Rio de Janeiro, que tem sido o marechal ardoroso e infatigável de todas estas vitórias.
Ainda em 1916, na pastoral dirigida aos fiéis de Olinda, seu olhar como que antevia o triunfo de hoje, no realismo são com que pôs a descoberto todas as chagas de nossa insuficiência religiosa.
Em todos os setores em que se operaram progressos, a figura do Cardeal aparece ligada às mais gloriosas realizações. Que triunfo mais esplêndido para a nossa vida eucarística, do que a grandiosa procissão de 1922, ou o Congresso Eucarístico de 1932? E quem mais do que o Cardeal, trabalhou para a realização destes dois grandiosos empreendimentos? Que afirmação mais vigorosa, do pensamento católico, do que o Instituto Católico de Estudos Superiores, ora dirigido por Tristão de Athayde, e que nasceu sob os auspícios e o patrocínio amoroso de todos os instantes, de Dom Sebastião Leme? Se por toda a parte floresce a ação de laicato católico, de onde lhe vieram estímulos mais vigorosos, simpatia mais eficiente, proteção mais constante, do que do Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro? E se atualmente a Ação Católica se organiza, a quem se deve a obra ingente da conciliação dos pontos de vista contrários, da eliminação dos obstáculos, do triunfo sobre todas as dificuldades que toda a iniciativa como a Ação Católica tem de encontrar, até conciliar todos os entusiasmos, como acaba de acontecer?
O nome do segundo Cardeal da América Latina há de ficar nos fastos da História do Brasil.
Modesto, ele se oculta em todos os grandes movimentos que empreende, faz brilhar sempre os ideais que o animam, apagando sua pessoa, colocando-se voluntariamente na sombra.
Um dia, porém, [haverá] em que a “justiça de Deus falará pela voz da História”. E, neste dia, se verificará que a figura providencial de Dom Sebastião Leme se sobreporá à de todos os brasileiros de sua época, do ponto de vista da grandeza da obra realizada.
Chamam-no o Cardeal da Eucaristia, outros o Cardeal de Nossa Senhora, outros o Cardeal da mocidade. Ele, porém, será coroado pela História com um título ainda mais glorioso, que a todos os anteriores excederá: será o Cardeal da Providência.
***
Folder enviado aos Congregados Marianos de São Paulo,
junho de 193515
Grande Concentração Mariana
do Estado de São Paulo
Dia 16 de julho de 1935
Comemoração do 1º aniversário da nova
Constituição Brasileira, que contém os
artigos religiosos e o nome de Deus
A Diretoria da Federação das Congregações Marianas de São Paulo, promovendo a Grande Concentração Mariana Estadual no dia 16 de julho próximo, com a qual conta reunir em São Paulo 10.000 Congregados Marianos para celebrar o 1º aniversário da promulgação da Nova Constituição Brasileira, que contém os artigos religiosos e o nome de Deus, vem solicitar de V. S.a, nosso irmão congregado, o obséquio de querer contribuir com um donativo ou angariar donativos para cobrirmos as grandes despesas que vão ser feitas com essa Concentração. Precisamos, na verdade, de auxiliares dedicados que compreendam o alcance dessa grande manifestação de fé e desse triunfo mariano em honra da Virgem Santíssima.
Com efeito, nesse dia, 10.000 congregados marianos, filhos de N. S.ra, vão entoar, na Praça da Sé, pela primeira vez, o cântico de São Paulo a N. S.ra Aparecida – padroeira do Brasil. Nenhum alma verdadeiramente mariana pode ficar indiferente a esse espetáculo de religiosidade e a essa arregimentação da mocidade paulista e mariana.
Mas, para a grandiosidade desse empreendimento (a fim de que seja, realmente, um atestado do fervor e entusiasmo santo dos Marianos), é necessário que haja uma comissão que contribua eficazmente para a realização desse grande desideratum. Assim, pois, tomamos a liberdade de escolhê-lo para fazer parte dessa grande comissão. As atribuições desta serão:
1) Assistir às reuniões preparatórias da Concentração, conforme convocação prévia;
2) Receber as autoridades e pessoas gradas que se apresentarem no Teatro Municipal para assistir às conferências, nos dias 13, 14, 15 e 16 de julho;
3) Acompanhar até o palco os Ex.mos Sr. Bispos que irão pronunciar conferências;
4) Receber os congregados Marianos do Interior nas estações e comunicar-lhes as ordens a serem executadas;
5) Auxiliar a Diretoria e especialmente o Pe. Diretor da FCM durante a grande Missa Campal, quanto à distribuição de lugares aos convidados;
6) Presidir à distribuição dos lunchs aos Congregados do Interior;
7) Distribuir, às 13 ½ horas, as bandeirolas, no pátio do Liceu do Coração de Jesus: aos Congregados do Interior, e no pátio do Ginásio de São Bento: aos Congregados da Capital;
8) Dirigir o desfile para a grande concentração na Praça da Sé;
9) Angariar donativos para cobrir as grandes despesas da Concentração.
A Diretoria da FCM
Dr. Vicente Melillo
Dr. Sebastião Medeiros
Dr. Luiz Tolosa de Oliveira e Costa
Dr. Paulo Sawaya
Dr. Olavo Calazans
Dr. Aguinaldo A. Ribeiro
Antonio Consales
José Felintho da Silva Júnior
Moacyr Lázaro Barboza
Dr. José Cândido Tolosa de Oliveira e Costa
José da Silva Marret
Raphael Platt
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira16
José Villac
João La Farina
José Menegasso
Luiz Gachido
***
“O AUC”, Ano VI (nova série), nº 16, julho de 1935, p. 9
Aurora magnífica de uma grande renovação espiritual
Como homenagem às reivindicações religiosas escritas na Constituição Federal, a Ação Universitária Católica pediu a membros da bancada paulista e deputados católicos de outros Estados um depoimento que hoje oferece a seus leitores.
Programa mínimo da Liga Eleitoral Católica, integralmente vitorioso na Constituição de 1934:
I – Indissolubilidade do vínculo conjugal.
II – Ensino religioso facultativo nas escolas.
III – Assistência espiritual às classes armadas.
IV – Equiparação ao serviço militar, da assistência espiritual prestada pelos sacerdotes.
* * *
O movimento de opinião que se manifestou em todo o Brasil, em 1933, em prol das emendas católicas, teve como nota característica o apoio ardoroso da mocidade.
O Catolicismo, banido de nossa vida pública em 1889, retomou em 1934 as suas posições, com o apoio não apenas dos que, pelo sexo ou pela idade, mais infensos se mostram a qualquer inovação, mas com a solidariedade entusiástica daqueles que, até ontem, eram a presa predileta das idéias subversivas, isto é, os moços.
A vitória do Catolicismo, em 1934, não foi, pois, o triunfo efêmero de uma doutrina que luta penosamente contra a morte, mas a aurora magnífica de uma grande renovação espiritual.
Plinio Corrêa de Oliveira, deputado por São Paulo.
***
“O AUC”, Ano VI (nova série), nº 16, julho de 1935, p. 16
Uma sugestão
Plinio Corrêa de Oliveira
(Lente do Colégio Universitário)
Indiscutivelmente, a AUC está passando por uma fase de renovação que promete os mais assinalados triunfos.
A última reunião que realizou em sua sede, no Palácio das Arcadas, me convenceu plenamente disto. E é exatamente para auxiliar os esforços que se vão empregando com tanta generosidade e proveito que venho trazer meu depoimento de velho batalhador das lides católicas sobre um dos problemas fundamentais da AUC.
O aucista deve compreender a magnitude e fecundidade do apostolado universitário
A AUC seria uma dais mais pujantes associações da juventude masculina de São Paulo se fôssemos atender ao número e à qualidade dos congregados marianos que se acham inscritos em nossa Universidade, entre os quais se encontram elementos de escol, como sejam diversos presidentes ou membros de diretoria das congregações.
A realidade, porém, nos mostra que a AUC tem tido a simpatia de todos os marianos e de todos os católicos das escolas superiores, mas que, em casos por demais freqüentes, estas simpatias não têm transposto os limites de mero sentimento, em lugar de se concretizar em fecunda colaboração.
Quem indagar, no entanto, das atividades que estes elementos desenvolvem em suas respectivas Congregações, nem por um momento sequer deverá acoimá-los de indiferentes à causa da Igreja.
Como então explicar tal inação?
A meu ver, o enigma se explica da seguinte maneira: não foi exposta ainda, aos olhos do aucista, com toda a evidência, a magnitude e fecundidade do apostolado universitário. Se se empreender uma campanha sistemática neste sentido, estou certo de que, em breve, as hostes da AUC se tornarão ainda mais aguerridas e eficientes.
Orientar o pensamento universitário é preparar o futuro do País
Dentro da estreiteza de um artigo, não me seria possível abordar o problema do apostolado universitário em toda a sua complexidade. Passarei, no entanto, a estabelecer algumas verdades que contribuirão para o esclarecimento do assunto.
Lembremos, primeiramente, que é pela inteligência, principalmente, que se governa um povo. Se estudarmos as causas profundas da maior parte dos acontecimentos políticos ou sociais que a História registra, encontraremos sempre, na sua origem, um movimento filosófico ou religioso, desenvolvido nos meios intelectuais, e que transborda desta esfera restrita, mas elevada, para todos os outros terrenos da vida social.
A República, por exemplo, não deve sua existência, no Brasil, ao Marechal Deodoro, mas ao movimento de idéias liberais que se desenvolveu em todas as escolas superiores do Império, e que haveria de prostrar por terra, dia mais dia menos, o trono dos Braganças.
Os movimentos revolucionários que depuseram a maior parte das monarquias européias e que tão violentamente impulsionaram o mundo para a esquerda, têm idêntica causa.
E, por sua vez, os modernos movimentos da direita, de todos os matizes, não seriam possíveis se, antes de se manifestarem eles na esfera da ação, não se tivesse desdobrado, na esfera do pensamento, uma forte reação contra os desmandos da democracia e dos princípios de 1789.
Contribuir, portanto, para orientar o curso do pensamento universitário é preparar o futuro do País.
A nenhum católico é lícito desinteressar-se das pugnas da AUC
Compreenderam-no perfeitamente os adversários da Igreja, tanto os da esquerda, quanto os do centro e os da direita. E, por este motivo, a propaganda nas universidades constituiu sempre uma de suas mais sérias e constantes preocupações.
O mesmo devem fazer os católicos, com redobrada energia e dedicação.
Se a mocidade católica brasileira se empenha, com tão magnífico entusiasmo, em recristianizar (ou, para falar em linguagem mais precisa, em recatolicizar, pois a palavra Cristianismo, embora nos pertença como a ninguém, tem sido objeto de tantos abusos que, na linguagem vulgar, perdeu algo de sua precisão) o Brasil, tudo indica que ela nunca atingirá este fim, se não desenvolver um ardente apostolado universitário.
Ora, o apostolado universitário – di-lo-ia La Palisse17 – só pelos universitários pode ser desenvolvido.
A nenhum católico, e máxime a nenhum congregado mariano, portanto, é lícito desinteressar-se das pugnas da AUC, sob pena de desertar de um campo de honra em que o colocou a Providência, e no qual deve empenhar o melhor do seu esforço, o mais precioso de sua dedicação.
Se a AUC se empenhasse em pôr em relevo esta verdade fundamental, se ela salientasse, principalmente, o incomparável valor do apostolado individual na vida universitária, estou certo de que caminharia com passo de gigante, na estrada que já vem trilhando galhardamente, na sua nova fase de reorganização. E, para atingir plenamente tal objetivo, bastar-lhe-ia promover uma propaganda inteligente desta grande verdade fundamental, por meio de uma série de conferências em que se devesse ouvir a voz dos apóstolos leigos, a par das autoridades eclesiásticas, e uma série moderna e viva de tracts18 capaz de pôr em relevo considerações de tal monta para o êxito de sua missão.
AUC, um dos pontos nevrálgicos da ação católica
Já está preenchido o espaço de que eu dispunha para o meu artigo. E não posso estender-me em maiores considerações.
Aí fica, porém, a sugestão que faço a todos os aucistas que me lerem e que, estou certo, encontrará bom terreno nos seus corações generosos.
Sem ser um batalhador velho, já sou um velho batalhador da ação católica, pelo número de lides de que participei. Nunca, porém, a despeito de tantas preocupações, perdi de vista a AUC, que me pareceu sempre um dos pontos nevrálgicos da ação católica. E meu olhar, cheio de afeto e entusiasmo, sempre acompanhou a ação corajosa da AUC.
É no simples caráter de manifestação deste velho afeto que lhes faço esta sugestão, que confio a seu exame inteligente.
***
“O Legionário”, nº 175, 7/7/1935, p. 1
A primeira desobediência
Plinio Corrêa de Oliveira
Pela primeira vez em minha vida, encontro-me entre os cabeçilhas de uma facção de revoltosos. Prevendo que o Padre Paulo19 desaprovaria qualquer homenagem especial que pretendesse prestar-lhe “O Legionário”, três traidores – José Pedro, José Filinto e eu – abusando dos cargos que ele nos confiou, resolvemos declarar-nos em oposição, e homenageá-lo mesmo contra seus desejos.
Uma traição raffiné
Na revolta, que é sempre um gesto de orgulho, quisemos, porém, não ser banais, pois que no nosso pobre Brasil nada há de mais banal, de mais comezinho, de mais próprio à vida de todos os dias, do que desacatar uma autoridade, ou fazer uma revolução. Por esta razão, encontramos um meio de parecer raffinés até mesmo na rebeldia, que é sempre uma atitude plebéia. Jactamo-nos de ter de antemão o apoio, para nossa indisciplina, de todas as autoridades eclesiásticas, que, no entanto, não costumam sorrir às iniciativas de gênero tenentista, principalmente quando empreendidas no seio da Igreja.
A originalidade da aliança que obtivemos e a justiça dos motivos que nos levaram a esta atitude de desespero, nos servirá certamente de atenuante aos olhos de Padre Paulo. E creio mesmo que será com a velha amizade de sempre, que ele abençoará depois da sagração os três conspiradores que se amotinam contra ele, exatamente no momento em que entra em retiro espiritual.
É estultice pretender censurar os erros involuntários de um Bispo
Conversando com o Padre Paulo sobre questões de ação católica, tivemos freqüentemente o ensejo de pôr em evidência a estultice de certos católicos indisciplinados, que se julgam no direito de censurar o respectivo Bispo por qualquer involuntário erro que cometa no governo da sua Diocese.
“Estultice” não é, para o caso, uma palavra excessiva. Porque, realmente, a complexidade da tarefa de um Bispo contemporâneo é tal, que a menor Diocese, para ser regida com invariável acerto (se é que o invariável acerto se encontra nas ações humanas, quando não as assiste a infalibilidade divina), exige de seu Bispo todas as qualidades que caracterizam um grande homem.
Ora, é estultice supor que a Igreja, ou qualquer outra organização existente neste mundo, consiga recrutar, em todos os cantos da terra, figuras invulgares de grandes homens, para os pôr ao serviço de seus princípios.
A primeira preocupação de um Bispo deve ser, naturalmente, de conhecer com toda a precisão possível o seu rebanho. Ora, hoje em dia, para auscultar o coração de uma humanidade que é dilacerada pela incredulidade e pelo sofrimento, que voga ao sabor das mais desordenadas paixões, que se entrega à prática de tão diversos vícios, é necessário todo o tino de um sutilíssimo sociólogo, e diante de tal tarefa teria susto o próprio Oliveira Viana.
Por outro lado, é surpreendente a dose de agilidade de espírito indispensável a um Bispo, para se afazer à complexidade dos mil e um assuntos dependentes de sua solução. Uma Igreja a construir, uma obra pia a dirigir, seminaristas que exigem desvelos contínuos, casos de consciência a resolver, complicações políticas a deslindar, problemas econômicos a enfrentar, tudo isto se junta ameaçadoramente em torno de um Bispo de nossos dias, a pôr à prova a sua confiança na Providência.
Admirável harmonia de qualidades do novo Bispo de Santos
Por esta razão, costumo dizer que o Bispo perfeito, em nossos dias, deve aliar a santidade a um pouco do tino político de um Richelieu20 e um pouco da perícia financeira de um Colbert21, para vencer todas a dificuldades que se encontram em seu caminho.
Sem o menor receio de errar, ou ao menos de exagerar, posso afirmar que é um Bispo desta têmpera, que a Providência, por mãos do Santo Padre, acaba de colocar à testa da Diocese de Santos.
Padre Paulo encontrou florescente a Paróquia de Santa Cecília. Mas sobre seus ombros pesava uma terrível herança: a de todos os corações que Monsenhor Pedrosa havia conquistado e lhe havia legado, para que deles tomasse posse.
Foi exatamente aí que sobreveio a Revolução de 1932, que desorganizou toda a nossa vida civil e religiosa, e que teve funesta influência, de modo todo particular, sobre a Congregação.
Qual foi a atitude do Padre Paulo? Desanimou? Não. Procurou reconquistar o terreno perdido? Também não. Pura e simplesmente, delineou contra o mal uma formidável contra-ofensiva, em que seu objetivo não era de reconduzir ao primitivo estado de pujança todas as iniciativas que encontrara, mas de elevar ao apogeu todas as obras que o incomparável zelo de Monsenhor Pedrosa havia criado.
Assisti a todas as suas lutas e vi a admirável harmonia das qualidades que ele desdobrou no seu formidável contra-ataque.
Ameno no trato, ninguém o era mais do que ele. Qualquer pessoa que dele se aproximasse, recebia imediatamente o sorriso paternal do Vigário e o acolhimento generoso do amigo. Sua primeira arma foi sempre o sorriso, e ele o punha em uso até que ficasse provada à saciedade a sua ineficiência, em algum caso particular. Sobrevinha então a fase da energia. E, com uma perícia cirúrgica incomparável, com dois ou três talhes, amputava a dificuldade, anestesiando depois o paciente, com a doçura de expressões com que terminava suas reprimendas.
Piedade, inteligência e habilidade
Se a doçura e a energia eram armas que usava alternadamente, duas armas havia, de que nunca prescindia: a sua piedade e a sua inteligência.
A piedade foi a base de toda a sua atividade. E sua preocupação mais séria era de colocar um braseiro eucarístico dentro do coração de cada paroquiano. Para isto, não lhe bastava a palavra de Deus, distribuída com invariável eloqüência. Rezava, e rezava ardorosamente, até que o Céu se abrisse às suas preces.
Sua inteligência também nunca lhe fazia falta. Todas as soluções que deu aos seus diversos problemas, desde os menores até os mais importantes, foram essencialmente inteligentes, coerentes, entrosadas dentro de um largo plano geral de ação. E, sobre esta tripeça da piedade, da inteligência e da habilidade, assentou toda a sua obra, que ele transmitirá pujante, ao seu sucessor.
A Diocese de Santos fez bem em se colocar sob o patrocínio de todos os habitantes do Céu. Pois que acreditamos que foi fruto da prece onipotente de todos os Santos e principalmente da Stella Maris, o magnífico presente que o Santo Padre deu aos fiéis santistas: um Bispo que ficará definitivamente – o futuro provará que tenho razão – entre as grandes figuras da História Eclesiástica do Brasil.
***
“O Legionário”, nº 175, 7/7/1935, p. 1
Um ano
Um ano faz, que foi promulgada solenemente a Constituição Federal. Há um ano, portanto, que temos ensino religioso, casamento religioso, capelanias militares e franca colaboração da Igreja com o Estado… mas tudo isto apenas em tese.
Sem mudanças, após “três centenas de dias”
Enquanto se festeja ruidosamente o primeiro aniversário da Constituição – e “O Legionário” se associa de todo o coração a tais festejos, pois que a Constituição Federal foi realmente uma conquista –, não será mau que os católicos examinem o fruto que tiraram das emendas que, tão laboriosamente, foram introduzidas em nossa magna carta.
Quem escreve estas linhas lembra-se perfeitamente de uma afirmação de Tristão de Athayde, feita pouco depois de 16 de julho, e que lhe causou profunda impressão, pois que encerra uma verdade grave e evidente: “Até ontem, dizia ele, podíamos atribuir à imperfeição das leis vigentes, o estado calamitoso em que se encontra o Brasil sob o ponto de vista moral. Hoje, porém, temos uma Constituição ideal, e de hoje em diante a imperfeição das leis não mais poderá servir de escusa à nossa situação, que passará a ser fruto exclusivo da indolência e da inércia dos católicos.” Quem ousará contestar afirmação tão evidentemente verdadeira?
Pois já lá vão três centenas de dias que nossa Constituição foi promulgada, e ainda nos encontramos quase no mesmo estado em que estávamos antes de 16 de Julho.
Não foi regulamentado o casamento religioso. Não foram introduzidas capelanias nas Forças Armadas. Não sabemos de nenhuma alteração no regime das relações entre a Igreja e o Estado, a despeito da “colaboração recíproca” permitida pela Constituição. A única conquista que foi aproveitada foi o ensino religioso. E, assim mesmo, em alguns Estados ainda não foi efetuado, em outros começa apenas a ser posto em execução e, finalmente, no nosso São Paulo, um decreto matreiro o concedeu nas vésperas das eleições, e outro decreto, mais matreiro ainda, o regulamentou quando já estavam fora de perigo certos interesses, depois do prélio eleitoral, estatuindo que tal ensino apenas seria ministrado durante meia hora por semana!
Parlamentares indiferentes, sem compromissos com a consciência católica
E por quê isto? Porque os católicos que souberam apresentar-se coordenados e disciplinados em 1932, deixaram-se empolgar em 1934 por ideais políticos febrilmente absorventes, que deixaram em segunda plana as preocupações de ordem religiosa.
Por que razão não foram ainda regulamentadas nossas conquistas? Porque a atual Câmara, que conta em seu seio com elementos de dedicação à Igreja, compõe-se, através da maioria dos seus representantes, de indiferentes. E estes indiferentes nenhum compromisso particular têm, em via de regra, com a consciência católica, porque, antes da eleição, o eleitorado católico não lhe perguntou quais eram suas convicções religiosas, mas apenas quais seriam suas paixões políticas.
E aí está o resultado: a grande maioria de nossas conquistas é, até à presente data, inoperante. Congratulem-se por esta bela situação os católicos que puseram o facciosismo acima da Religião. Se é de politicagem que gostam, aí a têm, pois que, mais do que nunca, ela invadiu todas as camadas de nossa vida social.
Auspicioso indício de zelo pelos interesses da Igreja
Se é negro o quadro, quando olhamos para o Legislativo federal, ele se apresenta mais risonho do ponto de vista da Constituinte Estadual, onde militam diversos católicos que, publicamente, têm proclamado sua Fé.
Não temos podido acompanhar muito de perto os trabalhos da Constituinte Estadual, cujas emendas têm sido publicadas muito imperfeitamente pelos jornais, máxime as da segunda discussão.
Há pontos interessantíssimos a sustentar, em prol da Igreja, dentro da órbita legislativa do Estado. Entre estes, avulta a garantia de que o ensino religioso não será ministrado senão, ao menos, durante uma hora semanal. Outra interessantíssima disposição seria a que isentasse de impostos estaduais e municipais todos os templos e edifícios dedicados a fins religiosos e beneficentes. Evitar-se-ia assim a reedição da tentativa de perseguição indireta, inventada pelo General Waldomiro de Lima. E assim muitas outras coisas haveria a empreender, em benefício da Igreja.
Mas se ainda é cedo para fazermos qualquer prenúncio, podemos no entanto apontar um auspiciosíssimo indício de que os constituintes católicos não se terão esquecido de nossos interesses fundamentais: a belíssima resistência oposta às tentativas do Sr. Pacheco e Silva, no sentido de introduzir o exame pré-nupcial obrigatório, em nossa carta fundamental.
***
Cartão escrito em 21/7/1935, sem destinatário22
Aurora magnífica de uma grande renovação espiritual
O movimento de opinião que se manifestou em todo o Brasil, em 1933, em prol das emendas católicas teve como nota característica o apoio ardoroso da mocidade.
O Catolicismo, banido de nossa vida pública em 1889, retomou em 1934 as suas posições, com o apoio não apenas dos que, pelo sexo ou pela idade, mais infensos se mostram a qualquer inovação, mas com a solidariedade entusiástica daqueles que, até ontem, eram presa predileta das idéias subversivas, isto é, os moços.
A Vitória do Catolicismo em 1934 não foi, pois o triunfo efêmero de uma doutrina que luta penosamente contra a morte, mas a aurora magnífica de uma grande renovação espiritual.
S. Paulo, 21-VII-1935
Plinio Corrêa de Oliveira
***
“O Legionário”, nº 176, 21/7/1935, p. 1
Nossa missão
A mocidade católica de São Paulo assumiu, no dia 16 de julho, perante o Brasil, uma responsabilidade que não poderá mais declinar, sob pena de felonia e traição.
Diante da decadência do país, discussões estéreis
Em um momento de dúvidas e de apreensões, não vale a pena fechar os olhos à verdade: nosso país está desabando. Tudo, desde os alicerces até à cumeeira, está sendo agitado por movimentos telúricos que, dia mais dia menos, poderão prostrar em terra todo o edifício. Gritam os políticos de todos os matizes, afirmando em altas vozes, que detêm a panacéia capaz de salvar o País. Os políticos novos lançam a culpa aos políticos velhos, responsabilizando-os pela situação. Os políticos velhos, por sua vez, denunciam a turbulência dos políticos novos como a causa única da agitação. E, nesta recíproca difamação, nestas discussões estéreis, nestas competições de correntes e de partidos, em que quase sempre o interesse e a vaidade individual levam de vencida os interesses coletivos, se consome um tempo precioso, que deveria ser empregado em introduzir no organismo social os remédios indispensáveis para que não venha, de um momento a outro, a perder completamente o pulso.
A manifestação da mocidade mariana autoriza as mais ousadas esperanças
Neste ambiente de angústia e de terror, quando todo o Brasil sensato – pois que ainda existe um Brasil sensato, que sofre calado enquanto vociferam os políticos e discutem os economistas – procura alguma coisa que lhe sirva de tábua de salvação, surge uma esplêndida manifestação, como a de 16 de julho, que vem autorizar inesperadamente, no meio de tantas decepções, as mais ousadas esperanças.
Até este momento, as esperanças nacionais se têm voltado, alternativamente, para homens ou para leis. § Era crença geral de que a salvação pública só poderia provir de um grande homem ou de um regime salutar.
E eis que surge a mocidade mariana, a afirmar que não é no prestígio de um único homem, nem na mera eficiência de regime algum que pode encontrar o bom caminho; que, mais do que de um grande homem ou de um bom regime, o Brasil precisa de uma doutrina, e que esta doutrina não pode ser encontrada senão na Verdade por excelência, que é o Catolicismo.
Pela reforma interior iniciaremos a reforma política
O Brasil não pode ser salvo apenas por um grande homem, porque é mister que, na obra de salvação, colaborem todos os brasileiros. Efetivamente, é indispensável que a salvação do Brasil comece pela salvação de cada brasileiro, e que, do esforço de todos nós, no sentido de nos tornarmos maiores e melhores, nasça efetivamente um Brasil maior e melhor.
O Brasil não pode ser salvo apenas por um regime, pois que, assim como a um bolo não basta ser colocado dentro de uma bela fôrma para ser saboroso, mas é necessário que sua massa seja boa, assim também a uma nação não basta uma disposição engenhosa das diversas partes do organismo social, mas importa principalmente que estas partes sejam sãs.
Exatamente, por isto, o artigo primeiro do programa que proclamamos no pátio do Liceu Coração de Jesus, se refere à nossa própria santificação. A legião mariana não se levanta, apenas, com palavras e programas, para salvar o Brasil. Ela se levanta com uma obra já realizada, que é a da nossa moralização individual, que faz de cada um de nós um elemento perfeitamente são, na vida social. É pela reforma interior, pois, que iniciamos a reforma política e social.
O grande traço característico, pelo qual a mocidade católica se diferencia, portanto, de todas as correntes que desejam salvar o Brasil, é a impersonalidade de seu movimento, que não nasceu e nem se apóia no prestígio de nenhum grande homem, e não espera da mera ação de algum regime-panacéia, mas que se estriba na força de uma grande idéia, espera tudo do esforço geral dos brasileiros, coadjuvados pela onipotente graça de Deus.
É este o esplêndido programa que levamos na cruzada a que nos chama a Providência.
“Ó vós que conheceis a verdade, o que fazeis dela?”
Porém, não é em vão, que a Providência confia a uma falange de moços uma tão sublime missão. Conhecer a verdade e propagá-la é uma tarefa que exige uma vida de sacrifício e de abnegação.
Conhecer a verdade e propagá-la! O que de mais venturoso e de mais nobre, em um mundo em que tantos ignoram a verdade e gemem no erro! Em um mundo em que tantos combatem a verdade e vibram de ódio!
Um escritor francês, Claudel, se não nos enganamos, conta de um cego que, postado a um canto de uma rua movimentada, a todos os transeuntes perguntava: “Ó vós, que conheceis a verdade, o que fazeis dela?”
A mesma pergunta fará o Brasil de amanhã à nossa mocidade católica: “Ó, vós, legião de moços ardentes e fortes, ó vós que conheceis a verdade que tantos procuram sem lograr encontrá-la, o que fizestes dela?” E a resposta que nos ditar nossa consciência será a sentença que sobre nossa ação, terá proferido a História.
***
“O Legionário”, nº 176, 21/7/1935, p. 1
A juventude na Ação Católica
“A juventude católica é, concretamente, toda a Ação Católica”; assim se expressava Mons. Tedeschini, Núncio Apostólico na Espanha, a 30 de abril de 1924. Não representa isto a negação da atividade, nem da eficiência dos adultos; mas se estes são o cérebro, aquela é o braço e a energia. E o campo de atividade da Ação Católica requer realmente o vigor da juventude, pois esse campo é o mesmo da Igreja, e este não deve ser diminuído de um só palmo, como também não deve ser transposto em incursões sempre prejudiciais e inúteis por setores estranhos. Ainda Mons. Tedeschini sintetizou perfeitamente os fins da Ação Católica da Mocidade, destinada primariamente à formação religiosa e moral e secundariamente à formação intelectual, social e profissional.
Espírito de fé, de oração e de sacrifício
A formação religiosa deve ser segundo um espírito de fé, um espírito de oração e um espírito de sacrifício. Segundo um espírito de fé “porque esta não é uma associação de gente moça, boa e dedicada, mas humana; esta é uma associação católica e portanto nada humana em sua essência, em sua constituição, em seus meios e em seus fins”. Segundo um espírito de oração, porque a Ação Católica procura a ordem sobrenatural, a ordem da graça divina, e esta “é preciso pedi-la e só se pede orando”. Segundo um espírito de sacrifício, “porque o apostolado, a constância, a vida em Cristo, são o afastamento de tudo o que é mundo; são reação contra todas as tendências do exterior, das companhias, do meio ambiente que nos rodeia”. A essa formação religiosa completa, segue-se a formação moral, que só é perfeita quando se baseia sobre a Religião e que conduz então à formação de um caráter inteiro e varonil, fim supremo e universal de toda a educação.
Formação intelectual, social e profissional
Como complemento, a formação intelectual, social e profissional. Formação intelectual e cultural, porque os nossos moços católicos não podem, nem devem ignorar a história da Igreja, suas lutas, seu desenvolvimento, seus grandes homens, seus santos e seus doutores, seus heróis, seus escritores, seus artistas, como também não podem, nem devem ignorar a formação de nossa Pátria à sombra dessa mesma Igreja Católica, graças à qual ela cresceu pura e una em sua Fé e em seus ideais. Formação social, pela qual, como diz Mons. Tedeschini, “lograremos saber orientações na confusão babilônica dos que, com seus intentos pretendem dar novos roteiros ao mundo, novo rumo à sociedade, novo decálogo aos direitos e aos deveres, e nova solução a todos os problemas que nos mantêm em uma situação de espanto, de angústia e de temor”; tudo isso compreendido no ensino simples, claro e universal da Igreja, Mestra única de todas as questões referentes aos indivíduos e aos povos. Finalmente, formação profissional, porque vivendo neste mundo, é justo e é necessário que cuidemos de nossos interesses legítimos, e que o façamos com a ajuda poderosa da Igreja.
Interesse pela política oriundo da obediência à hierarquia da Igreja
Outra coisa há, que exige algumas palavras: a ação política. A Ação Católica “é distinta, por natureza e por objeto, da ação política”, diz Aspiazú. Aquela procura o Reino de Cristo, esta se limita a cuidar da orientação de uma nação, do governo de um Estado. A Ação Católica está submetida à hierarquia da Igreja, o que não se dá com a ação política. Por isso, a juventude católica que é “o melhor da Ação Católica” está excluída de toda a ação política, embora não deva desinteressar-se dela, segundo as palavras de Pio X: “Lembrem-se todos de que a ninguém é lícito permanecer inativo quando a Religião ou o interesse público se acham ameaçados. E sucede que, os que se esforçam por destruir a Religião e a sociedade, tendem a apoderar-se, em quanto lhes é possível, da direção dos assuntos políticos, e a fazer-se eleger como legisladores. É, portanto, necessário que os católicos ponham seus esforços em afastar este perigo e que, deixando à parte os interesses de partido, trabalhem com ardor na salvação da Religião e da Pátria. Seu esforço principal há de consistir em enviar, seja aos Municípios, seja às Câmaras, homens que, segundo as circunstâncias de tempo e lugar, sejam os mais aptos, para velarem pelos interesses da Religião e da Pátria na administração dos negócios públicos.” §
Mas, esse interesse pela política deve ser sempre o resultado da obediência mais irrestrita à hierarquia da Igreja, como acentuou Pio XI, falando aos estudantes católicos: “A política a seu tempo, quando for necessária e por quem convier, depois de uma preparação oportuna, uma preparação completa: religiosa, cultural, econômica, social.”
***
“O Legionário”, nº 176, 21/7/1935, pp. 4 e 5
A concentração Mariana Estadual
de 16 de julho23
Quinze mil congregados prestam um juramento
de fidelidade à Santa Igreja Católica e invocam a
proteção divina para a Pátria brasileira
O dia 16 de julho foi realmente o “dia do Congregado Mariano”. Desde o amanhecer até à noite, a cidade toda ofereceu o aspecto inédito de numerosos grupos de jovens com a fita azul ao peito, carregando flâmulas marianas, alguns deles com interessantes bibis de cor alvi-celeste em riscas e a saudação das Congregações: Salve Maria!
São Paulo viu desfilarem grupos compactos de Congregados do interior, que alvoroçaram as ruas por que passavam, com os seus cânticos, seus estandartes, bandeiras e bandas de música. Às 7 horas da manhã já se movimentavam as estações da Luz, Norte e Sorocabana, para receber levas e levas de moços, que desembarcavam alegres e entusiasmados, quase todos dirigidos pelos Padres Diretores de Congregações, dando vivas ardorosos a Maria Santíssima, à Igreja Católica e a Cristo Rei.
Foi, sem dúvida, uma demonstração de fé sem precedentes pela coragem dos moços em proclamar bem alto os seus ideais, numa bela afirmação de triunfo completo contra o respeito-humano e o indiferentismo.
A Missa campal, celebrada no pátio do Liceu Coração de Jesus, pelo Ex.mo Sr. Arcebispo D. Duarte Leopoldo e Silva, empolgou a todos os presentes pelo fervor dos milhares de moços, o entusiasmo no entoar dos cânticos e a solenidade imponente e comovedora, que atingiu o auge no momento da consagração, em que todas as bandas de música executaram o Hino Nacional. O Pater foi pronunciado em voz alta pelos congregados marianos, acompanhando o celebrante, e cantada a Missa De Angelis, magistralmente dirigida por Mons. Ernesto de Paula. S. Ex.cia o Sr. Bispo-Auxiliar explicou o cerimonial litúrgico e fez rezar várias preces pelo Papa, pelo Brasil e pela santificação da mocidade. Ao terminar a cerimônia, ainda chegavam ao pátio do Liceu delegações do interior.
Ouvia-se, quando o público começara a se retirar, a voz forte e animadora do Ex.mo Sr. Bispo-Auxiliar a ressoar pelos quatro cantos do imenso pátio salesiano: “Atenção! Atenção! Acaba de chegar a delegação de Campinas! 2000 Congregados Marianos da Diocese de Campinas fazem neste instante a sua entrada no corredor do pátio. Viva as Congregações Marianas de Campinas!”
Era a última das caravanas que a Estação da Inglesa recebera, em dois trens especiais, num dos quais vinha também o Ex.mo Sr. Bispo de Campinas24. Pouco antes chegara a delegação de Taubaté, pela Central, fazendo esta a sua entrada no Liceu juntamente com a da Princesa do Oeste, à qual se unira na Estação da Luz para formar um só e grande cortejo até o Largo do Coração de Jesus. (…)
A reunião da tarde
Enfim, era chegada a hora da grande reunião anunciada para a tarde. Às 14 horas, quando chegamos ao pátio do Liceu, era já bem grande o número dos presentes e D. José dava as ordens pelo microfone: as Filhas de Maria, no fundo do recreio à direita, o clero e os seminaristas nas grandes arcadas superiores cercando a tribuna reservada ao Episcopado e ao governo, ao centro do pátio só os Congregados Marianos… E de vez em quando, com energia: “Estão faltando bandeirinhas no lado direito de quem olhar para o microfone, aproximem-se para lá mais alguns Congregados! Vamos! § Muito obrigado! Os Congregados marianos obedeceram, mostrando que são disciplinados!” §
E realmente, a ordem e a disciplina reinantes durante toda a manifestação foi um dos seus mais impressionantes aspectos.
Cerca das 3 horas da tarde, era transmitida por D. José Gaspar a ordem de abrir alas no centro do pátio, para dar passagem aos Ex.mos Senhores Arcebispos e Bispos e às autoridades civis. Guarnecendo as alas, uniformizados, os alunos do Liceu Coração de Jesus, prestavam continência aos homenageados, cujo ingresso foi saudado por uma prolongada ovação, executando as bandas o Hino Nacional. Começavam a se agitar as bandeirolas dos dez mil congregados no centro do pátio, acompanhando-os os sacerdotes e seminaristas nas suas tribunas, as Filhas de Maria nas arcadas laterais, e no fundo do pátio inúmeras senhoras e senhoritas ladeando as escadarias que conduziam à tribuna de honra, os homens das Ligas Católicas atrás dos Congregados.
Os próprios sacerdotes traziam os bonets marianos para se resguardar do sol e participar mais intimamente da festa dos congregados. Todo o mundo, nesse dia, queria ser Congregado mariano!
Quase todos os Bispos da Província Eclesiástica de São Paulo compareceram a essa grandiosa manifestação cívico-religiosa. Delirantes aplausos e vivas saudaram o Ex.mo Sr. Leopoldo e Silva, D. Duarte (Arcebispo de São Paulo) Arcebispo Metropolitano que, já na véspera recebera na Basílica de São Bento estrondosa manifestação dos Congregados. Aclamações prolongadas se fizeram ouvir também a D. Paulo de Tarso Campos, Bispo de Santos, recentemente sagrado, bem como aos demais Prelados do Estado de São Paulo.
Das autoridades civis compareceram o Sr. Prefeito Municipal e os Secretários da Justiça, Viação e Obras Públicas, Agricultura e Educação, fazendo-se representar o Governador do Estado.
Antes de se iniciarem os discursos, o Sr. Bispo-Auxiliar, referindo-se à impossibilidade de ser aquela grande reunião realizada na Praça da Sé, como fora anunciada, por motivos de ordem pública, perguntou aos Congregados presentes se aceitavam esse sacrifício, oferecendo-o a Nossa Senhora para que ela abençoasse os inimigos da Igreja, respondendo todos em uma só voz transbordante de ardor e fé: “Aceitamos!” (…)
Os discursos oficiais foram pronunciados na ordem seguinte: uma saudação ao Sr. Governador do Estado pelo Congregado Mariano Dr. Cássio Vidigal, deputado à Constituinte Estadual; oração ao Episcopado Nacional pelo Rev.mo Padre Antônio Moraes; saudação ao Sr. Prefeito Municipal pelo Congregado Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, diretor do “O Legionário”; saudação aos Marianos do interior pelo Rev.mo Cônego Manoel Corrêa de Macedo, lente do Seminário Central do Ipiranga.
As despedidas
Terminada a concentração, começaram a deixar a Capital as delegações de congregados do interior. Essa briosa mocidade deixava os muros do Liceu em busca novamente de suas terras, próximas ou longínquas, levando ainda aos ouvidos a palavra de um dos oradores da tarde: se não partiam do marco zero da Praça da Sé, partiam contudo do “Coração de Jesus” – o “marco zero de toda a ação católica” – para esmagar dificuldades, vencer obstáculos, contornar precipícios em corrida desabalada, à procura das almas, antes que delas se apossem os sedutores que espalham o ódio de classes e a irreligião! Pelas vias férreas da Paulista, Mogiana, Sorocabana, Central do Brasil, São Paulo Railway, Ituana e Bragantina, seguiam os marianos entoando seus hinos e contagiando todo o Estado de São Paulo com seu idealismo renovador e invencível. (…)
Qual terá sido o número dos Congregados reunidos em São Paulo no dia 16?
Em 15 mil Congregados, calculou o Padre Cursino o número de marianos de todo Estado. No entanto, longe de virem a São Paulo todos os Congregados do interior, nessa mesma cifra calculou um dos professores do Liceu Coração de Jesus, bom conhecedor da topografia do pátio, o número de moços ali reunidos. (…)
As delegações do interior eram recebidas, nas estações, por Marianos de São Paulo, sob a direção dos seguintes representantes da Federação: na Luz, Dr. Vicente Melillo; na Sorocabana, Sr. José Villac; no Norte, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira. (…)
Soube o Cônego Manoel Macedo, ao saudar os marianos do interior, ressaltar devidamente a dupla significação daquela data para os católicos. Precisamente no dia 16 de julho, em que a Igreja comemora uma de suas grandes festas, a de Nossa Senhora do Carmo, o Brasil comemora a festa de sua Constituição, que veio inaugurar uma nova fase na vida política nacional, pelo repúdio ao laicismo da antiga república.
As últimas impressões da nossa reportagem
Ao entrar da noite, o cansaço tomava conta de quase todo mundo. Não era para menos! Apesar disso, como dissemos, muitos ainda foram às estações despedir-se dos congregados do interior. Uma comitiva de Congregados de Jaú foi até à residência de D. Paulo de Tarso, Bispo de Santos e natural daquela cidade para homenageá-lo pela sua sagração episcopal.
Grupos de congregados ainda se achavam, à noite, esparsos pela cidade, comentando as manifestações do dia, que era o assunto de toda a população. Procuramos ouvir a alguns deles. Um Congregado do Bom Retiro contava um fato digno de registro: levara um seu amigo sem religião e que se diz ateu, à reunião da tarde no Liceu, e esse seu companheiro chegara até às lágrimas de tanta comoção diante daquele espetáculo que viera sacudir a sua indiferença! Outros comentavam, com entusiasmo, a dedicação e o ardor mais uma vez revelados pelo Padre Cursino, o extraordinário Diretor da Federação Mariana, as palavras eletrizantes do Padre Moraes no seu memorável discurso pronunciado no segundo dia do tríduo preparatório, ou ainda as magníficas solenidades da Missa campal e da sessão da tarde.
Pessoas que haviam estado no centro da cidade, durante a realização do comício interno no Liceu, diziam que na Praça da Sé reunira muita gente que para lá fora atraída pelo enorme cartaz colocado na Catedral. E havia quem dissesse: “Na Praça da Sé, certamente a sessão teria reunido cem mil pessoas!” Mas outros, já com olhos no futuro, pensavam consigo mesmo: deixa estar que há de chegar o tempo de podermos reunir só de congregados cem mil moços!
Enfim, o “Dia do Congregado Mariano” foi para São Paulo um dia que fez bem à alma de muita gente, um dia de alegria cristã, de entusiasmo, de fervor e de fé!
***
“O Legionário”, nº 176, 21/7/1935, p. 8
O Sumo Pontífice abençoa a concentração do dia 16
Cidade [do] Vaticano – 18 – Arcebispo de São Paulo – O Sumo Pontífice recebeu com muita satisfação, protestos e obediência enviados pelas congregações marianas do Estado de São Paulo e retribui com a bênção apostólica, o amor filial dos marianos. – (a.) Cardeal Pacelli.
***
“O Legionário”, nº 176, 21/7/1935, p. 6
Saudação dos Marianos ao
Prefeito da Capital
Foi o seguinte discurso pronunciado pelo nosso diretor saudando o Prefeito da Capital, em nome dos Congregados, na Concentração.
Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal.
Incumbiu-me a mocidade que aqui se congrega, de homenagear, na pessoa de V. Ex.cia, a gloriosa Capital Paulista.
Uma cidade chamada a partilhar do idealismo de seu Patrono
Nada de mais grato para nossos corações, do que celebrar, na festiva data de hoje, a grandeza e a glória da nossa Paulicéia, tão digna de todas as homenagens, pela sólida catolicidade que a distingue e pelo valor de sua atuação na vida nacional.
Consagrando ao Apóstolo das Gentes, a Cidade que acabava de fundar, Anchieta implorou e obteve, para a raça que dela brotasse, o idealismo abrasador, a energia inexaurível, a combatividade invencível, a audácia viril e realizadora que Paulo de Tarso soube pôr ao serviço da maior das causas, a causa de Cristo e da sua Igreja.
É ao menos o que parece, quando relemos a história da grande cidade a cujos destinos preside V. Ex.cia.
Nunca se viu que os filhos desta Cidade se portassem com tibieza em qualquer das numerosas vicissitudes de sua História, já quatro vezes secular.
Todos os grandes problemas do passado encontraram aqui o impulso vigoroso que os haveria de encaminhar à solução definitiva.
Igualmente digna pela universalidade de sua ação
É possível que, na defesa de seus pontos de vista, em lutas travadas em séculos que já se foram, tenham alguma vez errado – pois que é esta a triste contingência da natureza humana. É certo que, mais de uma vez, se atiraram uns contra os outros em lutas fratricidas. Mas ainda mesmo nos mais dolorosos momentos de sua História, nenhum vulto aparece que possa ser filiado àquela categoria de tíbios que, segundo a enérgica expressão dos Santos Evangelhos, o Cristo justiceiro vomitaria de sua boca divina25.
Não é, apenas, no idealismo candente e no vigor da ação, que os filhos desta Cidade se têm mostrado dignos do orago que lhes deu Anchieta. É também pela universalidade de sua ação.
O Apóstolo das Gentes não concebia limites para a sua doutrinação. O mundo inteiro era pequeno para a grandeza de seu ardor apostólico. Nem a distância dos lugares, nem a dificuldade dos empreendimentos, nem a diversidade dos povos, lhe poderia conter o passo vigoroso e a palavra de fogo. Exclusão feita de S. Pedro, colocado por desígnio divino à testa da Igreja Católica, todos os Apóstolos tiveram um campo delimitado a evangelizar. Exceção entre eles, porém, foi S. Paulo, que teve como ovelhas todos os povos, e como campo o mundo inteiro.
Assim também a ação vigorosa e fecunda dos paulistanos se destaca pela sua universalidade. Nem a distância dos lugares, nem a dificuldade das comunicações, foram diques capazes de conter a ação da gente bandeirante, que se tem derramado em influxos benéficos sobre o Brasil inteiro. E, desde as Bandeiras até à reconstitucionalização do País, todos os episódios de nossa História têm sido um transbordamento do coração e da energia de São Paulo, para além de nossas fronteiras em benefício de nosso grande Brasil.
Uma cruzada que parte a semear a Verdade Eterna
É esta mocidade católica e batalhadora da gloriosa Piratininga, tão digna de seu glorioso trono, que vem aqui para uma manifestação que ficará definitivamente inscrita nos fatos de nossa História.
Ela vem iniciar uma bandeira decisiva para os destinos do País. Nossos avós partiram desta Cidade, em busca de ouro e de esmeraldas. Nós vamos buscar um ouro que as vicissitudes da vida não nos podem roubar, e esmeraldas mais preciosas do que aquelas que, em sonho, fascinaram Fernão Dias.
Nossos pais partiram desta Cidade para desbravar o nosso interior e semear o café em todo o Estado, fundando assim a riqueza que haveria de tornar São Paulo grande e poderoso. Nós vamos semear uma semente mais preciosa do que o café, nós vamos semear a Verdade Eterna, que torna grandes os povos e felizes as almas que dela se alimentam.
Do marco zero cravado por mãos de V. Ex.cia no solo de Piratininga, automóveis partem a devorar estradas, em corridas vertiginosas. Do Coração de Jesus, que é o marco zero de toda a ação católica, a mocidade católica de São Paulo partirá a esmagar dificuldades, a vencer obstáculos, a contornar precipícios, em corrida desabalada, à procura de almas, antes que delas se apossem os sedutores que querem erigir o ódio das classes em princípio de organização social, e a irreligião em nova filosofia do Estado e da vida.
Esta nova bandeira – eu ia dizer sem impropriedade de expressão esta nova cruzada – não terá apenas como teatro terras remotas: abrangerá certamente toda a extensão que nosso raio de ação possa atingir, mas principiará no campo que nos está mais próximo. É uma bandeira de filhos amantíssimos da Igreja, que têm por tarefa primeira a evangelização de São Paulo e de sua Capital, para atingir depois, mais largo campo de ação; irmanada com os esforços generosos da mocidade católica, que se está levantando e arregimentando por todo este imenso Brasil.
São Paulo deve sua grandeza à mercê de Deus e à fibra de sua gente
Diminuiria singularmente a magnitude das funções de que V. Ex.cia está investido, quem lhes quisesse restringir o âmbito as questões de mera estética ou higiene urbana.
Não basta a uma cidade que sejam belas as suas praças, largos os horizontes oferecidos aos seus habitantes por um urbanismo sábio, longas as suas avenidas, e decorosamente limpos os seus mais modestos recantos.
Era formosa Babilônia, cujas ruas, como as das modernas cidades, se cortavam em ângulos retos, formando longas avenidas, interrompidas de quando em quando por parques verdejantes ou praças bordadas de edifícios imponentes. Esta beleza, porém, não a salvou da ruína. Antes pelo contrário, apressou sua queda, atraindo sobre ela a cobiça dos conquistadores.
São Paulo não é grande por ser rica. Mas São Paulo é rica porque o paulista é grande. Nossa riqueza foi arrancada ao solo virgem de nossa terra depois de uma luta titânica contra a natureza bravia. Nossa Capital não se construiu em fértil e luminosa planície, embelezada por todas as graças da natureza. Foi edificada em terreno montanhoso e sob um céu cheio de brumas, em que tudo no ambiente nos lembra, constantemente, a vocação do paulista; porque a bruma nos diz lutar e o solo acidentado nos brada subir.
Se nosso Estado é próspero e nossa Capital é bela, não o devemos nós, portanto, senão à mercê de Deus e à fibra de nossa gente. Porque foram sempre a mercê de Deus e o valor de nossa fibra, a maior riqueza com que contamos.
Cumpre-nos defender a pureza e rijeza de nossa fibra moral
É também este o dever imperioso que pesa sobre todos os que militam sob as bandeiras da Igreja Católica: defender a pureza e a rijeza desta fibra moral, temperando-a ao contacto da vida da graça, e lhe dando a suave e sobrenatural fortaleza d’Aquele que as Escrituras não chamam apenas o Cordeiro de Deus26, mas o Leão de Judá27. E não é outro o grande ideal da mocidade mariana que aqui vedes.
Se a São Paulo de hoje tivesse de ser a Cápua28 lasciva em cuja beleza capitosa se houvesse de corromper a pureza de nossa moral, ou o vigor de nossa Fé, oh!, nós marianos preferiríamos mil vezes que o solo se abrisse para devorar todos os monumentos de nossa grandeza e opulência, e que dos escombros ressurgisse a pequena cidade colonial em que, longe das seduções das grandes metrópoles, se trabalhava com afinco pelo Brasil, e se amava piedosamente a Deus.
Mas tal não se dará. O Paulista saberá vencer os perigos da opulência, como soube esmagar a resistência que, a seus cometimentos, opunha a hostilidade da selva bravia.
Para guiar a Cidade na realização deste alto feito, ninguém mais indicado do que aquele que foi colocado por Deus – omnis potestas a Deo29 – à testa dos seus destinos.
Para esta nobre tarefa, Excelentíssimo Senhor Prefeito, conte com a nossa solidariedade.
Alheios a partidos e a dissensões, colocamos acima de tudo os supremos interesses da Igreja. Por isso, nunca faltarão às autoridades bem intencionadas o apoio e a dedicação dos católicos, sempre que queiram exercer contra o vício a ação repressiva que os interesses nacionais reclamam. Nesta solidariedade, vai um preito de nosso amor à Cidade. Aí, há, às suas vistas, 15 mil almas, 15 mil corações marianos. Senhor Prefeito: posso assegurar a V. Ex.cia, em quem, no momento, vejo o representante de Cidade, todo o amor apaixonado, desinteressado, dedicado até o sacrifício supremo, com que 15 mil moços católicos amam a gloriosa Piratininga.
***
“O Legionário”, nº 177, 4/8/1935, p. 1
Um golpe
A Constituição Federal estabelece que se elaborará, para todo o Brasil, um plano uniforme de educação.
Caberia ao Governo uma atitude de estrita justiça: consultar a Igreja
Preocupado em dar cumprimento ao preceito de tamanha monta, o Governo Federal solicitou a todos os Governos Estaduais que organizassem comissões incumbidas de, nos seus respectivos Estados, colaborar na grande obra, enviando ao Governo Federal planos, sugestões, etc.
Evidentemente, o assunto interessa muito de perto à Igreja, cuja missão tão de perto se relaciona com todos os assuntos educacionais. Seria, pois, de se esperar que o Governo do Estado procurasse consultar as altas autoridades Eclesiásticas, para incluir, na comissão que deveria organizar, alguns elementos representativos do pensamento católico.
Aliás, não seria apenas um gesto de simpatia do Governo, este que acima indicamos, mas uma atitude inspirada na estrita justiça, pois que a Igreja colabora eficientissimamente com o Estado, no Brasil, para a educação nacional, mantendo uma imponente rede de estabelecimentos de ensino, [sem] ↓30 os quais o Governo não poderia sequer pensar em enfrentar com êxito a hidra do analfabetismo.
Efetivamente, imagine-se que, de um momento para outro, fossem fechados todos os estabelecimentos de ensino católicos e que o Brasil tivesse, para neles estudar, os pouquíssimos ginásios oficiais e alguns poucos estabelecimentos de ensino privados, de inspiração católica, que por aí andam. Em que situação se acharia a cultura nacional?
Seria, pois, de estrita justiça que, recebendo o Estado, da Igreja, uma tão valiosa colaboração, procurasse ouvi-la, no momento de elaborar planos para o desenvolvimento da obra em que um e outro colaboram, e em que ambos estão interessados no [mais] alto grau.
Gesto que nos causa pesar
Pelo contrário, o Governo do Estado constituiu uma comissão de educadores apaixonados pelas doutrinas pedagógicas mais radicalmente anticatólicas e, tendo de juntar-lhes um professor estrangeiro da Universidade, em lugar de procurar a colaboração de algum professor católico – e poderíamos citar diversos dentre eles que fazem profissão de fé católica – não encontrou melhor nome, do que o do Sr. Arbousse Bastide, o único professor protestante, contratado na França para a Universidade.
Existe em São Paulo uma Confederação de Colégios Católicos, organizada graças aos esforços infatigáveis e beneméritos de Dom Xavier de Mattos. Compreende todos os colégios católicos do Estado, e já tem prestado os mais assinalados serviços à causa católica em diversas emergências, como por exemplo no Congresso de Educação de Fortaleza.
A Confederação Católica é uma verdadeira pepineira de excelentes professores que poderiam, com o maior brilho e eficiência, representar, na comissão, o pensamento católico.
Mas não é apenas no ensino secundário que podemos apontar nomes. Também no ensino superior, têm os católicos expressões autênticas de seu pensamento e também aí poderia facilmente o governo encontrar representantes autorizados e competentes do esforço educacional da Igreja. Porque, por exemplo, não recorrer à Escola de Filosofia de São Bento?
Mais do que estranheza, este gesto do Governo nos causa pesar. Sempre dispostos a respeitar a autoridade constituída e prontos a aplaudir sem menor preocupação partidária todas as iniciativas governamentais acertadas, nosso dever nos impele, no momento, a formular uma categórica censura.
Aliás, ainda é tempo de remediar o mal. E estamos certos de que mais de uma vez31 [uma respeitosa advertência] terá chegado ao Sr. Secretário da Educação, a lhe indicar a injustiça talvez involuntária de seu pecado por omissão contra os direitos da consciência católica.
E se o erro for corrigido, aqui estaremos nós, a aplaudir com a mesma imparcialidade, a mesma preocupação exclusiva dos interesses da Igreja, o gesto nobre reparador que a consciência católica espera do Governo.
***
“O Legionário”, nº 178, 18/8/1935, p. 1
Equipes
Foi com prazer e o afeto de sempre, que lemos o último número de “Vida”, o excelente órgão da Ação Universitária Católica do Rio de Janeiro.
Sobre a inoportunidade do movimento equipista em São Paulo
Efetivamente, só prazer pode causar a leitura daquele órgão universitário, que, na vida real e intensa que anima todas as suas páginas, justifica plenamente o nome que tem.
Quer nos parecer, no entanto, que a publicação de um número daquela revista especialmente dedicada às Equipes Sociais, e isto logo após a publicação de uma entrevista a “O Legionário”, em que o Prof. Van Acker teceu alguns comentários restritivos sobre as equipes32, revela um certo ressentimento por parte da ardorosa juventude universitária do Rio. Neste terreno, a regra post hoc ergo propter hoc33 é imensamente menos falha do que em qualquer outro.
Julga “O Legionário” de seu dever, declarar algo a respeito.
A questão da oportunidade do movimento equipista, no Rio de Janeiro, nunca foi, por nós, discutida, pois que a este respeito já emitiram seu juízo S. Ex.cia, o Sr. Cardeal-Arcebispo e o ilustre leader católico Tristão de Athayde, que “O Legionário” se honra de contar entre os seus amigos.
Apenas quando se tratou da ramificação de tal movimento em São Paulo, certos elementos de nosso laicato católico entenderam que seria inoportuno que os esforços dos Congregados Marianos, todos absorvidos em obras de mero apostolado e Ação Católica (obras algumas florescentes entre o elemento operário como as numerosas e bem organizadas Congregações operárias, inúmeras Conferências Vicentinas e o COCM em que trabalham diversos congregados marianos) para aplicá-los em atividade certamente muito louvável em si, mas que, exatamente pelo fato de não serem ação católica (é na própria “Vida” que lemos esta leal declaração), viriam constituir uma dispersão de esforços em relação ao movimento mariano que se desenvolvia em São Paulo, de forma radicalmente diversa do Rio de Janeiro, e cuja expansão rapidíssima absorvia os esforços de todos os congregados.
Assim pensaram o Rev.mo Pe. Irineu Cursino de Moura, diretor da FM, o Rev.mo Mons. Ernesto de Paula, Vigário-Geral e o Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano.
A ninguém ocorreu de censurar o excelente movimento equipista que com tanto êxito vem sendo orientado pelos Padres Dominicanos, na França.
Todas as opiniões versavam apenas sobre a radical inoportunidade dessa medida em São Paulo.
Irmãos devotados na luta pelos interesses da Igreja
Para corroborar opiniões já tão valiosas, quis o Sr. Prof. Leonardo Van Acker incluir algumas palavras sobre o assunto, em entrevista concedida a “O Legionário” sobre [a] ação operária.
Nenhuma intenção tivemos, portanto, de atingir o movimento equipista do Rio de Janeiro, cujos membros nos merecem a mais afetuosa e fraternal amizade.
Todos os aucistas do Rio de Janeiro têm, nos colaboradores desta folha, irmãos devotados que lhes dedicam uma estima e lhes tributam uma solidariedade total que sabemos ser abundantemente retribuída.
Aliás S. Ex.cia Rev.ma o Sr. D. José Gaspar de Affonseca e Silva já deu à questão uma luminosa solução, determinando que mutatis mutandis34, se organizassem em São Paulo, associações estritamente de ação católica, que, feitas as alterações exigidas pelo seu caráter ostensivamente confessional, adotassem quanto possível os métodos de ação das equipes.
Com essa pequena explicação, temos em vista tão-somente estreitar ainda mais os laços individuais que nos unem em Jesus Cristo aos nossos irmãos do Rio de Janeiro.
***
“O AUC”, Ano VI (nova série), nº 17, agosto de 1935, p. 535
Notas…
Insânia ou sandice? – Liberdade para os comunistas pregarem a subversão
Foi deveras lamentável o parecer do Sr. Carlos Maximiliano sobre o requerimento de mandado de segurança feito pela Aliança Nacional Libertadora. Recusando o mandado, acha, no entanto, o Procurador-Geral da República, que ele não deve ser concedido por meras razões policiais. Esse é, em última análise, o seu pensamento. Podem os comunistas fazer, quanto quiserem, a propaganda de suas idéias, desde que não empreguem meios violentos para a sua execução! Mude o comunismo de processos e deverá ser respeitado por todos!
Depois de rasgar os maiores elogios ao Sr. Luiz Carlos Prestes e a alguns jovens intelectuais comunistas do Rio, a quem deveria, a seu ver, ser confiada a campanha da Aliança (provavelmente os professores comunistas que, na Faculdade de Direito do Rio, vivem a negar o direito…), candidamente declara o Sr. Maximiliano: “O comunismo, como todas as doutrinas, tem o seu lado bom e o seu lado mau. Corrija o último e aprimore o primeiro.” Por essa lógica, podemos aproveitar todas as doutrinas sociais que correm mundo: donde, desde logo, se vê que não é critério para julgar uma doutrina. De fato, os filósofos ensinam que o mal é sempre relativo. Nunca pode haver alguma coisa absolutamente má. Mas corrigir no comunismo (uma das piores coisas que existem, entre os homens) o seu lado mau, para aprimorar o que, porventura, tenha ele de bom… é simplesmente acabar com o comunismo! Pois, como diz Berdiaeff36, o mal é tão considerável nele qu’il finit pour tout obliterer autour de lui37.
O mais espantoso, porém, é que não tanto preocupa ao Sr. Maximiliano o mal do comunismo em si mesmo, como principalmente os métodos usados pelos seus sequazes. “Mude, sobretudo de processos, como fizeram os seus adeptos em França. Busque vencer por meio da catequese, do ensino, da persuasão. A polícia o respeitará; e, se o não fizer, nós, os representantes da sociedade, correremos em auxílio dos apóstolos serenos, propiciando-lhes o mandado de segurança. Por enquanto, seria insânia concedê-lo” (sic, o grifo é nosso).
Numa palavra: desde que os comunistas deixem os meios violentos pela campanha de persuasão e catequese, visando sempre, é claro, pôr em prática as suas idéias, terão até em seu auxílio os representantes da sociedade que eles visam destruir! A subversão da ordem social e política, a corrupção das famílias, a luta contra a religião, tudo está muito certo e direito desde que seja feito por meios suasórios. O Sr. Carlos Maximiliano, como ele próprio confessa, não concede hoje o mandado de segurança requerido pela ANL para não cometer uma insânia. Amanhã, poderá concedê-lo, desde que a Aliança modifique sua tática. Deixará de praticar uma insânia para incorrer numa grande sandice. Poderá a nossa sociedade confiar naqueles que desse modo cuidam dos seus mais sérios interesses?
Como se vê, está em boa companhia o Sr. Diógenes Lima, que numa entrevista à “Platéia” afirmou reconhecer aos comunistas o direito de pregar em praça pública o seu credo! Na entrevista do deputado paulista, porém, uma declaração dessas ainda é mais grave, pois ele se diz católico: portanto, mostrou-se ignorante ou indisciplinado, porquanto a Igreja condena esse seu arrevesado modo de pensar.
O parecer do Sr. Maximiliano revela o imediatismo jurídico que parece dominar a mentalidade de nossos governantes, pois enquanto se proíbe a Aliança de funcionar, dá-se toda liberdade para circularem os seus jornais, e para os senhores Castro Rabello, Hermes Lima e Leônidas Rezende pregarem o comunismo em suas cátedras universitárias.
Ainda o Sr. Hermes Lima
O Prof. Hermes Lima, num livro recentemente publicado, afirma que todos os brasileiros são agora católicos por força de lei, em virtude de haver a Constituição assegurado a indissolubilidade conjugal para satisfazer os deputados católicos, e que estes são contra o divórcio por ser o matrimônio um sacramento.
Ora, é impossível que o Sr. Hermes Lima ignore a série imensa de argumentos com que os católicos social e juridicamente combatem o divórcio. Leia, por exemplo, o livro do Pe. Leonel Franca, e verá provado de maneira cabal e irrespondível que o divórcio, uma vez introduzido, tende a aumentar e provocar a dissolução de toda a família, que ele tem provocado igualmente aumento do número de suicídios, da restrição à natalidade, etc. S. Tomás dizia que a lei é feita para o bem comum, e por isso nunca deve visar solucionar casos particulares em prejuízo de todo o bem social. Ora, o divórcio só pode ser favorável em um ou outro caso (concedamos, para argumentar), e arrasta fatalmente atrás de si uma série de calamidades nocivas ao bem comum. É o que mostra o Pe. Franca, servindo-se não só das estatísticas, mas ainda de depoimentos de psicólogos, pedagogos, sociólogos e juristas, até não católicos.
É verdade que os católicos rejeitam o divórcio por motivo religioso, em virtude de ser o matrimônio um sacramento (no que está a maior razão de seu respeito à sua dignidade, unidade e indissolubilidade). Mas pretender que seja esse o único argumento dos católicos contra o divórcio é ignorar a questão por completo. Tanto que o Pe. Leonel Franca, no seu livro, aborda muito mais extensamente os aspectos sociais e jurídicos do divórcio do que os religiosos.
De duas, uma: ou o Sr. Hermes Lima conhece tais argumentos dos católicos, ou não. Se conhece, andou de má-fé no modo simplista de julgar o nosso ponto de vista. E se não conhece… que honestidade é essa de combater o que se ignora?
***
1) (N. do E.) Lucius Sergius Catilina (109-63 a.C.) – político romano inescrupuloso, fomentou uma conjuração contra o senado da urbe, da qual fez parte tudo quanto Roma tinha de infame e dissoluto. O termo catilina passou a designar aqueles que querem alcançar a fortuna às custas da ruína da pátria.
2) (N. do E.) A elite.
3) (N. do E.) Cf. “O Legionário”, nº 172, de 26/5/1935.
4) (N. do E.) Guerra do Chaco – conflito entre a Bolívia e o Paraguai pela posse do Gran Chaco, região rica em petróleo.
5) (N. do E.) Aos poucos
6) (N. do E.) {apostolado}.
7) (N. do E.) Protegido, favorito.
8) (N. do E.) Beato Contardo Ferrini (1859-1902) – renomado jurista italiano, professor em várias universidades, beatificado por Pio XII, em 1947.
9) (N. do E.) Marechal Ferdinand Foch (1851-1929) – militar francês, generalissimo dos Exércitos Aliados, durante a Grande Guerra.
10) (N. do E.) Engelbert Dollfuss (1892-1934) – chanceler austríaco, católico, assassinado durante a tentativa de golpe de Estado nazista em 25 julho de 1934.
11) (N. do E.) {obterão}.
12) (N. do E.) “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem” (Sl 127 (126), 1a).
13) (N. do E.) Cf. Mt 7, 15.
14) (N. do E.) “Se o Senhor não guardar a cidade, debalde vigiam as sentinelas”
(Sl 127 (126), 1b).
15) (N. do E.) O Autor é um dos signatários desta missiva; não sabemos, no entanto, o que participação teve em sua redação.
16) (N. do E.) Sublinhado nosso.
17) (N. do E.) Jacques de Chabannes, Seigneur de La Palisse (1470-1525) – oficial francês, distinguiu-se nas batalhas de Fornoue, Agnadel, Ravenne e Marignan. Foi morto na batalha de Pavie. Seus soldados compuseram uma música em sua honra, na qual havia o seguinte verso: “Monsieur d’ La Palisse est mort, Mort devant Pavie; Un quart d’ heure avant sa mort, Il était encore en vie.” O verso significava que ele se havia batido como um herói, até ao último momento. Mas, pouco a pouco, o sentido foi mudando, dando origem à expressão: “une verité de La Pallisse” – uma verdade de La Palisse: uma verdade que salta aos olhos.
18) (N. do E.) Opúsculos sobre assuntos políticos, religiosos, etc.
19) (N. do E.) Pe. Paulo de Tarso, pároco de Santa Cecília e diretor espiritual de “O Legionário”.
20) (N. do E.) Armand-Jean du Plessis, Cardeal de Richelieu (1585-1642) – grande estadista francês, primeiro-ministro de Luís XIII.
21) (N. do E.) Jean-Baptiste Colbert (1619-1683) – ministro das finanças no reinado de Luís XIV.
22) (N. do E.) Texto manuscrito com esmerada caligrafia, num cartão com o timbre do Estado de São Paulo.
23) (N. do E.) Neste dia realizou-se uma grande concentração de congregados marianos no Liceu Coração de Jesus, em São Paulo. Programada inicialmente para a Praça da Sé, teve de ser transferida à última hora, devido à notícia de que agitadores comunistas se reuniam no largo da Catedral, à espera dos congregados. Estes, liderados pelo Autor, estavam dispostos a ir até lá e enfrentar seus opositores. A pedido, porém, da autoridade civil, o Arcebispo de São Paulo determinou que o ato se realizasse no pátio interno do Liceu.
Transcreve-se, aqui, a notícia do evento, apesar de não ter sido escrita por Dr. Plinio, devido à importância e repercussão que teve a nível nacional.
Foram omitidos certos trechos, apenas para não tornar demasiado extensa a matéria.
24) (N. do E.) D. Francisco de Campos Barreto.
25) (N. do E.) Cf. Ap 3, 15-16.
26) (N. do E.) Cf. Jo 1, 29.
27) (N. do E.) Cf. Ap 5, 5.
28) (N. do E.) Cidade bela e opulenta situada ao norte de Nápoles, Itália. Em 215 a.C. foi conquistada pelo general cartaginês Aníbal, que fez dela seu aquartelamento durante o inverno. Seus exércitos, no entanto, deixando-se levar pela vida de delícias que lá havia, perderam a combatividade, dando origem à expressão “adormecer nas delícias de Cápua”.
29) (N. do E.) Cf. Rm 13, 1.
30) (N. do E.) {com}.
31) (N. do E.) Parece, neste ponto, uma linha de aproximadamente 25 caracteres, o que torna a frase meio confusa. Tentou-se sanar o problema, com o acréscimo.
32) (N. do E.) A matéria em questão saiu no nº 174, p. 1, de 23 de junho, sob o título “Ouvindo o Prof. Leonardo Van Acker – A Ação Católica e a questão social”. Transcrevemos o trecho a que o Autor faz referência:
“Além disso, à ação católica é inútil falar em solução da questão social. As doutrinas políticas ou os partidos são incapazes de resolver a questão. Por mais que uma agremiação política pretenda resolver a questão social, terá sempre contra si o fato dela querer o poder e o querer para si. Complica-se, assim, a questão social com uma questão de poder e esta quase sempre degenera em troca de violências. Ora, a questão social é uma questão moral: só na ação católica, em que a política é excluída, ela pode ser solucionada desinteressadamente e, além do mais, pelo exemplo.
“A este propósito convém frisar ainda que quem levará os operários para Cristo não são os burgueses, nem mesmo os da Ação Católica, pois ainda supondo que eles pratiquem ao pé da letra o cristinanismo, não podem constituir um exemplo vivo para os operários. Só os próprios operários da Ação Católica poderão mostrar Cristo operário aos seus companheiros de trabalho. O gênero de atividades das ‘equipes sociais’ não deu resultado na Bélgica. Posso atestá-lo, pois quando estudante fui diretor de um teatro de patronage. Pode ser que na França as ‘equipes’ produzam bons efeitos, mas é preciso notar que elas são organismos de confraternização humana e não de ação católica. Trata-se, afinal, de um gênero de espiritualização puramente humana. Para a ação católica não é o que quer o Papa, pois a Encíclica Quadragesimo Anno diz claramente que os apóstolos do operariado hão-de ser os próprios operários.”
33) (N. do E.) Depois disso, logo por causa disso.
34) (N. do E.) Mudando o que deve ser mudado.
35) (N. do E.) Com exceção de seus quatro últimos parágrafos, e do penúltimo parágrafo do penúltimo subtítulo, a presente matéria foi também publicada em “O Legionário”, nº 178, de 18/8/1935, p. 1, sob o título “A candura do Sr. Maximiliano”.
36) Le problème du communisme, Desclée de Brouwer, Paris.
37) (N. do E.) Que acaba por apagar tudo em torno de si.
Deixe uma resposta