1936 – janeiro a julho
Parte I – Artigos de imprensa, entrevistas, discursos e outros documentos
“O Legionário”, nº 188, 5/1/1936, p. 1
1936, ano de luta
O Sr. Getúlio Vargas é o homem de Estado mais frio e impassível que o Brasil conheceu. Todos nós já o vimos ladeando precipícios com o sorriso de quem desliza sobre estrada de rosas e atacar feras com a displicência de quem brinca com lulus da Pomerânia.
Exatamente por isso, não podemos atribuir a paixão política, mas exclusivamente a uma fria e lúcida visão de nossa situação política, o discurso com que o Sr. Getúlio Vargas saudou seus patrícios, nos primeiros minutos de 1936.
Apoio ao Presidente, em defesa do Brasil cristão
Nesse discurso, o Chefe da Nação delimitou os campos, o que não é conforme a sua tática de despistamento. De um lado colocou o comunismo e do outro as tradições cristãs do Brasil, principalmente palpitantes na vida doméstica e na piedade profunda do povo.
Portanto, para o Sr. Getúlio Vargas – que tem ilustres tradições anticlericais, documentadas no nome de Lutero, dado a seu filho – há no Brasil uma grande luta, e ela se desenvolve entre o catolicismo e o comunismo. Resolutamente, com uma firmeza que lhe faz honra, o Presidente se coloca no lado de nossas tradições cristãs. E, em um trecho que passará para a História, repudia desde já os parentes ou amigos que, servindo-se de relações pessoais, esperarem tolerância para seus empreendimentos hostis à ordem.
Se o Brasil quiser continuar cristão, deverá mobilizar todas as suas forças vivas contra o inimigo que, audazmente, tentou os seus golpes em Natal e Recife1. Se o Brasil quiser afastar-se do cristianismo, chegará inevitavelmente ao sovietismo, que é o polo para onde convergem todos os caminhos que se afastam de Roma.
Neste momento, julgamos indefensável que um brasileiro cônscio de suas responsabilidades procure ainda discutir a pessoa do Presidente da República, para lhe dar o apoio indispensável à cruzada preservadora a que se propôs. Não nos interessa se o Sr. Getúlio Vargas é ou não é sincero nos elogios que tece ao cristianismo. O que nos interessa é que, no momento atual, ele é o detentor da suprema autoridade no Brasil, é o homem em cujas mãos a Constituinte depôs todos os elementos necessários para jugular a rebelião e o homem que se oferece para, com nossa colaboração, cumprir o seu dever de guardião da nacionalidade. E, portanto, só vemos para os verdadeiros patriotas, um caminho: o de prestigiar a autoridade constituída, contra o bando de malfeitores cujo braço foi armado por Moscou contra o Brasil.
A Ação Católica empreenderá o verdadeiro combate ao comunismo
Isto posto, lembremos, porém, que, para preservar as instituições cristãs não basta a ação policial de que o Estado é capaz. O comunismo é um mal profundo, decorrente da corrupção de todas as células e tecidos sociais. Se, portanto, quisermos enfrentar o mal, deveremos fazê-lo pelo combate às suas causas mais remotas e perigosas.
E a causa causarum2 do mal não é outra coisa, senão a irreligião.
Assim, pois, é um dever imperioso para todos os católicos, ler com toda atenção a Encíclica do Santo Padre Pio XI ao Episcopado Brasileiro, relativamente à Ação Católica3.
A Ação Católica é o exército leigo cuja formação o Vigário de Cristo reclama, para a recristianização do Brasil. E todo o leigo que se conservar alheio ao exército, quando o Pastor Supremo o chama às armas, é um desertor.
É a Ação Católica que vai empreender contra o comunismo o verdadeiro combate. Nesta luta, porém, é necessário que a solidariedade de todos os crentes conforte as autoridades civis e religiosas.
No limiar de 1936, não é outra a nossa palavra aos nossos leitores. O ano de 1936 será um ano de luta. Nesta luta seremos soldados ou desertores, ↓4 heróis ou covardes.
Que, ao terminar o ano, cada um de nós possa dizer como o grande Patrono de nosso Estado “bonum certamen certavi”, combati o bom combate5.
***
“O Legionário”, nº 189, 19/1/1936, p. 1
E por que não catolicismo?
Um grande número de peregrinações que se encaminham a Roma, para oscular as mãos do Santo Padre Pio XI, costuma apresentar os seus protestos de “servir a Deus” com todas as suas forças. Uma peregrinação recente apresentou ao Santo Padre as suas homenagens em fórmula um pouco diversa: em lugar de “servir a Deus”, os peregrinos se comprometiam a “servir à Santa Sé”.
Servir a Deus como a Igreja quer que Ele seja servido
Estamos certos de que essa alteração produziria escândalo a muito fariseu pintado de católico. No entanto, o Papa felicitou calorosamente os peregrinos, dizendo-lhes que protestar “servir à Santa Sé” é muito mais explícito do que “servir a Deus”. Realmente, quem serve a Santa Sé, serve a Igreja, e portanto serve a Deus. Mas quem afirma servir Deus não afirma com isto que deseja servi-Lo como Ele quer ser servido, isto é, com a Igreja, pela Igreja e na Igreja. Os protestantes pretendem servir a Deus, bem como os ortodoxos, os maometanos, os neopagãos da Alemanha e os macumbeiros do morro da favela. Mas querem servi-Lo a seu modo. Não basta que sirvamos a Deus, segundo nós achamos que Ele deve ser servido. É preciso que o sirvamos como a Igreja, seu porta-voz infalível, quer que Ele seja servido. E, assim, em uma época em que se usa e abusa de tudo, inclusive do Santo Nome de Deus, é melhor precisar os termos, e dizermos a verdade inteira: queremos servir ao Papa e à Igreja, pois que este é o único modo por que devemos servir à causa de Deus.
“Uma vaga crença num vago Deus”
Estas considerações me vieram à mente, lendo os artigos dos Srs. Plinio Barreto6 e Plinio Salgado7 – um, marechal do liberalismo, e outro, marechal do integralismo –, em que ambos apelam para o cristianismo, como salvação do Brasil.
Se os dois ilustres escritores entendem por cristianismo o catolicismo, estamos de pleno acordo e regozijamo-nos com suas declarações, que mostram até que ponto um espírito reto e ilustrado, embora não seja católico, pode discernir na Igreja todos os predicados que fazem dela a única salvação que pode esperar o Brasil.
Infelizmente, tudo, porém, nos diz que os dois escritores pretendiam referir-se simplesmente à doutrina cristã em geral, englobando nessa designação todas as confissões cristãs heréticas e cismáticas.
Entendida nesta segunda acepção, o que quer dizer cristianismo? Evidentemente, o conjunto de princípios religiosos aceitos por todas as confissões cristãs. Mas, por pouco que estudemos a situação religiosa das religiões cristãs não-católicas, veremos que é absurdo pensar ainda que existe um pan-cristianismo superconfessional.
Entre [os] protestantes, a infiltração racionalista é tão generalizada que em um Congresso reunido em Upsala, e que se compunha de representantes de todas as seitas protestantes, da Igreja russa e da Igreja grega cismática, não foi possível senão fixar um ponto de Fé único: a existência de Deus. Alguns afirmavam que Deus é um ser pessoal e outros que Deus é impessoal, isto é, que se confunde com a natureza. Muitos sustentavam que Cristo foi apenas um super-homem e não um Deus, e assim por diante. De sorte que, entre os tais cristãos, nem sequer a Divindade de Cristo e a existência de um Deus inteligente é indiscutível. Há quem afirme que Deus é uma força irracional, perfeitamente idêntica à natureza no sistema de certos filósofos do século passado.
Entre os cismáticos, há uma facção que aderiu ao comunismo, e outra que combate o comunismo.
E, assim, temos cristãos comunistas, cristãos panteístas, cristãos que não acreditam no Cristo-Deus, e assim por diante.
À vista disto, o que é que se pode chamar cristianismo? Uma vaga crença num vago Deus.
Ou os Srs. Plinio Barreto e Plinio Salgado se resolvem a ser mais explícitos ou, enquanto se referirem a cristianismo como força salvadora, estarão afirmando uma coisa inteiramente inócua, sem a menor consequência na ordem concreta das coisas. § É bom que, em matéria religiosa, se resolvam ambos a ser um pouco menos antiliberais…
A civilização ocidental só se salvará com a Igreja
Dir-nos-á muito leitor que somos de um rigorismo de arame farpado, capaz de afastar todas as ovelhas que pretendam achegar-se ao aprisco.
Tanto o Sr. Plinio Barreto como o Sr. Plinio Salgado são pessoas que chegaram à sua atual situação de simpatizantes com o cristianismo, depois de um longo itinerário intelectual em que, certamente, terão sido grandes as dificuldades e duros os caminhos. “Per Crucem ad Lucem”8; é só pela Cruz, isto é, pelo sofrimento, que se chega à verdade.
Exatamente por isto, não incriminamos nem a um nem a outro, que se detenham, por enquanto, em um vago cristianismo muito superior ao indiferentismo ou ao ceticismo da maior parte dos homens de sua geração.
Nosso intuito consiste, apenas, em tornar bem claro que, se um ou outro estudasse mais a fundo o cristianismo e a situação religiosa do mundo contemporâneo, certamente veria que não é de seitas cismáticas ou de confissões heterodoxas que o Brasil pode esperar sua salvação. Rompendo com o erro, que é o agnosticismo, que é o indiferentismo, que é o ateísmo, é preciso que a ruptura seja total. A salvação que os dois ilustres escritores esperam para o Brasil não lhe pode vir senão da Igreja Católica, que é a única expressão autêntica da doutrina Cristã.
A civilização ocidental é filha da Igreja, e só na Igreja, com a Igreja e pela Igreja se há de salvar.
***
“O Legionário”, nº 189, 19/1/1936, pp. 1 e 3
À margem dos fatos
Na carta do Sr. Luiz Carlos Prestes, lemos o seguinte tópico: “De todas as minhas cismas sempre concluí: no Brasil só se pode fazer a revolução comunista por meio dos intelectuais que nos ajudariam a formar uma geração intelectual futura comunista. Logo, são as classes ricas o alvo predileto da propaganda comunista.”
A julgar por este tópico, o proselitismo comunista não explora a miséria de operários famintos, mas a sandice de intelectuais blasés9.
O terreno próprio para a semeadura da má semente não é, pois, o estômago vazio dos indigentes, mas o cérebro vazio de alguns burgueses.
Incoerências do Sr. Prestes…
Mas em outro tópico o chefe comunista pergunta: “Como fazer uma revolução comunista num país tão vasto e em condições geofísicas e sociais absolutamente contrárias à ideologia superior? Um país sem inverno, onde a palavra pão tem uma pálida significação revolucionária só nas grandes cidades e em alguns pontos do litoral, onde a palavra terra é até um escárnio pela imensa vastidão dela, e onde liberdade não tem sentido fora das fábricas e de uma companhia Matte Laranjeira, exceções aberrantes no imbecil cenário brasileiro.”
Se o comunismo não vinga nas camadas populares, graças à largueza em que vivem, porque vinga ele nas classes apatacadas, onde a largueza da vida é ainda maior?
Incoerências do Sr. Prestes… que, aliás, a ninguém podem espantar.
O catolicismo do brasileiro, verdadeira causa do insucesso comunista
O Sr. Prestes não quis confessar a verdadeira causa do seu insucesso. Mas sua correspondência no-lo revela.
É que o Sr. Prestes sentiu perfeitamente que o brasileiro é profundamente católico, e que só por uma descarada mistificação poderia cerrar fileiras em torno do comunismo. Do momento em que o antagonismo irredutível entre Cristo e Marx lhe fosse patenteado, optaria pelo primeiro.
* * *
Por isto é que o Sr. Prestes evitava de declarar suas convicções religiosas e muitos dos mortos em Natal, em Recife e no Rio, traziam no bolso terços e medalhas.
Por isto ainda, é que o comandante Sisson10 escreveu este cínico conselho:
“Lembro uma ação, não tanto de palavras, mas de exemplo de tolerância religiosa, em nosso meio, para destruir a lenda de que somos contra a religião.
“Procurem alguns leaders católicos e que eles pratiquem a sua religião; que eles tomem a palavra em celebrações religiosas e que aí demonstrem que eles, bons católicos, são aliancistas convictos, patriotas e nacionalistas libertados.”
* * *
Neste sentido também é significativa a seguinte notícia sobre o cofre-arquivo de Luiz Carlos Prestes, estampada pelos jornais:
“Examinado o cofre, descobriu-se que no seu fundo havia novos esconderijos, onde se guardava volumosa correspondência – o arquivo de Luiz Carlos Prestes!
“Muitas cartas ali estavam escondidas, todas revelando o desenvolvimento dos acontecimentos extremistas nesta capital e nos Estados. Entre outras, segundo informa a polícia, endereçadas a Prestes, há várias inquirindo-o acerca dos objetivos da ação dos enviados de Moscou nesta capital, em colaboração com a Aliança Nacional Libertadora. Há, também, perguntas sobre como o comunismo encararia os problemas de religião e da família.”
Médicos atraídos pelo comunismo
A propaganda comunista tem obtido, no seio da classe médica, resultados verdadeiramente surpreendentes.
Verificou-se que os médicos sofrem grande atração pelo extremismo, a ponto de constituírem 25 por cento dos quadros do Partido Comunista.
Provavelmente, uma das causas dessa perniciosa tendência é conhecerem os médicos muito bem o corpo humano, mas desconhecerem, evidentemente, as necessidades do corpo social.
Além disso, apurou-se que esses médicos eram recém-formados e que não tinham conseguido firmar-se no exercício da medicina.
Portanto, seria de grande vantagem que o governo apertasse os exames, e só permitisse no curso médico aqueles que tivessem de fato todas as probabilidades de se firmarem no exercício da nobre profissão.
* * *
Em torno do nome do General Manuel Rabello, circularam, ultimamente, várias notícias desencontradas e suspeitas.
Agora, cessado o movimento extremista, o presidente da República concedeu a sua exoneração do cargo de comandante da 7ª Região Militar. Como nada, até então, ficara bem esclarecido quanto às suas atividades no norte do país, é bem possível que a sua exoneração se prenda aos últimos acontecimentos extremistas que nos agitaram durante os dois últimos meses do ano passado.
Comissão de assistência ao proletariado
Foi resolvida a organização de uma comissão de propaganda e assistência ao proletariado brasileiro, contra o comunismo.
Essa comissão, patrocinada pelo Sr. Presidente da República, tem por objetivo mostrar aos nossos operários que todos os seus problemas podem ser resolvidos, satisfatoriamente, dentro do atual regime.
É bem de ver, entretanto, que o êxito dessa comissão será tanto maior, quanto mais nítida for a sua orientação cristã. Somente a doutrina de Cristo poderá trazer aos operários, a paz e a resignação de que necessitam, para dar cumprimento à sua espinhosa missão social. Somente em Cristo encontraremos a justa compreensão de todas as coisas.
Aliás, justiça seja feita, o Sr. Getúlio Vargas demonstrou, em seu discurso de ano novo, conhecer, perfeitamente, o sentido cristão da vida brasileira.
Mais vítimas do divórcio
O divórcio nos Estados Unidos, continua a fazer vítimas.
Um telegrama de Hollywood informa que o divórcio do casal Douglas Fairbanks e Mary Pickford, tornar-se-á definitivo a 10 de fevereiro próximo.
Depois, enquanto Douglas Fairbanks vai a Londres casar-se com Lady Ashley, Mary Pickford se casará com Buddy Rojas, outro ator cinematográfico e chefe de orquestra.
Pode-se ver, pela notícia acima, a série de erros que esse divórcio acarretou: destruiu um lar, permitiu a realização de dois casamentos ilícitos e desviou quatro pessoas do verdadeiro caminho da vida.
Os noticiários dos jornais americanos estão sempre cheios de casos como esse. E o mesmo acontece em grandes países da Europa que se dizem supercivilizados. Mas, civilizados somos nós, brasileiros, que não consagramos em nossa Constituição a bárbara lei do divórcio.
***
“Diário de São Paulo”, 23/1/1936, 1ª seção, p. 8
A conferência realizada ontem no Ginásio de São Bento pelo Sr. Plinio Corrêa de Oliveira – A exposição do Cônego Manoel de Macedo sobre o programa da “Voz de Anchieta” – Oração do Bispo-Auxiliar de São Paulo
O Sr. Plinio Corrêa de Oliveira realizou ontem uma conferência na biblioteca do Ginásio de São Bento, às 23,30 horas, sobre o “Rádio Católico em São Paulo”, que, como se sabe, foi criado pelas autoridades arquidiocesanas do Estado.
A inauguração da denominada “Voz de Anchieta” estava marcada para o dia das comemorações da fundação de São Paulo, quando, por sua vez seriam inauguradas as instalações da Rádio “Excelsior”, da organização “Record”. Fatores diversos, entretanto, impediram que a inauguração da estação e da “Rádio Católica” se realizasse no dia predeterminado, visto como não houve possibilidade de serem concluídas as instalações da “Excelsior”, no Jardim Paulista.
À reunião de ontem, no Ginásio de São Bento, compareceu numerosa assistência, tendo ocupado lugares à mesa, que foi presidida pelo Bispo-Auxiliar da arquidiocese de São Paulo, o Cônego Manoel Corrêa de Macedo, assistente eclesiástico da Cúria Metropolitana junto à Rádio Católica; o orador, Sr. Plinio Corrêa de Oliveira; o Sr. Vicente Melillo, presidente da Associação de Cultura Católica; o Padre Loureiro, secretário de D. José Gaspar; o Sr. Júlio Rodrigues, cronista religioso; e o Sr. Alberto Clementino de Azevedo.
A conferência do Sr. Plinio de Oliveira
Concedida a palavra ao Sr. Plinio Corrêa de Oliveira, inicia o orador a sua conferência, depois de dirigir uma saudação ao Bispo-Auxiliar de São Paulo e aos presentes. Principia por analisar a diferença dos tempos: quando começou a propaganda da religião pregada por Jesus Cristo, um oferecia um barco, outro uma corneta e outro uma grossa capa que preservasse os corpos dos efeitos da intempérie. Nos tempos modernos, há os elementos de acordo com a época: um aeroplano, um klaxon11 ou uma frigidaire. Tudo de acordo com a época em que vivemos, mas para os mesmos fins. Vemos hoje sacerdotes em automóveis ou mesmo guiando-os, e até em algumas ocasiões em trajes modernos de automobilista. A religião precisa acompanhar a evolução do mundo. Tais constatações escandalizam, apesar da razão afirmar que não há motivo de escândalo.
“É que o homem empresta uma própria fisionomia aos objetos que usa” – afirma o orador, e continua: “Assim é que são vistos objetos idênticos de forma diferente: digamos por exemplo, os óculos que usaram Marx, Pio IX, Bismarck ou o Marechal Deodoro da Fonseca, se fossem vistos em um mesmo museu de relíquias.”
O homem moderno
Em seguida o conferencista passa a estudar a estrutura moral do homem moderno que, em tese, ao que afirma, é destituído de ideal espiritual e de sentimentalismo, para só prevalecer na sua formação de acordo com o meio ambiente, o utilitarismo feroz e o egoísmo.
“Tudo isso, porém, pode ser sublimado” – assegura o orador, e passa a se referir à poesia do voo do aeroplano, referindo-se aos reides realizados.
O papel do Rádio Católico
Aludindo ao papel do Rádio Católico no Brasil, o Sr. Plinio Corrêa de Oliveira diz que ele será a voz de Deus cortando o espaço e chegando aos corações daqueles que precisam de uma palavra de fé e de consolação. Analisando o problema da propaganda da fé católica no Brasil, o orador argumenta que o clero reduzido impede que a voz da religião chegue a todas as almas e que por esse motivo há numerosos caminhos fechados à obra da graça exercida pelos sacerdotes: cita casos em que se torna necessária a presença de uma palavra de consolação ou de incitamento à virtude. Refere-se à influência da palavra de Deus por intermédio do rádio, àqueles que, como Nicodemos, hesitam ainda antes de abraçar a Fé, esmagados pelas tentações do mundo. Concluindo, o conferencista enaltece a futura obra do Rádio Católico de São Paulo e encarece a necessidade de ser o empreendimento apoiado e prestigiado por todos os que desejam o aperfeiçoamento moral do Povo bandeirante e da Nação brasileira.
[A matéria segue com a exposição do Côn. Manoel Macedo e a Oração de D. José Gaspar.]
***
“Dom Bosco”, nº 1, ano II, janeiro-fevereiro de 1936, p. 28
O Rádio Católico em São Paulo
Realizou-se recentemente, promovida pela Associação dos Jornalistas Católicos, uma reunião com o fim de divulgar ainda mais a campanha pelo Rádio Católico e especialmente para esclarecer os jornalistas de todas as minúcias desta importante questão. Além da honrosa presença de S. Ex.cia Rev.ma D. José Gaspar, contou essa reunião com a presença do Rev.mo Cgo. Manoel de Macedo e do Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, especialmente convidados para falarem sobre a futura “Voz de Anchieta”.
Suprindo a carência de padres
O Dr. Plinio, cuidando da parte doutrinária, demonstrou esplendidamente a imperiosa necessidade do Rádio Católico pois, disse, “todo o mal que o rádio paganizado faz, o Rádio Católico fará no sentido do bem”. Isto sem considerarmos o fato de que onde muitas vezes a palavra de Deus não pode chegar por intermédio do sacerdote, ela chegará por intermédio do Rádio, suprindo portanto a carência de padres.
Necessidade do apoio dos jornalistas
[…] Encerrando a Reunião, S. Ex.cia Rev.ma D. José tomou a palavra para dirigir um caloroso apelo aos católicos, a fim de que não esmoreçam nessa obra que é uma das mais importantes do apostolado da Igreja. Felicitou aos jornalistas católicos pela esplêndida iniciativa desta reunião, e pediu para que eles não deixassem de contribuir com a sua pena para a realização da “Voz de Anchieta”.
***
“O Legionário”, nº 190, 2/2/1936, p. 1
O discurso do Municipal
Julgamos de nosso estrito dever, fornecer a nossos leitores um comentário, tão completo quanto possível, do discurso do Governador do Estado, proferido no banquete que S. Ex.cia ofereceu às classes armadas.
Reservando para a “nota de fundo” apenas o aspecto essencial do discurso, abordamos em nossa seção “À margem dos fatos” mais de um detalhe merecedor de comentário. E, na seção intitulada “Comentando”12, fazemos uma declaração sobre nossa situação perante a política do País.
As linhas mestras do pensamento do Governador
O pensamento central do discurso do Governador do Estado se resume nos seguintes itens: 1) o perigo comunista exige uma repressão enérgica e o Brasil não está disposto a adormecer às portas do cataclisma, como certas democracias europeias; 2) no cenário da política nacional, São Paulo está disposto a apoiar, com todo o peso de seus valores políticos e sociais, a luta contra o comunismo; 3) no entanto, cumpre ponderar que qualquer alteração no regime presidencial vigente só pode ser inócua, quando não inconveniente; 4) que o comunismo visa resolver um problema que tende a desaparecer espontaneamente do cenário mundial, e que nunca adquiriu forma e consistência no Brasil: a saber, a hipertrofia do capitalismo, a qual está sendo abolida na maior parte dos países europeus e que nunca existiu no Brasil; 5) que o mal é moral, e principalmente pela educação pode ser corrigido; 6) que, para remediá-lo, o Estado se deve apoderar da Educação e fazer circular nesta uma forte corrente de nacionalismo; 7) que esse trabalho deve ser feito principalmente nas universidades civis e nos cursos militares superiores; 8) que, na luta contra o comunismo, devem cooperar todas as forças sociais, máxime a Igreja, aliada natural de todos quantos defendem a civilização cristã.
Francamente, somos de opinião que as linhas mestras do discurso do Governador são excelentes.
Oportuno apelo à colaboração da Igreja
Vejamos, por exemplo, a tese 8. Agrada-nos ouvir dos lábios de um chefe do Executivo paulista, palavras em que se reconhece bem alto o cunho fundamentalmente católico de princípios que o comunismo visa destruir, e a necessidade que tem o Estado de apelar para a cooperação da Igreja, na defesa de instituições que interessam tanto à Religião quanto à Pátria. Egressos que somos, de um regime de laicismo ferrenho, vivendo sob uma Constituição que ainda professa oficialmente o princípio da separação da Igreja e do Estado, as palavras do Governador são para nós índice seguro de uma mudança de mentalidades, que prognostica dias melhores para o futuro. Realmente, cumpre notar que o Sr. Armando Salles de Oliveira foi expoente do órgão mais laicista e mais liberal de nossa terra, e que é justamente a figura mais representativa do pensamento desse órgão que proclama a catolicidade congênita da nossa civilização.
Patriotismo sem religião, é impossível
Isto posto, quanto à tese 6, devemos fazer um adendo às palavras do Sr. Governador. O nacionalismo, por si só, não basta. Terá ele salvo a Alemanha de um partido que, como o nazista, sob pretexto de combater o comunismo, estabeleceu um regime que é primo-irmão do de Moscou? Por mais nobre que seja, terá o nacionalismo virtudes suficientes para desinfetar todos os ambientes do vírus comunista? E se assim é, como se explica que os chefes da Aliança Libertadora nenhuma dificuldade sentiram em pregar o nacionalismo ao lado do comunismo, para iludir nossas massas? É certo que, para homens cultos, nacionalismo e comunismo hurlent de se trouver ensemble13. No entanto, para a ignorância do homem da rua, nenhuma incompatibilidade existe entre uma e outra coisa, e, para o temperamento acomodatício do brasileiro, será muito fácil aceitar uma forma de comunismo que, na prática senão na doutrina, se harmonize com pregações hiper-nacionalistas.
Tudo quanto signifique exaltação do sentimento nacional, encontrará nos católicos entusiastas ardorosos. Mas é preciso ir mais longe, dirigir excelsior14 o pensamento. O cosmopolitismo é um mal, mas não é o mal, e o nacionalismo, sendo um remédio, não é, no entanto, o remédio.
Não se pode acorrentar o pensamento humano e obrigá-lo a trabalhar dentro de um campo limitado pelo dedo do estadista ou do filósofo. Não basta dizer ao homem, axiomaticamente, que deve ser nacionalista e, partindo deste ponto, fazê-lo deduzir um amor entranhado à pátria e um ódio veemente a todas as doutrinas que a combatem.
O homem perguntará inevitavelmente ao filósofo ou ao estadista por que motivo deve ser nacionalista e não egoísta, isto é, por que razão deve antepor aos seus, os interesses nacionais.
“Sacrifício, ou é ato da religião, ou é tolice”
E, com isto, entramos em pleno campo filosófico e religioso.
Realmente, se queremos um nacionalismo sincero, devemos desejar um nacionalismo baseado em convicções profundas, alicerçado em argumentos satisfatórios, e não apenas nos entusiasmos ocasionais provocados pela audição do Hino Nacional ou do Por que me ufano15, de saudosa memória.
Se queremos fazer do nacionalismo a base da regeneração nacional, poderemos pretender que esta base se alicerce no terreno movediço dos sentimentos humanos? Ou iremos alicerçá-lo na rocha firme da inteligência, esteiando-o com as escoras indestrutíveis da razão?
Ora, nacionalismo sem Religião é coisa impossível. Porque nacionalismo significa patriotismo. Patriotismo significa sacrifício aos interesses superiores do País. § E sacrifício, ou é ato da religião, ou é tolice. Porque só um crente tem motivo suficiente para sacrificar-se pelo próximo: o amor a Deus. E só um tolo é capaz de um sacrifício por uma humanidade incapaz de gratidão na imensa maioria dos casos, quando não se indica como razão do sacrifício um motivo religioso.
O discurso do Sr. Governador representa sem dúvida um grande passo no sentido da destruição do laicismo brasileiro. Mas, para que este passo seja proveitoso, é mister que seja completo.
Esperemo-lo.
***
“O Legionário”, nº 190, 2/2/1936, pp. 1 e 2
À margem dos fatos
Devemos registrar com peculiar satisfação o seguinte tópico do discurso do Sr. Governador:
“O que se sente é que todos nós, brasileiros, guardamos na alma um único modo de ser, uma mesma religião, um mesmo instinto de Pátria. Pois, foi tudo isso que quiseram romper e extinguir há dois meses.”
Quem ataca a religião, põe em risco a unidade da Pátria
Mas os nossos Anísios16 paulistas certamente terão sentido um calafrio.
Segundo o Governador, a unidade da Pátria está ligada à unidade de crenças. Atentar contra uma é atentar contra a outra. Quem ataca a religião põe em risco a unidade da Pátria e faz o jogo do comunismo.
Ora, os nossos Anísios fizeram o jogo do comunismo. Fizeram-no adotando diretrizes pedagógicas comunistas que o Prof. Van Acker denunciou através de “O Legionário”. E fizeram-no também, atacando a religião tanto quanto puderam.
E agora, dilacera-os um dilema: ou eles preparam sua bagagem para transpor os umbrais sombrios da porta da rua, ou eles negam a inteligência e a coerência do governador do Estado, esperando que sobre sua cabeça desabe a espada de Dâmocles17.
Combate declarado aos partidários de Moscou
Estes negros prognósticos foram confirmados por outro trecho ainda mais ameaçador:
“Não nos contentaremos com o paliativo de simples medidas de repressão, que resolvem apenas os embaraços do presente. O que sentimos, na raiz de todas as nossas dificuldades e de todos os nossos desentendimentos, é que o problema brasileiro é um problema de educação.”
Se o aparelhamento educativo do Estado é o bastião do alto do qual se dispararão os tiros mais mortíferos contra o comunismo, o que podem esperar da hostilidade governamental os agentes moscovitas que se foram aninhar exatamente aí, para fazer sua propaganda!
“O túmulo de Lênin tomaria o lugar da Cruz”
No entanto, são astutos os nossos Anísios. E certamente lhes terá ocorrido a ideia de se fazerem passar por instrumentos contritos e inconscientes do comunismo.
Mas a sua sepultura política já está aberta. Só mais um passo e sobre eles se fechará a lousa. A sua sentença está lavrada no tópico em que o Governador promete “combate perseverante e vigoroso contra os partidários, declarados ou encobertos, conscientes ou inconscientes, do coletivismo marxista, o sol de Moscou passaria a iluminar o mundo e, na imaginação dos povos, o túmulo de Lênin tomaria o lugar da Cruz”.
A resposta dada na Concentração Mariana
Outro tópico do discurso do Governador que merece registro é o seguinte: “O que caracteriza a ofensiva bolchevista é o seu ímpeto, o seu entusiasmo, a sua confiança. Para enfrentar aquela mística ardente, aquela unidade de doutrina, aquela disciplina integral e aqueles processos infalíveis de infiltração e de ataque, perguntam os céticos, que oferecem os pobres países burgueses? Cabe ao Brasil dar-lhes resposta!”
* * *
A resposta foi dada na Concentração Mariana de 16 de julho18, e será bisada na próxima Concentração estadual.
Ímpeto bolchevista? E o que pode igualar o ímpeto com que a mocidade mariana está disposta a lutar contra os inimigos da Igreja e da Pátria? Uma palavra de ordem, cada mariano será um soldado, e cada soldado um herói.
Entusiasmo? Quem, em São Paulo, é capaz de atear o incêndio de entusiasmo que, no dia 16 de Julho, ardeu no Pátio do Liceu Coração de Jesus?
Disciplina integral? Que disciplina pode ser maior, que aquela de que as próprias autoridades civis tiveram a prova, quando, expondo-nos talvez ao sarcasmo de muitos, consentimos em nos enclausurar no pátio hospitaleiro dos salesianos? Só Maria Santíssima sabe o que nos custou aquela prova!
Processos infalíveis de infiltração e ataque? Que infiltração pode ser mais fulminante do que a infiltração mariana? Em que região do Estado, em que profissão, em que idade, em que classe social, em que estado de vida, não se encontra a cruz branca dos Filhos de Maria?
A resposta já foi dada em nome do Brasil. E quem a deu fomos nós, porque só nós temos o direito de responder por ele.
Oposição sem tréguas nem clemências
Merece, ainda, registro o seguinte tópico “as nossas ideias não são novas, mas nós as renovamos pela força com que as sustentamos. À famosa mística internacional nós oporemos a mística eterna da pátria”.
Nossas ideias, de nós católicos, não são novas também: são eternas. Não somos nós que a renovamos, mas é ela [a Igreja] que nos renova. Não somos nós que a sustentamos, mas é ela que nos sustenta. Mais forte do que a “mística” russa e a “mística” da pátria – as aspas são nossas – é ela quem suscitou os mártires, os cruzados, e os marianos de São Paulo.
E é ela que sustentará governos e instituições contra os bárbaros que vêm das estepes…
O Estado deve ser aliado da Igreja
Outro trecho ainda, que merece especial menção é o seguinte:
“Aqui estão eminentes sacerdotes, representantes dessa Igreja que velou junto do modesto berço de São Paulo, e guiou, pela mão de Anchieta, os primeiros passos paulistas. Pelo papel que desempenharam na história nacional e pelo vigor com que defendem a lei cristã, são os aliados naturais na luta em que procuramos impedir que pereça a própria substância do espírito.”
Somos, porém, imensamente mais radicais do que o Governador do Estado. A oposição entre o catolicismo e o comunismo é tal, que excede infinitamente a oposição entre os partidos burgueses e as hordas vermelhas.
Em duas palavras, o catolicismo é o partido de Deus, e o comunismo é o partido do demônio. Entre um e outro, nem paz, nem tréguas, nem clemência. A luta está travada, desde o primeiro momento em que o comunismo surgiu e só cessará quando um dos combatentes deixar de existir.
Assim, pois, não é a Igreja que é a aliada natural do Estado na luta contra o comunismo, mas o Estado que deve ser o aliado da Igreja, que é a parte principalmente empenhada na luta.
“Quando um dos combatentes deixar de existir”, dizíamos. Mas a Igreja não deixará de existir. Só ela, de todas as instituições existentes, tem o dom da imortalidade. Só ela tem a força intrínseca necessária para esmagar o mal, sempre que ele procure tragar a humanidade.
“Sr. Governador, abraçai a Cruz: ela vos protegerá!”
Assim, pois, ainda temos uma observação a fazer. É relativa ao belo compromisso que o Sr. Armando Salles de Oliveira assumiu, juntamente com seus convivas, de “defender com o coração e com o sangue a bandeira da nacionalidade e as insígnias da civilização cristã”.
Houve uma vez um Chefe de Estado que quis derrotar os adversários do cristianismo. Empenhou uma grande batalha e deveu sua vitória à Cruz, insígnia da civilização cristã, que protegeu suas armas. Este chefe se chamou Constantino. Não foi ele que deu vitória à Cruz, mas foi a Cruz que o fez vencer.
Sr. Governador: os católicos souberam dar o devido valor às vossas belas palavras. E eles vos apontam a Cruz. Abraçai-a e vencereis o comunismo. Ela é que vos protegerá.
Quando os cordeiros se transformam em lobos…
Informam os jornais que Eduardo VIII, ao ser proclamado Rei da Inglaterra, teve de prestar o seguinte juramento:
“Eu, Eduardo VIII de nome, atesto solenemente e sinceramente afirmo e professo, em presença de Deus, que sou fiel protestante e que quero, conforme a intenção verdadeira dos atos que asseguram a sucessão protestante do Reino Unido, sustentar e manter os referidos atos o melhor que puder, de acordo com a lei.”
“O rei presta também, perante os lords do Conselho, o juramento que garante a independência e a proteção da Igreja da Escócia.”
No Brasil, os protestantes se insurgem contra as reivindicações católicas mais elementares. O que diriam eles, então, se, para ser empossado um Presidente da República no Brasil, se lhe exigisse um juramento de manter a Igreja Católica!
Mas quando eles estão em maioria, desaparece seu liberalismo e [o] cordeiro se transforma em lobo!
Eduardo VIII, “Defensor da Fé”
O nome de Eduardo VIII, depois da coroação, será: Eduardo Alberto Cristiano Jorge André Patrício David, soberano “legal e justo” (sob o título de Eduardo VIII) da Grã-Bretanha, Irlanda e Domínios de Ultramar, Defensor da Fé e Imperador das Índias.
O título de “Defensor da Fé” foi conferido pelo Papa [Leão X] a Henrique VIII, pela refutação que fez do Protestantismo, em um livro19 que escreveu sobre o assunto.
Lutero, por causa do mesmo livro, conferiu-lhe o título expressivo de “o mais sujo de todos os porcos”.
Pouco depois, Henrique VIII desligou-se da Igreja; Lutero deixou, com isto, de proclamá-lo suíno. Mas o Rei, talvez para não desmentir o autor da Reforma, continuou a justificar o epíteto de Lutero, porque nunca deixou de ostentar o título que lhe dera o Papa, antes da apostasia!
* * *
Noticiaram os jornais que: “Quase lado a lado seguirão o comissário do povo para os Negócios Estrangeiros, Sr. Litvinoff e alguns membros da antiga família imperial da Rússia”, no enterro de Jorge V.
A política tem razões que a razão não conhece.
***
“O Legionário”, nº 190, 2/2/1936, p. 3
Comentando…
“O Legionário” e a política
Em nossa crítica, procuramos manter sempre a mais rigorosa imparcialidade política. Mais de uma vez, temos reivindicado a autenticidade de nossos sentimentos apolíticos, para dirigir contra atos governamentais as censuras que, eventualmente, tenham merecido. No número de hoje, felizmente, não se trata de censurar, mas de elogiar. E, no encômio como na censura, queremos proceder com aquela inteira liberdade de opinar, que nossa situação à margem das disputas partidárias nos proporciona.
Perderá, pois, o tempo, algum político com “p” pequeno e alma ainda menor, que queira discernir em nossos comentários qualquer simpatia ou aversão pelo partido dominante. Nas vésperas da batalha de Abukir, Napoleão dirigiu aos seus soldados a famosa proclamação: “Soldados, do alto destas pirâmides, 40 séculos vos contemplam.” Na luta entre franceses e muçulmanos, o passado egípcio, do alto dos monumentos que deixou, contemplava imparcial o combate que se ia ferir. Não lhe interessava a vitória destes ou daqueles. Mas seu juízo desceria sereno e realista sobre os heroísmos e as defecções, a ousadia e a traição, a habilidade ou a incúria dos exércitos em luta.
O jornalista católico, que o seja no sentido autêntico da palavra, deve necessariamente colocar-se em face dos acontecimentos que pontilham, com luzes ou com trevas, a vida política de cada povo, em situação análoga. Do alto dos vinte séculos que conta a Igreja de Deus, encastelados na rigidez de seus sublimes princípios, iluminando pelo esplendor de suas milenárias tradições, ele deve olhar com imparcialidade as lutas que os homens travam em torno de interesses temporais. Pouco se lhe dá que vença este ou aquele grupo. Mas seu juízo deve descer imparcial e sereno sobre os móveis de ação e os instrumentos de combate utilizados pelos exércitos em luta, apontando ao respeito e à admiração os que desposam a causa da Fé, da dignidade e do patriotismo, e à execração os que servem à incredulidade, com as armas da felonia e da mentira.
O vértice de uma pirâmide e a torre de uma igreja
Uma diferença, apenas, mas uma diferença capital medeia entre o vértice das pirâmides e o mais alto da torre de uma igreja católica, como ponto de observação. É que as pirâmides representam um passado morto, recordação gloriosa de uma civilização cujos últimos vestígios o deserto está tragando, depois de se terem perdido na voragem do tempo todos os homens que a conheceram. A Igreja, pelo contrário, é uma realidade palpitante que zomba do tempo e que crava as suas raízes frondosas em pleno coração do homem do século XX, com o mesmo vigor e a mesma pujança com que se radicava e florescia em santidade no peito de um mártir romano ou de um cruzado medieval.
Assim, pois, como católico, não nos interessa que no turbilhão da política nacional, a palma da vitória seja obtida pelo PC20, pelo PRP21, ou por qualquer outro partido análogo. Como também nos desinteressamos totalmente da democracia, que alguns quereriam confundir, absurdamente, com o catolicismo. O que nos interessa é que os princípios da civilização católica, sejam defendidos ou reivindicados de acordo com as exigências imperiosas da opinião católica. E, sempre que nas fileiras de uns ou de outros, alguém se prontificar a cooperar conosco nesta cruzada, resolvendo abrir fogo ao nosso lado contra alguns ou algum dos inimigos que temos em nossa frente, estamos dispostos a aceitar a cooperação. Estabelecida nessa base, sem compensações de ordem material ou compromissos políticos incompatíveis com a natureza da ação católica, só benefícios pode acarretar para a causa da Igreja tal atitude.
Carnaval
O carnaval parece que começou a ser uma instituição nacional. Longe de diminuir o entusiasmo pelos dias satânicos de Momo, cresce de ano para ano, com todo o cortejo de crimes e imoralidades que sempre tem acarretado. As músicas carnavalescas e os cordões de mascarados começam cada vez mais cedo. Este ano, desde a hora “0”, em pleno passar de 1935, os nossos carnavalescos já se esparramavam pelas ruas do centro em passeatas espalhafatosas e desordeiras.
Não podemos deixar de frisar, sobretudo, as irreverências de certas músicas do carnaval deste ano. Ouvindo-as ficamos horrorizados em ver como as letras dos nossos sambas chegam ao ponto de troçar com assuntos de ordem religiosa e moral que deveriam merecer de todos o maior respeito. Não nos admira que assim procedam os profissionais do carnaval. Estranha-nos, no entanto, e nos causa maior pesar ainda, verificarmos que essa gente chega a merecer a atenção e o apoio de grande parte de nossa sociedade e até mesmo do governo do Estado. Lembrem-se as nossas autoridades que o Sr. Getúlio Vargas, no discurso ao povo brasileiro pronunciado em 1º de janeiro, denunciou na corrupção moral e na ociosidade os caldos de cultura do fermento comunista. Que maior ocasião haverá para a depravação e o ócio do que o carnaval? Combatê-lo é uma necessidade elementar de um país como o nosso, que anda a braços com a repressão ao comunismo.
Mas… enquanto a polícia prende comunistas e se prepara para prender muitos foliões durante os dias de loucura (isto é, de todos os anos), a prefeitura patrocina os festejos de Momo. Para onde irá, desse modo, o nosso pobre Brasil, que alguém já chamou de “país do carnaval”?
Tristes recordes
À falta de outros triunfos, a Câmara Federal derrotou, em matéria de abundância de discursos, os mais famosos Parlamentos do mundo. Segundo o “Jornal do Brasil”, os nossos deputados proferiram na sessão legislativa, ora encerrada, 2.892 discursos, o que dá uma média de 20 por dia.
Para produzir igual número de discursos, a Câmara dos Comuns levou vinte anos; a Câmara Francesa dez; a Câmara Italiana sete; e a Câmara Espanhola (fácil será imaginar a loquacidade de deputados espanhóis…) cinco anos.
Infelizmente, porém, a maioria dos discursos não versou sobre matéria legislativa. A minoria, empenhada em fazer obstrução, levou a encher o tempo com retificações de atas, discursos sobre interpretação do regimento interno, etc. E, enquanto tal se fazia, a Nação pagava subsídios a obstrucionistas e não obstrucionistas tal e qual o sol, que ilumina indistintamente bons e maus.
O deputado que mais falou foi o Sr. Barreto Pinto, que pronunciou 304 discursos, a despeito de uma viagem que empreendeu à Europa enquanto funcionava o Congresso!
O lema res, non verba22 parece ter sido substituído em nossa Câmara por outro: verba, non res23.
***
“Diário de São Paulo”, 6/2/1936, p. 324
A causa do comunismo
Plinio Corrêa de Oliveira
(Copyright dos “Diários Associados”)
Rio, 5 – Os Srs. Plinio Barreto e Plinio Salgado são, incontestavelmente, duas sumidades em tudo o que se relaciona com assuntos políticos e sociais do Brasil. Procedentes de polos intelectuais diametralmente opostos, e considerando os recentes movimentos comunistas sob pontos de vista irredutivelmente antagônicos, chegaram ambos, porém, a uma mesma conclusão: de que é preciso opor à pregação do comunismo a pregação do cristianismo, e de que o Brasil deve caminhar, com a Cruz em punho, contra os partidários do marxismo, como o Papa S. Leão que, embora desarmado, pôs Átila em retirada, barrando o seu caminho com a imagem do Redentor Crucificado.
Dada a alta significação de tal tese, seria interessante e oportuno analisar a fundo o pensamento dos Srs. Plinio Salgado e Plinio Barreto, quando apelaram para o cristianismo, como salvação do Brasil.
Um mal mundial só pode ter uma causa também mundial
Muitos dos liberais que obedecem ao comando intelectual do Sr. Plinio Barreto, atribuem a explosão do comunismo na Rússia ao abuso de poder dos czares e da aristocracia, abuso este que, conjugado com a miséria causada pela guerra, teria provocado a derrocada de 1918. E, sutilmente, acrescenta que o regime liberal-democrático, se vigorasse na Rússia, teria permitido ao povo a expansão franca de seu descontentamento e que, servindo o Parlamento de válvula de escapamento para o vapor da indignação geral, nunca se teria verificado a explosão bolchevista. Assim, o abuso de poder teria sido a principal causa da revolução na Rússia.
Por outro lado, se perguntarmos a um bom número de comandados do Sr. Plinio Salgado quais as causas da onda de comunismo que varre atualmente o mundo, eles nos responderão que é a liberal-democracia. O abuso da liberdade enfraqueceu o senso da disciplina e desorganizou a tal ponto a sociedade, que ela já não pode resistir eficazmente a uma meia dúzia de agitadores semitas que, por toda a parte, ateiam o incêndio da revolução social. E o único remédio contra os males decorrentes do abuso da liberdade não pode ser senão um governo forte que, como o da Itália, detenha os vagalhões do comunismo e instaure uma ordem nova, sobre os escombros do Estado liberal.
O comunismo é um fenômeno mundial. Ele procura alçar o colo, tanto na Índia quanto na Noruega, tanto na Patagônia quanto na China, envolvendo todo o mundo nas malhas de sua propaganda. Um mal mundial há de ter por força uma causa também mundial. Parece-nos errado afirmar que o excesso de autoridade gerou o comunismo na Rússia, se na Itália ultraliberal ele germinou com igual facilidade. Como também nos parece errado acusar a liberal-democracia de ser a causa do comunismo, se este pôde vencer no autocrático Império moscovita sem o auxílio de qualquer conquista liberal. A meu ver, o liberalismo italiano facilitou enormemente o desenvolvimento do comunismo, como também a política imprevidente dos czares não soube combater o perigo nas suas verdadeiras causas. Mas o caráter mundial do fenômeno comunista prova bem que, embora as condições locais italianas ou russas possam ter facilitado o mal, elas não foram propriamente a sua causa.
Esta causa, em que pese aos materialistas, também não é a miséria, pois que, no Brasil, a miséria não existe, como reconheceu em carta recentemente publicada, o caudilho comunista Luiz Carlos Prestes. E, no entanto, não faltou quem atentasse à mão armada contra as instituições.
A causa é o egoísmo do homem contemporâneo
Qual esta causa? Não nos iludamos a este respeito. O homem contemporâneo padece de um mal moral que é o câncer que corrói os mais belos frutos de nossa civilização. A sociedade atual quer alicerçar sua organização sobre duas instituições que são irreconciliavelmente adversárias do egoísmo: a família e a propriedade. Ora, o homem contemporâneo é profundamente egoísta e, com isto, falseia tanto a família quanto a propriedade. Daí decorre uma perturbação profunda em todo o corpo social. E com isto as portas ficam abertas para todos os germens comunistas.
A vida de família, na grande maioria dos casos, vai se tornando cada vez mais artificial. Para os filhos, sedentos de prazer, o jugo da autoridade paterna é intolerável. Os pais não são aos seus olhos, senão administradores da fortuna familiar, a quem se deve não só pedir, mas exigir o dinheiro necessário para os prazeres. Por sua vez, a sede de prazer minou profundamente o sentimento do amor paterno. Os pais evitam o nascimento dos filhos, com todo o cuidado com que se evitaria a chegada de um inimigo. Quando necessário, não recuam diante do aborto. Nascido o filho, a despeito de todas as precauções, determina-se-lhe no lar e principalmente no orçamento doméstico, o menor lugar possível, para que reste algum dinheiro para gastos suntuários. Finalmente, o sentimento da fidelidade conjugal, que é um alicerce indispensável da família, combatido pelo romance, pelo teatro, pelo cinema, apresenta uma debilidade assustadora. Proclama-se que a família é a base da sociedade. E, exatamente por que esta verdade fundamental é tão geralmente aceita, admira-nos a inconsciência tranquila com que se ataca essa base e o pasmo que muitos sentem ao verificar, depois, que o edifício social começa a vacilar.
A outra base da sociedade é a propriedade. Mas a propriedade deve ser usada sem egoísmo, sob pena de se transformar em fonte de perturbações sociais graves. Cumpre, aliás, acentuar que a supressão da propriedade não remediaria, mas apenas agravaria de forma desesperadora, tais perturbações.
A luta de classes é o choque de dois egoísmos ilícitos
No entanto, vemos por toda a parte que o egoísmo, produzindo um desejo imoderado de bens materiais, perturba profundamente a vida econômica. A famosa luta das classes outra coisa não é senão o choque de dois egoísmos ilícitos, o egoísmo dos que são ricos e querem conquistar cabedais ainda maiores, e o egoísmo – absolutamente tão criminoso e mais estúpido do que o primeiro – dos que são pobres e querem enriquecer à custa do saque da fortuna alheia.
E não é apenas a vida doméstica e a vida econômica, mas também a política interna e a política externa da maior parte dos povos, que se ressente das perturbações causadas pelo egoísmo. Princípios, ideais, virtudes, o que vale isto na maioria das lutas políticas travadas entre partidos? Que vale isto nas contendas internacionais que a todo momento ameaçam incendiar o mundo? Atrás dos manifestos políticos retumbantes, das notas diplomáticas sentenciosas, quanta e quanta vez se surpreende a ganância e a ambição, a jogar com os princípios mais veneráveis e os direitos mais sagrados, como mero artifício de pirotecnia para entusiasmar as massas?
Se a família e a propriedade são a base da sociedade contemporânea, mas o egoísmo do homem do século XX deturpa a vida doméstica e atenta contra a propriedade alheia, que milagre pode haver em que a sociedade vacile sobre seus fundamentos abalados e esteja prestes a cair, desde que lhe dê um leve empurrão a mão criminosa de um aventureiro qualquer?
Cristianismo versus comunismo
Compreenderam-no os Srs. Plinio Barreto e Plinio Salgado. E exatamente por isto, perceberam que a campanha anticomunista não se poderia cifrar a um ataque aos princípios de Marx. Para que a campanha anticomunista surta pleno efeito, cumpre que ela não se apresente tão-somente como destruidora de um erro, isto é, do comunismo, mas ainda como a afirmação de princípios robustos que supram com vantagem todas as soluções que o comunismo propõe para os problemas contemporâneos.
Exatamente por esta razão é que apelaram ambos para o cristianismo. Estará com eles a razão? Será a Igreja capaz de executar a tarefa que dela esperam os dois ilustres escritores?
É o que veremos em outro artigo.
***
“Diário de São Paulo”, 12/2/1936, p. 6
O Papado no século XX
(Especial para o “Diário de São Paulo”)
Se quereis conhecer um homem, basta falar-lhe do Papado. Se ele responder com palavras de Fé, é um crente. Se responder com palavras de furor e de desdém, falta-lhe a cultura ou a inteligência. Se manifestar admiração e pasmo, é um homem culto e inteligente, embora possa não ser católico.
Realmente, nada conheço que possa irritar a impiedade analfabeta, nada que possa desconcertar mais a impiedade culta, e nada que entusiasme mais a piedade esclarecida do que o Papado.
Crentes e descrentes, cultos ou ignorantes diante do Papa
Em uma fotografia que nos representa o Papa na sedia gestatoria25, cingindo a Tiara, abanado pelos tradicionais flabelli26, revestido dos hábitos pontificais, precedido por um longo cortejo de dignitários civis e eclesiásticos brilhantemente paramentados, um crente verá o representante de Deus, cercado do esplendor conveniente à magnitude de suas funções, um descrente ignorante verá um cego, que caminha para o abismo em que o século XX, profundamente materialista, pretende sepultar a Igreja, e um descrente culto sentirá um profundo pasmo apoderar-se do seu espírito. Realmente, à vista do Papa paramentado e cercado da Corte Pontifícia, compreende-se o furor ou o desprezo com que um homem de meia-cultura ou de meia-inteligência lhe atribui o desígnio de afundar no abismo de olhos fechados, antes que sacrificar as suas doutrinas e suas tradições, e abrir os olhos aos perigos contemporâneos.
Mas um homem culto e inteligente vê necessariamente algo mais. Culto, sabe quais os recursos que a cultura fornece à inteligência. E ele nunca poderá crer que é simplesmente a obstinação, o segredo da intransigência da Igreja perante os desmandos do século XX. Deve haver algo de mais profundo, a ditar tal atitude e, no entanto, nada pode encontrar um incréu que a explique.
O Papa não ignora as nuvens que toldam o esplendor de seu pontificado
Realmente, é indiscutível que o Pontificado de Pio XI tem sido dos mais gloriosos que a História registra. É incontestável que o Vaticano é atualmente um Estado junto ao qual se encontram acreditados embaixadores mais numerosos do que junto à Corte de St. James ou à Casa Branca. É incontestável que um renascimento católico se opera em todo o mundo e que, especialmente na juventude, as élites religiosas se vão fazendo cada vez mais numerosas. É incontestável ainda que a obra missionária vai incorporando ao seio da Igreja regiões cada vez mais extensas.
No entanto… quem pode fechar os olhos às nuvens negras que toldam o esplendor deste pontificado? Quem pode negar que, a se considerarem as coisas de um ponto de vista exclusivamente humano, os maiores perigos cercam constantemente o trono de São Pedro, amontoando sobre a cabeça de Pio XI nuvens tão densas quanto as que pesaram sobre os horizontes da Igreja nascente? Ignorará tudo isto o Papa atual? E o que sentirá ele, então, quando sobe à sedia gestatoria, quando ouve as trezentas cornetas de prata que anunciam sua chegada à Basílica de São Pedro, quando, de passagem pelas salas do Vaticano, o espelho lhe reflete a imagem da tiara faiscante de preciosas pedrarias? Nem por um minuto lhe parecerá, então, que o esplendor dessas aparências está em flagrante contraste com os perigos do momento que passa? Mais alto do que as cornetas de prata, não estrugem aos seus ouvidos os gritos de ódio vindos da Rússia, da Alemanha, da Espanha, do México? Ao lado das aclamações delirantes da multidão na Basílica, não percebe ele o zumbido ameaçador da conspiração satânica e universal que quer sepultar definitivamente o último Papa, sob os escombros da última Igreja? Não terá ele olhos para ver, não terá ouvidos para ouvir?
Somente a Fé explica a grandeza do Papado no século XX
É impossível que tais perguntas não assaltem o espírito de um observador inteligente. E o próprio Papa, até certo ponto, as justificou, quando, pouco depois do glorioso Tratado de Latrão, se viu forçado a lembrar a Mussolini de que a Igreja se sentia com ânimo para entrar novamente nas catacumbas, desde que a isso quisesse forçá-la o novo César romano. Como é pequena a distância que medeia entre o Tratado de Latrão e a volta às catacumbas!
Para compreender o estado de espírito do Papa, é preciso compreender o que é a Fé. Para o Papa, os maiores cataclismos que possam abalar a Igreja e o mundo não são senão incidentes, embora gravíssimos, na vida da Igreja. Nada, porém, poderá destruir a Igreja, porque ela se alicerça sobre a vontade divina. O Cristo prometeu que contra ela não prevaleceriam as portas do inferno. E o Papa crê com uma Fé inteira, irrestrita, indestrutível, na realização da promessa divina. Se algum dia o tufão das perseguições penetrar no Vaticano, o Papa trocará seu palácio pelas Catacumbas, sem que, por um minuto, sinta a nostalgia do esplendor passado ou a inquietude pela sobrevivência da Igreja. Para o Papa como para qualquer católico, não é a Tiara nem é o esplendor do fausto que faz a autoridade dos pontífices. Eles já governaram a Igreja nas circunstâncias mais tormentosas. Um Papa houve que dirigia a Igreja enquanto, por ordem dos imperadores romanos, no fundo de um chiqueiro tratava de porcos. E nenhum Papa trouxe à Igreja mais glória do que ele.
Assim, é a Fé, e só a Fé, que explica a situação e a atitude do Papado no século XX.
Do alto da sedia gestatória, Pio XI não ignora nenhum dos perigos da hora presente e nenhuma das risonhas promessas que, ao par dos perigos, despontam em todo o mundo, a sorrir à Igreja.
Não é a hostilidade dos homens coisa que lhe inspire temor, nem é a sua adesão coisa que lhe inspire confiança. Sua confiança ilimitada no auxílio que vem de Deus, auxílio invencível e onipotente, que a promessa divina hipotecou e que nunca poderá falhar, é a razão de sua serenidade quando passa pela História contemporânea, ouvindo os aplausos de uns, e os rumores odientos de outros.
***
“Diário de São Paulo”, 16/2/1936, p. 10
Inaugurou-se a Escola de Serviço Social
Discurso do deputado Sr.a Carlota Pereira de Queiroz e do Sr. Plinio Corrêa de Oliveira – Bênção do local pelo Bispo-Auxiliar, D. José Gaspar de Affonseca e Silva
Inaugurou-se ontem, às 16 horas, no largo de Santa Cecília, nº 20, sob o patrocínio do Centro de Estudos e Ação Social, a Escola de Serviço Social.
É uma fundação que tem por finalidade dar uma formação metódica aos que desejam dedicar-se ao trabalho social. A sua direção está entregue à Sr.a Maria Kiehl, assistente social, diplomada pela Escola Católica do Serviço Social de Bruxelas. Compareceram ao ato inaugural representantes dos secretários da Justiça e Educação, do diretor do Departamento de Assistência Social; o Bispo-Auxiliar D. José Gaspar de Affonseca e Silva, também representando o Arcebispo metropolitano; deputado Sr.a Carlota Pereira de Queiroz; Srs. Clóvis Martins de Carvalho, subdiretor da Assistência Social do Departamento do Trabalho; Nicanor de Miranda, diretor dos Parques Infantis; Pedro Xisto de Carvalho e Joaquim Panino, do Departamento Estadual de Assistência Social; presidentes da Liga das Senhoras Católicas, Professorado Católico, Legião de São Paulo e Juventude Católica.
Congratulações da Sr.a Carlota Pereira de Queiroz
Reunidos os presentes no salão nobre, o deputado Sr.a Carlota Pereira de Queiroz proferiu palavras de congratulação pela inauguração da Escola de Serviço Social, mostrando a oportunidade da iniciativa dentro dos quadros das atuais organizações sociais.
Discurso do Sr. Plinio Corrêa de Oliveira
Falou, depois, o Sr. Plinio Corrêa de Oliveira, que fez o histórico das transformações sociais, principalmente no que se refere à propriedade, à família e à liberdade. Demonstrou como essa evolução preparou o terreno para o comunismo, que não é, como se pensa, moléstia que se declare, mas a septicemia final de um mal largamente desenvolvido.
O espírito social de 1836 a 1936
O orador comparou o espírito social de 1836 a 1936, fazendo notar que a desorganização de que hoje se ressente a Sociedade, se processou lentamente, tendo como ponto de partida a desordem moral do indivíduo. Esta, mais tarde – diz – foi influir na coletividade. A cura do mal terá que ser obtida por um processo análogo, por um trabalho que, pela transformação do indivíduo, atingisse a sociedade e, finalmente, as instituições políticas. Desse ponto de vista deduziu o Sr. Plinio Corrêa a necessidade de formação prévia para os que têm que formar um novo ambiente. Daí, a oportunidade da Escola. Concluindo, augura-lhe o melhor êxito na consecução das suas finalidades.
Usou da palavra, ainda, o Sr. Clóvis Martins de Carvalho, que mostrou o papel relevante que a nova Escola poderá ter como subsidiária eficiente dos trabalhos que, há tempos, já vêm sendo desenvolvidos no Departamento de Assistência Social do Departamento Estadual de Trabalho.
Depois de breve oração, na qual teceu considerações em torno do programa de trabalho que a Escolha de Serviço Social deve desenvolver, D. José Gaspar de Affonseca e Silva, Bispo-Auxiliar, procedeu à bênção do estabelecimento.
Aos presentes, depois de visitarem as dependências do prédio, foi servido um lanche.
***
“O Legionário”, nº 191, 16/2/1936, p. 1
A Exposição de Imprensa Católica
Seria preciso desconhecer estranhamente a personalidade gigantesca de Pio XI para se iludir sobre o proveito que S.S. tirará, na ordem prática das coisas, da exposição mundial de imprensa católica, a realizar-se brevemente no Vaticano, sob os auspícios da Santa Sé.
Estreitamento do vínculo entre o Papado e a imprensa católica
Três vantagens principais decorrerão da Exposição. A primeira, é um estímulo vigoroso à causa do jornalismo católico. Diante de todo o mundo católico, o Santo Padre manifesta seu vibrante interesse pelo desenvolvimento da imprensa católica, tomando pessoalmente a iniciativa do grande certame. E prova, assim, coram populo27, a importância da questão da imprensa, para a Ação Católica.
A segunda, consiste em reforçar os laços de afeto e respeito que vinculam ao Trono de São Pedro os jornalistas católicos do mundo inteiro. O valor de um católico se aquilata pelo seu entusiasmo pelo Papa. A devoção ao Pontífice Romano é o selo e a cúpula de toda a formação religiosa. E essa devoção deve ser particularmente veemente no jornalista católico, que, como soldado da Igreja, deve ser um modelo de obediência e amor ao seu Pastor Supremo.
A [terceira] ↓28 vantagem, consiste em mostrar tudo o que os católicos têm feito… e tudo o que eles não têm feito, pela imprensa católica. Realmente, ao par de grandes provas de capacidade realizadora em matéria de imprensa católica, haverá mais de um stand que atestará, mesmo em países de maioria absolutamente católica, um atraso lamentável. E isso dará certamente ao Santo Padre a oportunidade para louvar ou não louvar o que se tiver feito ou o que se tiver deixado de fazer…
“O Legionário”, olaria de jornalistas católicos
O que se dirá, por exemplo, no stand do Brasil? Como explicar que um dos países mais católicos do mundo, dirigido na sua vida espiritual por um Episcopado que honra a Igreja pelo esplendor de suas virtudes e talentos, apresentem em matéria de imprensa católica frutos tão magros? Como explicar que, enquanto Belo Horizonte, São Salvador, Fortaleza, Natal têm diários católicos, a próspera e empreendedora Paulicéia não tenha nem sequer um magro semanário católico?
A recente entrevista que, ao “O Legionário”, concedeu S. Ex.cia Rev.ma o Sr. Arcebispo Metropolitano, na visita que lhe fizemos, nos permite, a nós, colaboradores, redatores e leitores de “O Legionário” estar com a consciência tranquila. Realmente, dentro da contingência de nossas forças, temos feito o possível neste terreno, entrando cada qual com a contribuição intelectual ou pecuniária que pode prestar.
“O Legionário” tem procurado vencer uma das dificuldades preliminares mais importantes, para a solução da questão da imprensa católica. Ainda recentemente, conversávamos com o Ex.mo Rev.mo Sr. Bispo-Auxiliar e o Diretor de um dos maiores matutinos da Capital. E, no decurso da conversa, este nos informou estar a redação de seu jornal cheia de comunistas, que não pode dispensar, porquanto não encontra, para substituí-los, técnicos de igual valor. É a prova mais cabal de que não há jornalistas católicos.
Assim, como pensar em fazer imediatamente um jornal católico? Antes de fazer o jornal, não será necessário fazer os jornalistas? Antes de construir uma casa, não é indispensável que exista uma olaria que fabrique os tijolos necessários para a construção? “O Legionário” pretende ser essa olaria. E da generosidade do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano ouviu a afirmação de que a olaria é excelente…
Não é mais meritório aliviar antes as dores da alma que as do corpo?
Fazemos, pois, o que nós podemos fazer. Mas… e os outros? Evidentemente, quanto maior for a olaria, tanto melhores e mais numerosos serão os tijolos por ela produzidos… E por que não é maior a olaria? Francamente, a culpa não é dos oleiros. Afora um círculo relativamente restrito de amigos fervorosos (entre os quais se alinham nomes da maior representação no Clero e laicato católico), poucas são as dedicações que “O Legionário” tem encontrado no seu caminho. A maior parte dos católicos generosos julga mais meritório dar dinheiro para hospitais, para creches, para obras de assistência social. E com isto, suas bolsas dificilmente se abrem para auxiliar qualquer outra iniciativa.
No entanto, bastará uma pequena pergunta, que submetemos à apreciação de quem nos ler, para mostrar o equívoco de tais católicos.
É certamente conforme à caridade aliviar as dores físicas do homem, e prolongar por mais alguns anos a vida dos enfermos. No entanto, perguntamos: não é mais meritório aliviar as dores da alma, as enfermidades morais tão frequentes em nossa época, os padecimento ocultos, para os quais não há hospitais e nem remédios? O que é melhor: prolongar a vida de corpos que, cedo ou tarde, descerão à sepultura, ou a vida de almas imortais que, sem um conselho bom, dado em momento oportuno, poderão ser atiradas à noite eterna, “em que há trevas e ranger de dentes” 29?
Responda quem nos ler.
***
“O Legionário”, nº 191, 16/2/1936, pp. 1 e 3
À margem dos fatos
Comemorando o 339º aniversário da morte dos 26 mártires da religião Católica no Japão, a Liga Católica dos Japoneses de São Paulo mandou celebrar uma missa solene na Igreja de São Gonçalo, com grande assistência de elementos da colônia nipônica.
É extraordinário o apostolado exercido pela Igreja Católica entre a colônia japonesa de São Paulo, cujos membros tornando-se ardorosos católicos, cada vez mais vão se ambientando em nossa terra. E, enquanto o problema da imigração oriental não passa das discussões do Congresso, a Igreja Católica presta este admirável serviço à nossa Pátria, preparando, pela catolicização dos japoneses, a sua rápida assimilação em nosso meio.
O perigo comunista no México e na América do Sul
O embaixador brasileiro no México, em declarações à imprensa, disse que o ensino leigo está definitivamente implantado no México, depois da tremenda luta entre o governo socialista e a Santa Sé, e que o Sr. Lázaro Cardenas30 hostiliza, abertamente, a “política do clero”, tendo mesmo chegado a sepultar a liberdade religiosa. Acrescenta ainda que, apesar de ser o México o único país da América que se manifestou contra a religião, nem por isso deixou de ter ótimas relações com todos os Estados estrangeiros.
Ora, uma vez que a frente única americana contra o comunismo vem obtendo, ultimamente, magníficas vitórias, principalmente na América do Sul, impõe-se, também, uma ação em conjunto contra a política francamente comunista do Sr. Cardenas, que constitui séria ameaça à vida de todos os outros povos irmãos americanos. Todos os países deveriam se manifestar contra a orientação nefasta desse governo, cooperando com o nobre povo mexicano na luta contra os seus bárbaros governantes que, evidentemente, recebem ordens de Moscou.
* * *
Há quem insinue que o perigo comunista na América do Sul é fantasia do governo brasileiro para manejos políticos. Entretanto, ainda este mês, foi rejeitado em Buenos Aires o pedido de inscrição do Partido Comunista, que ficou, assim, impossibilitado de concorrer às próximas eleições nacionais do dia 13. Evidentemente, tal atitude das autoridades argentinas prova a realidade do perigo comunista em toda a América, e desmente as insinuações de muito machiavel-mirim da oposição.
Perseguição nazista ao catolicismo
Noticiam os telegramas da Alemanha que a Santa Sé se opõe ao estabelecimento de qualquer modus vivendi31 entre o regime nazista e os católicos, enquanto o Partido Nacional-Socialista não definir um artigo de seu programa, em que estabelece a compatibilidade entre a doutrina hitlerista e o cristianismo.
Realmente, a palavra cristianismo tem recebido as mais diversas interpretações, das quais uma é a do famoso cristianismo positivo, cristianismo alheio a qualquer diferença de crenças ou confissões cristãs e superior, portanto, à autoridade religiosa de Roma.
É à sombra dessas interpretações que se tem afirmado a incompatibilidade entre o catolicismo e o nazismo, nos arraiais hitleristas, e se tem perseguido e reduzido ao cativeiro inúmeros elementos exponenciais da vida religiosa alemã.
* * *
Lendo essa notícia, lembramo-nos involuntariamente dos que, no Brasil, pretendem apelar para o cristianismo, pura e simplesmente, como tábua de salvação para o Brasil.
Repetindo o trocadilho famoso, apelar para o cristianismo tout court32 é positivamente trop court33.
Confirmou esta asserção o grande jornalista católico Conde dalla Torre, em editorial recente do “Osservatore Romano”, de que é diretor. Escreveu ele que “os que por interesses urgentes se voltam para Jesus Cristo, devem aceitar Jesus Cristo sem nenhuma restrição…”.
* * *
Os telegramas vindos da Alemanha insistem em que as recentes prisões de católicos foram efetuadas por “se terem eles aliado aos comunistas para preparar um atentado contra a segurança do Estado nacional-socialista”.
Os cristãos foram acusados, nos primeiros séculos da Igreja, ↓34 [de] terem incendiado Roma, a despeito de serem os mais pacíficos dentre os cidadãos romanos.
Hoje, são acusados de comunistas, a despeito de serem os homens mais anticomunistas do mundo.
Nero ressuscitou. Hoje, chama-se ele Hitler.
Notícia capciosa…
Os telegramas vindos da França adiantam que Jacques Bainville é a “primeira personalidade de primeiro plano”, na Action Française, a quem a Igreja recusa funerais eclesiásticos. E acrescentam que “até agora, decisões dessa ordem só tinham sido tomadas em relação a modestos membros da Action Française dos departamentos”.
A notícia é evidentemente capciosa. Todos os membros da Action Française estão excomungados. E a nenhum deles, seja qual for a sua categoria, deu ou dará a Igreja as honras da sepultura eclesiástica.
***
“O Legionário”, nº 191, 16/2/1936, p. 3
Comentando…
Opinião franca a respeito do “Legionário”
Chamamos a atenção de nossos leitores para uma nota inserta na primeira página35, convidando a todos quantos possam fazê-lo, a nos enviar uma opinião franca (franqueza significa inteira fidelidade no apontar as qualidades e… também os defeitos) a respeito da nova orientação que vimos imprimindo ao “O Legionário”.
Para facilitar a apreciação de nossos leitores, lembrar-lhes-emos que nossa matéria se encontra dividida da seguinte forma:
1) política nacional: nota de fundo e “À margem dos fatos”; orientação: absoluta neutralidade perante todas as correntes políticas que não contrariem a doutrina católica; inteira liberdade de crítica, portanto, às atitudes de todas as correntes;
2) política internacional: uma “Nota Internacional” na última página, alguns tópicos da seção “À margem dos fatos”, e notícias diversas, distribuídas em geral na última página; orientação: as questões internacionais são apreciadas sob um ponto de vista exclusivamente religioso, abstendo-se “O Legionário” de qualquer parcialidade inspirada por motivos temporais;
3) fatos diversos: interessando nossa vida social, econômica, intelectual ou artística; são comentados em sueltos na seção intitulada “Comentando”;
4) Evangelho da última quinzena: com o respectivo comentário;
5) fatos marianos: abrangendo notícias sobre o movimento mariano, e um artigo sobre formação mariana, pelo Dr. Paulo Sawaya, instrutor dos Mestres de Noviços da Federação Mariana;
6) notícias diversas sobre fatos da vida religiosa, atinentes a associações católicas em geral, como a Adoração Noturna, a Liga das Sras. Católicas, o Centro de Estudos e Ação Social, etc.;
7) reportagens e entrevistas sobre os assuntos de maior atualidade na vida católica, como o problema educacional, o rádio católico, a vida religiosa no Rio Grande do Sul, etc., etc.
* * *
Ser-nos-á muito interessante conhecer a opinião de todos os nossos leitores, sobre essas secções.
Se favoráveis, nos estimularão. Se contrárias, nos instruirão.
Pedimos que as respostas sejam enviadas, se possível, dentro de duas ou três semanas.
***
“O Jornal”, 25/2/1936, seção “Coluna do Centro”36
Primavera Espiritual
Plinio Corrêa de Oliveira
(Copyright dos “Diários Associados”)
No seu discurso de ano novo, o Sr. Getúlio Vargas afirmou que o cristianismo é a grande força moral a cuja sombra o Brasil se deve acolher, se quiser preservar seus filhos do perigo comunista.
Reconquistar o povo brasileiro para o catolicismo integral
Se assim é, uma pergunta vem imediatamente ao nosso espírito: que possibilidades tem o catolicismo, de reconquistar integralmente o povo brasileiro? Com assombro para mim, saiu da pena brilhante do Sr. Plinio Barreto, a este respeito, um categórico não, na crônica bibliográfica dedicada aos últimos livros de Tristão de Athayde.
Todos os brasileiros são católicos, é certo. Mas, preconceitos antigos e doutrinas novas conspiram para manter uma grande fração do povo mais ou menos alheia à vida católica integral. De um catolicismo assim, pouco há que esperar. Ou a Igreja reconquista para o catolicismo integral – isto é, o catolicismo tout court – o povo brasileiro, ou serão baldos todos os esforços desenvolvidos pelos bons patriotas para conjurar o perigo comunista. Não é com falanges de Pilatos e de Nicodemos que se há de salvar o Brasil.
Significativo aumento do fervor religioso
O aumento das hostes integralmente católicas não interessa, portanto, apenas aos católicos, mas a todos os brasileiros. Serão, pois, da maior oportunidade, alguns dados preciosos que nos mostram qual a ação que a Igreja está desenvolvendo entre nós no sentido de reconquistar as massas.
Comecemos pelo Anuário da Cúria Metropolitana de São Paulo. Segundo a estatística que tenho em mãos, as associações religiosas de São Paulo e seus arredores, exclusão feita, portanto, do interior do Estado, têm 135 mil pessoas inscritas.
Em 1921, os membros das associações religiosas eram apenas de 46.367, e hoje seu número é 3 vezes maior. Os membros das associações religiosas são pessoas que não se limitam ao cumprimento estrito dos deveres mínimos dos católicos, mas que realizam uma vida fervorosamente cristã, pela frequência assídua dos Sacramentos, pela absoluta conformidade de sua vida com os preceitos da Igreja, pela realização de obras de apostolado ou de beneficência que tendem a se tornar cada vez mais numerosas. Como prova desse crescente ardor, basta mencionar o número de comunhões, que, em um ano, atingiu ao total aproximado de 3.895.965. Na paróquia de Santa Cecília, por exemplo, nestes últimos 8 anos, o número de comunhões subiu de 507.000, a mais de 650.000.
Maravilha ainda maior: a pujança do movimento católico masculino
O que, no entanto, deve causar maior maravilha, é que o catolicismo não tem conquistado terreno só no sexo feminino, cuja devoção e piedade são tradicionais no Brasil. Um dos movimentos religiosos mais pujantes em São Paulo é o da mocidade católica que, arregimentada em Congregações Marianas, vai se avolumando cada vez mais em todo o Estado de São Paulo. Em 1931, havia em São Paulo 49 congregações marianas com 1.700 membros. Em 1935, o total das congregações era de 364, com 16.240 membros, pertencentes a todas as classes sociais e tendo, na sua quase totalidade, entre 15 e 30 anos de idade.
Qual a seriedade dos sentimentos religiosos desses rapazes? Simples fogo de palha? Ardores de moços, que amanhã se dissiparão para dar lugar a outras novidades? Respondam por nós só dois fatos, impossibilitados que estamos de descrever toda a pujança do movimento mariano, nos estreitos limites de um artigo de jornal.
O primeiro deles é o retiro no carnaval. Enquanto um preconceito muito vulgar apontava um moço como a vítima predileta do ceticismo e da depravação dos costumes, em São Paulo, em 1935, 753 congregados marianos se encerravam durante três dias no Liceu Coração de Jesus37, para, no ambiente do mais rigoroso silêncio, meditar sobre as verdades eternas e pedir a Deus pela grandeza da Igreja e do Brasil. E tudo indica que este número ascenderá a mais de mil em 193638, para todo o Estado.
O segundo é a adoração noturna. Na Igreja da Boa Morte, o Santíssimo Sacramento está exposto noite e dia, à adoração dos fiéis. Durante o dia, a adoração é feita pelas associações femininas. À noite, a adoração é feita pelos Congregados Marianos de São Paulo, em turmas que se revezam em todas as noites do ano. Cada turma entra na Igreja às 9 horas da noite e lá permanece em adoração incessante até às 5 da manhã. O número de rapazes que vão passar a noite em adoração ascendeu em 1935 a 7.218, total este superior de 947, no ano anterior. A grandeza desse gesto de Fé se torna particularmente notável, se considerarmos que a grande maioria de adoradores noturnos, que sacrificam o repouso da noite, é constituída de universitários, empregados do comércio e operários, que deverão sair, às vezes, diretamente da Igreja para o trabalho, tomando algum repouso apenas na noite seguinte.
O exemplo da Juventude Operária Católica belga
Fatos tais – e muitos outros poderíamos citar – provam à saciedade o vigor com que o catolicismo se desenvolve entre nós. Mas, será o catolicismo força moral suficiente para continuar a empolgar os espíritos, quando o Brasil se civilizar mais, quando dele se tiver aproximado mais a intensidade de cultura e progresso das nações europeias? Por que tais fatos se verificam no Brasil, e não na Europa? É o que perguntará muito leitor.
A resposta nos é amplamente fornecida por folhetos relativos à Juventude Operária Católica da Bélgica, que as Cônegas de Santo Agostinho estão editando, e que se podem encontrar à venda nas livrarias católicas da Cidade. A todos os católicos de São Paulo e dos outros Estados, recomendamos a leitura de tais folhetos. Através deles, aprenderão a conhecer o movimento católico entre os operários belgas. Em recente concentração, cem mil operários católicos belgas, entre 15 a 30 anos de idade, pertencentes a ambos os sexos, se reuniram numa grande planície para afirmar, perante Deus, as autoridades da Igreja e do Estado, e uma imensa massa popular, seu incondicional devotamento à Igreja Católica. Este movimento de uma modernidade de processos absolutamente surpreendente, conquistou a Bélgica no curto espaço de alguns anos. No início do movimento, eram apenas cinco os seus membros chefiados pelo Pe. Cardjin39. Hoje são muito mais de cem mil, todos eles absolutamente integrados no espírito da Igreja e adversários decididos do comunismo. Nesta assembleia tomou palavra o 1º Ministro Belga, que pediu ao operariado católico, em nome do Governo, seu apoio à luta contra o comunismo. “Vós sois a força de hoje, operários católicos, e o governo precisa de vosso auxílio.”
O movimento operário católico belga é o mais bem organizado do mundo. No entanto, em toda a Europa, movimentos análogos, todos de grandes proporções, vão trazendo as massas à Igreja.
Uma aurora de espiritualidade vai se irradiando sobre o mundo
Há dias atrás, o telégrafo nos trouxe a notícia de que se reuniu em Paris a assembleia da Juventude Católica Francesa, cujo capelão é um capitão-de-corveta que se fez sacerdote. O número total dos associados é de duzentos mil. O órgão dos operários filiados à associação chegou a ter tiragem de cento e cinquenta mil exemplares. Os trabalhadores rurais estão divididos em numerosas secções, das quais duzentas e seis foram fundadas em 1935. A juventude universitária conta com 240 seções, das quais 57 formadas em 1935. O ardor da mocidade universitária, que compreende estudantes das escolas superiores da França, é tal que resolveram passar as férias em acampamentos em que se dedicaram ao estudo de assuntos religiosos.
Assim, pois, por toda a parte, uma aurora de espiritualidade vai se irradiando sobre o mundo pagão de nossos dias. Há 60 anos atrás, a Igreja recrutava a maior parte de seus fiéis militantes entre os velhos, e o socialismo recrutava os seus entre os moços. O dia está se aproximando, em que o quadro estará inteiramente mudado: com a Igreja, a mocidade que ama o que é puro e o que é eterno. Com o socialismo, com o liberalismo, com outros ismos suspeitos que grassam entre nós, os velhos apegados aos erros que a humanidade nova vai destruir…
***
“Diário de São Paulo”, 28/2/1936
Contra o comunismo
Plinio Corrêa de Oliveira
(Copyright dos “Diários Associados”)
Rio 27 – O Governo Federal criou recentemente uma comissão incumbida de desenvolver intensa propaganda anticomunista em todo o País. Não conhecemos as pessoas designadas pelo Presidente da República para integrar a referida comissão. Sendo, no entanto, o Sr. Getúlio Vargas um fino conhecedor de homens, é provável que, como de costume, tenha posto o dedo nos homens exatamente indicados para os fins que ele tem em vista. Aguardemos, pois, com a mais viva curiosidade as providências tomadas pela Comissão incumbida da defesa do regime.
Supersticiosa crença na onipotência do Estado
Realmente, muitos são os escolhos com que a Comissão se poderá chocar. O primeiro deles é o preconceito, muito corrente em nossa época, de que o Estado se basta a si mesmo, para levar a efeito tudo aquilo que projeta. Em geral, a opinião pública participa desse preconceito. A atenção de todos os povos contemporâneos está voltada para alguns homens que parecem concentrar sobre seus ombros o peso de todas as responsabilidades políticas e econômicas do mundo contemporâneo. Se Roosevelt, Stanley Baldwin40, Hitler ou Mussolini traçam novas diretrizes políticas ou econômicas para os respectivos países, todos os sociólogos, todos os estadistas, todos os homens de imprensa ou de rádio se empenham em analisar detidamente suas intenções e seus projetos, e a opinião pública é minuciosamente informada do pró ou do contra que lhe apontam seus mentores habituais.
Enquanto os poderosos meios de publicidade moderna se empenham, assim, em fazer ressaltar aos olhos do público toda a importância da intervenção do Estado na solução dos grandes problemas contemporâneos, um pesado silêncio envolve, em geral, a atuação da Igreja. E, assim, se firma no espírito público a persuasão de que só o Estado poderá resolver a crise contemporânea e salvar a humanidade do comunismo, e que qualquer ação que não seja desenvolvida pelo Estado só pode trazer uma colaboração muito acessória e de pequena valia à solução dos grandes problemas econômicos e sociais que torturam presentemente a humanidade.
É esta uma das muitas manifestações do fetichismo de nossa época, que consiste numa crença supersticiosa na onipotência do Estado.
O Estado caminha para um insucesso inevitável
No entanto, se o Estado quiser manter-se no seu altivo isolamento, na luta contra o comunismo, ele caminha para um insucesso inevitável. Realmente, a principal atividade que o Estado pode desenvolver contra o comunismo consiste na destruição de todos os meios de propaganda do credo vermelho. Para isto, poderá e deverá ele desinfetar todo o funcionalismo civil e militar, de quaisquer germens comunistas. Deverá também preservar a opinião pública contra qualquer campanha declarada ou encoberta, desenvolvida através da imprensa. Deverá, finalmente, impedir o ingresso de agitadores em território nacional. Mas esta ação, que é puramente antisséptica, pois que consiste principalmente em evitar os meios de contágio, é absolutamente insuficiente. O médico que desejar a saúde de um organismo combalido não se deve limitar a prescrever medidas que evitem qualquer causa de contágio. Será mister, ainda, tonificar o organismo e dotá-lo de saúde bastante forte, para que todos os órgãos, todas as células e tecidos sociais reajam contra um germen que, porventura, se infiltre, a despeito de todos os meios de isolamento.
Dir-se-á que o Estado pode estabelecer uma legislação social capaz de tirar aos agitadores qualquer pretexto de exploração revolucionária entre os operários.
É ingênua a objeção. Basta ler uma relação dos comunistas que mais se salientaram nos últimos acontecimentos, para que se verifique que o estômago vazio não é terreno necessário para a frutificação das ideias comunistas. Realmente, todos os nossos chefes comunistas são burgueses – alguns dos quais riquíssimos – [e] nunca conheceram a fome.
Do que serviria a promulgação de uma legislação social, para tal gente? Nem com o sabre de sargento de polícia, nem com a perspectiva das reivindicações operárias, obterá o Estado a paz social. É certo que uma e outra coisa são necessárias, mas não bastarão por si só, se o Estado quiser lutar sem o concurso das grandes forças sociais.
A lição da queda do império russo
Foi esta grande verdade que escapou inteiramente à Rússia dos czares. Por mais que a polícia brasileira se aperfeiçoe e especialize no combate ao comunismo, nunca poderá superar a famosa Okrana, polícia imperial russa. O estado de guerra que temos aqui provisoriamente, seria tido, na Rússia, como um regime áureo de liberdade. O czar, aparelhado com todos os recursos que a onipotência governamental confere, não tinha barreiras na sua ação preventiva e repressiva contra o comunismo. O liberalismo não lhe entravava os passos e um regime político-social ferreamente aristocrático, em alguns de seus aspectos, mantinha alheias ao poder as camadas populares mais sujeitas ao contágio do vírus comunista.
Isto não obstante, a Rússia não pôde resistir ao comunismo, desde o momento em que conseguiram penetrar no Império moscovita alguns milhões de rublos vindos de Nova York, e uma meia dúzia de judeus transportados da Suíça à fronteira russa, em trens de aço, pelo kaiser. Qual a razão? É que o organismo social russo não estava apto a reagir. Fiando na sua onipotência, o Estado absolutista não pediu [apoio] e não contou senão com seu próprio poderio. A Igreja Católica era perseguida e aos cismáticos não se pediu nenhum esforço de persuasão junto ao povo. As Universidades, as corporações que representavam o clero, a nobreza e o povo, não tinham sido convidadas a participar da luta. Enquanto foi possível manter distantes os micróbios, a infecção não se verificou. Mas, à primeira aproximação, a gangrena foi fulminante e o Império russo estourou como um paiol de pólvora.
Ouçamos a voz da História!
Se, portanto, a Comissão de combate ao comunismo quer aproveitar as lições da Historia, não deverá limitar sua atividade à simples reprodução de discursos contra o comunismo, medida esta que, apreciável em si, não conjura o perigo em toda a sua extensão.
A obra mais urgente da comissão deve consistir em mobilizar todas as forças sociais e morais da Nação, coordenando-as num esforço inteligente, capaz de golpear o comunismo, não apenas nas suas causas mais próximas, mas também nas suas causas mais remotas.
Neste sentido, aliás, temos declarações de um estadista insuspeito que, tendo ao seu serviço o mais perfeito aparelhamento governamental do país, preconizou, não obstante, há pouco, como meio mais eficiente da campanha anticomunista, a mobilização de todas as forças sociais. No notável discurso que proferiu no Teatro Municipal de São Paulo, o Sr. Armando Salles de Oliveira, concitou todas as forças sociais a apoiar a ação das autoridades, certo de que, sem este apoio, qualquer esforço seria vão.
Ouça a Comissão, se não a voz do governador paulista, ao menos o conselho da experiência e da História.
***
“O Legionário”, nº 192, 1/3/1936, p. 1
Porquê?
Não adianta fazer literatura e encobrir, com flores de retórica, uma bela verdade: que não é fácil fazer retiro espiritual.
Na maioria dos casos, o retiro espiritual é um ajuste de contas de alguém consigo mesmo. Quando se calam na alma as preocupações mundanas, a consciência fala alto. E nem sempre o seu veredictum é dos mais satisfatórios.
Duas mocidades, dois processos de alma
Fazer um retiro espiritual é pôr toda a vida, minuciosamente esquadrinhada, em paralelo com as grandes verdades do Ca[tolicismo, onde todos nos]sos41 hábitos, nossas opiniões, nossas atividades, são passados pelo crivo. Mesmo as almas mais piedosas e mais perfeitas encontram frequentemente, em tais exames, pequenas faltas a corrigir, pequenos defeitos a retificar, pequenos hábitos a reformar. E o resultado de todo o retiro bem feito é sempre uma série de restrições mais ou menos dolorosas – conforme o caso – a fazer às nossas falhas morais.
Em salões imensos, a mocidade mariana ouve atenta o pregador, enquanto estrugem pelas ruas o carnaval. Os temas das pregações são, em geral, a morte, o pecado, o juízo, o amor de Deus pelos homens, e outras verdades fundamentais da Doutrina Católica. Frequentemente, as palavras caem na alma como gotas de fogo. Os olhares se tornam pensativos, os semblantes carregados. Enquanto tudo sorri em torno dela, a mocidade mariana pensa… E pensar custa muito a tanta gente!
Enquanto isto, a mocidade ↓42 se diverte… Um processo diametralmente oposto se verifica em sua alma. O silêncio se faz para a consciência e todos os sentidos são escancarados aos prazeres da vida, ao bulício doido do carnaval.
Simpatias para Momo, frieza glacial para a Congregação Mariana
O que pensa o mundo dessas duas falanges de moços? Despreza a primeira e estimula a segunda.
Quanta Congregação Mariana desprovida de tudo quanto é necessário ao seu normal funcionamento! Sem sede, sem material de escritório, sem dinheiro para as mais elementares despesas, os seus membros vão, não obstante, caminhando para a frente, na cruzada da marianização do Brasil, entre os risos de uns, o ódio de outros, e a simpatia de poucos. As Congregações procuram trabalhar pela grandeza do Brasil. Sua máxima, é o espezinhamento do egoísmo, para a grandeza da Igreja e da Pátria. Qual, no entanto, o braço amigo que, fora dos arraiais católicos, se lhe estende para auxiliá-la em tão nobre luta? Nenhum.
Pelo contrário, os clubs carnavalescos recebem todo o amparo. As subvenções, gordíssimas, dão para custear a construção de duas ou três sedes de Congregação. À sua passagem, cordões de grilos se alinham para deixar livre trânsito à procissão do rei Momo. Enquanto não há uma única praça pública em São Paulo que tenha um monumento relacionado com assuntos religiosos (exceção feita ao monumento a Santo Antônio), Momo já tem seu lugar de honra marcado, na Praça Antônio Prado. E ai de quem procurar destroná-lo!
Quanto à imprensa quotidiana, exceto algum protesto – não raramente eloquente – das seções religiosas, nada se lê contra o carnaval. Nada se lê também, sobre os retiros espirituais. E, por outro lado, o menor club carnavalesco da várzea encontra acolhida fervorosa nas colunas dos grandes diários.
Por que isto? Por que alcança Momo tanta simpatia, enquanto uma frieza glacial acolhe tantas vezes a atividade mariana?
Se os bons fossem melhores, os maus não seriam tão ruins
É porque não temos um meio de atingir o grande público, mostrando-lhe a verdade com palavras amorosas e persuasivas.
Para prová-lo, basta que façamos a seguinte reflexão: se existisse o rádio católico, teria tido tanto êxito o carnaval?
Se tivéssemos imprensa católica, seriam tantos os sequazes de Momo?
Evidentemente não.
Não culpemos o grande público. Ele não tem, em geral, quem lhe faça ver a verdade a respeito de uns tantos pontos desfigurados pela imprensa diária, entre os quais o carnaval.
Se os bons fossem melhores, os maus não seriam tão maus. Se os filhos da luz fossem mais dedicados aos interesses da Santa Igreja, se eles amassem mais entranhadamente a verdade religiosa que professam, certamente já teríamos um grande jornal católico, e o rádio católico já seria uma realidade.
***
“O Legionário”, nº 192, 1/3/1936, pp. 1 e 3
À margem dos fatos
Telegrama da Escócia informa que um grupo de protestantes invadiu, à mão-armada, uma reunião de católicos, dissolvendo-a à força.
“Belezas do livre-exame”
A razão da violência estava em que, durante a reunião, o Arcebispo católico de Santo André iria submeter ao exame dos ouvintes numerosas provas de milagres revelados em Lourdes. Para impedir que fosse levado a efeito o exame de tais provas, os protestantes recorreram à força.
Belezas do livre-exame…
O que diria, porém, o Sr. Guaracy da Silveira, ou algum dos seus sequazes, se os católicos fizessem o mesmo contra os protestantes? No Brasil, os protestantes são arautos da liberdade religiosa. Na Europa, porém, são defensores sistemáticos das mais odiosas medidas repressivas contra a Igreja Católica.
Tolerância aquém do Atlântico, e intolerância além do Atlântico, diria filosoficamente Pascal…
Gesto sublime
1.500 congregados marianos se reuniram nesta Capital, afastando-se dos folguedos carnavalescos, para cogitar de sua salvação eterna.
Embora abstraindo de qualquer convicção religiosa, esse gesto é sublime. Sacrificando prazeres espúrios a um ideal mais nobre, a mocidade mariana deu provas de um idealismo pouco frequente hoje em dia.
Por que razão, então, tanto silêncio na imprensa diária a este respeito?
Honrar-se-á mais a grande imprensa em noticiar as proezas dos fenianos, tenentes do diabo43 e outros que tais, do que o gesto magnífico das Congregações?
Católicos, não vos iludais! Contai só com Deus e convosco! Hoje vos espreitam num silêncio venenoso! Amanhã vos atacarão!
De mais de um leitor, temos recebido cartas relativas ao “Legionário”, conforme havíamos solicitado em nosso último número.
Infelizmente, porém, algumas dessas cartas vieram anônimas e, agradecendo embora a boa vontade que as ditou, não lhes podemos dar resposta.
***
“O Legionário”, nº 193, 15/3/1936, p. 1
O incêndio de Momo
Não é Congregado senão pela metade, quem ainda não assistiu às reuniões da Federação Mariana, realizadas mensalmente na Cúria Metropolitana.
Realmente, não pôde auscultar com segurança o coração mariano de São Paulo e não mediu ainda todo o ímpeto de suas pulsações fortes e quentes, quem não conhece o forno de entusiasmo que é uma reunião da Federação Mariana.
Cresce o exército de Nossa Senhora
Constantemente, o Rev.mo Pe. Irineu Cursino de Moura tem, para contar aos frequentadores de tais reuniões, fatos empolgantes, que são um índice bem claro do entusiasmo que lavra no exército mariano. Ora são os Congregados de Bauru, que, sob a ameaça do perigo comunista, rezam a Deus pedindo a graça do martírio. Ora é um Congregado de Guaratinguetá, que derrama seu sangue para defender a população inerme de seu torrão natal, contra as investidas da propaganda protestante. Ora é uma Congregação nova, toda composta de militares, que dá entrada no salão da Cúria sob os aplausos delirantes de todos os assistentes, que erguem vivas a Nossa Senhora, ao Brasil católico, e à cristianização do Exército Nacional. Ora é uma carta da longínqua cidade de Borboleta (quantos nem de nome a conhecem!), relatando uma proeza mariana digna de nota. Ora, enfim, são as estatísticas, cada vez mais promissoras, de Congregações novas, que provam que não apenas na quantidade, mas também na qualidade, vai crescendo o exército de Nossa Senhora.
Os risos tristes de uma felicidade irreal
Um desses fatos, porém, que mais fundo calou no espírito, foi a ameaça de incêndio que sofreu [o] Momo que a Prefeitura entronizou na Praça Antônio Prado.
São Paulo vivera três dias de folia, durante os quais um corso animado e frenético se estendia ao longo de nossas principais artérias.
Naquelas massas humanas em ebulição, ferviam todas as misérias humanas. Gente feia, que procurava em vão fazer-se bonita. Gente triste, que procurava em vão tornar-se alegre. Gente doente, que procurava em vão dar-se ares de saúde. Gente pobre, que procurava em vão fingir-se de rica. Gente insípida, que procurava em vão ser engraçada. Gente solteira fora da idade, que procurava em vão um cônjuge. Gente casada, que procurava em vão uma felicidade alheia ao matrimônio. Todo o exército inumerável daqueles a quem falta alguma coisa na vida, saltava pelas ruas a rir e a pular, com a ingênua e inútil preocupação de fazer crer ao próximo na sua irreal felicidade.
Ao lado dos loucos que procuravam no carnaval a felicidade que o carnaval não lhes podia dar, havia outros, ainda mais loucos, que perdiam no carnaval o que esse não lhe podia restituir. Gente remediada, que deixava estourar o orçamento, para pagar o automóvel e as fantasias. Gente feliz, que arriscava nas aventuras de carnaval a solidez de seu lar. Gente rica, que saía dos corsos para as aventuras amorosas e as roletas, que são, ambas, as maiores devoradoras de fortunas que o demônio tenha inventado. Gente saudável, que encontrou no pecado a perda da saúde… E a iluminação feérica paga pela Prefeitura lançava uma luz tristemente esplêndida sobre tanta miséria.
“Abaixo o Momo! Viva Nossa Senhora!”
Na Quarta-Feira de Cinzas, a cidade dormia estafada. Almas exaustas, bolsas exaustas, corações exaustos, dívidas, ciúmes e doenças, eram as pegadas do carnaval em São Paulo. E, enquanto isto, o satã de papelão da Praça Antônio Prado continuava a rir, a rir perfidamente, enquanto na madrugada nevoenta já ninguém mais ria. Ri melhor quem ri por último… e Momo [era] o único que ainda ria-se, de seus adoradores.
Ao longe, porém, um cântico se faz ouvir, entoado por vozes moças. “Algum grupo carnavalesco retardado, pensa Momo. Nada há a temer. São vozes de moços, e os moços são presa minha.”
Mas a coluna se aproxima. Na bruma, Momo distingue moços que ele não viu no carnaval, e ouve estranhas e graves canções que ele não conhece. Em passo ritmado, a coluna sobe cantando e Momo, certo de sua popularidade, continua a rir. Mas os doestos começam a chover: “Abaixo o despudor! Abaixo a desvergonha! Abaixo o carnaval! Viva Nossa Senhora! Viva a Igreja Católica!” E punhos cerrados se dirigem contra o boneco de papelão que, nos três dias da véspera, fora vitoriado por milhares de adoradores. Finalmente, um grito mais categórico se ouve: “Fogo! Incendiemos o Momo! Incendiemos a luxúria! Viva Nossa Senhora! Viva o Brasil!”
Aterrorizado, Momo já não compreendia nada. Havia, então, em São Paulo, moços que já não lhe pertenceriam? Quem seria essa gente? De onde vinha, para onde ia?
Finalmente, aproxima-se um Padre. Invariavelmente misericordioso para com todos, o espírito cristão, na pessoa de um Jesuíta, intervém na defesa de Momo. Pede que o deixem em paz: é só um boneco de papelão… e daí a algumas horas será feito pedaços por empregados da Prefeitura, e atirado ao lixo. E foi só assim que Momo se salvou.
Mocidade ensinada na escola da oração e do patriotismo
Este episódio autêntico, que se verificou com os Congregados retirantes que, do Coração de Jesus, se dirigiam à Catedral, onde iam receber cinzas, é bem significativo da renovação por que passamos. Enquanto um São Paulo cansado, endividado e esgotado, dormia no fim de uma orgia, outro São Paulo vigoroso e idealista se levantava, emergindo do seio da Igreja para assaltar Momo, o carnaval, e todos os momos e carnavais perpétuos que se sucedem na política, nas finanças, na literatura, na vida pseudocientífica deste pobre Brasil.
Há um São Paulo novo que a Prefeitura não auxilia a crescer, mas que se formará melhor na escola da pobreza do que na escola perigosa das subvenções.
A Prefeitura está educando toda uma mocidade na roleta, no vinho, no deboche. A Igreja está educando, paralelamente a esta, uma outra mocidade, na escola da oração, da disciplina, do sacrifício, do patriotismo. Um dia virá em que o Brasil precisará de uma e de outra mocidade.
Havemos de ver com qual delas se arranjará, se com a de Momo, ou com a de Maria Santíssima.
***
“O Legionário”, nº 193, 15/3/1936, pp. 1 e 3
À margem dos fatos
Regressando de Roma, onde foi receber das mãos de Sua Santidade o Papa Pio XI, o chapéu cardinalício, desembarcou, na Capital da República, no dia 10 do corrente, com destino a Buenos Aires, D. Luiz Santiago Copello, primeiro cardeal nomeado para a República Argentina.
Recebido de braços abertos
O eminente prelado, que recebeu grandes homenagens do povo católico do Rio de Janeiro, foi, também, alvo de expressivas provas de apreço por parte do governo brasileiro, que o quis considerar, desde logo, como seu hóspede oficial. E, quando Sua Eminência se aproximava, ainda, de águas brasileiras, recebeu do Chanceler Macedo Soares, um telegrama de cumprimentos que traduzia esse desejo altamente significativo do governo brasileiro.
Assim, o Brasil recebe, de braços abertos, esse eminente representante da Igreja Católica, dando um magnífico exemplo a vários países europeus e americanos que, exatamente neste momento, não só dificultam as suas relações com a Santa Sé, como também perseguem ou ameaçam perseguir o clero.
Pátio do Colégio
O Sr. Prefeito da Capital declarou, em entrevista, que, atendendo ao pedido feito pelo Dr. Vicente Melillo na festa de 25 de janeiro próximo passado, o Largo do Palácio, hoje João Pessoa, se chamará Pátio do Colégio.
Essa feliz resolução do Sr. Fábio Prado foi recebida com toda simpatia e entusiasmo pela nossa mocidade mariana, que se regozija por haver obtido mais esta vitória, que certamente vem satisfazer a uma justa e antiga pretensão do mundo católico de São Paulo.
Sanha comunista
Luiz Carlos Prestes chegou ao Brasil com um passaporte falso fornecido em Rouen, pelo cônsul de Portugal, Israel Abrahão Anonhry.
Ainda não está provado que essa autoridade tenha agido de má-fé. Entretanto não é de se estranhar que ela seja um dos muitos agentes israelitas de Moscou, embora, aparentemente, esteja a serviço da República Portuguesa.
A bolchevização da Rússia não foi mais do que a escravização de um povo ao capitalismo judaico internacional. É preciso, portanto, que os governos redobrem a sua vigilância e evitem uma infiltração perniciosa, não permitindo que os altos postos sejam facilmente ocupados por elementos duvidosos, como esse cônsul israelita de Rouen.
* * *
Assim, um telegrama de Cádiz comunica que na ocasião do desfile de um cortejo de protesto contra a falta de trabalho, os manifestantes saquearam 11 conventos, várias igrejas, assim como o Centro Católico Operário.
Entretanto, é exatamente nos conventos que se encontram os homens que maiores serviços prestam à sociedade. Homens de élite, sábios, santos, mártires, homens que tudo dão e sacrificam em benefício do próximo.
Assinalamos aos nossos leitores a notícia que publicamos em nossa edição de hoje sobre o Pe. Martinho Forner, que acaba de morrer leproso. Por essa notícia, ver-se-á que espécie de homens é que vivem nos conventos, objeto da sanha comunista.
Crítica construtiva
Do Sr. Gil do Prado (será um pseudônimo? diz-nos algo na carta, que se trata de um sacerdote), recebemos uma excelente carta, contendo uma minuciosa exposição referente a “O Legionário”. É um prazer receber a crítica franca e construtiva de quem compreendeu tão exatamente nossos problemas e nossa obra.
Alguns dos alvitres de Gil do Prado só poderão ser aproveitados quando “O Legionário” for semanário.
Outros são excelentes, e poderão ser aproveitados desde já. Especialmente agradou-nos a ideia de fazer “O Legionário” uma resenha dos artigos mais interessantes, publicados pela imprensa diária. Também merece referência particular a sugestão feita por Gil do Prado, de que “O Legionário” se dedique também a assuntos relacionados com simbolismo religioso e liturgia.
Para podermos aproveitar tal proposta, seria necessário, porém, que encontrássemos alguém que, além de douto nesse assunto, fosse dotado de autêntico senso estético e de um não menos autêntico poder de síntese. Encontrado esse “alguém”, “O Legionário” receberia avidamente sua colaboração e o ilustraria com belos clichês, etc.
Em suma, muito nos aproveitou a carta do Sr. Gil do Prado.
***
“O Legionário”, nº 193, 15/3/1936, p. 3
Comentando…
Soares d’Azevedo e “O Legionário”
No número de março da revista “Vozes de Petrópolis”, conhecida publicação cultural dos Padres Franciscanos, número esse todo dedicado à Exposição de Imprensa Católica que vai realizar-se em Roma, há, em um artigo de Soares d’Azevedo, uma referência a “O Legionário”, a qual, se por um lado nos enche de justificada alegria, por outro nos faz meditar demoradamente sobre o muito que devêramos e devemos fazer. §
Diz o ilustre escritor que no Brasil, entre as publicações católicas, “não são muitos os periódicos redigidos com o brilho e dirigidos com a orientação magnífica de ‘O Legionário’ de São Paulo.” Na verdade, é motivo de júbilo para nós, vermos assim apreciado o nosso trabalho e destacado sobremaneira o nosso quinzenário. Mas é também, como o dissemos acima, razão de meditar demoradamente sobre o nosso pouco esforço em corresponder às graças que Deus nos concede para que trabalhemos em sua vinha. Muito mais devêramos fazer. Eis porque dizemos que as palavras de Soares d’Azevedo nos levam a meditar sobre nossas deficiências, como também devem levar à mesma meditação todos os que, amigos da Boa Imprensa e d’“O Legionário”, deviam ou podiam dedicar-lhe um pouco mais de atenção.
“A Verdade”
Com o nome acima e o subtítulo “Jornal incolor”, chegou-nos às mãos o número de fevereiro de uma folha editada no Rio e que se declara, provavelmente desmentindo o próprio nome, “jornal de maior tiragem e difusão no Brasil”! Queremos chamar, entretanto, a atenção das autoridades para esses jornais que, enviados gratuitamente a todo o lugar, são portadores de doutrinas prejudiciais à ordem e ao Brasil. Tal a referida folha, que entre outras coisas de propaganda espírita traz um artigo sobre “O surto extremista e o Espiritismo – Uma mensagem recebida pelo médium Francisco Xavier”.
Pretextando condenar o surto extremista de novembro último, diz o referido artigo: “O comunismo é belo como doutrina, porém, para a sua aplicação é necessário o material requerido a fim de que o coração da sociedade não se sinta destituído daquilo que representa o objeto sagrado da sua existência. Totalmente desaconselhável no Brasil atual é lamentável que mentalidades esclarecidas, cuja atividade deveria estar toda entregue à construção do edifício grandioso do progresso do país, aí se abandonem a uma tarefa ingrata, servindo unicamente de joguete nas mãos de exploradores cruéis… A implantação de semelhante regímen nos tempos modernos custaria muito sangue à terra brasileira.”
E em seguida: § “Esperemos pela evolução natural das coisas. Precipitar acontecimentos é a obra de pensamentos criminosos e inconciliáveis com o bom senso.”
Em resumo, para “A Verdade” (?), o comunismo é belo, mas para sua aplicação é preciso esperar um pouco, preparando-se primeiro “o material requerido”. E é certamente para isso que o referido “Jornal Incolor” (sic) se refere em outros pontos à “ação prejudicial do clero”, narra anedotas ridículas, tem um consultório do espiritismo, etc. Parece-nos que não haveria mal algum em que a polícia esclarecesse a verdade sobre essa “Verdade” tão “incolor”…
***
“O Legionário”, nº 194, 29/3/1936, pp. 1 e 4
As eleições
O fato capital das últimas eleições municipais não será a vitória do PC ou do PRP, como pensa muita gente que só sabe o que quer dizer política, quando se escreve essa palavra com “p” pequeno.
Baixa quantitativa e qualitativa
A nota mais saliente das últimas eleições foi a sensível baixa do eleitorado, baixa quantitativa e qualitativa.
Percebendo o desinteresse da opinião pública, já nas vésperas do pleito, todos os jornais inseriam, em gordos caracteres, a notícia de que os eleitores que não votassem seriam punidos com multa que variaria de dez mil réis a um conto, conforme as posses do eleitor faltoso. Impressionada com essa notícia, muita gente que preferiria abster-se, compareceu às seções eleitorais. E, no entanto, a despeito de tudo isto, a frequência observada foi a mais baixa que se tenha verificado em São Paulo, depois de 1933.
Por outro lado, não apenas quantitativa, mas também qualitativamente, as eleições foram fracas. Quem, em 1933 ou 1934, passasse por certas seções eleitorais da Capital como, por exemplo, o Grupo Escolar da Barra Funda, teria a impressão de que, em tais prédios, não se estavam realizando eleições, mas reuniões sociais do elemento mais seleto de São Paulo. Realmente, era extraordinária a afluência de cavalheiros da maior projeção nos círculos intelectuais ou comerciais da cidade, e de damas da mais alta representação social. Tinha-se a impressão de que a vieille roche44 paulista, as mais autênticas estirpes de bandeirantes da terra, começavam a se interessar vivamente pela política. E essa circunstância dava no ambiente eleitoral uma elevação, uma dignidade, uma nota de superioridade que o Brasil não conhecia desde 15 de Novembro de 1889.
Um código eleitoral feito para votantes de cabresto
Nas eleições deste ano, porém, tal não se deu. Exatamente as seções mais frequentadas pelas élites intelectuais e sociais da cidade, eram aquelas que davam a impressão mais forte de abandono. Pouca gente nas salas e pelos corredores. E, principalmente, gente pouco conhecida. Em lugar de formar grupos para palestrar e comentar os prováveis resultados do pleito, os eleitores e eleitoras entravam apressadamente nas cabines para dar o seu voto, e saíam imediatamente, com o evidente sentimento de alívio de quem cumpriu o dever.
Qual a razão deste fato?
O melhor elemento eleitoral da cidade é, sem dúvida, aquela parte de nossas élites intelectuais e sociais que vive inteiramente afastada da política, e independente do Governo.
Gente que não tem interesses pessoais empenhados no pleito, mas que dispõe de cultura suficiente para considerar lucidamente as questões políticas do ângulo dos interesses nacionais, será sempre gente de élite do ponto de vista eleitoral.
Ora, em geral, essa gente não votou, ou, se votou, votou quase sempre em branco.
Por quê?
Porque o atual Código eleitoral não foi feito para eleitores cultos, mas para votantes de cabresto. Realmente, ele dá às direções dos partidos políticos a faculdade de confeccionar as chapas como bem entenderem. E, ao eleitor, só cabe o recurso de escolher uma das chapas já feitas, ou de votar em branco. Quanto ao voto avulso, que dá [ao] eleitor de escol o direito de selecionar, sem paixão partidária, os elementos mais aproveitáveis de uma ou outra corrente, foi inteiramente abolido. E, como consequência, as élites, ou votam no cabresto, ou se abstêm de votar. Não foi outra a causa do desinteresse do melhor elemento da cidade pelas eleições municipais.
Grave prejuízo para o Brasil
Exatamente por isto, nas vésperas do pleito só se ouvia uma pergunta: em quem votar? Ninguém tinha candidatos ou chapas de preferência. E com isto, muita gente votou em branco ou – o que é muito pior – nesta ou naquela indiferentemente, sem ter motivos sérios para preferir uma chapa à outra.
Esse fato é da maior gravidade. Leia-se Bryce, comentador insigne da Constituição Norte-americana, e veja-se que importância esse escritor fanaticamente democrático atribui à participação das élites na política, nos regimes populares. E deduza-se daí o prejuízo que decorre para o Brasil da abstenção eleitoral dos mais cultos e competentes de seus filhos.
A culpa toda é do Código confeccionado em 1934, para enforcar a Liga Eleitoral Católica. É assim que se suicida uma nação, pela mão dos seus legisladores.
***
“O Legionário”, nº 194, 29/3/1936, p. 1
À margem dos fatos
Hitler viola compromissos internacionais
A imprensa francesa dedica longos artigos à atitude Hitler, violando compromissos internacionais subscritos solenemente pela Alemanha. E pergunta, angustiada, se não seria o caso de se considerar abolido o Direito Internacional nesta quadra, em que o prestígio da moral está substituído pelo da força.
Idêntica violação fez Hitler, quando rasgou a concordata com a Santa Sé.
Por que não interveio então a França que hoje se arvora em defensora da moral internacional?
“Fernão Dias” ou “Pátio do Colégio”?
Voltou à carga o Sr. Menotti del Picchia (o nome, indiscutivelmente, é pouco musical), pedindo que o Largo do Palácio seja denominado “Fernão Dias”.
O Sr. Prefeito municipal já manifestou o seu desejo de dar ao dito Largo o nome expressivo de “Pátio do Colégio”.
Julgará o Sr. Menotti menos evocativo esse nome? Temos de sua inteligência ideia suficientemente boa para julgar que não.
Mas [o] sectarismo tem razões que a razão não conhece…
Entusiasmos absurdos pelo esporte e pelo cinema
Noticiam os jornais que um soldado da polícia especial matou um companheiro pelo simples motivo de que este o derrotara em uma competição esportiva.
Este fato demonstra a leviandade do assassino, mas põe em evidência, também de modo particular, o entusiasmo absurdo que o esporte suscita nas camadas populares.
E ainda há quem censure o Departamento de Cultura Municipal por procurar combater esse esportismo delirante!
Noticiam os jornais que um menino, de Niterói, fugiu de casa com sua apaixonada. A aventura acabou em casamento.
O cinema vai dando seus frutos…
***
“O Legionário”, nº 194, 29/3/1936, pp. 1 e 3
Despertou grande interesse
o nosso Curso Preparatório de Formação Jornalística
Após uma semana de aulas, terminou, no dia 24 do corrente, o Curso Preparatório de Formação Jornalística, promovido pelo “O Legionário”.
Esse curso, organizado pela direção desta folha como uma simples experiência, e destinado especialmente aos seus redatores, despertou, no entanto, um grande interesse não só entre os que trabalham neste jornal, como nos círculos dos amigos da imprensa católica.
Apesar da nenhuma propaganda e da pouca publicidade feita em torno da mesma, logrou essa semana de estudos intensivos obter uma frequência diária de perto de quarenta pessoas, o que bem demonstra o êxito de que se revestiu.
Bastante animador o empenho que se notava em todas as pessoas, mesmo estranhas a “O Legionário”, em seguir assiduamente o curso inteiro sem perder a nenhuma das aulas, que se estendiam diariamente das 20,30 às [22,30] ↓45 e mais.
* * *
A aula inaugural, que versou sobre a utilidade e as finalidades práticas deste curso, foi proferida pelo Dr. Leonardo Van Acker, ilustre professor da Faculdade de Filosofia de São Bento.
As aulas subsequentes estiveram a cargo dos Srs. Plinio Corrêa de Oliveira, José Filinto da Silva e José Pedro Galvão de Souza, respectivamente diretor, redator-secretário e redator desta folha.
O programa desenvolvido nessas aulas foi dividido em duas partes teóricas e uma prática, e constou do seguinte:
A parte teórica
a) História política – A organização da sociedade na Idade Média; a vida das corporações; o espírito de revolução no século XIX; a doutrina social da Igreja e os pensadores católicos; a família nos séculos XIX e XX; o catolicismo e a crise contemporânea (5 aulas pelo Dr. Plinio Corrêa de Oliveira).
b) Filosofia social – Os fundamentos da ordem; ordem doméstica; ordem econômica; ordem política e ordem espiritual (5 aulas pelo Dr. José Pedro Galvão de Souza).
c) Técnica jornalística – Introdução e definição. A imprensa. O seu desenvolvimento. A chamada grande imprensa e a imprensa católica. Origem da Boa Imprensa. A imprensa católica no Brasil. Exame e crítica dos principais órgãos católicos brasileiros. O jornalismo Católico na Argentina. A imprensa católica na Itália, França e Espanha. “El Debate”. Estilos literários usados na redação de um jornal. Como fazer uma notícia. A reportagem e a entrevista. O artigo de fundo. As crônicas. Os comentários e os tópicos. A formação do jornalista católico. A Ação Católica (5 aulas pelo Sr. José Filinto da Silva).
A parte prática
Além deste programa desenvolvido durante o curso, a parte prática, constará ainda de várias provas interessantes, entre os redatores d’“O Legionário”, versando sobre noticiário, reportagens, entrevistas, etc. Essas provas serão realizadas na semana entrante e julgadas por um júri composto pela Diretoria deste jornal e presidido pelo Assistente Eclesiástico desta folha e pelo Professor Leonardo Van Acker.
Tiveram, assim, os redatores d’“O Legionário”, neste curso preparatório intensivo, além de uma boa introdução à indispensável técnica jornalística, uma ótima ocasião de não só estudar os verdadeiros fundamentos da organização social cristã, como também conhecer e acompanhar, pelas aulas de História, as deformidades que, a partir da Renascença, os séculos foram produzindo na organização social conseguida na Idade Média, até atingir, numa escala crescente de erros, o mais exaltado individualismo que é a causa da formidável crise social em que se debate o mundo contemporâneo.
* * *
Com esta notícia publicamos duas impressões de matéria das aulas, apanhadas com realidade e espírito pela pena do nosso caricaturista.
***
“O Legionário”, nº 195, 12/4/1936, pp. 1 e 3
Perigo irreal?
Os oposicionistas empedernidos afirmam que o furor anticomunista, de que se acha acometido o Governo Federal, não é senão um pretexto para permitir ao Presidente da República a decretação do estado de guerra.
Evidentemente, é necessário que os católicos possam ver claro através de tais manejos. E ver claro nem sempre é fácil.
No entanto, procuremos raciocinar, e raciocinar logicamente, construindo sobre fatos conhecidos para conclusões seguras.
O comunismo no Brasil, um assunto para burgueses?
Os jornais nos contam a prisão de numerosos leaders comunistas, um senador, deputados, o Prefeito Federal, professores universitários, etc., etc. E, no entanto, nada nos dizem sobre prisões de elementos proletários. Tal silêncio, à primeira vista, parece confirmar a opinião dos que negam a realidade do perigo comunista entre nós. Ao menos a julgar pelas listas publicadas, entre os conspiradores só se têm encontrado figurões burgueses. O comunismo, no Brasil, não seria, portanto, assunto para revoltas proletárias, mas para pequenos e inofensivos golpes de burgueses spleenéticos46, facilmente evitáveis.
Qualquer pessoa sensata, entretanto, pode imaginar que, à polícia, não conviria publicar senão as prisões de que o público, mais cedo ou mais tarde, teria conhecimento, dada a importância política ou social das pessoas aprisionadas. Quanto aos demais, o silêncio é o que há de mais recomendável.
Tudo nos leva a supor que as prisões também devam ter sido numerosas no seio das classes populares. Mas como se trata aí somente de uma suposição, ponhamo-la de parte: queremos argumentar tão-somente com fatos verídicos e seguros.
O caruncho penetrou fundo nas diversas camadas sociais
A polícia apurou – e os tribunais serão forçados a se pronunciar sobre isto, dentro em breve – que um Senador Federal, mais de um deputado, o Prefeito do Distrito Federal, professores de Escolas Superiores, pessoas de grande projeção na alta sociedade, etc., etc., estavam conspirando para implantar no Brasil o comunismo. Simples passatempo de burgueses mal-humorados? Não. Passando dos planos à ação, os conspiradores procuraram pelos mais irredutíveis adversários da ordem social e puseram-se com eles em íntimo contato. Foram trocadas muitas cartas, muitos bilhetes, muitas correspondências. E isto tudo está nos arquivos da polícia. As conversações e a correspondência não ficaram, aliás, simples idílio de comunistas ricos com comunistas pobres. Tramou-se, cabalou-se, conspirou-se até que o dia esteve próximo, em que uma segunda bernarda47 ameaçava enlutar novamente o País. Interveio então a polícia, conduzida pela Providência até o reduto em que se ocultava corajosamente Luiz Carlos Prestes. Pôs-se ao corrente de toda a trama. Veio o estado de guerra. E as prisões, cada vez mais numerosas e mais escandalosas, vêm mostrar como o caruncho tinha penetrado fundo, nas vigas mais importantes do edifício social.
Se o corpo de delito fosse só este, ainda se compreende que a dúvida persistisse entre alguns brasileiros cegados pelo ceticismo ou pela má-fé. Mas os leaders comunistas burgueses nunca se pejaram em mostrar suas preferências pelo credo marxista, e em se aproveitar das posições de mando que o Estado burguês lhes havia confiado, para levar a efeito uma tenaz campanha a favor do comunismo. E a maior prova de que não era preciso ter os olhos de lince da polícia, para perceber o perigo, está em que os católicos, que são inteiramente neutros em matéria partidária, já vinham denunciando de longa data a tendência educacional comunista de certos elementos, principalmente dos que trabalhavam à sombra do Sr. Pedro Ernesto. Leia-se o que escreveram sobre isto Tristão de Athayde, Alexandre Correia, Leonardo Van Acker e “O Legionário”, e ter-se-á disto uma prova cabal.
Não se pode duvidar do perigo comunista
Ora, pergunta-se: provado que, realmente, todo o elemento encarcerado, em virtude da lei de segurança e do estado de guerra, é comunista, como duvidar da realidade do perigo comunista, ainda que não sejam muitos os proletários detidos pela polícia?
Aliás, cumpre notar que entre os prisioneiros políticos figuram diversas pessoas intimamente ligadas ao situacionismo dominante, a quem davam diariamente o beijo de Judas. Se o móvel das medidas repressivas fosse de dizimar as fileiras da oposição, que necessidade teria o Governo de fulminar alguns dos elementos que lhe eram mais estreitamente ligados e que, em circunstâncias delicadas, lhe deram um apoio decisivo?
Parece-nos, pois, que nenhum católico bem-intencionado pode negar às autoridades o apoio de que necessitam para levar a cabo sua obra saneadora.
Defendendo, assim, o que ainda resta de católico nas nossas instituições, teremos cumprido nosso dever.
Mas é preciso, também, que este dever não se exerça apenas no seu aspecto repressivo, mas no seu aspecto construtivo. Nesse terreno, qual o dever dos católicos? Vê-lo-emos em nosso próximo número.
***
“O Legionário”, nº 195, 12/4/1936, p. 1
O aniversário do Ex.mo Sr. Arcebispo
A 4 do corrente, os católicos de São Paulo festejaram a data natalícia do seu venerando Arcebispo, que encarna, quer pelo sólio que ocupa, quer pelas suas virtudes pessoais, a própria grandeza espiritual da Província Eclesiástica de São Paulo.
Entre as inúmeras consolações que N. Senhor prodigalizou nesse dia a S. Ex.cia Rev.ma, certamente, ocupa um lugar destacado o poder – o Ex.mo Sr. Arcebispo –, volvendo os olhos para mais esse ano que passou, deparar com as bênçãos de Deus que caíram sobre o seu rebanho nesse período de tempo.
Com o eco das ovações de 16 de Julho, S. Ex.cia por certo reviu esses mesmos seus congregados reunidos em número nunca antes visto em toda a América, abrigados entre os pilares da Catedral dedicada ao apóstolo das Gentes, tomarem, depois de um carnaval passado no silêncio de um Retiro, as cinzas da penitência.
S. Ex.cia relembrou, ainda, os instantes de supremo gozo espiritual que experimentou nessa mesma Catedral, quando inaugurando-a, celebrava sob as abobadas da Capela-mor a primeira Missa que se rezava dentro de suas paredes de granito.
A S. Ex.cia Rev.ma, em quem “O Legionário” tem um propulsor e um animador vigoroso, e a quem nos ufanamos de inscrever no número um da lista dos amigos do “Legionário”, todo o afeto e todo o respeito de nossos corações de jovens e de marianos.
***
“O Legionário”, nº 195, 12/4/1936, pp. 1 e 3
À margem dos fatos
O poder do dinheiro, como sempre
A Associação Comercial do Rio de Janeiro enviou um telegrama ao Sr. Presidente da República, em que lhe apresenta solidariedade na repressão desenvolvida contra o comunismo, adversário “do princípio de autoridade e ordem, único ambiente em que pode prosperar a vida econômica do Brasil”.
Assim, para essa associação ultraburguesa, a única razão que temos para combater o comunismo e manter o princípio da autoridade, é que este é no Brasil indispensável para a prosperidade econômica.
Civilização católica, tradições, família, nada disto vale tanto para a Associação Comercial quanto a prosperidade econômica.
Tal telegrama será guardado em nosso arquivo: é um dos documentos mais característicos do utilitarismo imediatista do espírito burguês. É a adoração do dinheiro.
Enfim, a História nos ensina que, desde tempos idos, muito pode o dinheiro. Por exemplo: por trinta dinheiros, se vendeu o Filho de Deus48.
Ecletismo religioso do espírito burguês
Outro traço característico do espírito burguês, temo-lo no ecletismo religioso… principalmente em vésperas de eleições. Quando se aproximam os pleitos eleitorais, todos os candidatos são católicos.
Mas, terminadas as eleições, a coisa muda. E então vemos os candidatos católicos se manifestarem ora protestantes, ora socialistas, ora livre-pensadores.
Exemplo curioso desse ecletismo burguês é uma Sociedade de Metafísica que acaba de ser fundada, em cuja diretoria figuram, lado a lado: o Dr. Militão Pacheco, médico homeopata e espírita; o Dr. Sylvio de Campos, ilustre chefe perrepista; o Dr. G. C. Shalders que, se não nos enganamos, é Bispo Anglicano; o Sr. Campos Vergal, deputado socialista à Câmara Estadual; o Sr. José Ribeiro de Barros e um Sr. João de Barros que, se não nos enganamos, é o aviador do “Jahú”, atualmente vereador integralista; o Sr. Abrahão Ribeiro, um dos mais ilustres advogados do Brasil, atualmente vereador perrepista, na Câmara Municipal de São Paulo.
O Diretor-Geral será o Sr. Canuto de Abreu, advogado de uma conferência vicentina espírita, no pleito a que nos referimos em nossa edição passada49.
Habilidade dos filhos das trevas
Chamamos a atenção de nossos leitores para o tino estratégico com que estavam colocados, nas repartições públicas, os funcionários comunistas que o Governo vem demitindo.
Em geral, seus cargos eram escolhidos a dedo, para lhes permitir fácil propaganda comunista… e gorda remuneração.
De uma lista que temos em mãos, por exemplo, de 4 funcionários demitidos, temos três colocados em lugares sumamente interessantes para a propaganda comunista: um professor universitário, um operário do Arsenal de Guerra, um funcionário da Escola Militar. Apenas um tinha um cargo inofensivo: um fiscal de plantas têxteis, do Ministério da Agricultura.
É esta a habilidade dos filhos das trevas.
E os filhos da luz?
A exemplo dos Apóstolos durante a Agonia no Horto, alguns dormem enquanto Judas vende Jesus…
Na Argentina, amável acolhida ao Bispo-Auxiliar de São Paulo
Para lhes dar o devido relevo, destacamos da notícia que publicamos sobre a viagem de S. Ex.cia Rev.ma o Sr. Bispo-Auxiliar a Buenos Aires, a parte relativa à cordialidade do acolhimento que o representante do Episcopado nacional recebeu do Governo e do povo Argentinos.
Estes não perderam uma única oportunidade para manifestar ao Ex.mo Rev.mo Sr. Bispo-Auxiliar o alto apreço em que têm as autoridades religiosas e civis do Brasil, nação irmã a que os argentinos se sentem presos pela mais cordial simpatia.
Um gesto, a título de exemplo, bastará para mostrar a cativante gentileza do Governo argentino. Na audiência especial em que o Ex.mo Rev.mo Sr. Bispo-Auxiliar se entreteve com o Sr. Ministro dos Cultos, este pôs à disposição do Brasil dois lugares no modelar Seminário Arquidiocesano de Vila Devoto!
A visita do Ex.mo Rev.mo Sr. Bispo-Auxiliar veio, pois, consolidar ainda mais os laços de afetuosa amizade entre as duas nações leaders da América católica e latina.
Na Alemanha, “profissão de fé” no Führer
É curioso observar a atitude do elemento religioso da Alemanha, no último plebiscito.
Enquanto as Igrejas católicas tangeram seus sinos para chamar o povo ao cumprimento do dever cívico do voto, as igrejas protestantes tangeram para celebrar a “profissão de fé unânime do povo alemão no Führer”.
Assim, os protestantes se regozijam de uma profissão de fé no maior inimigo de sua Fé…
Outra vez, o poder do dinheiro
Um vespertino conta que alguns automóveis do Largo da Sé buzinaram em sinal de protesto enquanto, em uma procissão da Semana Santa, um orador sacro falava naquela praça pública, porque a procissão e o sermão prejudicavam o trânsito e os negócios.
Mais uma vez, voltamos ao que já dissemos: hoje, como ontem, o dinheiro tem muito valor. Não se prefere, por exemplo, a bandeirada de um taxímetro, isto é 3$000, à palavra de Deus? Não houve quem preferisse 30 dinheiros ao próprio Deus?
* * *
O “Diário de São Paulo” vem publicando uma notícia escandalosa, relativa ao conflito entre o Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo da Bahia50 e um convento de religiosas.
Vamos escrever ao Rev.mo Vigário-Geral de São Salvador, e comprometemo-nos a trazer a nossos leitores, em nossa próxima edição, uma cabal explicação do que lá se terá passado.
* * *
Somos gratos a nossos distintos colegas de “Magnificat”, pelos elogiosos comentários que lhe mereceu nosso curso de formação jornalística.
***
“O Legionário”, nº 196, 26/4/1936, pp. 1 e 4
Uma lição
Sempre se aprende. Na última Sexta-Feira Santa, recebi uma excelente lição. E quero expô-la aos meus leitores.
Manifestação de intensa piedade
A procissão do enterro, da paróquia de Santa Cecília, percorria lentamente o seu itinerário tradicional. Ao centro de um grande quadrilátero formado pelos Congregados, caminhavam, apoiados sobre os ombros moços dos filhos de Maria, o esquife do Senhor Morto e um andor sobre o qual estava Nossa Senhora das Dores. Um coro excelente substituía com evidente vantagem a velha banda de música. Um longo e duplo cordão de Filhas de Maria, de Damas de Caridade, de membros do Apostolado da Oração e das Conferências Vicentinas, com velas na mão, completava o quadro. Nas calçadas, uma multidão em que se distinguiam sexos, idades e condições sociais das mais diversas, ajoelhava-se reverente, à passagem do esquife. Um ambiente de piedade fervorosa cercava por todos os lados o cortejo religioso. Na Rua Sebastião Pereira, a procissão encontrou-se com bondes que transitavam casualmente naquele lugar e que ficaram com seu caminho interrompido. Todos os passageiros, sem exceção de um só, se descobriram, e muitos se ajoelharam dentro do próprio bonde, à passagem do esquife. Finalmente, quando íamos entrando na igreja, foi tal a multidão que se apertava para ingressar no templo, que só mesmo o vigor juvenil de uma fileira de Congregados dispostos a manter a ordem a todo o transe, pôde evitar a desorganização total do cortejo… E, de mim para mim, impressionado por tanta e tão sincera piedade, eu me perguntava se é possível que um povo como este, que um anticlerical chamaria certamente de beato, venha algum dia a reeditar no Brasil os episódios sangrentos de que a Espanha, o México ou a Rússia têm sido teatro.
O espírito religioso do Brasil no Domingo de Ramos
Por um momento, uma verdadeira onda de otimismo me invadiu. Pareceu-me que o espírito religioso do Brasil é uma muralha intransponível, diante da qual se quebrarão inevitavelmente os vagalhões da desordem religiosa e social. Que o Brasil, posto definitivamente sobre os trilhos do catolicismo, se encaminhará com a majestade tranquila e esmagadora de uma locomotiva para o destino glorioso que a Providência lhe reservou. Que, com mais alguns golpes de remo, a nau terá chegado ao porto da salvação. E que as nuvens escuras que toldam nossos horizontes não são outra coisa senão fantasmas, que fogem ao cheiro abençoado do incenso, ou à aspersão de água benta.
Diante do triunfo de Jesus, que me parecia tão próximo, procurei lembrar-me de outros triunfos por Ele obtidos na História, a ver se seriam maiores. E o primeiro que me veio à mente, depois do Tabor, foi, evidentemente, o do dia de Ramos.
Esta última recordação baixou a temperatura de minhas esperanças. Como não comparar a passagem do Senhor morto pelas ruas de São Paulo, com a passagem triunfal do Senhor vivo pelas ruas de Jerusalém? E como não retirar, do contraste entre o Domingo de Ramos e a Sexta-Feira Santa, uma lição aplicável ao cenário brasileiro? Confesso que esta reflexão me perturbou.
Dias depois, como um raio em céu sereno, apareceu o caso da Bahia. Não quero comentar o assunto, para provar que nada de real pode haver nas acusações levantadas contra o Primaz do Brasil.
Série de erros escandalosamente explorados
Uma série de erros, escandalosamente explorados pela imprensa, já vêm impressionando a ingênua opinião pública.
A princípio, veio a exploração maldosa do casamento de um sacerdote no Rio. Depois, deu-se proporção extraordinária a um incidente entre elementos da Marinha e um sacerdote, aliás respeitabilíssimo, do Rio Grande do Sul, que fizera declarações reputadas desairosas à raça negra. E, quase simultaneamente, depois dessa preparação de ambiente, surgem, em Belo Horizonte e na Bahia, dois casos diversos. Em Belo Horizonte, a atitude hostil de certa imprensa, que era neutra até a véspera, obrigou os católicos a tomarem atitude contra um grande diário, motivando isto um incidente de tais proporções que provocou a intervenção pessoal do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo de Belo Horizonte51, que prestigiou com o seu apoio o diário católico da capital mineira. §
Na Bahia, uma comédia digna de um palco de ópera bufa ou de alta tragédia, envolve nas malhas de uma verdadeira perseguição incruenta, um membro do Episcopado. E que membro? Pela virtude, um dos mais respeitáveis. Pela sua cultura e eloquência, um dos mais ilustres. Pela sua dignidade, o primeiro Arcebispo do Brasil, depois do Cardeal Dom Sebastião Leme. Não podia a ofensiva atingir mais alto, nem com mais violência. E, ao mesmo tempo em que a flecha envenenada da calúnia tentou cravar-se no titular do mais antigo Bispado do Brasil, lançou ao lodo a reputação de uma pobre religiosa desvairada e habilmente explorada por uma malta de farsantes do pior quilate.
Conspiração do silêncio
E a conspiração do silêncio cerca, de todos os lados, e protege por todas as formas, os que intentam a ofensiva anticatólica.
“Conspiração do silêncio”, dissemos. E, realmente, um silêncio impressionante cerca o assunto. Exceto os que se dizem ostensivamente anticatólicos, e que sustentam a culpabilidade do Sr. Arcebispo Primaz, e os católicos militantes, que defendem sua inocência, nem uma única voz se fez erguer na imprensa quotidiana, para defender contra a chantagem uma das maiores inteligências do Brasil. Certos jornais, férteis em fotografias de bispos e sacerdotes, quando se trata de elogiar reputações que ninguém contesta, se calam agora. Nos arraiais mornos dos que não são católicos nem anticatólicos, nem uma pena honesta se levanta, para defender o Arcebispo Primaz. E por quê?
Porque o terreno está minado. Porque os católicos, na realidade, estão sós, e só podem contar com Deus. Porque o silêncio de nossos adversários não nos deve iludir. Há muita gente morna na aparência, que na realidade se prepara para nos agredir. Há muita brasa debaixo da cinza. Há hoje muito silêncio ambíguo, que preludia muita vaia, muito apupo, muita calúnia amanhã.
Senhor! Em que terreno pisamos!
***
“O Legionário”, nº 196, 26/4/1936, pp. 1 e 4
Um ano de grandes empreendimentos
O primeiro aniversário da sagração de S. Ex.cia Rev.ma D. José Gaspar de Affonseca e Silva
Passa, no 28 próximo, o primeiro aniversário da sagração de S. Ex.cia Rev.ma o Sr. D. José Gaspar de Affonseca e Silva, Bispo-Auxiliar de São Paulo. Dedicado durante anos ao trabalho silencioso, mas árduo, de professor e de Reitor do nosso Seminário, – trabalho do qual diz Pio XI em sua Encíclica sobre o sacerdócio, exigir dos que o realizam que “sejam tais que ensinem mais com o exemplo de suas virtudes que com suas palavras” –,
S. Ex.cia Rev.ma, elevado à dignidade episcopal trouxe para suas novas funções não só sua palavra carinhosa, como principalmente o exemplo de suas virtudes. Em perfeita união de espírito e de coração com nosso grande Arcebispo, D. Duarte Leopoldo e Silva, S. Ex.cia Rev.ma levou a todos os setores da vida católica de São Paulo, o seu entusiasmo moço e a sua espiritualidade perfeita. E assim o vimos dirigir as associações religiosas, desenvolver as obras de piedade, multiplicar-se em trabalhos e realizações para que a todos chegue a palavra de Deus e todos alcancem a finalidade suprema da existência que é a salvação eterna.
E sempre para a maior glória de Deus e para o bem das almas, S. Ex.cia Rev.ma tomou especialmente a seu cargo os assuntos relativos ao ensino do catecismo nas escolas públicas, conseguindo, apesar de dificuldades imensas, um resultado que já é bastante animador. Voltando-se para a massa dos que trabalham, dos seus “queridos operários”, S. Ex.cia Rev.ma entregou a Obra de Assistência Operária aos cuidados de um sacerdote unicamente a ela dedicado, iniciando-se assim um trabalho de formação e de reunião do operariado em torno dos princípios sociais católicos. E em relação aos moços católicos, à juventude que se alista nas Congregações Marianas, a ela S. Ex.cia Rev.ma leva continuamente, nas reuniões marianas, o apoio de sua autoridade e o estímulo de seu entusiasmo; e quem não se lembra da Concentração de 16 de julho, na qual S. Ex.cia Rev.ma foi o primeiro dos Congregados Marianos? O mesmo se pode dizer da Adoração Noturna na Igreja da Boa Morte, tão do agrado de S. Ex.cia Rev.ma o Sr. Arcebispo Metropolitano e sobre a qual o Sr. Bispo-Auxiliar nunca deixa de insistir nas reuniões da Federação Mariana. Finalmente duas obras notáveis, uma ainda em projeto, outra em esplêndida realização. Referimo-nos à Casa de Retiros e ao Rádio Católico. Vendo o número sempre crescente de retirantes, S. Ex.cia Rev.ma e o Pe. Cursino de Moura, SI, Diretor da Federação Mariana, estudam agora o projeto de uma Casa de Retiros com capacidade para 10.000 retirantes e sobre a qual talvez no próximo número possamos dar informações detalhadas. Quanto ao Rádio Católico, ele é uma realidade; efetuam-se já as experiências da “Voz de Anchieta” e S. Ex.cia Rev.ma vê realizado neste seu primeiro aniversário de sagração episcopal o grande ideal que o anima de levar longe a voz da Igreja.
Por tantas realizações e pela felicidade de termos como nosso Bispo-Auxiliar a S. Ex.cia Rev.ma, alegram-se os católicos de São Paulo. E “O Legionário”, apresentando a D. José Gaspar de Affonseca e Silva os seus melhores cumprimentos, estende-os a S. Ex.cia Rev.ma o Sr. Arcebispo Metropolitano, a quem Deus concedeu tão digno e virtuoso Bispo-Auxiliar.
***
“O Legionário”, nº 196, 26/4/1936, pp. 1 e 2
À margem dos fatos
Não tendo ainda recebido da Bahia as notícias que solicitamos, acerca do incidente ocorrido entre S. Ex.cia Rev.ma o Sr. Arcebispo Primaz do Brasil e uma religiosa domiciliada naquela arquidiocese, adiamos para o próximo número a publicação das informações prometidas, em nossa edição anterior.
Inexplicável tolerância ao comunismo
Registramos com satisfação a notícia de que foram demitidos dos respectivos cargos, pelo Prefeito interino do Distrito Federal, os Srs. Anísio Teixeira, Maurício P. de Lacerda e Edgard Sussekind de Mendonça, que a opinião católica do País vinha de há muito apontando como cúmplices da campanha comunista no Brasil.
* * *
Causa-nos, porém, vivo pesar verificar que, em São Paulo, a repulsa ao comunismo não é viva quanto seria de desejar.
Os camaradas Flávio de Carvalho e Tarsila do Amaral, notoriamente comunistas, ainda gozam de liberdade e até de relativa simpatia em nosso meio. A segunda, por exemplo, ainda é colaboradora dos “Diários Associados”, que no entanto têm, em mais de uma oportunidade, manifestado sua simpatia pelos ideais religiosos do povo brasileiro.
Como explicar isso?
* * *
Parece-nos que, na redação dos “Diários Associados”, a depuração do elemento comunista está longe de ter sido feita com rigor. Assim é que mencionamos com pesar o destaque escandaloso que o “Diário da Noite” vem dando ao chamado “caso da Bahia”, e a outras notícias pouco simpáticas aos católicos.
Uma outra prova de que há algo de anormal na redação dos “Diários Associados” está no modo por que publicou um telegrama sobre as solenidades da Páscoa na URSS.
O telegrama, que também foi publicado pelo “Estado”, informava que a afluência popular nas poucas igrejas ainda abertas, em Moscou, foi imensa, e que a massa dos fiéis, não cabendo nos templos, se estendia até os lugares vizinhos às igrejas, para, ao menos de longe, associar-se às cerimônias litúrgicas.
Publicando o mesmo telegrama, o “Diário de São Paulo” lhe anexou o seguinte comentário: “Conquanto o número de pessoas religiosas tenha diminuído, as multidões são cada vez maiores porque os russos gostam de tais espetáculos, ainda que sejam incrédulos.”
Em outros termos: a afluência dos fiéis às igrejas não demonstra qualquer movimento de reação das massas contra a ideologia oficial ateia da URSS.
Seria fazer injúria aos dirigentes dos “Diários Associados”, supor que se desenvolve tal manobra com sua cumplicidade, uma vez que têm sido tão numerosas e tão explícitas suas manifestações de simpatia para com a Igreja.
Mas a possibilidade de tais infiltrações, mesmo em um órgão anticomunista, atesta claramente a necessidade que temos do diário católico.
O Sr. Othoniel Motta, pastor protestante, além de Diretor da Biblioteca do Estado, acaba de ser agraciado com outra nomeação, também estratégica para seu proselitismo religioso: a cadeira de Literatura da Faculdade de Filosofia.
Sem comentários.
Oportunidade de uma Liga das Nações latino-americanas
Está sendo esboçado um movimento no sentido de se constituir uma Liga das Nações Americanas.
Reservando-nos para mais amplos comentários uma vez que a ideia ganhe terreno, desde já formulamos nosso protesto contra uma entidade que, necessariamente, acarretará a hegemonia da América anglo-saxônica e protestante, sobre a América latina e católica.
Seria mais simpática a ideia de se fazer uma Liga das Nações latino-americanas, cuja primeira tarefa seria de intervir no México, para libertá-lo da quadrilha soviética que o assaltou.
* * *
Outra nomeação pouco simpática aos católicos foi a do Sr. Carlos Maximiliano para a Corte Suprema. Jurista de incontestável relevo, será, porém, no exercício de suas funções, o que foi como deputado à Constituinte Federal: um acérrimo adversário das reivindicações católicas, sempre disposto a interpretar a lei conforme suas concepções jurídicas fundamentalmente laicistas.
Erro de tipografia?
De um discurso pronunciado em Sorocaba pelo Sr. Deputado Aureliano Leite, e reproduzido pelo “Estado de São Paulo”, extraímos um trecho pasmoso:
“Mas não podemos usar de exclusivismo rigoroso, em que se consubstancia a pedagogia russa, preconizada pelo Sr. Amoroso Lima, pois ele, como muito bem escreveu um articulista do ‘Jornal do Brasil’, quer plasmar de cada criança, de cada homem, um polichinelo com uma visão unilateral da vida, trancando ao indivíduo todas as fontes do saber que não sejam os dogmas e preceitos dos que a educam.”
Não cremos que haja aí algum erro de tipografia, a inocentar o autor de linhas tão surpreendentes. Caso tal erro exista, porém, o Sr. Aureliano Leite só teria diante de si um caminho: linchar o tipógrafo e processar por perdas e danos o “Estado de São Paulo”.
* * *
Um telegrama de Moscou informa que têm sido frequentes os raptos de crianças naquela cidade, com o fito de despojá-las de suas vestes e soltá-las inteiramente despidas na rua.
Veriam nisto os comunistas mais um índice da fartura que reina na capital do inferno vermelho?
***
“O Legionário”, nº 197, 10/5/1936, pp. 1 e 3
Patriotismo
O Brasil é um país de imigração. Cada imigrante que aqui aporta é um reservatório de forças humanas que, posto em contato com nossos recursos naturais, ainda inexplorados, será necessariamente um gerador de prosperidade. O xenofobismo é, pois, no Brasil, uma tolice.
O bom imigrante se torna um brasileiro convicto e dedicado
Nosso interesse não consiste em professarmos um nacionalismo agressivo, revestido de arame farpado. Pelo contrário, devemos timbrar em receber o estrangeiro com uma hospitalidade largamente afável, que o envolva imediatamente de carinho por todos os lados, e que contribua para lhe minorar as saudades da Pátria distante. Proporcionando ao imigrante esse ambiente de simpatia e confiança, teremos dado o primeiro passo para assimilá-lo ao nosso ambiente, criando para ele a obrigação moral de, em retribuição ao afeto aqui recebido, dispensar ao Brasil um amor igual ao que tributa ao seu torrão natal. O filho de um imigrante imbuído dessa mentalidade já não será um “filho de estrangeiro”, no sentido um pouco xenófobo com que alguns usam essa expressão, mas um brasileiro convicto e dedicado, capaz de fazer pelo Brasil os maiores sacrifícios, e merecedor da mais absoluta confiança de seus patrícios brasileiros.
Em gestação, uma nova e má política para com os imigrantes
É essa a política inteligente e cristã que nosso povo e nossas autoridades vêm observando desde os primórdios do movimento imigratório em nosso País. Política ditada muito mais pelo coração do que pelo cálculo dos interesses nacionais, ela deu no entanto, excelentes resultados. Disto é a maior prova o nosso São Paulo, em que estrangeiros e brasileiros, à porfia, celebram a cordialidade de sentimentos que une a todos os habitantes do Estado, seja qual for a sua nacionalidade.
No entanto, algumas potências dominadas atualmente por correntes políticas imperialistas vêm inaugurando entre nós uma política profundamente perturbadora dos nossos métodos de assimilação dos imigrantes.
Organizando suas colônias, empenhando-se em criar laços de solidariedade econômica e afetiva entre todos os filhos da mesma Pátria distante, fazendo vibrar em manifestações nacionalistas (no sentido não-brasileiro da palavra) os estrangeiros aqui residentes, tais países prejudicam a obra da assimilação de estrangeiros no Brasil. Não tenhamos a este respeito quaisquer ilusões. As recentíssimas manifestações fascistas, e especialissimamente as manifestações hitleristas aqui realizadas no Club Germânia, têm um significado profundamente antinacionalista (agora, no sentido brasileiro da palavra). Mantendo as suas diversas colônias ligadas sempre à Mãe Pátria, os consulados de certas potências tendem a transformar os seus patrícios residentes no Brasil não mais em fecundas sementes de prosperidade destinadas a se entranharem no nosso solo, nele se radicarem e produzirem frutos no Brasil e para o Brasil, mas em verdadeiros quistos inassimiláveis pelo sentimento de brasilidade dos nacionais.
Em oposição ao patriotismo, a ação irrequieta de certos cônsules
Citei a Itália e a Alemanha, pois que têm sido os dois países que mais se têm destacado nessa atuação antinacional. E menciono tais países à vontade, porque sou um ardente admirador de ambos. A Itália! O que significa esse país para um coração ardentemente católico e latino como o de quem escreve estas linhas! A Itália é a glória da civilização presente e uma fortíssima coluna da Igreja. É o escrínio no qual a Providência quis colocar o maior tesouro espiritual, moral, político, social e artístico que há no mundo: o Papa e o Vaticano. Seria impossível que, nestas linhas de simples e justa reivindicação brasileira, se misturasse qualquer coisa de anti-italiano. Quanto à Alemanha, é quase uma velha amiga para mim. Desde menino, estou em contato com ela. Já nos primeiros anos de minha vida, andei por lá. Mais tarde, tive constantemente uma educadora alemã, que me deu a conhecer as grandes qualidades do seu povo. E essas qualidades geraram em mim uma admiração indelével. Nunca estaria em meus propósitos dizer, por mais leve que fosse, algo de hostil à Alemanha, à qual devo uma parte importante de minha formação intelectual e moral.
E para provar que é apenas um sentimento de patriotismo que me move, e não um estúpido sentimento anti-italiano ou antigermânico, vou terminar, apontando outro exemplo. E este será relativo a um outro admirável país: o Japão.
Conhecem todos o que é o Curso de Preparação de Oficiais da Reserva. Passam por ele todos os nossos universitários que se habilitam a ser oficiais, na eventualidade de uma guerra. Há dias atrás, encontrei-me, na rua, com um rapaz japonês (só de raça, evidentemente), que envergava um galhardo uniforme do CPOR. E, involuntariamente, pus-me a pensar: se aquele rapaz, que não conheço, tiver sentimentos brasileiros, ele porá ao serviço de nossa Pátria suas qualidades nativas de japonês. Será, portanto, um verdadeiro presente do Japão ao Exército Brasileiro. Mas… e se ele tiver ligações econômicas e afetivas com o Consulado Japonês? Quem, de boa-fé, é capaz de me garantir que ele não constituirá para nós um perigo?
Reflitam nossos leitores e vejam se não estamos com a razão.
Temos dado aos estrangeiros um tal acolhimento, que inútil se torna para eles – e insultuosa para nós – certa atividade irrequieta de alguns cônsules.
***
“O Legionário”, nº 197, 10/5/1936, pp. 1 e 3
À margem dos fatos
Nada substitui o autêntico Evangelho como cimento da ordem social
“Podemos afirmar que a noção cristã do trabalho e da justiça preside e norteia a nossa legislação trabalhista”, diz o Sr. Presidente da República na mensagem que dirigiu ao Poder Legislativo.
Não apoiado. De cristão, só o que existe em nossa legislação social é o propósito de conservar a propriedade e a família. Quanto ao mais, isto é, quanto ao modo de organizar a vida econômica especialmente com o que se relaciona à vida de família, nossa legislação social oscila incessantemente entre um cru individualismo e, o que é mil vezes pior, um socialismo ainda mais cru.
Ainda na sua mensagem, o Sr. Presidente da República demonstra que o comunismo deve ser combatido principalmente nas escolas. E o meio que S. Ex.cia lembra para ferir tal combate é uma forte doutrinação a favor dos princípios democráticos.
De nossa parte, lembramos que o pseudo-evangelho de Rousseau e da Revolução Francesa nunca poderá substituir, como cimento da ordem social, o Evangelho autêntico e imortal de Nosso Senhor Jesus Cristo…
Que a Cruz seja alçada dentro dos quartéis!
Louvores irrestritos nos merece o tópico da mensagem, em que se afirma a necessidade de manter dentro da disciplina as classes armadas.
Essa disciplina, porém, só existirá quando e enquanto as classes armadas a quiserem, pois que, do momento em que seus elementos mais destacados resolvessem destruir a ordem civil, não haveria barreiras a lhes opor.
O problema, pois, consiste em fazer com que o elemento são predomine sempre – como no momento predomina – no seio das classes militares. Quer o Sr. Presidente um conselho a este propósito? Inicie a reforma do Exército pela reforma da Escola Militar. Enquanto perdurarem lá os últimos resquícios de comtismo, o Brasil não terá encerrado a era das revoluções.
Alce decididamente a Cruz dentro dos quartéis, e S. Ex.cia terá consolidado a obra disciplinadora que, auxiliado por um valoroso grupo de militares, S. Ex.cia vem empreendendo no Exército, de tempos a esta parte.
* * *
Pomos também em destaque o trecho da mensagem que se refere à formação de um bloco de nações americanas. O Sr. Presidente da República é diplomata por demais sutil, para, desde já, se pronunciar sobre a Liga das Nações Americanas.
De nossa parte, porém, continuamos a fazer calorosos votos para que o Brasil oriente sua política num sentido principalmente latino-americano.
Sempre o duelo entre Roma e Moscou
O Congresso de Academias de Letras, que se realiza no Rio, está tendo larga repercussão em nossos círculos intelectuais.
Apraz-nos registrar que, sem trabalho algum dos elementos católicos, figuram ali diversos representantes do pensamento católico, entre os quais os Srs. Everardo Backheuser, Waldemar Falcão, e outros.
Ao lado destes, figura, o conhecido comunista, Sr. Bruno Lobo.
Sempre o duelo entre Roma e Moscou…
* * *
Lamentamos profundamente que, na lista de leis a elaborar para cumprimento da Constituição Federal, o Sr. Presidente do Senado, em seu discurso de abertura dos trabalhos parlamentares, não tenha mencionado as leis que devem regulamentar a aplicação dos artigos inscritos pela opinião católica na Constituição Federal.
Terão os deputados católicos (rari nantes in gurgite vasto)52 forças suficientes para obter a aprovação de tais leis, de que está tão esquecido o ilustre rotariano, Senador Medeiros Netto?
* * *
As polêmicas em “Seção Livre” assumem, em nossa imprensa quotidiana, uma feição cada vez menos nobre.
Não podemos deixar sem protesto o fato de ter “O Estado de São Paulo”, em sua “Seção Livre”, transcrito um artigo do Sr. Senador (!) Macedo Soares, de título tão pouco limpo que, nem sequer para lembrá-lo, uma folha católica o pode repetir.
Solicitude do Papa pela paz mundial
A notícia publicada pelo “Diário de São Paulo”, sobre a satisfação do Santo Padre pela conclusão do conflito ítalo-abissínio, deve ser entendida no seu sentido exato, e não no em que o título que lhe puseram, talvez inadvertidamente, pode insinuar.
Conquanto nascido na Itália, o chefe da Cristandade está colocado em tal altura que, não o sentimento de Pátria, mas o de paternidade sobre todos os homens, fala nele ao apreciar os acontecimentos internacionais.
Assim, o que Sua Santidade agradeceu à Providência foi de ter permitido a cessação do conflito, sem que ele se generalizasse em guerra mundial.
Cristo sendo substituído por Hitler infalível
Só Cristo e seu Vigário são considerados infalíveis pelos católicos. Quanto aos não-católicos, a infalibilidade papal lhes tem constantemente servido de pedra de escândalo.
Hitler, porém, quer ser infalível… e não lhe faltam, entre os sequazes livre-pensadores, adeptos fervorosos.
No Senado de Cultura, de Berlim, o Sr. Goebbels fez um discurso em que declarou que “os homens de cultura da Alemanha sabem que é do Führer que lhes advém sua autoridade”…
Assim, a autoridade da ciência, hoje em dia, já não emana do valor intrínseco da própria ciência, mas da vontade onipotente do novo Cristo (?!) nórdico.
* * *
Por isto é que o Evangelho de Cristo vai sendo substituído pelo Evangelho (?!) de Hitler.
Noticiam os jornais que todos os casais alemães receberão de presente, no ato do casamento, de 1º de Maio em diante, um exemplar do livro de Hitler, Mein Kampf.
A Sagrada Escritura já encontrou, portanto, quem a substituísse como norma de vida.
* * *
Notícias telegráficas informam que os católicos irlandeses receberam a murros um cortejo comunista que pretendia atravessar um cemitério católico.
Quando aprenderemos também nós, católicos brasileiros, a empunhar o látego que expulsou do Templo os vendilhões53?
***
“O Legionário”, nº 198, 24/5/1936, pp. 1 e 3
Política Social
A voz augusta do Sumo Pontífice se fez ouvir, das alturas do Vaticano, para fulminar, com sua condenação, os intuitos subversivos dos comunistas brasileiros.
Conveniente alerta do Sumo Pontífice
Mas, perguntará muita gente, não terá sido inoportuna a referência do Santo Padre ao Brasil? Quando a opinião pública começa a se restabelecer do pânico que lhe causaram as últimas intentonas, quando a calma e a confiança começam novamente a florescer em nosso ambiente, será conveniente que o Chefe da Cristandade, ainda ande a revolver as cinzas do incêndio que se apagou, para lançar seu anátema contra uma meia dúzia de agitadores que já estão nas garras salvadoras da polícia?
Estaríamos de acordo com esta observação, se o perigo realmente já estivesse passado. No entanto, parece-nos que o Santo Padre, escolhendo exatamente o momento atual, para falar contra o comunismo no Brasil, quis indicar aos brasileiros que o perigo está longe de ter sido removido; que, atrás da aparente tranquilidade do ambiente, há focos de agitação que não se apagaram; que a viração54 de qualquer comoção na política de nossos partidos burgueses poderá varrer as cinzas que encobrem a lareira e dar alimento novo às brasas que ainda crepitam.
Mais do que um ensinamento e um incitamento à luta, há uma advertência discreta, mas muito clara, nas palavras do Pontífice. Cumpre não desarmar. Cumpre lutar, cumpre agir. §
Aos católicos, o dever de estimular e cooperar com as forças anticomunistas
Mas… cumpre a quem?
Aos católicos, em primeiro lugar, em primeira linha, antes de tudo e antes de todos.
Mas, agem os católicos? O que tem a Igreja feito contra o comunismo? A julgar pelo que noticiam os jornais, pensará muita gente que ela se limitou a apoiar moralmente o Governo, em um telegrama expedido pelo Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro ao Sr. Getúlio Vargas. E nada mais.
Qual o dever dos católicos? Simplesmente o de bater palmas aos soldados que em praça pública lutaram ou lutarem contra o populacho, adornando com flores as baionetas tintas de sangue, da nossa polícia?
Nunca. Esta não foi, esta não é, e esta não será a atitude dos católicos.
É certo que, enquanto houver gente na rua a lutar contra a mazorca55, o apoio dos católicos não lhes faltará. Nunca partirá de nossos arraiais, para as autoridades policiais, um gesto que não seja de apoio, de estímulo e – o que é muito mais do que tudo isto – de cooperação.
Antes de tudo, uma questão de justiça e caridade
Mas é preciso agir. A questão social não é apenas uma questão de polícia. É antes de tudo uma questão de justiça e de caridade.
É preciso que o operário extremista sinta que nossas classes armadas são um antemural inexpugnável, contra o qual se chocarão inevitavelmente todas as arremetidas dos comunistas. É preciso que ele sinta a impotência da esquerda. Mas, mais do que tudo, é preciso que ele sinta que, embora sem o receio de uma revolução social, há, do outro lado das barricadas uma mão amiga, que se abre para ele com lealdade, para reedificar a paz social, sobre bases sadias de justiça e de caridade.
Não será possível resolver a questão social, enquanto uma parte importante de nosso operariado estiver persuadida de que o patrão burguês é um vampiro que lhe quer sugar todo o sangue, toda a vida, toda a felicidade, para converter em ouro seu suor e sua saúde.
É preciso instituir um largo ambiente de cooperação social, em que o operário católico, insuspeito de afinidades burguesas pelo próprio fato de ser operário e de ser católico, vá dizer a seu irmão extraviado que a Igreja quer reivindicar para ele, sem segunda intenção, o direito à existência digna, a que faz jus sua própria natureza humana. É preciso que o operário sinta que, atirando contra as barricadas onde estão os adversários do comunismo, ele não fere inimigos, mas fere, na pessoa dos católicos, os seus melhores amigos, aqueles que, a despeito de todos os extravios de certos elementos operários, estão dispostos a sacrificar seus interesses e até a sua vida, pelos direitos da classe operária.
Conquistar os operários para o Coração de Jesus Cristo
Mas, para que gozem de tal reputação, é preciso que os católicos trabalhem. Cumpre que eles apoiem as associações já existentes e secundem, além disto, as louváveis iniciativas que estão aparecendo, especialmente a Assistência Operária e a JOC, para que o operário veja, sinta e perceba que a cooperação dos católicos com a classe operária não consiste apenas em belos discursos, mas em solidariedade útil e eficiente.
Assim procedendo, teremos conquistado para Jesus Cristo o coração dos operários, e dado aos operários o Coração de Jesus Cristo. § Unidos estes corações, numa união indissolúvel e afetuosa, nada poderá no Brasil a hidra vermelha. Será inexpugnável nossa Pátria, contra as investidas do comunismo, no dia em que ela for uma cidadela defendida pela própria força de Deus, em cujo recinto vigorarem as leis suavíssimas da Justiça e da caridade, sob o cetro misericordioso do Cristo Rei.
***
“O Legionário”, nº 198, 24/5/1936, p. 1
O Ex.mo Sr. Bispo-Auxiliar
agradece a “O Legionário”
A propósito das justas palavras que publicamos a respeito do aniversário da Sagração Episcopal de S. Ex.cia Rev.ma, recebemos do Sr. Bispo-Auxiliar o seguinte cartão:
“Ao ‘Legionário’ e seus dedicadíssimos redatores, que tanto têm trabalhado para formar no nosso meio a consciência do jornalismo católico, com uma bênção afetuosa, os meus agradecimentos pelas amáveis palavras com que se referiram ao primeiro aniversário de minha Sagração Episcopal.
“+ José, Bispo-Auxiliar.
“São Paulo, 18/5/36.”
***
“O Legionário”, nº 198, 24/5/1936, pp. 1 e 3
À margem dos fatos
Registramos com prazer a notícia de que a Câmara Federal se associará às comemorações do jubileu de S. Ex.cia o Sr. Cardeal
D. Sebastião Leme, fazendo-se representar por uma comissão que o Presidente Antônio Carlos nomeou especialmente para este fim.
O ilustre e ladino prócer montanhês56, num gesto malicioso, incluiu na comissão os Srs. Pedro Aleixo e Raul Fernandes, de conhecidos pendores antirreligiosos, que S. Ex.cia empurra, assim, pelo caminho de Canossa57 adentro…
* * *
Também com prazer, registramos a importante repercussão que, no Senado Federal, teve a recente alocução de SS. o Papa Pio XI, contra o comunismo.
O Senador Cunha Mello, em notável discurso, mostrou eloquentemente que o Brasil, através de sua mais alta Câmara Legislativa, soube ouvir e agradecer as palavras do Chefe da Cristandade.
Insinceras declarações da camarada Prestes
Certos órgãos da imprensa, porém, continuam a fazer das suas.
Publicando as declarações da esposa de Prestes58, deram especial relevo à sua afirmação de que “levará com honra, até o fim, o nome de Prestes”, e de que “a polícia iria praticar um ato absurdo contra uma mulher que está para ser mãe”.
Um leitor arguto bem sabe que a honra e a maternidade são coisa desprezível para uma comunista que, pelo embuste, pelo saque, pelo morticínio, lutou pela supressão da família no Brasil.
Mas, nas classes incultas, que impressão causarão as pérfidas e insinceras declarações da camarada Prestes, perfidamente reproduzidas por certa imprensa?
* * *
A Ilusão Americana, obra-prima do imortal Eduardo Prado, acaba de ser condenada pela Comissão elaboradora dos programas de História.
Eis o trechinho, saboroso, com que se fulminou a obra do maior paulista de seu século:
“Americanidade: 5) Sendo a veracidade um objetivo comum da história, ela exige que a respeito das mesmas relações interamericanas destaquem atitudes, iniciativas e fatos que formam a consciência americanista de nossa civilização e constituem uma segurança dos destinos pacíficos do novo mundo.”
Como se vê, sobe cada vez mais a onda do americanismo.
* * *
Com pesar, chamamos a atenção de nossos leitores sobre o fato de ter o Sr. João Neves da Fontoura aceito o ingrato encargo de ser o advogado dos comunistas atualmente detidos.
Em uma cidade cheia de advogados, é de se deplorar que o ilustrado político não tenha transferido a outro colega a incumbência que aceitou. A isto, no entanto, o forçaria sua grande responsabilidade no cenário da política nacional.
Tanto mais que, de antemão, sabemos que no estilo das defesas judiciárias de nosso pobre País, o advogado não se limitará a alegar, em benefício de seus constituintes, as atenuantes justas que eventualmente couberem, mas se esforçará de ludibriar a justiça, apontando-os como pombas sem mácula…
***
“O Legionário”, nº 199, 7/6/1936, pp. 1 e 4
Até o impossível
Há, na sala de visitas de uma Casa de Religiosos de São Paulo, um quadro que apresenta o Salvador, sentado sobre uma pedra, no alto de uma colina, com os braços levemente apoiados sobre as pernas e o olhar, carregado de tristeza, perdido ao longe. A seus pés, algo distante, e iluminada por um esplêndido luar, a cidade de Jerusalém com suas choupanas, seus monumentos, seus palácios e seu Templo.
A outrora Cidade Santa, fechada ao amor de Jesus
Esse quadro convida à reflexão.
Era noite. Tudo dormia. Só Jesus velava. O que o mantinha acordado? Era o amor à que fora outrora sua Cidade Santa. Como um fruto que só tem mais alguns dias diante de si, para acabar de apodrecer inteiramente, Jerusalém, a gloriosa e pérfida Jerusalém, ainda viveria alguns breves dias, o tempo bastante para que a iniquidade crescesse a tal ponto no coração de seus filhos, que eles se tornassem capazes do deicídio final.
Se eles tivessem querido conhecer o dom de Deus! Se, ainda naqueles dias extremos, o Salvador pudesse mais uma vez bater de casa em casa, de coração em coração, para exortar, para aconselhar, para implorar! Quem sabe se uma última súplica seria mais eficiente para comover certos corações? Mas em vão. As portas estavam fechadas. Os corações também. O crime inicial de Jerusalém foi o de se ter fechado ao Salvador. Se tantos corações e tantos ouvidos se não tivessem cerrado quando ele “passava fazendo o bem”59, certamente o fruto monstruoso do deicídio não teria germinado na antiga Cidade Santa. Jesus ganha quase sempre a partida, quando fala a corações abertos. E corações abertos, Ele não os encontrou senão raramente, na sua passagem pelos caminhos da Judéia ou pelas ruas de Jerusalém…
A triste situação de muitas almas na São Paulo carnavalesca
Tudo isto me veio à mente quando, nos três dias do último carnaval, fazia um retiro fechado, na Casa dos Padres do Verbo Divino, em Santo Amaro. Ali também, encerrado em uma capelinha no meio da natureza agreste, Jesus velava. Ao longe, eu via a cidade bandeirante com a multidão de suas luzes, a cintilar na escuridão da noite. O que pensava Jesus, dentro do sacrário, sobre a Cidade de Anchieta?
Como outrora Ele se debruçara sobre Jerusalém, Jesus agora se debruçava em espírito, sobre São Paulo. Quantas almas! Como estavam elas? Muitas estavam de coração aberto para receber Sua graça. Nos retiros espirituais, uma legião de moços ouvia a palavra de Deus. Mas, mesmo fora dos retiros, quantas almas tinham fome e sede de Justiça60, e estavam retidas por deveres múltiplos, no turbilhão da cidade carnavalesca! Como era vivo o seu desejo de não ofender a Deus! Como estas almas suspiravam por uma palavra de conforto, no meio de tantas tentações. Muitas eram fracas. A sedução das coisas efêmeras ameaçava arrastá-las para ao abismo. Uma palavra as teria retido antes do momento imprudente em que se entregaram ao mal. Mas esta palavra não lhes veio… e o coração de Jesus sangrava. Outras estavam inteiramente sepultadas na iniquidade. Mas a saciedade do mundo as assaltava, nos momentos amargos de reflexão solitária. Instintivamente, seu coração se abria para uma felicidade mais completa, que o mundo não lhes poderia dar. Uma palavra oportuna, caída nesse momento, teria sido a salvação dessas almas sofredoras. Como Jesus desejaria que essas almas O ouvissem. Mas o respeito humano as retinha distantes do Templo do Senhor. O momento oportuno passava… e a alma recaía novamente nas garras do vício. Quantas e quantas vezes, sob formas variadas, esses dramas de alma se repetiam! E Jesus, silencioso no fundo do Sacrário, sofria amargamente.
O rádio católico, inestimável presente de Jesus a São Paulo
Mas a situação hoje mudou. Jesus não velará mais, tristemente, tolhido de meios humanos de ação, no fundo do Tabernáculo. Sua Providência onipotente encontrou o meio salvador de se dirigir às almas tímidas, aos Nicodemos que desejariam ouvi-lo e não ousam procurá-lo; aos fracos que se sentem em tentação; aos sofredores que se sentem torturados pela dor, mas que não têm junto de si quem os console. Será em vão, doravante, que as portas se fecharão para Ele nos lares. Será inútil que o respeito humano agrilhoe os pés dos que desejariam ir à sua procura. Será inútil, ainda, que mil circunstâncias afastem dEle, que é a fonte de todas as consolações, as almas sofredoras. Jesus venceu tudo isto. Ele entrará nos corações que O procuram de longe, pelas antenas do rádio.
O rádio católico é um inestimável presente de Jesus a São Paulo, e de São Paulo a Jesus. Superior a este presente, só a Adoração Noturna. Igual a ele, só as Congregações Marianas.
Saberá São Paulo compreender o dom de Deus? Saberá ele secundar essa iniciativa para a qual o Coração de Jesus reclama ardentemente todos os apoios e todo o entusiasmo?
Confiamos que sim. A causa do Rádio católico é de tal relevância, que não há um único congregado, um único vicentino, um único terciário, um único zelador de apostolado que seja digno desse nome, se não fizer todo o possível pelo triunfo da “Voz de Anchieta”, e se, depois de ter feito todo o possível, ainda não faça mais alguma coisa.
***
“O Legionário”, nº 199, 7/6/1936, pp. 1 e 3
À margem dos fatos
Franciscanos vítimas do Sr. Hitler
Telegramas publicados pela imprensa diária nos informam que 268 religiosos franciscanos foram detidos na Alemanha, sob o peso oprobrioso de uma das mais negras acusações que se possam fazer contra um homem.
É tão baixo o terreno para o qual a política do Sr. Hitler quis deslocar a sua luta contra o catolicismo, que nós não o acompanharemos até lá.
Nenhum comentário, pois, fazemos ao dito telegrama que a Delegacia de Costumes de São Paulo deveria ter retido antes da publicação.
O perigo comunista, mais grave que os interesses partidários
São Paulo, a metrópole dos bandeirantes, foi até hoje uma das cidades mais trabalhadoras do mundo.
Parece, porém, que ao sopro da propaganda comunista, São Paulo esteve na iminência de perder sua fama de colmeia operosa, para transformar-se em caixa de agressivos e ociosos marimbondos.
A Delegacia de Ordem Política e Social noticia que, no ano de 1935, houve 126 greves em São Paulo. Quer isto dizer que, de três em três dias, cessava de funcionar uma indústria paulista, por período de tempo às vezes bem longo.
* * *
Esta e outras verdades não foram suficientemente expressivas, para fazer compreender ao deputado paulista, Sr. Teixeira Pinto, que o perigo comunista é algo de muito mais grave e mais importante, do que os pequenos interesses pessoais e partidários de S. Ex.cia.
Por isto é que aquele deputado paulista (!) propôs uma lei, ao Congresso, tendente a soltar imediatamente todos os implicados nos últimos levantes.
Esse projeto de lei, em que o Sr. Teixeira Pinto procura quebrar as algemas que atam as mãos criminosas dos inimigos do Brasil, não teria sido apresentado se o Sr. Teixeira Pinto não tivesse sido eleito. E o Sr. Teixeira Pinto não teria sido eleito, se muito e muito católico que por aí existe não se tivesse esquecido de perguntar pelas opiniões de S. Ex.cia, antes de sufragar seu nome.
Indiretamente, pois, o projeto não corre só por conta do Sr. Teixeira Pinto, mas dos católicos café-com-leite.
* * *
Não podemos omitir uma palavra de elogio ao Sr. Deputado Martins e Silva, pelo corajoso telegrama que endereçou ao Sr. Largo Caballero.
Homenagens do Estado ao Poder Espiritual
Teve um belo gesto o Sr. Governador do Estado, constituindo seu representante, nas homenagens prestadas ao Sr. Cardeal, o Sr. Deputado Cardoso de Mello Netto. Esta é mais uma, das muitas gentilezas com que S. Ex.cia não tem cessado de manifestar a consideração para com o Poder Espiritual.
Temos, porém, certeza plena de que, ao Sr. Cardeal, teria sido muito mais grato do que o telegrama, que S. Ex.cia purificasse a Diretoria do Ensino dos funcionários que lá militam e que, para comemorar o jubileu do eminente prelado paulista, o ensino religioso fosse contemplado com uma hora inteira, no horário escolar, em lugar da exígua meia hora que lhe deu a regulamentação vigente.
* * *
Todos os católicos brasileiros presenciaram com simpatia as homenagens prestadas pelo Sr. Presidente da República e pelo Sr. Ministro do Exterior, ao Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro.
S. Ex.cia, que tem combatido fortemente o comunismo (ainda há dias foi demitido, por ser comunista, até um irmão do Sr. Juracy Magalhães), parece não perder uma oportunidade para pedir à Igreja sua cooperação na luta pela preservação social.
É sempre assim…
Todo o mundo sabe o que é o Rotary, e qual a atitude de reserva que ele mereceu da Igreja.
Os telegramas nos contam que o Chefe da Nação, recebendo em palácio a visita do Rotary Club, “agradecendo as manifestações cívicas que acabava de receber dos rotarianos, fez sentir o quanto ela lhe era agradável, por isso que reconhecia no rotarianismo uma das grandes forças morais do mundo, capaz de conter o surto da subversão da ordem que ameaça a civilização e também pondo em relevo o acendrado patriotismo e civismo dos rotarianos do Rio de Janeiro”.
Sempre o hibridismo…
Sobre a exposição da imprensa católica no Vaticano
É uma maravilha de má-vontade, o telegrama publicado, na última sexta-feira, sobre a exposição da imprensa católica no Vaticano, certame em que a imprensa católica do mundo inteiro se faz representar.
Falando sobre os mostruários, o telegrama só menciona como digna de nota a imprensa católica entre os esquimós (!), silenciando sobre os grandes empreendimentos católicos como a “Bonne Presse”, “El Debate”, etc.
É sempre assim.
***
“O Legionário”, nº 199, 7/6/1936, p. 1
“O Legionário” completou o seu décimo aniversário a 29 de maio último
“O Legionário” completou, no dia 29 de maio, seu décimo aniversário.
Só quem labuta na imprensa sabe o que significam, em esforços e em sacrifícios, dez anos de trabalho.
Olhando para o passado que deixamos atrás de nós, não nos podemos deixar furtar a prestar uma homenagem comovida aos que nos antecederam na faina em que nos achamos empenhados.
Ao lado de um olhar de saudades e de simpatia aos colaboradores que tivemos, não podemos, porém, reprimir um pensamento de pesar em relação aos cooperadores que não tivemos.
Em um momento como este, em que a luta entre o bem e o mal atinge o seu período máximo, custa crer que haja gente bastante indiferente aos destinos da civilização, para permanecer de braços cruzados a assistir, indiferente, à luta de um grupo de soldados fieis à causa da Igreja.
O Santo Padre acaba de proclamar a necessidade imperiosa que tem a atividade católica, de ser estimulada e defendida por uma imprensa, corajosamente católica.
À vista disto, nenhum católico tem o direito de se desinteressar dos trabalhos da imprensa.
No limiar de um novo ano de existência, sejam nossas palavras um apelo veemente ao zelo apostólico de nossos leitores.
Que cada um deles seja um cruzado a mais, na obra que vamos levando a efeito no meio de grandes dificuldades.
Que os que têm talento nos auxiliem com suas luzes.
Que os que têm dinheiro nos auxiliem com seus donativos.
Que os que têm piedade nos auxiliem com suas orações.
E que “O Legionário” seja sempre digno do apoio que reclamamos, são estes, os nossos votos.
***
“O Legionário”, nº 200, 21/6/1936, p. 1
Muito bem e pouco barulho
Há muita gente bem intencionada, para quem a única forma de combate contra o comunismo consiste em vociferar, de braços cruzados, contra a doutrina de Marx, e a falar dia e noite em fuzis, em metralhadoras, em patas de cavalo e coisas afins.
Meios mais seguros e profundos contra o marxismo
Evidentemente, todos esses meios não são para se desprezar. E se, algum dia o Brasil precisar do sangue de seus filhos, para se defender contra a invasão russa, os Congregados Marianos, que representam a parte mais moça das falanges católicas, reclamarão para si a honra de marchar na vanguarda dos heróis da Igreja e da Pátria.
Isto posto, é preciso acentuar mais uma vez que, como dizia S. Francisco de Sales, “o barulho faz pouco bem, e o bem faz pouco barulho”. Não é com imprecações e ameaças que transformaremos a mentalidade das massas. Faz-se mister lançar mão de meios seguros, e mais seguros, e mais profundos.
Por esta razão, os católicos, embora acusados às vezes de não combater o comunismo com a devida energia, vão organizando nas diversas camadas da população uma ação espiritualizadora, que é o antídoto mais seguro contra os venenos de procedência moscovita.
Caridosa assistência da Igreja às almas e corpos necessitados
Para que nos persuadamos de que a recristianização das massas é a barreira suprema contra o comunismo, não é necessário que recorramos à argumentação dos teólogos ou ao testemunho dos Pontífices Romanos. Bastará que apelemos para o depoimento dos leaders comunistas. Não foi do maior dentre eles que partiu a famosa afirmação de que a religião é, no espírito do povo, um ópio que faz amortecer nele qualquer espécie de instinto revolucionário? Que maior apologia para as virtudes imunizadoras do catolicismo, do que esta afirmação de seus adversários?
A ação anticomunista dos católicos não se faz sentir apenas no terreno da recristianização. Não é apenas às almas, mas também aos corpos, que atende a solicitude maternal da Igreja, no meio das dificuldades contemporâneas. É preciso que o proletário sinta que, pregando-lhe a Verdade, a Igreja não tem em mira tão-somente a neutralização de sua sanha revolucionária, mas que, compadecida das misérias que oprimem atualmente as classes trabalhadoras, ela as procura com o coração cheio de afeto e as mãos cheias de donativos para lhe minorar os sofrimentos.
Modelar trabalho da Assistência Vicentina aos Mendigos
Estabelecimentos que atestam essa preocupação inteligente e caridosa dos católicos, nós os temos em São Paulo em tal cópia que seria excessivamente longa qualquer enumeração.
Em especial destaque, porém, queremos pôr a Assistência Vicentina aos Mendigos, cujo relatório acabamos de receber e que constitui, a nosso ver, o padrão ideal de uma obra católica de assistência social.
O primeiro traço que nos impressionou, no relatório que recebemos, foi o perfeito equilíbrio entre as preocupações materiais e espirituais. Muito frequentemente, ressentem-se nossas obras sociais de excessos no sentido material. Nota-se grande atenção quanto ao amparo dos corpos. Pouco, quanto à proteção dispensada às almas. Os assistidos, frequentemente saem com o estômago mais cheio do que quando entraram, mas com o coração inteiramente vazio de ensinamentos salvadores e consoladores. Ora, a preterição do espiritual em benefício do material é uma aberração entre católicos, que devem sobrepor a qualquer outra preocupação, a da salvação das almas.
Na Assistência Vicentina, porém, o equilíbrio é perfeito. E, ao mesmo tempo em que verificamos que o aspecto material da obra é cuidada com um zelo completo, vemos com prazer que o apostolado se desenvolve pujante, paralelamente à caridade corporal, e que as estatísticas referentes ao movimento espiritual acusam, só em 1935, um total de 6.639 Comunhões, 2.055 Confissões, e 11.164 jaculatórias!
A perfeição de seus serviços estatísticos
Um outro aspecto que queríamos destacar, quanto à Assistência Vicentina, é a perfeição de seus serviços estatísticos.
Sou de opinião que todas as obras de beneficência católica se deveriam entrelaçar para manter um bureau de estatísticas. A estatística nas obras sociais não é apenas uma tola manifestação de vaidade, como poderia pensar algum observador superficial. A estatística é para a assistência social o que o farol é para o automóvel, a quem indica o caminho a percorrer, acentuando todas as dificuldades e obstáculos com que espera o transeunte desatento. Se nas nossas obras sociais, além da assistência, tivéssemos um serviço de estatística, os católicos teriam à sua disposição riquíssimos dados, capazes de lhes orientar convenientemente a atividade.
Para documentar nossa afirmação, colhemos ao acaso algumas informações extraídas das numerosas e modelares estatísticas da Assistência Vicentina. Cada uma delas vale por todo um artigo de jornal.
Indício animador da situação do proletariado
Vamos aos exemplos. O serviço de sindicância apurou que 3/4 das famílias que apelam para a Assistência não têm razões suficientes para viver da caridade pública. Se soubesse disto o Cidadão Rabello! As estatísticas nos revelam, ainda, que os dedicados cooperadores vicentinos fizeram, em 1935, 26.530 visitas domiciliares às famílias socorridas. Um dos médicos da Assistência, Presidente de uma Congregação Mariana, atendeu, só ele, 209 doentes gratuitos! Das famílias protegidas pela Assistência, 467 deixaram de utilizar, por se terem tornado desnecessários, os socorros que lhes eram fornecidos. É um indício animador da situação de nosso operariado. A estatística das profissões das pessoas socorridas revela uma porcentagem alarmante em relação às domésticas, que foram 654, enquanto em todo o operariado só se apresentaram 269. Por quê?
Muitos outros aspectos da atividade da Assistência Vicentina mereceriam detalhada análise.
Infelizmente, o espaço não nos permite que a façamos aqui. Mas deixamos consignado um conselho a nossos leitores: querem um modelo de obra de assistência social, paulista e católica? Leiam o relatório da Assistência Vicentina.
***
“O Legionário”, nº 200, 21/6/1936, pp. 1 e 4
Em torno do Papa
No dia 29 do corrente, a Igreja celebra a festa dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo.
Esta festa sobrevém em um momento extremamente melindroso para a atuação internacional da Igreja.
Durante a Guerra Mundial de 1914-1918, a Santa Sé não cessou de exortar, por um só momento, a todos os povos, a que suspendessem as hostilidades. Não se contentando com as exortações, passou ao terreno dos fatos, e iniciou, desde 1914, uma série de démarches61 diplomáticas que, se não tiveram o poder de amainar a sanha destruidora dos países beligerantes, conseguiram, no entanto, suavizar notavelmente alguns dos mais dolorosos aspectos do conflito que enlutava o mundo.
Durante a horrível borrasca, só a Santa Sé falou palavras de paz…
Veio, finalmente, a paz. Mas o Sr. Wilson62 e as nações aliadas não quiseram reconhecer, por ocasião do Tratado de Versailles, os trabalhos insignes dos Pontífices Romanos em benefício da paz. E, constituindo-se a Liga das Nações, o Papa não foi admitido a enviar junto a ela um Núncio Apostólico!
Enquanto isto, como lastro doutrinário que deveria nortear a atividade social da Liga das Nações, eram solenemente promulgados, por Wilson, 14 princípios, dos quais muitos eram mera reprodução do pensamento das Encíclicas. Eterna contradição das coisas humanas!
Mas tout passe, tout lasse et tout se remplace63. Tout, exceto a Igreja, que é imortal.
A Liga das Nações sentiu ultimamente o peso dessa verdade. Também ela lasse et se casse. E seu fracasso faz nascer esta outra questão: quem a substituirá?
Nos círculos internacionais, muitos olhos se voltam para a Igreja.
Evidentemente, ela não aceitaria, nos tempos delicados que atravessamos, uma função idêntica à da Liga das Nações. Função [essa] que, conquanto condigna com sua situação de Mãe de todos os povos, lhe dificultaria hoje em dia a realização de sua missão espiritual.
No entanto, seria possível atribuir à Santa Sé a qualidade de órgão coordenador internacional de certas atividades tendentes à repressão dos vícios, à solução da questão social, à suavização dos sofrimentos das regiões necessitadas, etc.
Acaba de pôr em relevo esta possibilidade a entrevista concedida pelo Pe. Gilet a um grande órgão francês.
A verificar-se a realização de tal intento, constituirá ele uma das vitórias mais assinaladas da Igreja sobre os seus adversários. Realmente, que em tempos de grande Fé religiosa, como na Idade Média, todos os povos se tenham voltado para a Cátedra de S. Pedro, como Mestre e Juiz irrecorrível, não espanta. Mas que uma humanidade saturada de materialismo, esquecida geralmente de Deus e de seus deveres, se veja obrigada a apelar para a Igreja, como único ponto de apoio para a solução de seus problemas fundamentais, é a mais eloquente confirmação da promessa multissecular: “Non praevalebunt.”64
***
“O Legionário”, nº 200, 21/6/1936, pp. 1 e 3
À margem dos fatos
Chamamos a atenção de nossos leitores para a extraordinária difusão que os Rotary Clubs vão tendo no Interior do Estado. É frequente encontrarem-se nos noticiários do Interior de nossos diários a notícia da fundação de Rotarys novos.
Para que todo este esforço? Para constituir, paralelamente à rede das Congregações Marianas, uma rede laica de inspiração protestante e maçônica?
Carnificina junto aos Pireneus
Enquanto os comunistas espanhóis, tomados de terníssimos sentimentos humanitários, se interessam pela saúde do camarada Luiz Carlos Prestes, sua sanha sanguinária é insaciável contra os católicos de sua terra.
Em discurso proferido no Parlamento espanhol, Gil Robles65 informa que, de fevereiro a junho deste ano, foram incendiadas 160 igrejas, mortas 269 pessoas, e feridas 1.287, “por motivos de religião”.
Pascal dizia: verdade aquém dos Pirineus, erro além dos Pirineus. Seria o caso de dizermos: clemência, longe dos Pirineus; junto aos Pirineus, carnificina.
Hitlerismo e ateísmo
O professor Hauer, fundador e chefe do Movimento da “Fé Alemã”, que tem em vista restaurar a crença nos deuses mitológicos adorados pelos antigos povos germânicos, vinha recebendo, na sua tarefa, amplo apoio de Hitler.
Agora, porém, acaba de se demitir da liderança de sua corrente, por verificar que ela conduzia a um ateísmo completo e que não é outro o resultado visado pelas autoridades alemãs.
É curioso notar esta convergência do hitlerismo com o marxismo, no terreno do ateísmo. Não é a única.
Erros do famoso romantismo brasileiro
Uma tristíssima página de nossa vida parlamentar, está sendo escrita pelos 2 ou 3 deputados que tentam defender, no recinto do Parlamento, o Sr. Pedro Ernesto, que está detido por inegáveis atentados contra a ordem social.
Um general que se aproveitasse de seu posto para entregar o território de seu país ao inimigo, não seria escusado por nenhum homem de honra.
Se tal se dá com um general, que é um alto funcionário militar, por que não se dará também com um prefeito, que é um alto funcionário civil?
Mais uma vez, é o famoso romantismo brasileiro que move os deputados mencionados, a proteger o Sr. Pedro Ernesto. Foram seus amigos pessoais e por esse motivo devem defendê-lo contra tudo, contra todos… e até mesmo contra o Brasil!
Estranho ecletismo religioso
A Conferência Vicentina de Bebedouro assinou um manifesto, juntamente com associações atléticas, comerciais, espíritas, maçônicas, etc., prestigiando uma Sociedade de Amigos de Bebedouro.
Provavelmente, tratar-se-á de algum abuso. Não nos parece crível que, em um momento como este, em que os campos devem andar mais divididos do que nunca, seja possível a católicos militantes e modelares, como os vicentinos devem ser e são, uma tal prova de ecletismo religioso…
* * *
Um leitor que se oculta sob o pseudônimo de Gil do Prado, ao qual já devemos mais de uma colaboração66, enviou-nos um trabalho interessante que, no entanto, não podemos publicar.
O trabalho é por demais pessoal, conquanto justo, talvez, nas suas considerações. Por este motivo, lamentamos não poder dar-lhe divulgação.67
Puritanismo unilateral no Reich
No último número, comentávamos a prisão de vários religiosos franciscanos, na Alemanha, por crimes inomináveis e, no entanto… nominados.
Agora que começa o processo, o senhor procurador-geral do Reich acentua a necessidade do sigilo nos debates, para defender o decoro público.
No noticiário da prisão e da qualificação dos pretensos crimes não havia ofensa ao decoro público. Esta ofensa aparece agora, no desenrolar do processo.
Por que esta mudança de atitudes? Por que este puritanismo tão tardio e sobretudo tão unilateral?
***
1) (N. do E.) O Autor refere-se à Intentona Comunista de novembro de 1935. Ver, a este respeito, o artigo “Os acontecimentos do Norte e da Capital Federal”, publicado no II volume desta coleção, pp. 438-441.
2) (N. do E.) Causa das causas; a origem.
3) (N. do E.) Encíclica Quamvis Nostra, de 27 de outubro de 1935.
4) (N. do E.) {ou}, {ou}.
5) (N. do E.) 2Tm 4, 7.
6) (N. do E.) Plinio Barreto (1882-1958) – jurista, escritor e político paulista; foi diretor de “O Estado de São Paulo”, fundou a “Revista dos Tribunais” (1912) e a “Revista do Brasil” (1916); chefiou o Governo Provisório do Estado de São Paulo, durante 21 dias, após a Revolução de 1930. Em 1945 foi eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte, pela União Democrática Nacional (UDN).
7) (N. do E.) Plinio Salgado (1895-1975) – escritor e político paulista; fundou em 1932 a Ação Integralista Brasileira (AIB). Foi preso, em 1938, após uma tentativa de putsch contra Getúlio Vargas, sendo exilado posteriormente em Portugal, onde permaneceu até 1945. De regresso ao Brasil, fundou o Partido de Representação Popular (PRP). Foi deputado federal pelo mesmo (em 1958 e 1962) e pela Arena (em 1966 e 1970). Dentre suas obras destacamos: O que é o integralismo (1934), Cartas aos Camisas Verdes (1935) e A doutrina do sigma (1937).
8) (N. do E.) É pela Cruz que se chega à luz.
9) (N. do E.) Literalmente, no singular: enfastiado, farto. Aplica-se a quem está farto de algo, de certo status quo, de algum estado de espírito.
10) (N. do E.) Roberto Henrique Faller Sisson, capitão-tenente da Marinha e membro da Aliança Nacional Libertadora (ANL). A 16 de abril desse mesmo ano seria destituído do Corpo de Oficiais da Armada, pelo Presidente Getúlio Vargas, por participação em atividades subversivas.
11) (N. do E.) Buzina.
12) (N. do E.) Ambas secções são transcritas a seguir.
13) (N. do E.) Urram por se encontrarem juntos.
14) (N. do E.) Mais alto.
15) (N. do E.) Menção à obra Por que me ufano pelo meu país, escrita por Afonso Celso de Assis Figueiredo (1860-1938), professor mineiro, historiador, político e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.
16) (N. do E.) Referência a Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) – advogado e educador baiano, comunista, secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal, e um dos difusores da Escola Nova (movimento inspirado na igualdade entre os homens, que via no sistema estatal de ensino público, laico, livre e obrigatório, o único meio de combater as desigualdades sociais do país). Como o Autor informa em artigo posterior (“À margem dos fatos”, “Legionário”, nº 196, de 26/4/1936), foi destituído do cargo pelo Prefeito interino do Distrito Federal em abril de 1936.
17) (N. do E.) Dâmocles (séc. IV a.C.) – cortesão próximo a Dionísio, o Velho, tirano de Siracusa. Tendo por costume vangloriar a felicidade de seu amo, este, para lhe mostrar quais eram as alegrias do poder, convidou-o a tomar seu lugar numa festa e ser tratado por seus servidores como se fosse o próprio tirano. Dâmocles aceitou, sentou-se no lugar de Dionísio e, quando estava no auge do inebriamento pelo tratamento recebido, olhou para o alto e viu pendurada acima de sua cabeça uma grande, pesada e afiada espada, segura apenas por um fio de crina de cavalo. Serviu-lhe a lição e entendeu bem quão frágil é a felicidade daquele que tem o poder. A expressão espada de Dâmocles passou a designar um perigo iminente.
18) (N. do E.) Ver, a este respeito, o artigo “A Concentração Mariana Estadual de 16 de julho”, publicado no II volume desta coleção, pp. 362-366.
19) (N. do E.) A obra denomina-se Assertio Septem Sacramentorum (Defesa dos Sete Sacramentos).
20) (N. do E.) Partido Constitucionalista. Ao longo deste volume, a sigla sempre se referirá a esse partido.
21) (N. do E.) Partido Republicano Paulista.
22) (N. do E.) Atos, e não palavras.
23) (N. do E.) Palavras, e não atos.
24) (N. do E.) Este artigo foi também publicado em “O Jornal”, de 5/2/1936.
25) (N. do E.) Trono móvel, no qual o Sumo Pontífice era transportado nas grandes cerimônias públicas.
26) (N. do E.) Grandes leques de plumas brancas, com uma haste longa.
27) (N. do E.) Diante do povo, em público.
28) (N. do E.) {segunda}.
29) (N. do E.) Mt 8, 12.
30) (N. do E.) General Lázaro Cardenas (1895-1970) – comunista, presidente do Partido Revolucionário Nacional, presidente da República (1934-1940), ministro da Defesa e comandante-em-Chefe do Exército mexicano.
31) (N. do E.) Modo de viver.
32) (N. do E.) Simplesmente.
33) (N. do E.) Demasiadamente pouco.
34) (N. do E.) {por}.
35) (N. do E.) O texto é o seguinte:
“Aos nossos amigos
“‘O Legionário’ está empreendendo um sério esforço no sentido de melhorar o mais possível a matéria contida nas suas edições quinzenais.
“Aos nossos amigos compete auxiliar-nos nessa tarefa. E o auxílio que lhes pedimos é que nos enviem todos, assinantes ou não, sua opinião leal sobre ‘O Legionário’. Gostaríamos de saber o que lhes agrada e o que lhes desagrada, o que nos sugerem para melhorar nosso jornal, etc.
“Consideramos qualquer apreciação que nos seja endereçada, como útil colaboração na nossa luta pela imprensa católica.”
36) (N. do E.) Publicado, também, no “Diário de São Paulo”, de 27/2/1936.
37) (N. do E.) Ver, a este respeito, o artigo “Prece que salva”, no II volume desta coleção, pp. 276-280.
38) (N. do E.) Na realidade foram 1.500, conforme o próprio Autor o noticia, na seção “À margem dos fatos”, “O Legionário”, nº 192, de 1/3/1936.
39) (N. do E.) Pe. Joseph Cardjin (1882-1967) – sacerdote belga, foi encarregado pelo Cardeal Mercier de gerir as obras sociais da diocese de Malines. A 20 de julho de 1924 convoca a Bruxelas certo número de sacerdotes para uma reunião: sua ideia fundamental era a de empenhar os operários na recristianização do proletariado. Ao fim da mesma, estava tomada a decisão de fundar um movimento de âmbito nacional: a JOC. O Pe. Cardjin foi elevado ao cardinalato pelo Papa Paulo VI.
40) (N. do E.) Primeiro-ministro britânico.
41) (N. do E.) Por falha técnica, falta no original uma linha de seus 30 toques, que se procurou reconstituir com o trecho entre colchetes.
42) (N. do E.) {católica}.
43) (N. do E.) Fenianos e Tenentes do diabo, duas sociedades carnavalescas muito em voga naquele tempo.
44) (N. do E.) Literalmente, rocha velha; em concreto, as estirpes paulistas tradicionais que deram origem ao Estado de São Paulo.
45) (N. do E.) {10,30}.
46) (N. do E.) Do inglês: spleen – baço (órgão do corpo humano). No caso concreto: mal-humorados, rancorosos.
47) (N. do E.) De Maria Bernarda, revolta ocorrida em Braga (Portugal), em 1862, fomentada por políticos locais, contra a cobrança de novos impostos. Foi apoiada por algumas unidades militares que conspiravam contra o governo do Duque de Loulé.
48) (N. do E.) Cf. Mt 26, 14-25.
49) (N. do E.) “As eleições”, “O Legionário”, nº 194, de 29/3/1936.
50) (N. do E.) D. Augusto Álvaro da Silva.
51) (N. do E.) D. Antônio dos Santos Cabral.
52) (N. do E.) Uns poucos homens nadando no vasto mar. Da frase de Virgílio, na Eneida: “Apparent rari nantes in gurgite vasto” – “Veem-se uns poucos homens nadando no vasto mar.”
53) (N. do E.) Cf. Jo 2, 15.
54) (N. do E.) Vento brando, aragem, brisa.
55) (N. do E.) Perturbação da ordem, tumulto, motim.
56) (N. do E.) Termo usado aqui no sentido de mineiro, natural de Minas Gerais, Estado de onde procede o Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.
57) (N. do E.) Em 1077, Henrique IV fora excomungado pelo Papa S. Gregório VII, devido à questão das Investiduras. Caído na desgraça, o Imperador atravessou os Alpes, durante o inverno, a fim de ir obter do Sumo Pontífice o levantamento da pena. O Papa estava em Mântua – a caminho de Augsburgo, para a Dieta –, ao saber da aproximação dele, refugiou-se no castelo de Canossa, da Condessa Matilde. Henrique ficou três dias à entrada do mesmo, de pés descalços, com traje de penitente e jejuando. No dia 28 de janeiro, tendo S. Gregório absolvido o penitente, dirigiram-se ambos à capela do castelo, onde o Papa celebrou Missa e deu pessoalmente a Comunhão a Henrique.
A partir de então, a expressão ir a Canossa passou a significar humilhar-se diante do adversário.
58) (N. do E.) Olga Gutmann Benário (1908-1942) – militante comunista, de origem alemã. Foi presa em março de 1936, julgada e posteriormente deportada.
59) (N. do E.) Cf. At 10, 38.
60) (N. do E.) Cf. Mt 5, 6.
61) (N. do E.) Providências.
62) (N. do E.) Thomas Woodrow Wilson (1856-1924) – presidente dos Estados Unidos da América. Teve papel preponderante na fundação da Liga das Nações.
63) (N. do E.) Tout passe, tout casse, tout lasse et tout se remplace – Tudo passa, tudo quebra, tudo enfada e tudo se substitui.
64) (N. do E.) “Não prevalecerão” (Mt 16, 18).
65) (N. do E.) José María Gil Robles (1898-1980) – advogado e político, católico, um dos principais dirigentes da Ação Popular Católica, membro do corpo de redação do diário católico “El Debate” (dirigido por Ángel Herrera Oria, nessa época ainda leigo, mais tarde ordenado sacerdote e criado cardeal em 1965, por Paulo VI). Com o assassinato de Calvo Sotelo, refugiou-se na França. Tendo sido expulso do país pelo primeiro-ministro socialista Léon Blum, foi viver em Portugal.
66) (N. do E.) “À margem dos fatos”, “O Legionário”, nº 193, de 15/3/1936.
67) (N. do E.) “À margem dos fatos”, “O Legionário”, nº 199, de 7/6/1936.
Deixe uma resposta