1936 – novembro e dezembro
“Legionário”, nº 216, 1/11/1936, p. 1
Os governos europeus observam
com atenção a viagem do
Cardeal Pacelli aos Estados Unidos
O Santo Padre Pio XI tem honrado com particular confiança o Cardeal Pacelli, Secretário de Estado da Santa Sé, que tem sido investido das mais delicadas missões diplomáticas.
Nenhuma delas, talvez, tem a importância da missão de que, segundo parece, se encontra atualmente investido o Cardeal Eugênio Pacelli, nos Estados Unidos.
Um importante grupo de católicos hostiliza atualmente a candidatura do Presidente Roosevelt à suprema magistratura da República, sob a alegação de que S. Ex.cia tem, para com os comunistas, uma tolerância que confina com a cumplicidade.
Sendo, hoje em dia, a Igreja Católica, ↓1 a igreja cristã com maior número de fiéis na República Norte-Americana, os católicos vão pesar de modo fortíssimo nas eleições.
Para observar as questões suscitadas em torno do assunto, a Santa Sé enviou o próprio Secretário de Estado do Vaticano.
A missão de Sua Eminência tem, também, um significado internacional. É sua intenção persuadir o Governo dos Estados Unidos a intervir na política mundial com o seu imenso prestígio, de forma a evitar a guerra.
A imprensa mundial tem mantido, em torno deste assunto, uma linha de conduta de reserva. Mas, enquanto as chancelarias observam com atenção o êxito que obterá o Cardeal Pacelli, as orações de todos os fiéis se erguem a Deus, pelo feliz desfecho da missão de Sua Eminência.
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“Legionário”, nº 216, 1/11/1936, p. 2
O Papa perante a esquerda e a direita
Merece nossa mais séria atenção o discurso proferido há dias pelo Santo Padre Pio XI, em que S. S. refutava os rumores de origem nazista, conforme os quais o Vaticano se mostraria mais empenhado em atacar o hitlerismo alemão do que o comunismo espanhol, por já não dispor hodiernamente, de forças para sustar a onda vermelha que ameaça a civilização.
Comunistas e direitistas conjurados para
contestar a Igreja
Há muito tempo, que notamos por parte de certas correntes uma atitude idêntica à do hitlerismo, com referência à Igreja. E isso não apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo.
Por mais inexplicável que isto nos pareça, comunistas e direitistas estão tacitamente conjurados entre si, no propósito de contestar a eficiência da Igreja na salvaguarda da civilização.
O marxismo nascente apontava a Igreja como tirana dos povos
Remontemos ao princípio. A partir de meados do século passado, quando foi publicado o famoso Manifesto de Karl Marx – que foi o ponto inicial de todo o movimento comunista –, a Igreja tem sido a bigorna sobre a qual se têm desferido, sucessivamente, os mais duros golpes das forças revolucionárias. Marx dizia que a religião é o ópio do povo, e que seria impossível levantar as massas contra a burguesia, enquanto vibrasse na alma popular o mais leve sentimento religioso. Todos os escritores mais representativos do comunismo têm desenvolvido longamente a mesma tese. E têm acabado por concluir que os obstáculos levantados pela Igreja ao comunismo são tais, que sua cabal destruição deve ser visada por quantos se empenham na destruição da família e da propriedade. Nem é por outra razão que os comunistas que se apoderaram da Rússia, em 1918, trataram de destruir radicalmente o espírito religioso do povo russo, atacando com particular virulência os templos católicos estabelecidos em território russo.
Na época em que tais ataques eram feitos à Igreja, isto é, há 20, 30 ou 50 anos atrás, eles eram de molde a apontá-la às massas como fautora de tirania, sem que isto lhe acarretasse o apoio da burguesia interessada em manter a Ordem social vigente. É que os preconceitos liberais de que estava eivada a burguesia a cegavam de tal maneira, que, embora seus próprios adversários lhe apontassem na Igreja a única tábua de salvação, lhe repugnava escapar à voragem, abrigando-se à sombra da Cruz e renunciando à dissolução sensual e à vida fácil que levava. Por esta razão, a Igreja só tinha a perder com a campanha que, contra ela, faziam os propagandistas revolucionários de todos os matizes. A Ordem era coisa odiada quase igualmente pela plebe revolucionária e pela burguesia liberal. Apontar a Igreja como baluarte da Ordem era, pois, votá-la a uma execração quase unânime.
Reviravolta na tática comunista, silenciando-se em relação à Igreja
Mas depois de 1918, os olhos se abriram à realidade, e a reação antiliberal começou a soprar em todas as esferas sociais. Estudantes, operários, pensadores, industriais, artistas, militares, todos começaram a compreender que era necessário romper de vez com os princípios do liberalismo e instaurar um movimento de reação, baseado em um sério amor à Ordem.
E, com isto, inúmeras simpatias começaram a se voltar para a Igreja, apontada pelos seus próprios adversários como o esteio de toda a civilização atual e a suprema ordenadora espiritual e moral da humanidade.
Compreenderam-no com admirável argúcia os comunistas. E, para evitar que o movimento de reação antiliberal beneficiasse a Igreja, cessaram bruscamente de apontá-la como fautora de tirania. Chegaram, mesmo, no refinamento farisaico de sua habilidade, a silenciar completamente sobre o catolicismo, como se ele fosse uma força desprezível, incapaz de obter o triunfo da civilização ocidental e a derrota cabal dos asseclas de Marx.
De 1918 para cá, essa mudança de tática dos comunistas em relação à Igreja se tem acentuado cada vez mais. Não podendo mais atirar-lhe a pecha, hoje gloriosa, de mantenedora da Ordem, pois que assim a apontariam à simpatia dos bem-intencionados, fingem desprezá-la.
E, no entanto, as estatísticas do mundo inteiro demonstram que o catolicismo se tem desenvolvido espantosamente em todos os países ocidentais e orientais e que, se no século passado e no início deste ↓2 poderia ser tido como perigoso pelos comunistas, ele constitui – do ponto de vista humano –, hoje em dia, um perigo mil vezes maior.
A despeito desta verdade, os comunistas continuam a silenciar sobre a Igreja, afetando desprezá-la. E lançam altos brados contra os partidos da direita, fascistas, hitleristas, integralistas, como sendo o mais real obstáculo à sua ação subversiva.
Sem o apoio da Igreja, vã seria a reação da direita
Lentamente vão se formando mal os espíritos, a respeito do assunto. E até entre católicos não é raro encontrar quem ache que, se a Igreja não se apoiar sobre as direitas, estará irremediavelmente perdida.
Os partidos da direita têm contribuído para reforçar esta impressão. Eles se apresentam como os únicos paladinos da civilização e incitam os católicos a apoiá-los, sob pena de perecerem irremissivelmente. Dir-se-ia que o catolicismo precisa, como escora, do fascismo, do hitlerismo, dos Croix de Feu3 para se salvar. Ou a Igreja se protege à sombra das direitas, ou o mundo desabará. Em mais de um setor da direita, o católico que não enverga camisa de cor partidária é tido como relapso, como judaizante, como maçonete.
O Santo Padre mostrou claramente que seria vã a reação das direitas, se não existisse no mundo a Igreja Católica, e que é ela, mais do que qualquer outra força contemporânea, que escora ainda a civilização atual contra as investidas de seus adversários.
Ação Católica, primeira obra de reação anticomunista
A primeira das obras de reação anticomunista deve ser, pois, a Ação Católica. Subsidiariamente, faça-se ação política. E deverá ser nítida e rigorosamente Católica, sempre que possível. E deverá ser apenas mitigadamente religiosa, quando não houver remédio.
E, a nosso ver, o Brasil está, não no segundo caso, mas no primeiro. Em um Estado onde há 20.000 Congregados Marianos, em uma Arquidiocese onde 150.000 pessoas estão inscritas em associações religiosas, será necessário que a Igreja se ampare à sombra de qualquer grupo? Ou será possível que os católicos se organizem independentemente de compromissos políticos, para cooperar com as correntes sinceramente (acentuamos o valor deste advérbio) anticomunistas, sem confundir-se ou deixar-se absorver por elas?
Pensamos que sim.
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“Legionário”, nº 216, 1/11/1936, pp. 1 e 2
7 dias em revista
Restaurante da Liga das Senhoras Católicas
Nossas calorosas felicitações ao Sr. Prefeito Municipal, pelo seu gesto de mandar construir para o restaurante da Liga das Senhoras Católicas, um pavilhão provisório, exatamente no local em que se ergueu, há meses, a famigerada “Caravela da Alegria”4.
É tal a benemerência do restaurante mantido por aquela ilustre associação que qualquer ato destinado a facilitar sua manutenção deve encontrar eco agradável no coração dos católicos.
É para nós um verdadeiro prazer, poder inserir nesta seção um elogio. Lendo os “7 dias em revista”, é possível que ocorra a algum assinante do “Legionário” a ideia de que somos verdadeiros dilettanti5 da crítica, que prazerosamente investigam na conduta alheia o que ela possa ter de censurável.
Só Deus sabe, no entanto, com que prazer aproveitamos as raras oportunidades que temos de fazer, a quem de direito, um justo elogio!
A propósito da eleição do Sr. Bispo de Taubaté
O Sr. Deputado Campos Vergal opôs-se a que a Câmara dos Deputados felicitasse S. Ex.cia Rev.ma, o Sr. Bispo de Taubaté, pela sua investidura à testa daquela Diocese.
Justificando o voto, o deputado espírita e socialista declarou que no Brasil, Igreja e Estado estão separados, e que, portanto, tais congratulações não podiam ser dirigidas por representantes do Estado a representantes do Poder Espiritual.
Esqueceu-se S. Ex.cia de que a Constituição de 1934 declara que a separação não prejudicará a cooperação em vista do interesse coletivo.
Se Igreja e Estado devem cooperar no interesse do Brasil, o que há de estranhável em que os dignitários de uma e de outra troquem entre si gentilezas próprias a gente bem-educada?
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Ainda sobre o mesmo assunto, discorreu o Sr. Deputado Alfredo Ellis que, aliás, discorre sobre todos os assuntos. Disse S. Ex.cia que votava contra as congratulações ao Ex.mo Rev.mo Sr. Bispo de Taubaté, porque se considerava eleito simultaneamente pelas legendas Liberdade e Justiça – que é laicista – e Partido Republicano Paulista. Ora, sendo a ideologia da 1ª destas legendas hostil a qualquer cooperação com a Igreja, S. Ex.cia se sentia na impossibilidade de dar sua aquiescência a uma moção que envolvia simpatias [para] com as autoridades eclesiásticas.
O programa do PRP que, como o do PC, tem afirmações religiosas, parece favorável a essa cooperação.
Logo, S. Ex.cia, eleito por duas legendas contraditórias, violou o compromisso assumido com a direção do PRP. Que providências tomou este contra o deputado relapso? Nenhuma.
Mas se se tratasse de indisciplina política, certamente já o Sr. Ellis estaria punido… Politique d’abord6…
Felizmente, porém, a quase unanimidade da Câmara aprovou a moção.
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“O Sr. Dr. Armando Salles de Oliveira, governador do Estado, por intermédio de seu ajudante de ordens, Sr. Capitão Affonso Pires Evangelista, fez-se representar ontem na sede do Circolo Italiano, na festa promovida pela colônia russa em benefício da Igreja Ortodoxa Russa.”
Ideia cavalheiresca e piedosa
Noticiam os jornais que a coroa da Virgem de Macarena, na Espanha, foi dada às tropas nacionalistas. Para substituir esse diadema de ouro, a Virgem foi coroada com um diadema de aço, feito com as balas extraídas aos feridos revolucionários.
É certo que a Nossa Senhora agradará mais o aço batizado com o sangue dos hodiernos mártires espanhóis, do que o mais valioso ouro do mundo.
A ideia dos revolucionários é cavalheiresca e piedosa. Enquanto ainda palpitar com tanta delicadeza e tanto heroísmo o coração fidalgo e católico da velha Espanha, serão impotentes as investidas dos asseclas do anticristo.
Catolicismo e comunismo se entredevoram
A Espanha está defendendo com abundante efusão de sangue a civilização católica.
A Áustria, em uma luta incruenta, mas não menos heroica, está defendendo a civilização católica com prodigiosos golpes de habilidade diplomática.
Os comunistas – estreitamente aliados, na Áustria, aos fascistas para derrubar o governo católico – não têm evitado os meios mais sinuosos, inclusive o suborno de certas altas autoridades.
Um telegrama de Viena nos informa que Karl Winter publicou um livro em que propõe uma aliança anti-hitlerista de cunho católico, que faça contra a Alemanha uma frente única abrangendo todas as tonalidades do pensamento, desde os monarquistas aos comunistas.
É isto um evidente despistamento, para dar a impressão de que a resistência antialemã é de fundo comunista.
Monarquia e comunismo são incompatíveis, catolicismo e comunismo se entredevoram.
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“Legionário”, nº 217, 8/11/1936, p. 2
Se o Brasil não quiser ser a China
O “Legionário” não é um órgão político. Por esta razão, ainda não lhe parece oportuno emitir conceitos sobre as diversas candidaturas que se vão delineando claramente na tela da política nacional.
Não podemos admitir um cristianismo diluído
Por enquanto, nenhuma destas candidaturas se definiu de modo preciso no que toca os princípios básicos da civilização católica no Brasil. Quando muito temos ouvido, uma ou outra vez, vagas afirmações cristãs, que absolutamente não nos bastam. Quando encaixada no vocabulário político, a palavra cristão é como os remédios de homeopatia, que admitem diversas dinamizações. Ora, nós católicos não admitimos um cristianismo dinamizado ou diluído. Só nos contentamos com o cristianismo total, isto é, só nos damos por satisfeitos quando nos falam positiva e claramente de catolicismo, e enquanto não aparecer uma candidatura que nos fale em alto e bom tom dos direitos da Igreja Católica, Apostólica e Romana, prometendo respeitá-los e apresentando garantias morais suficientes para nos persuadir que essas promessas não serão vãs, não descruzaremos os braços.
Como cidadãos, é certo, poderemos sentir nossas preferências por um ou por outro lado, mas como católicos só há um preço mediante o qual se possa obter nossa simpatia: é o respeito a nosso direito de consciência. É, pois, com um olhar de inteira neutralidade que assistimos por ora às manobras tendentes a consolidar as diversas candidaturas que vão surgindo.
Irredutível hostilidade perante os comunistas
Desde já, porém, devemos declarar, que, acima dos interesses pessoais e mesquinhos ligados à questão da sucessão presidencial, todos os brasileiros devem colocar três questões fundamentais, cuja solução não poderá e não deverá ser prejudicada pelas lutas políticas, por mais violentas que venham a ser. Passemos a examinar essas três questões:
Em primeiro lugar, é necessário que os dirigentes de todas as forças políticas anticomunistas não se esqueçam de que a Pátria espera delas um combate sem tréguas aos inimigos da Civilização.
Não somos da opinião de que as forças anticomunistas se devam fundir em uma agremiação única, para dar combate à hidra vermelha. Um partido que abrangesse simultaneamente católicos e protestantes, liberais e integralistas, monarquistas e republicanos, seria politicamente um monstro. Só cérebros primários poderiam conceber a possibilidade de se constituir um tal agrupamento.
No entretanto, convém que liberais, integralistas, monarquistas, republicanos, etc., não se esqueçam de que a Pátria espera de todos eles uma irredutível hostilidade perante os comunistas.
A opinião pública deverá fulminar com um violento anátema a corrente que, para granjear adeptos, se atreva a flirtar7 com a esquerda, no momento entre todos grave, em que o Tribunal Especial vai condenar os inimigos da Nação.
A uma tal corrente, aos seus parlamentares, seus leaders, seu candidato, os católicos não deveriam dar um único minuto de trégua ou de quartel: em tempo de guerra, os soldados fiéis atiram sem vacilação contra os desertores que se passam para as linhas inimigas.
Imperiosa necessidade de se manter a unidade nacional
Outra coisa que deverá ser poupada na luta política, é a unidade nacional. Consideramos simplesmente vergonhoso que certos jornais procurem transformar a luta pela sucessão presidencial em uma vil corrida dos Estados mais fortes, para conquista do poder. A eventual luta entre algum candidato mineiro, com algum gaúcho ou algum paulista não pode ser transformada em luta de Minas contra São Paulo ou o Rio Grande do Sul, porque se, de quatro em quatro anos, Minas, São Paulo e o Rio Grande lutarem entre si como lutariam pequenas nações independentes, dentro de cinquenta anos não haverá mais Brasil.
E é preciso que os sonhadores e os tolos não se iludam a respeito do seguinte: no dia em que o Brasil se fracionasse em duas ou três Repúblicas independentes, uma delas cairia na mão dos ingleses, outra na dos americanos e parte da outra na dos alemães e japoneses. Independente só ficaria, na melhor das hipóteses, São Paulo, a quem restaria o destino inglório de viver trêmulo e humilhado entre povos escravos, em vez de viver altivo e tranquilo em um povo de irmãos.
Salvaguardar a paz
Finalmente, a terceira coisa que é preciso salvaguardar é a paz.
Os telegramas do sul nos falam em certos rumores de que alguém estaria armando tropas para resolver a seu modo a questão da sucessão presidencial.
Ora, saiba-o algum caudilho que esteja às ocultas afiando a sua faca, o recurso às armas é, no momento atual, um destes crimes que não tem absolvição no Tribunal do patriotismo.
Não queremos entrar, aqui, em discussões doutrinárias sobre o direito de revolução. Basta-nos afirmar que, na dura quadra em que vivemos, deflagrar a guerra civil é um crime de que só algum Calabar8 não se envergonhará.
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Se os brasileiros souberem manter incólumes estes três grandes princípios que devem nortear sua atividade política, o Brasil poderá enfrentar a tormenta.
Mas se a ambição de politiqueiros vulgares arrastar nos conflitos a paz nacional, a unidade da pátria ou a estabilidade da propriedade e da família, o Brasil só terá um destino diante de si: o da China.
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“Legionário”, nº 217, 8/11/1936, pp. 1 e 2
7 dias em revista
Indolência dos filhos da luz
A Confederação Geral do Trabalho, da Argentina, tem mandado abundantes porções de carne congelada aos governistas espanhóis. O total das rações enviadas atinge o imponente número de duzentas mil.
Enquanto os esquerdistas fazem isso por seus correligionários, o que fazemos, os anticomunistas, pelos que se imolam pela civilização católica?
Filhos da Luz! Filhos da Luz! O que fazeis enquanto lutam os filhos das trevas?
Alguns nunca acreditam na culpa dos esquerdistas
Logo que foi fundada no Chile a Frente Popular, denunciamos os perigos que a nova organização haveria de trazer para a ordem social9.
Os telegramas recentemente vindos daquela República nos mostram à saciedade que tínhamos razão. Violentos incidentes verificados em Santiago, entre nazistas e membros da Frente Popular, acabam de ensanguentar a capital chilena.
Como sempre soe acontecer, as agências telegráficas afirmam de pés juntos que a culpa é dos nazistas.
Para certa gente, os da esquerda nunca têm culpa.
Uma profecia, falsos pastores
O Tribunal Especial continua a se deixar absorver por medidas administrativas e preocupações tabeliosas. O urgentíssimo julgamento dos criminosos de Novembro vai com isto sendo retardado.
Nós, porém, não dormimos. E, por esta razão, vamos fazer uma profecia.
Quando o julgamento começar, vão pulular falsos pregoeiros de uma política de tolerância. Dirão que é contraproducente qualquer rigor para com os comunistas. Dirão ainda que é errôneo dar mártires aos nossos adversários. Chegarão mesmo à sandice de afirmar que, se o cristianismo venceu os Césares, deve sua vitória ao erro dos Imperadores que povoaram a Igreja gloriosa de inúmeros mártires.
São os falsos pastores, que dizem querer guiar o rebanho quando, na realidade, querem levá-lo ao abismo.
E estes falsos pastores não faltarão.
“Livrai-nos, Senhor”
A Biblioteca do Estado está em mãos de protestantes. Seu diretor, o pastor Othoniel Motta, realizou uma sessão solene na Biblioteca, abrilhantada com a presença e a cooperação literária dos Srs. Salomão Ferraz e Manoel Carlos, também ambos protestantes.
Compreende-se, à vista disto, o que significa a engenhosa fórmula de “recristianizar o Brasil”, de que tanta gente se serve.
Realmente, consideradas as coisas sob um ponto de vista leigo, tanto recristianizam o Brasil os católicos, quanto os protestantes.
E, portanto, a Biblioteca do Estado está sendo recristianizada.
Seria o caso de dizer como a ladainha das rogações: “De tal recristianização, livrai-nos, Senhor.”
São Pedro não se curva diante do deus Mamon
Em nosso último número, trouxemos uma larga notícia sobre as verdadeiras finalidades da visita de S. E. o Cardeal Secretário de Estado do Vaticano aos Estados Unidos10.
Um telegrama anuncia, agora, que a única finalidade da visita de Sua Eminência à grande república da América do Norte teria sido o restabelecimento das relações diplomáticas com a Santa Sé.
É preciso que ninguém se iluda a respeito da perfídia contida em tal notícia. Nunca dos nuncas, a Santa Sé iria mandar aos Estados Unidos o mais graduado dos seus Cardeais a mendigar relações diplomáticas com os yankees. S. Pedro não se curva diante do deus Mamon.
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Um telegrama de Itapetininga nos informa que se iniciou o ensino religioso na Escola Normal da cidade, solicitado pela quase totalidade dos seus alunos.
O fato dispensa comentários a tal ponto é eloquente.
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“Legionário”, nº 217, 8/11/1936, p. 1
Em visita ao “Legionário”,
esteve em nossa redação o
Ex.mo Sr. Bispo-Auxiliar de São Paulo
Constituiu agradável surpresa para os redatores do “Legionário” a inesperada visita que lhes fez, no dia 4 p.p., S. Ex.cia Rev.ma, o Sr. Dom José Gaspar de Affonseca e Silva, Bispo-Auxiliar do Sr. Arcebispo de São Paulo.
Às 20 horas, S. Ex.cia Rev.ma recebeu, na Casa Paroquial de Santa Cecília, o diretor e alguns redatores desta folha, mantendo com eles e com o Rev.mo Pe. Luiz Gonzaga de Almeida, uma longa conferência, em que foram detidamente examinados os principais aspectos da atividade redatorial e econômica do “Legionário”.
Depois de ter tido palavras de franca aprovação à orientação que temos observado, e às atividades que o “Legionário” está desenvolvendo, S. Ex.cia Rev.ma dirigiu-se, em companhia dos presentes, à nossa redação, onde chegou às 21 e meia horas.
Exatamente a esta hora, os trabalhos tinham atingido, na redação, o máximo de sua intensidade. Ao todo, eram vinte e cinco os redatores e auxiliares que ali se encontravam. Nenhum deles tinha sido prevenido da visita de S. Ex.cia Rev.ma, a quem o “Legionário” quis dar a oportunidade de examinar ao vivo nossos trabalhos, sem que qualquer solenidade ou apresto especial prejudicasse a precisão das observações que S. Ex.cia Rev.ma iria fazer.
Festivamente recebido pelos presentes, o Ex.mo Rev.mo Sr. Bispo-Auxiliar teve para com todos palavras de estímulo e de bondade. Em vibrante alocução que lhes dirigiu, exaltou a obra que estavam realizando com o tempo roubado aos prazeres e ao repouso. Reafirmou sua inteira simpatia ao “Legionário”, cujo futuro lhe inspira ampla confiança, e incitou a todos os presentes, a que se devotassem irrestritamente à luta pela causa da Imprensa Católica. Finalmente, invocou sobre eles as bênçãos de Deus.
Uma calorosa salva de palmas respondeu às palavras do Sr. Bispo-Auxiliar.
Em seguida, os serviços atinentes à redação mereceram especial atenção do ilustre visitante. O diretor lhe expôs a distribuição dos trabalhos em cada uma das secções da redação. Vivamente interessado, o Ex.mo Rev.mo Sr. Bispo-Auxiliar acompanhou a exposição com frequentes e oportunas sugestões sobre nosso trabalho redatorial. Deteve-se ainda o Sr. Bispo-Auxiliar em palestra com os presentes, por algum tempo, retirando-se depois, acompanhado pelo Rev.mo Vigário de Santa Cecília, pelo diretor do “Legionário”, pelo presidente da Congregação Mariana, pelo diretor-gerente, e por nosso cronista internacional, até à porta da Congregação.
Em companhia de S. Excelência Rev.ma, também visitaram nossa redação, o Rev. mo Sr. Pe. João Pavesio, secretário-geral da Obra das Vocações da Arquidiocese, e o Rev. mo Pe. Paulo Loureiro, secretário do Sr. Bispo-Auxiliar, velhos e dedicados amigos do “Legionário”, cuja visita nos causou o maior prazer.
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“Legionário”, nº 218, 15/11/1936, p. 2
O discurso de Quitaúna
No discurso que proferiu perante a guarnição de Quitaúna, o Governador do Estado, em nome do Poder civil, estendeu a mão, num gesto largo, às Forças Armadas, para inaugurar entre ambas um regime de cooperação leal e decidida.
Aplausos ao discurso do governador
Aprovamos com prazer a atitude do governador paulista.
Mais de uma vez, temos sido forçados a dissentir do Sr. Armando Salles de Oliveira, nestas colunas. É que absolutamente não somos situacionistas. E, por isso, não temos a visão perturbada por qualquer incondicionalismo político. No entanto, também não somos oposicionistas. E por isto, não sentimos a menor relutância em elogiar e apoiar as atitudes governamentais que mereçam nosso aplauso. Somos católicos e exclusivamente católicos. Por isto, não temos compromissos partidários. E reivindicamos ciosamente, para nós, a liberdade de apoiar as iniciativas boas e hostilizar as más, procedam elas de onde procederem. E, examinando com imparcialidade o discurso do Sr. Armando Salles de Oliveira à guarnição de Quitaúna, devemos declarar francamente que ele merece nosso aplauso.
O mal-estar reinante na Primeira República entre o Poder civil e as Forças Armadas, foi um dos fatores mais ativos das revoluções de 1922, de 1924 e de 1930. Na Segunda República, os comunistas têm sabido explorar habilmente a recíproca incompreensão reinante entre civis e militares. E daí nasceu, em grande parte, a bernarda criminosa de novembro de 1935.
Quais são as causas dessa incompreensão? O Sr. Armando Salles de Oliveira, no seu discurso, aponta as duas principais. Em primeiro lugar, o isolamento do militar na sociedade brasileira; em segundo lugar, a infiltração no Exército, de ideologias incompatíveis com o espírito militar e com a civilização cristã.
“O Exército vive, no Brasil, à margem da Nação”
O isolamento do militar na sociedade brasileira é, em parte, fruto da mentalidade burguesa com que as altas esferas econômicas e sociais consideram as Forças Armadas.
Tome-se um negociante, um agricultor, um industrial, um capitalista, e pergunte-se-lhe qual sua opinião sobre a posição que o Exército deve ocupar na Nação. A primeira impressão que sua fisionomia deixará trair é a de espanto e embaraço. Espanto, porque é chamado a pronunciar-se sobre uma questão pela qual, no círculo de suas relações, ninguém mostra interesse. Embaraço, porque lhe faltam inteiramente os elementos necessários para formar um juízo sobre o assunto.
Depois de titubear por algum tempo, nosso burguês responderá com alguma fórmula vaga: “Compete ao Exército – dirá ele, por exemplo – derramar seu sangue pela Pátria em caso de guerra externa; e, em tempo de paz, deve ele conservar-se na caserna, pronto a defender as instituições, quando seja solicitado para isto pela autoridade civil.”
Nesta resposta vaga e desconexa, só se nota uma convicção precisa: o militar tem por habitat costumeiro a caserna. Dela só deve sair para morrer pela Pátria ou pelas instituições. É uma espécie de cão de guarda, cuja toca só é aberta pelo dono, quando quer lançá-lo contra algum ladrão.
A este estado de espírito corresponde uma realidade flagrante: frequentem-se no Brasil os círculos sociais mais seletos, as rodas intelectuais mais escolhidas, os círculos artísticos mais apurados. Quantos militares se encontrarão aí? Pouquíssimos. O Exército, no Brasil, vive à margem da Nação.
A alta burguesia não se limita a afastar de si as Classes Armadas. Ela se opõe, também, a que seus filhos abracem a carreira militar.
Percorram-se os registros de matrícula da Escola Militar ou da Escola Naval. Na lista interminável dos alunos, quantos encontraremos, que pertençam à nossa alta burguesia? Pouquíssimos. Principalmente no Exército, a penúria de tais elementos é extrema. E com isto, fica a carreira militar franqueada, não raramente, a aventureiros sem eira nem beira, que vão prejudicar os bons elementos com que conta o Exército Nacional.
Erros do espírito tenentista
A este estado de espírito injusto e estúpido corresponde, nas fileiras militares, uma mentalidade não menos injusta e nem menos estúpida.
É a esta mentalidade que se convencionou chamar tenentismo. O que é o tenentismo? O tenente, isto é, o militar de qualquer grau hierárquico, em que domina a malfadada mentalidade que tanto fez sofrer o País há anos atrás, despreza o civil. Para ele, o homem que não veste farda é apenas um semi-homem. O bacharel é apenas um fátuo, de espírito versátil, de cultura extensa talvez, mas inteiramente anulada pela preocupação das questões bizantinas. De energia, de capacidade de realização, não tem um ceitil11. De homem só tem as calças.
Compreende-se facilmente que este estado de espírito agrava profundamente a desinteligência entre civis e militares.
O militar tenentista só vê para o Brasil um rumo certo: os tenentistas devem conquistar o Poder e devem salvar a Nação. Enquanto isto não se dá, as horas se consomem na caserna, a excogitar panaceias12 com que se remedeiem a todos os nossos perigos nacionais.
Duas circunstâncias psicológicas completam este funesto estado de espírito. A primeira é uma confiança inabalável, própria a espíritos primários, no valor de todas as panaceias excogitadas. Nas esferas da mentalidade tenentista, não há um único militar que não esteja absolutamente certo de que inventou a mezinha13 política capaz de salvar a Pátria. A outra circunstância é o facciosismo feroz dos que têm o espírito tenentista. Os seus irmãos de armas, seja qual for sua posição hierárquica ou seu valor intelectual, são incluídos por eles na vil categoria dos civis, desde que não partilhem de sua mentalidade.
Como a Arca de Noé, a sabedoria tenentista flutua sobre o pélago14 da ignorância e da cupidez brasileiras: fora dela, não há salvação.
Oportuna aproximação entre civis e militares
Com a habilidade macia que o caracteriza, o Sr. Armando Salles de Oliveira procura remediar este mal. Para isto, apregoa a reintegração dos militares em nosso meio social.
Tem razão o Governador do Estado. É necessário que o militar brasileiro, como o militar francês, alemão, inglês ou norte-americano, esteja integrado na élite da Nação.
Em toda Europa, a fina-flor da aristocracia se gloria de dar às forças armadas os seus mais aproveitáveis rebentos. Não há razão, pois, para que a provincianíssima burguesia brasileira assuma para com a carreira das armas, uma atitude de mofa e desdém.
Por outro lado, em toda Europa os militares do maior valor e do mais alto prestígio junto à opinião pública, respeitam nos detentores da autoridade civil a própria dignidade da nação. Não há, pois, o menor motivo para que os nossos tenentinhos queiram arcar com responsabilidades políticas que um Foch, um Joffre, um Pershing, julgaram incompatíveis com as dragonas do militar.
Feita a reeducação do espírito civil e militar segundo as normas apontadas, a aproximação dos civis e militares produzirá os resultados esperados pelo Sr. Armando Salles de Oliveira.
É remédio lento, dirão muitos. Mas, em política, os remédios melhores são os que atuam lentamente.
A estes remédios, fazemos votos para que o Sr. Governador acrescente mais um, a que vagamente aludiu em seu discurso: a influência religiosa.
Se ela é necessária, porque não se regulamenta quanto antes a assistência religiosa facultada pela Constituição às Classes Armadas?
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“Legionário”, nº 218, 15/11/1936, pp. 1 e 3
7 dias em revista
Gestos que dignificam o Brasil
Quando já tínhamos encerrado o noticiário de nossa última edição, chegou ao nosso conhecimento que a Fábrica Sudan ofereceu um milhão e meio de cigarros aos nacionalistas espanhóis.
Não nos consta que, de terras brasileiras, tenha partido qualquer outro auxílio material aos heróis da Ibéria. A coragem com que a Fábrica Sudan rompeu a inércia geral que existe em nossos meios, merece o mais franco elogio.
Gestos como estes dignificam o Brasil.
No entanto, a imprensa diária de São Paulo noticiou este fato sem os comentários encomiásticos que ele merece. Geralmente tão pródiga de elogios para com todos os que contribuem para a construção ou manutenção de instituições de beneficência, nossa imprensa foi ultra lacônica para com o belo gesto da Fábrica Sudan. Por quê?
Reflitam um pouco, sobre isto, os nossos leitores. Há muita filosofia à margem deste fato, aparentemente pequeno.
O exemplo da imprensa católica britânica
Enquanto a imprensa chamada neutra tem este procedimento, a imprensa católica do mundo inteiro acompanha com fervoroso entusiasmo os progressos da revolução.
Os leitores do jornal católico inglês “The Universe” angariaram uma apreciável soma de dinheiro, para mandar ao Gen. Cabanellas15 uma ambulância para servir aos feridos nacionalistas.
Se no Brasil já tivéssemos um grande órgão católico, também ele poderia suscitar entre seus leitores um movimento de opinião… e de dinheiro capaz de auxiliar os rebeldes espanhóis. Mas este grande órgão não existe.
Por que não existe este grande órgão? Eis aí outra pergunta, a desafiar o zelo e a argúcia de nossos leitores.
Inércias e silêncios comprometedores
Na Câmara dos Deputados, o Sr. Adalberto Corrêa foi o único orador a manifestar seu júbilo pela entrada das tropas revolucionárias em Madrid.
Quando o Sr. Armando Salles de Oliveira pronunciou o seu já famoso discurso em São José do Rio Pardo, inúmeros parlamentares liberal-democráticos telegrafaram ao Chefe de Governo Paulista, hipotecando sua solidariedade pelos conceitos emitidos por S. Ex.cia contra o comunismo e as ditaduras da direita.
Dentre todos estes parlamentares que fizeram profissão de fé anticomunista, nenhum se levantou para celebrar no Parlamento brasileiro a derrota dos marxistas espanhóis. Foi necessário que, fora das fileiras situacionistas, fora das bancadas que apoiam o Governo vigente, se levantasse uma voz para festejar este triunfo da civilização.
Tomem bem nota do seguinte, os srs. deputados situacionistas: é com silêncios como estes, com inércias deste gênero, que eles se comprometem irremediavelmente perante a opinião pública.
Não é só com aplausos protocolares ao discurso de São José do Rio Pardo, que se combate o comunismo. A Nação espera alguma coisa mais.
A recristianização do Brasil: fórmula vaga
Em nossas últimas notas, temos insistido vivamente sobre a vacuidade da fórmula corrente, de recristianização do Brasil.
É possível que esta fórmula seja, frequentemente, empregada com boas intenções. Isto não impede, porém, que ela seja muito larga. E tão larga mesmo, que nem sequer suscita a hostilidade dos mais decididos inimigos da Igreja.
Uma prova curiosa disto está na declaração encomiástica do Gen. Moreira Guimarães – Grão-Mestre da Maçonaria brasileira – a respeito do discurso de São José do Rio Pardo, que qualificou de “obra valiosa e penetrante”.
Mais de uma vez, o Sr. Armando Salles de Oliveira se refere, em dito discurso, à recristianização do Brasil.
Essa expressão em nada inquieta o grão-mestre da maçonaria, pelo simplíssimo motivo de que há certas lojas maçônicas que, conquanto tramem no segredo das arrière-loges a luta pelo ateísmo, se dizem, no entanto, oficialmente cristãs.
E até exigem, às vezes que todos os seus membros façam profissão de fé cristã (católica, protestante ou cismática) antes de serem aceites.
Missa na residência presidencial
Um telegrama do Rio nos informa que, por intenção da Ex.ma Sr.a D. Cândida Vargas, progenitora do Sr. Presidente da República, foi celebrada uma missa na Capela particular do Palácio Guanabara.
Parece-nos que o público, em geral, ignora a existência de tal Capela. Foi ela instalada dentro do próprio Palácio, pela piedosíssima Princesa Isabel, para quem o Guanabara fora construído.
A República laicista fez tal silêncio sobre esta Capela, que o público chegou a esquecer-se dela. Ao que nos conste, o Sr. Getúlio Vargas é o primeiro Chefe da Nação que, depois de 1889, manda rezar uma Missa na sua residência oficial.
Aliás, o Brasil não é a única república laica em que se celebram Missas na residência presidencial. O Presidente da França que assinou a famosa lei das Congregações, Loubet, antes disto, ouvia todos os domingos uma Missa no próprio palácio dos Champs Elysées. E, se não nos falha a memória, o Sr. Alcalá-Zamora também fazia o mesmo no palácio presidencial de Madrid.
Na Alemanha como no Brasil, jogo contra os católicos
Na Alemanha, diversos sacerdotes católicos vão ser processados por crime de conspiração contra o Estado e conivência com os comunistas.
Não nos espanta que Hitler acuse os sacerdotes católicos de se ligarem aos comunistas. Esta insinuação faz parte do plano já denunciado pelo Santo Padre, de persuadir a opinião pública [de] que a Igreja não constitui o menor obstáculo à defesa da civilização contra o comunismo.
Embora de forma vaga e hábil, também no Brasil há quem faça o mesmo jogo contra os católicos.
Para percebê-lo, basta prestar um pouco de atenção a certos fatos.
Hitler transforma o sonho dos israelitas em realidade
Era um velho sonho dos israelitas poderem conseguir a reunião, na Palestina, de todos os membros dispersos do antigo povo eleito.
Hitler está se encarregando de transformar este sonho em realidade.
Conforme uma estatística que o telégrafo nos comunicou de Berlim, havia 161.000 judeus praticantes da religião semítica e residentes em Berlim. Hoje, segundo as mais recentes estatísticas, este número está reduzido a 90.000.
Onde foram os restantes… 70.000? A maioria foi à Palestina, onde está se reconstituindo a nação judaica. Os demais foram disseminados por diversos países, entre os quais o Brasil.
Enquanto Hitler repovoa assim a Palestina com os descendentes de seus antigos habitantes, a diplomacia da Santa Sé trata de enfrentar um gravíssimo perigo daí decorrente: a ocupação dos Lugares Sagrados por inimigos do cristianismo.
Marxistas espanhóis aprendem aviação na França
No dia 6 p.p., chegaram ao aeroporto de “Le Bourget” 50 jovens espanhóis que foram estudar aviação na França, a pedido do governo de Madrid.
Assim, é na França que os aviadores marxistas aprendem a atirar bombas sobre os exércitos da civilização.
E isto se faz com o beneplácito do Sr. Blum, um dos arautos da não-intervenção na Espanha!
Medida contra a infiltração esquerdista em nossas Forças Armadas
Passou quase despercebida uma importantíssima e oportuníssima resolução do Congresso de Secretários da Justiça e Chefes de Polícia, recentemente reunidos no Rio: d’ora avante, as autoridades incumbidas do alistamento dos sorteados para o serviço militar deverão tomar as mais rigorosas cautelas, de comum acordo com a polícia, para evitar a infiltração de esquerdistas em nossas Forças Armadas.
Nosso aplauso.
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“Legionário”, nº 218, 15/11/1936, p. 1
Foi recebido com satisfação pela AJC
o pedido de filiação do “Legionário”
Em resposta à carta em que o “Legionário” solicitou sua filiação à AJC16, recebemos do respetivo presidente, Dr. Castellar Padia, o seguinte ofício:
“São Paulo, 9 de Novembro de 1936
“Ilmo. Sr.
“Dr. Plinio Corrêa de Oliveira
“DD. Diretor do ‘Legionário’
“Capital.
“Atenciosas saudações
“Cumpre-me comunicar o recebimento de seu ofício, em que V. S.a solicita a filiação do ‘Legionário’ à AJC.
“Desobrigando-me com prazer deste encargo, transmito-lhe as expressivas manifestações de simpatia cordial que, oriundas de todos os corações da AJC, receberam a adesão do brilhante ‘Semanário’ por V. S.a dirigido.
“Em meio dos 150 jornais e revistas filiados que prestigiam a AJC, dentre estes alguns diários, desejo hoje destacar o ‘Legionário’.
“Neste meu gesto, vai todo um preito de homenagem para o qual me impele e me prende, pelos seus merecimentos, a justiça e a admiração.
“Escolhendo o ‘Legionário’ a data de 7 deste [mês], para sua filiação, observei ter também prestado homenagem à mesma data, aniversário de quem, prendendo-se à sua história, prende-se também às atividades contemporâneas da AJC e, mais ainda, às pessoas e corações de seus associados: D. Paulo Marcondes Pedrosa.
“Tenho a certeza de que pelas colunas do ‘Legionário’, dentre as penas brilhantes que o integram e das quais destaco a de V. S.a, encontrará a AJC margem bastante na defesa do seu programa e atividades.
“Sou sempre reiteradamente grato às provas de estima de V. S.a e dos demais membros do ‘Legionário’, que, imerecidamente me dispensam e muito me enobrecem.
“E, com os meus reiterados agradecimentos, expresso-lhe as saudações calorosas da AJC, e a todos os que obedecem à brilhante orientação de V. S.a.
“Atentamente,
“Castellar Padia – Presidente”
* * *
Discurso pronunciado no Colégio Arquidiocesano, em 22/11/1936, e publicado na revista “Echos”, nº 29, de 1936, pp. 88-9217
Discurso do Sr. Plinio Corrêa de Oliveira
(Paraninfo)
Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Arcebispo Metropolitano,
Reverendíssimo Irmão Reitor,
Reverendíssimo Senhor Inspetor,
Reverendíssimos Senhores Sacerdotes,
Minhas Senhoras,
Meus Senhores.
Permiti que esta oração, que nasceu do âmago de meu coração e contém o mais sincero de meus sentimentos, seja dirigida, em nome da gloriosa mocidade católica que tenho a honra de representar nesta solenidade, aos meus jovens amigos, os bacharelandos do Colégio Arquidiocesano de 1936 (palmas).
Venho pleitear a causa da Fé diante do Brasil de amanhã
Quando recebi o honroso convite a que devo minha presença nesta tribuna não tive um único momento de ilusão sobre os verdadeiros motivos que determinaram a escolha de meu nome.
De há muito, a ilimitada generosidade dos que comungam comigo na mesma Fé, me habituou a ser o alvo imerecido de homenagens que, depositadas nas minhas mãos, se dirigem não a mim, que delas não sou digno, mas à imensa e gloriosa legião de meus companheiros de luta.
Atentai para as nações europeias que, logo após as lutas dramáticas da Guerra Mundial, quiseram imortalizar a memória dos heróis que as defenderam no campo de batalha. Poucos são os monumentos que elas erigiram a seus grandes cabos de guerra, aos Foch, aos Hindenburg, aos Pétain ou aos Ludendorff. Em geral, preferiram escolher um soldado anônimo entre os milhares de soldados tombados em combate, e concentrar sobre este anônimo todas as homenagens, toda a gratidão, toda a glória conquistada por aqueles que, juntamente com ele, ombro a ombro, regaram o chão das trincheiras com o seu próprio sangue.
Não foi outro, o pensamento com que, em 1933, vinte e quatro mil católicos de São Paulo, elegendo-me deputado à Constituinte Nacional, me destacaram das fileiras de meus irmãos de luta, congregado anônimo, para me incumbirem da defesa de sua Fé. A mocidade mariana, é a primeira linha, a tropa de choque, a legião de assalto da milícia católica. A ela, pois, incumbia naturalmente o nobre encargo de representar e defender o Brasil católico na Assembleia augusta em que se iam traçar os destinos do Brasil. Mas sobre quem, entre os milicianos de Maria, deveria recair a honrosa delegação? São Paulo resolveu a questão com o acerto e a delicadeza de sentimentos que distinguem o brasileiro. Não sobre os destacados chefes do luzido Estado Maior deveria recair a escolha: ela poderia parecer mera distinção conferida às qualidades pessoais de quem merecesse a preferência. Convinha que, para homenagear as legiões azuis dos soldados de Maria, a eleição recaísse sobre um miliciano obscuro que, novo soldado desconhecido, não tivesse outra credencial senão a fita azul e o entusiasmo ardente que caracterizam todos os Congregados Marianos. Daí a minha escolha.
Ao paraninfar os bacharelandos de hoje, sinto que se renova para mim a situação de 1934. É que eu fora, então, incumbido de advogar perante os representantes do Brasil de hoje, a causa da Fé. E agora, posso dizê-lo sem exagero, venho pleitear a mesma causa perante o Brasil de amanhã. Não é mais à Assembleia Constituinte que devo falar em nome de meus companheiros de luta, mas é a um pugilo de moços de minha Terra que me devo dirigir. E são os moços como estes que hoje saem dos cursos ginasiais, os que vão traçar os rumos do Brasil. Em 1934, falei aos que construíram o Brasil de hoje. Em 1936, falo aos que construirão o Brasil de amanhã.
Convite ao “bom combate”
As gerações que precederam a esta que hoje ingressa na vida, estão divididas em campos antagônicos. Uma imensa divergência intelectual separa seus expoentes mais representativos. Do alto das cátedras universitárias e das tribunas parlamentares, através das colunas dos jornais ou das páginas dos livros, pela palavra ampliada ao microfone ou abafada no segredo das confabulações políticas, procuram os professores, os escritores e os estadistas do presente traçar os rumos por onde querem guiar o Brasil.
Não se iludam, porém, os pregadores de ideologias boas ou más, construtoras ou demolidoras: sua doutrinação só será fecunda, na medida em que ela penetrar no espírito e no coração das gerações novas. A estas é que pertence o futuro. Para onde ela se orientar, orientar-se-á o Brasil de amanhã. Os pregadores de doutrinas não são, hoje em dia, senão meros advogados de causas santas ou de causas fraudulentas. À nova geração é que incumbe a augusta função de juiz.
É, pois, supérfluo que vos diga com que imenso ardor desejei falar à mocidade que hoje festeja sua primeira vitória na vida. Visando-a, não quero apenas atingir os quarenta adolescentes cheios de vida e cheios de ideal que aqui se encontram. Meu alvo é maior. É à mocidade de minha Terra que falo. Receba ela a minha palavra como a mensagem de vinte mil moços paulistas, que convidam para o “bom combate”18 os seus irmãos, no dia em que estes pisam pela primeira vez a grande liça da vida.
“Onde procurávamos diretrizes, só encontrávamos gentilezas”
Meus jovens amigos.
Há onze anos, precisamente, quase dia por dia e hora por hora, eu me encontrava na situação em que hoje vos achais. Concluía os meus estudos ginasiais e tinha abertas diante de mim as portas de cursos superiores. Nos discursos dos paraninfos que os jornais publicavam, nos comentários dos meus colegas, nos cumprimentos de meus amigos, ecoava essa grande e justa alegria de quem vence uma etapa na vida e repousa por um momento sobre os louros legitimamente conquistados, antes de encetar nova caminhada. Incessantemente, se me dizia que minha vida passava por uma fase feliz que era como um laço de ouro, reunindo uma infância risonha e saudosa, a uma mocidade cheia de prazer e, talvez… a uma idade adulta cumulada de honras e de glória.
E, no entanto, no meio de tanta alegria, eu me sentia interiormente devastado por uma grande angústia, feita de nostalgia e de apreensões. As felicitações que minha geração recebia, os prognósticos felizes com que a presenteavam, as perspectivas risonhas que lhe eram apontadas, me pareciam de um oco e cruel formalismo à vista do drama que eu sofria no isolamento de minha vida interior. Eu sentia que a geração que nos tinha educado, faltara lamentavelmente à missão para conosco. Onde procurávamos diretrizes, só encontrávamos gentilezas. Onde procurávamos conselhos, só ouvíamos frases gastas pela banalidade e repetidas sem convicção.
Não quero que alguém dentre vós me faça a censura muda, mas amarga, com que minha geração condenou a maior parte dos paraninfos e conselheiros que teve.
“Vós me escolhestes para ser o cavalheiro experimentado”
Disse o eloquente orador que em vosso nome discursou há pouco19, que vós me escolhestes para ser o cavalheiro experimentado na luta da vida, que vos arme a vós também, guerreiros da vida. Esperais, pois, que eu seja para vós outra coisa que não um cicerone amável e insincero que vos mostre todos os encantos da vida, escondendo as agruras e os percalços que nela encontrareis.
Não vos direi, portanto, as gentilezas convencionais ou as promessas falaciosas que já se tornaram de estilo em circunstâncias como esta.
O que ouvireis de mim e por meu intermédio, da mocidade mariana de São Paulo, é uma palavra franca até à rudeza, mas sinceramente amiga. Mentiríamos perante Deus, perante vós e perante nós, se vos apresentássemos essa vida como uma sucessão de triunfos fáceis e de acontecimentos felizes. Trazemos na alma as cicatrizes dos grandes combates que travamos. Como um hino marcial, sentimos vibrar, a todos os instantes, em nossos corações o chamado divino que nos convoca para a grande batalha. Concebemos a vida, não como um festim, mas como uma luta. Nosso destino deve ser de heróis e não de sibaritas. É esta verdade sobre a qual mil vezes meditamos, que hoje vos venho repetir.
Qual é a angústia que sobre os meus companheiros de turma e sobre mim baixava como um crepúsculo cheio de dúvidas, exatamente na fase de nossa vida que a literatice dos discursos oficiais convencionara chamar de aurora radiosa?
Esta angústia era, na sua expressão mais aguda e mais cruel, a grande crise da adolescência, que constitui um dos fenômenos mais importantes da História da civilização contemporânea.
No lar e no colégio, a infância transcorre sob a égide de Cristo
Pouco têm escrito sobre ela os sociólogos e os historiadores. Não importa. Tratemos de analisar esta crise, de lhe apontar as origens, de lhe investigar os efeitos e chegaremos à conclusão de que nela se encontra uma das causas mais ativas da grande catástrofe do mundo contemporâneo.
A crise da adolescência é, em via de regra, o fato culminante daquilo a que se poderia chamar a história interior de toda a humanidade, nos últimos cem anos. É na diferença das atitudes tomadas por nós e nossos avós perante esta crise que se encontra, em grande parte, o segredo da radical oposição entre o século XIX e o século XX, na filosofia, na sociologia, na política, na literatura e nas artes.
Nos cento e poucos anos que medeiam entre a queda de Napoleão e os dias que vivemos, a sociedade tem educado a infância em princípios que, geralmente, são Cristãos.
Faça-se a estatística do número de adolescentes que anualmente concluem o curso em colégios católicos e ter-se-á uma ideia da extensão que a influência cristã tem na formação da infância contemporânea. Por mais que, em nossos dias, os fatores do ambiente contrariem esta influência, ela ainda é considerável. E muito mais considerável ela foi nas gerações anteriores tão céticas quanto a nossa, mas mais respeitadoras – por espírito de tradição, se quiserem – da moral cristã.
A irradiação de Cristo na escola Católica
No século passado, como neste século ainda, o lar e o colégio, os dois principais ambientes em que transcorre a infância, foram guiados, em via de regra, por um espírito que, ora mais ora menos intensamente, apresenta matizes cristãos.
No colégio católico, a doce figura do Cristo irradia sobre os alunos o esplendor de sua harmonia moral. Por mais que essa irradiação seja inconscientemente recebida, como muitas vezes ocorre, ela não deixa de ser real. O Cristo que se contorce em sofrimentos e em súplicas pela humanidade, no Crucifixo do refeitório; o Cristo que, no altar da Capela, aponta aos alunos o seu peito entreaberto, no qual pulsa um coração abrasado de amor; o Cristo cuja doçura e cuja imensa misericórdia são ensinadas na aula de Religião, exerce sobre os alunos uma impressão profunda, a que não se furtaram nem sequer os campeões da impiedade do século XIX.
No lar, o Cristo também figura como um protetor benigno e supremo dos interesses domésticos. É à sua bondade que se deve toda a felicidade da família. É à sua clemência que a família recorre nos momentos amargos da provação. É à sombra de sua lei que florescem castamente as afeições domésticas, é dEle que emana o ambiente de pureza, sem o qual a vida da família não é possível. O cristianismo floresce no ambiente doméstico, não apenas pela eficácia do culto que aí se pratica, como na carícia casta da mãe, da irmã, na austeridade do pai e na inocência da vida dos filhos.
No século XIX como no século XX – aliás no século XX menos do que no século XIX – é esta a regra geral.
“Curva a cabeça, cristão; queima o que adoraste”
Mas, com a adolescência rompem-se os véus que ocultavam à infância o verdadeiro aspecto da vida moderna. E o jovem, afeito a um ambiente de Fé e de pureza, se vê forçado a ingressar inesperadamente em um Mundo que prega uma lei diametralmente oposta à que ele aprendeu a respeitar.
A família, que até à véspera era o anteparo de sua moralidade, lhe comunica que, d’ora avante, abriu-se para ele a era das orgias e dos prazeres. Sobre sua face, não se pousarão mais, tão-somente, os beijos castos dos afetos familiares. Seus braços não cingirão apenas o corpo puro da mãe ou da irmã. A chave da casa paterna que lhe é entregue como símbolo de sua nova liberdade, significa que, para ele, estão igualmente abertas as portas do lar e dos lupanares. “Mocidade – dizem-lhe – é isto.” E, se “isto” contraria a lei do Cristo, o Cristo que se arranje como puder.
Enquanto, por um lado, a família trai seu dever, transformando-se em pregoeira ou cúmplice da corrupção, por outro lado, o colégio católico, anteparo da Fé, é substituído, na formação intelectual do adolescente, pela universidade laica. E lá lhe ensinam que a irreligião é o fruto necessário da razão, que a Fé é um instrumento para disciplinar meninos buliçosos, mas que deve ser rejeitada como crendice indigna por um jovem cioso do seu brio intelectual.
Ao adolescente, educado no amor da Fé e da pureza, a sociedade dirige, no limiar da vida, uma frase que é a antítese da do famoso bispo de Reims: “Curva a cabeça, cristão, queima o que adoraste e adora o que queimaste” 20.
Necessidade de optar por Cristo ou contra Ele
Se o adolescente tiver o heroísmo de resistir, o mundo o apupará como um covarde. Se tiver a covardia de ceder, aplaudi-lo-á como um herói.
Esboçando em largos traços o panorama da crise da adolescência na sociedade semicristã dos últimos cem anos, não tive a pretensão de enquadrar, nesta descrição, com todos os seus detalhes particulares, a imensidade de aspectos diversos que, segundo as circunstâncias de tempo e lugar, essa crise pode assumir.
Em todos estes aspectos, no meio de tantas variantes, só quis destacar um traço fundamental, que se conserva invariável. Hoje como ontem – e, repito-o, ontem muito mais do que hoje – a influência da religião se exerce sobre a infância de modo todo particular. Essa influência, que a sociedade moderna tolera por um resto de Fé ou de tradição, entra em choque com as exigências do ambiente que rodeia a mocidade. Deste choque, nasce para os adolescentes a necessidade de optar por Cristo ou contra Ele. Mais consciente em uns, menos consciente em outros, esta necessidade se impõe a todos. E é nas lutas íntimas que esta opção provoca, que consiste, em síntese, a crise da adolescência.
Vacilações e incoerências nos jovens do século XIX
Nesta crise, como procedeu o homem do século XIX? Colocado na contingência de optar pelo Cristo ou contra Ele, que partido tomou?
Um e outro. Ou melhor, nem um nem outro. A atitude do século XIX, na crise da adolescência, foi, sobretudo, uma atitude de vacilação. Desta vacilação nasceu a grande característica do século, que foi a incoerência.
É peculiar ao catolicismo uma admirável harmonia entre sua doutrina religiosa, seus princípios morais e suas diretrizes sociais. Não é possível negar a primeira, sem atacar os fundamentos dos outros. Como não é possível rejeitar a esta, sem se colocar em oposição flagrante com aquela. O monólito, desde que seja fragmentado, deixa de ser monólito. O catolicismo, desde que seja privado de uma de suas partes, deixa de ser catolicismo.
Não percebeu isto o século XIX. E exatamente por isto, na imensa vacilação que foi a causa de sua incoerência fundamental, o século XIX raras vezes chegou a repudiar completamente o Cristo pela boca de seus principais pensadores.
Até dos ímpios parte admiração pela Igreja
Era frequente encontrar-se entre os maiores campeões da irreligião, um sentimento secreto e imperioso que lhes ditava palavras de admiração para com aquela mesma religião que negavam.
Ouvi a confissão preciosa de Renan21. É o grito de alma de uma pessoa que odeia o Cristo com um ódio ardente, mas que ainda sente, profundamente impressa na parte mais secreta de sua alma, aquela fascinação do cristianismo, que o perseguia, mesmo no mais intenso de seu delírio de impiedade: “Tive a ventura de conhecer a virtude – dizia ele – sei que coisa é a Fé. Do tempo que já lá vai, conservei uma experiência preciosa. Sinto que minha vida é sempre governada por uma Fé que já não tenho. Tem a Fé isto de singular: opera mesmo depois de ter sido abalada. A graça sobrevive com o hábito, ao vivo sentimento que dela tivemos.”
Renan, na sua estranha Vida de Jesus, procurou destruir o cristianismo. No entanto, a todo o passo encontram-se lado a lado, em sua obra, a blasfêmia pesada e a admiração intensa. Jesus, na sua pena fantasiosa e incoerente é, ora um prestidigitador de aldeia que, para recrear os convivas de uma festa nupcial, soube fingir a transformação da água em vinho; ora um filósofo orgulhoso, que na exaltação do seu eu chegou às raias da loucura; ora finalmente o mais encantador dos homens, o mais sublime e o mais suave dos filósofos, o mártir heroico cuja morte foi tal que, se um Deus morresse, morreria como Jesus.
Flaubert: “A Primeira Comunhão é qualquer coisa…”
À vista de uma tal incoerência, compreende-se este outro grito da alma, que foi encontrado entre os papéis mais íntimos de Flaubert22: § “Eu quereria ser místico; deve haver belas volúpias em se crer no Paraíso, em afogar-se em ondas de incenso, em aniquilar-se aos pés da Cruz, em refugiar-se sob as asas da pomba. A Primeira Comunhão é qualquer coisa de inocente. Não zombemos dos que choram. É uma bela coisa um altar coberto de flores que embalsamam o ambiente.
“Não há vida mais bela do que a dos santos, e eu quisera morrer mártir. E se há um Deus, um Deus bom, um Deus Pai de Jesus que me envie sua graça, seu espírito e eu o receberei, e me prosternarei. Eu compreendo bem os que jejuam e gozam a sua fome e sua privação. É um sensualismo muito mais fino do que qualquer outro. São as volúpias, os hábitos e as beatitudes do coração.”
Esta a atitude do expoente da irreligião. Não foi diversa a atitude da generalidade dos homens.
A maior parte deles admirava a moral cristã, exigindo dentro do lar a sua rigorosa observância. O que não era obstáculo a que negasse os princípios religiosos em que se estribava esta moral, e se julgasse livre de a violar na vida extraconjugal.
Renan: a sociedade é como um vaso do qual retiraram as flores
A família continuava a viver cristãmente, ainda mesmo depois de perdida a Fé. Como dizia Renan, a sociedade do seu tempo conservava vestígios do cristianismo, sem conservar a Fé, como um vaso que tem por algum tempo o perfume das flores que dele retiraram.
Outros, faziam o contrário. Conservavam a Fé, mas desprezavam todas as consequências morais que dela decorrem. Católicos na igreja e no lar, eram pagãos na política, na vida profissional e, sobretudo, na vida extraconjugal.
Espíritos fragmentados, admirando verdades a que não obedeciam, ou obedecendo a princípios que não aceitavam, os homens do século XIX tinham dentro de si o imenso mal-estar que a prosperidade material apenas conseguiu anestesiar e que tumultua necessariamente no coração de todo o homem que não estabeleceu dentro de si o reinado da coerência.
Assistimos ao precipitar do desfecho de uma crise
Fora deste imenso caudal de homens incoerentes que representava o pensamento do século XIX, só dois filetes humanos corriam para direções divergentes. De um lado, os católicos completos – seria mais correto dizer simplesmente: os católicos –, e de outro lado, os anticatólicos completos, isto é, os comunistas.
A incoerência é, para as sociedades, um estado transitório. No próprio século XIX já se haviam formado os dois polos de atração para os quais a humanidade deveria caminhar necessariamente, na ânsia de restabelecer a coerência.
De um lado, os comunistas que estabeleceram a coerência na negação completa do Cristo. De outro lado, os católicos estabelecidos na coerência da afirmação completa do Cristo.
A atitude do século XIX perante a religião e a moral foi uma atitude essencialmente contraditória.
A Fé: boa para as crianças, mas inaceitável para o cientista
A religião e a moral não eram consideradas necessárias e obrigatórias para todos os seres humanos, em todas as idades. Pelo contrário, para cada sexo, cada idade, cada condição social, havia uma situação religiosa e uma conduta moral oposta à que o século XIX preceituava para sexo, idade e condição social diferente. O século XIX admirava a fé do carvoeiro na sua simplicidade e na sua pureza, mas ridicularizava como preconceito inconsciente a Fé do cientista. Admitia a Fé nas crianças, mas condenava-a nos jovens e nos homens adultos. Quando muito, tolerava-a na velhice. Exigia a pureza para a mulher e exigia a impureza para o homem. Exigia a disciplina para o operário, mas aplaudia o espírito revolucionário do pensador.
Evidentemente, contradições tão profundas deviam gerar crises íntimas, de grande intensidade.
Em geral, foi em crises assim que se formaram todos os agitadores que, no século XIX, atearam na Europa o incêndio dos ideais revolucionários.
E foi também em crises assim, que se formaram quase todos os grandes convertidos ao catolicismo, que proclamaram bem alto, contra o mundo e o século em que viviam, a sua Fé na Igreja de Deus.
Os acontecimentos dramáticos de que o século XX tem sido ator e testemunha, só concorreram para precipitar o desenlace desta crise.
Cada vez mais, a atitude de incoerência das gerações passadas vai sendo repudiada pelas gerações presentes. A bem dizer, nas gerações que despontam, só se deixam governar pela moral fragmentária do século passado os insuficientes, os displicentes, os indiferentes.
Mocidade: ou seguireis Jesus, ou seguireis Barrabás
A mocidade que ora ingressa na vida, já não é mais capaz de admirar e combater simultaneamente o Cristo, como fez o século de Renan; ou de crer no Cristo mas desinteressar-se de Sua causa, como fez a turbamulta dos católicos indiferentes que no século passado cruzaram os braços ante a investida revolucionária desfechada contra a civilização católica.
Extremados no ódio como no amor, os moços de hoje são capazes de se aproximar do Cristo para adorá-lo com a adoração profunda de um S. João Evangelista, ou para servi-lo com a abnegação levada ao martírio de um S. Pedro ou de um S. Paulo. Ou para dinamitar suas igrejas e destruir seus monumentos, desejosos de reduzir a pó os últimos alicerces da Fé, com o mesmo ódio frio e meticuloso com que o centurião romano cravou a lança no flanco do Divino Salvador. É fácil encontrar-se, nas gerações que nascem, a adoração sem reserva ou o ódio sem limites. Entre os moços de hoje, encontra-se quem siga a Jesus ou quem siga a Barrabás. Mas vai desaparecendo cada vez mais a raça espiritual de discípulos do Pôncio Pilatos.
Hoje, mais do que nunca, o catolicismo e o comunismo aparecem claramente como os dois polos opostos, para os quais converge a humanidade. Entre o catolicismo e o comunismo não há meio-termo possível. Aqueles que procuram encontrar um terceiro caminho para a humanidade, que não seja nem o caminho de Roma nem o de Moscou, se extraviam por um labirinto no qual, depois de longo caminhar, chegarão necessariamente, ou ao Vaticano ou ao Kremlin.
Ou soldados da Cruz, ou soldados da foice e do martelo
Atendei bem para esta afirmação, meus jovens amigos. Além de verdade teórica, ela encerra uma lição dada pela experiência. Se o mundo tem de ser salvo pela esquerda, a salvação só pode estar no comunismo absolutamente radical, absolutamente ateu, absolutamente materialista. Se ele tem de ser salvo pelo cristianismo, só poderá ser salvo pelo catolicismo, que é a sua expressão mais autêntica, mais completa, mais coerente.
Quem se embrenha pelas sendas escorregadias do socialismo corre o risco de descambar – inconscientemente embora – para o comunismo, ou de permanecer eternamente em um meio-termo no qual não pode estar a salvação. Quem sobe pelas veredas abruptas do espiritualismo, ou atinge a culminância em que está o catolicismo, ou se expõe a errar perpetuamente por caminhos inóspitos, ladeados de precipícios e de perigos, sem encontrar para o espírito, nem guarida, nem repouso.
Queirais ou não queirais, o vosso destino será este: ou sereis soldados da Cruz, ou servireis nas hostes da foice e do martelo. (Apoiados e palmas).
O Congregado é um pregador infatigável do ideal pelo qual vive
Compreendeis, agora, qual a mensagem que vos trago.
As falanges marianas são, no Brasil, um exército quase inumerável, de moços que, em um combate de todas as horas e de todos os minutos, pugnam pelo Cristo e pela civilização, contra o mundo contemporâneo que rola pelo abismo da anarquia, impelido pela força de seus próprios vícios.
Nossa luta não se trava, por enquanto, em campo de guerra com as armas na mão.
Antes de tudo, nossa luta é interior. Se queremos que o Cristo reine no mundo contemporâneo, devemos começar por querer que Ele reine em nós. É inadmissível que queiramos o Brasil governado pela lei do Cristo, mas que esta Lei não reine invariavelmente em nossa inteligência, em nossa vontade e em nosso coração. Nossa maior luta, nosso primeiro combate é todo interior. Combatemos dentro de nós mesmos o mundo moderno, que nos quer arrastar para uma vida que nossos princípios condenam. Em um mundo impuro esforçamo-nos por sermos puros. Em um mundo entregue aos prazeres, vivemos de trabalho e de austeridade. Em um mundo sedento de dinheiro vivemos de renúncia e de abnegação. Em um mundo apaixonado pela desordem e pela indisciplina, vivemos na disciplina por amor à Ordem.
Vencida no íntimo de nós a investida anticristã que ronda em torno de todos, nós tratamos de vencê-la no cenário do Brasil hodierno.
Amor ao bem e ódio ao mal
Pela palavra, pelo exemplo, pelo estudo, o Congregado Mariano é um pregador infatigável do grande ideal pelo qual vive. Indiferente à admiração de alguns como ao desprezo de muitos ele segue o seu caminho invariavelmente reto, cumprindo o dever, amando o próximo, amando a Pátria, servindo a todos os semelhantes, por amor de Deus. De sorte que, na sepultura de cada Congregado Mariano, a Pátria possa escrever um dia, como epitáfio, aquelas palavras admiráveis que o Apóstolo disse do próprio Cristo Jesus: “Pertransiit benefaciendo” – Passou pela vida praticando o bem23.
Mas o amor ao bem tem como corolário necessário o ódio ao mal. O Congregado Mariano é um inimigo irredutível do mal. Onde muitos se calam, onde tantos se acovardam, onde quase todos silenciam, a voz do Congregado Mariano se ergue altiva e denodada, para estigmatizar o mal, para desmascarar seus partidários, para contrariar os ardis dos inimigos da civilização. Com a mesma indiferença com que enfrenta hoje os sarcasmos e as perseguições, enfrentará amanhã os canhões e as baionetas. Não há barreira que seu idealismo não vença. Não há dificuldade que sua abnegação não supere. Não há obstáculo que prevaleça contra a sua tenacidade enérgica e invencível.
Se, em vez de vinte mil congregados desta têmpera, o Brasil, tivesse duzentos mil, dizei-me: ter-nos-ia algum dia ameaçado o perigo comunista? Ainda subsistiria ele em nossa Pátria? Evidentemente, não.
Com Cristo, sede felizes!
Meus jovens amigos:
Uma tradição já consagrada, impõe aos paraninfos o dever do acenar aos bacharelandos com risonhas imagens de felicidade.
Não quero fugir à regra. Mas, em lugar de vos dirigir simplesmente um voto de felicidade, quero fazer-vos aqui uma promessa solene. Sede dos nossos, e a felicidade descerá sobre vós como uma aurora magnífica, no seio de todas as lutas, de todas as tribulações, de todas as dificuldades que a vida vos possa apresentar.
Colocai o Cristo no centro da vossa vida. Fazei convergir para Ele todos os vossos ideais. Diante da grande luta que é a nobilíssima vocação de vossa geração, repetia o Salvador a frase famosa: “Domine, non recuso laborem” – Senhor, não recuso o trabalho que me pedis.
Com esta frase, integrados nas nossas fileiras, salvareis o Brasil.
Nos meus braços, que ora se abrem afetuosamente para vós, estão os vinte mil amplexos dos vinte mil Congregados Marianos do Estado de São Paulo. Neste imenso amplexo com que vinte mil corações e vinte mil almas vos esperam no caminho do dever, no campo da luta pela Igreja e pela civilização, sentireis eflúvios dulcíssimos em que palpitaram o heroísmo e o amor que só aos pés do Cristo se podem haurir.
A felicidade é dos que lutam por Cristo
Não tenhais medo da luta que se abre diante de vós. É dos que lutam como vós, a felicidade.
E é esta a felicidade que eu vos prometo.
Há vinte séculos já foi ela prometida ao mundo, do alto de uma montanha da Palestina24: §
“Felizes os que têm o espírito desapegado das riquezas desse mundo, porque deles é o reino dos Céus.
“Felizes os mansos, porque eles possuirão a terra.
“Felizes os que choram, porque eles serão consolados.
“Felizes os que têm fome e sede de virtude, porque eles serão fartos.
“Felizes os misericordiosos, porque eles alcançarão a misericórdia.
“Felizes os puros, porque eles verão a Deus.
“Felizes os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.
“Felizes os que padecem perseguição por amor da Justiça, porque deles é o reino dos Céus.
“Felizes os que padecem perseguição por amor da virtude, porque deles é o reino dos Céus.
“Felizes sereis quando vos amaldiçoarem e perseguirem, e mentindo disserem todo o mal contra vós, por ódio ao Cristo. Enchei-vos de alegria e exultai, porque o vosso galardão é muito grande nos Céus.”
Meus jovens amigos:
É esta a felicidade que vos desejo. Felicidade profunda, felicidade completa, felicidade solidamente alicerçada na maior fonte de venturas que o homem possa ter e que é a paz de um coração que vive na Lei de Deus.
Com Cristo, meus jovens amigos, sede felizes.
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“Legionário”, nº 219, 22/11/1936, p. 2
Unidade nacional
A unidade nacional é coisa por demais preciosa e por demais complexa, para que dela possamos traçar uma apologia completa, dentro do estreito quadro de um artigo de fundo.
Mas a viagem de alguns paulistas eminentes ao norte do País, veio pôr em foco as relações de São Paulo com a Federação. E nós não quereríamos perder esta oportunidade de, ao menos a vol d’oiseau25, examinar a questão do separatismo.
Acima de tudo, os interesses de Deus
Se somos católicos, estamos na obrigação de raciocinar, em tudo e por tudo, como filhos da Igreja. Quer isto dizer que devemos tirar de nossa doutrina religiosa todas as consequências que ela comporta, ainda que uma ou outra destas consequências se choque com velhas prevenções ou enraigadas preferências políticas.
Isto posto, vamos examinar os dados que nossas convicções religiosas nos oferecem, para solucionar a questão da unidade nacional.
A todos os homens, indistintamente, obriga o preceito de amar a Deus sobre todas as coisas. Mas este amor não se deve traduzir apenas em orações inflamadas. Pede o Criador que o amemos não apenas com palavras, mas também com ações. Cumpre que o amor, que manifestamos a Deus no recesso dos templos, seja traduzido, na vida concreta de todos os dias, em atos de um efetivo zelo pelos interesses de Deus. Nenhum de nós tomaria a sério um amigo que nos prodigalizasse abundantes palavras de afeto, mas que manifestasse, na vida prática, o mais absoluto descaso por nossos interesses pessoais. Assiste a Deus o mesmo direito.
Se amamos a Deus sobre todas as coisas, devemos, pois, sobrepor a todos os nossos interesses individuais, domésticos e até nacionais, os interesses de Deus. Pode parecer dura esta afirmação. No entanto, o mandamento reza: “Amar a Deus sobre todas as coisas.” E em seguida a Ele, o Supremo Legislador não colocou nenhuma cláusula que excetue o amor da Pátria ou o amor do lar.
Primazia da salvação das almas
Quais são, no mundo, os interesses de Deus? A resposta é óbvia. Para conseguir a salvação das almas, Ele não duvidou em enviar ao mundo a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e em permitir Sua Paixão e Morte, para abrir aos homens o caminho do Céu.
Deus se manifestou, pois, de modo exuberante, o seu interesse pela salvação das almas. E essa salvação que valeu perante a Justiça Divina o preço infinitamente precioso do Sangue de Cristo, merece dos homens, todos os esforços e todos os sacrifícios.
Duvidaríamos nós em fazer qualquer sacrifício para obter aquilo que arrancou à Bondade Divina o próprio sacrifício do Calvário?
Haverá, para nós, neste mundo, coisa mais nobre, a que nos incite com maior veemência a sinceridade de nossos sentimentos católicos, do que a salvação das almas?
Evidentemente, não.
Faremos de tudo para que o Estado brasileiro não apostate da causa de Deus
Mas, dir-se-á, isto tudo está muito bem para os indivíduos, mas é inaplicável às nações. O fim da Igreja é de salvar [as] almas. Foi para isto, que o Salvador a instituiu. Quanto ao Estado, seu fim é meramente terreno. Erigir o Estado em instrumento de apostolado seria arrancá-lo à esfera natural de sua atividade. Mais ainda: seria invadir com a mão perigosa e prepotente de César, a seara espiritual da Igreja.
O sofisma é grosseiro e, hoje mais do que nunca, ele pode facilmente ser refutado.
Um exemplo entre mil: aliando-se à Rússia, infere a França do Sr. Blum (a França do Sr. Blum, bem entendido, não deve ser confundida com uma outra França, que é a França católica de Sta. Teresinha, de Bernadette, de S. Luís e de Joana D’Arc) um profundo golpe na civilização ocidental. E, através desta, o golpe atinge os próprios interesses da Igreja.
Por maiores que fossem os proventos comerciais, ou diplomáticos, auferidos pela França com a aliança soviética, não lhe assistiria o direito de estender a mão aos mais irredutíveis inimigos da catolicidade. Sacrificando os seus interesses comerciais aos interesses supremos da Igreja e da civilização, a França teria praticado um ato meritório, de eminente amor de Deus. Ela não o praticou. E exatamente por isto, o mundo inteiro, e seus próprios filhos – os homens de bem, os chefes de família, os militares, os sacerdotes – condenam seu procedimento. A França faltou ao seu dever.
Acima de sua função econômica e de sua função política, o Estado Francês tinha, como todos os outros Estados, uma missão a cumprir, em prol da causa de Deus e da civilização. Mas o Estado Francês apostatou.
Nós, católicos brasileiros, tudo faremos, porém, para que o Estado brasileiro não apostate.
Da América Latina deverá brotar a nova civilização
O Estado Brasileiro, como o Estado Francês, o Estado Italiano ou o Estado Finlandês, tem, pois, uma missão: a de lutar pela Fé e pela civilização.
Concretamente, como se apresenta para o Brasil esta missão?
Ainda aí, não vemos dificuldade em responder.
A Europa e os Estados Norte-Americanos estão a braços com problemas tremendos. Dentro em pouco – e só os cegos podem contestá-lo – virá um dilúvio internacional: a guerra mundial está a bater às portas da civilização do Ocidente. Depois deste dilúvio, o que ficará da velhíssima Ásia, da Europa agonizante, da América do Norte precocemente arrastada a uma crise mortal? Ninguém poderá dizê-lo. Mas o que é certo é que, à margem deste mundo corrompido e destruído, ficará virginalmente intacta a América Latina. E é de suas entranhas, que terá de brotar a nova civilização.
Se esta civilização for católica, apostólica e romana, estará firmada a Humanidade, por muitos séculos, nos caminhos de Deus. Se ela não for católica, quem poderá prever em que erros despenhará a Humanidade?
Cabe ao Brasil coeso a liderança da América católica
Para que a América Latina esteja à altura de sua excelsa missão, é preciso, antes de tudo, que ela esteja unida e coesa. Seria, pois, um erro imperdoável, ou uma traição criminosa, que neste corpo de nações irmãs, suscitadas por Deus para a mesma luta e a mesma vitória, se insinuasse o germen da discórdia intestina. Todo o reino dividido interiormente perecerá26, di-lo o Espírito Santo. Se a raça latino-americana se dividir, ela será destruída pelos inimigos comuns. Mais do que nunca, é necessária a união sagrada. E a tal ponto é verdadeiro o que dizemos, que um sopro de amor fraterno percorre hoje toda a América do Sul, a irmanar todos os Países que nasceram da Igreja e da Ibéria.
Neste formidável maciço religioso, social, político e econômico que é a América católica, cabe ao Brasil a liderança. Será ele, dentro desta unidade continental, o grande bloco político que centralizará a direção da política sul-americana e – arriscando-nos a parecer visionários – da política mundial.
Que juízo fazer-se, portanto, desses políticos pigmeus, de pequeno voo intelectual e de vistas curtas, que, com orçamentos em punho, querem demonstrar que São Paulo deve atirar à beira da estrada, como fardo pesado e inútil, os seus 20 irmãos brasileiros? São Paulo será dentro do Brasil o que o Brasil será dentro da América Latina. Fora do Brasil, São Paulo quebrará a coesão continental. E, com isto, terá estragado a obra a que a Providência chama a Terra de Santa Cruz. Para a terra heroica das bandeiras e do café, só há dois destinos: o de rei, ou o de desertor.
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“Legionário”, nº 219, 22/11/1936, pp. 1 e 2
7 dias em revista
Pseudo-indiferenças da imprensa neutra
Nossa imprensa está sendo objeto de uma infiltração espírita em regra. Sobre o “Correio Paulistano”, nem é bom falar. Os “Diários Associados”, particularmente o “Diário da Noite”, dedicam às aparições e aos médiuns colunas inteiras. “A Gazeta” se presta complacentemente a publicar notícias sobre médiuns, sessões espíritas, fantasmas, etc.
E é a esta imprensa que se convencionou chamar imprensa neutra.
Há gente bastante ingênua para dizer que, como nossa imprensa é neutra, não vale a pena fazer uma imprensa católica: isto provocaria o aparecimento de uma imprensa anticatólica.
Como se não fossem anticatólicos estes jornais que abrem suas colunas a qualquer doutrina, indiferentes entre o erro e a verdade, sensíveis somente aos encantos de Mamon.
Em defesa do brio de nossa polícia
Um telegrama do Rio anuncia que nossas autoridades policiais, “não desejando levar à força, perante o Tribunal de Segurança, os revoltosos de Novembro, procurarão obter deles, para efeito legal, uma declaração escrita de que se recusam a comparecer”.
Não acreditamos, de modo nenhum, nessa notícia evidentemente tendenciosa. § Trata-se, indubitavelmente, de um boato destinado a atirar sobre nossa polícia o descaso do público.
Uma polícia que permitisse tais caprichos a seus prisioneiros, réus de crime contra o Estado, seria uma polícia inepta e ridícula.
Em nome do brio de nossa polícia, registramos aqui nosso protesto.
Congresso protestante disfarçado de católico
Realizar-se-á, de 9 a 13 de dezembro, nesta Capital, um Congresso Católico Livre, que fará propaganda de uma “Santa Igreja Católica e Apostólica”.
Que os incautos se precavenham: é um congresso protestante que, ardilosamente, se diz católico, de sorte a atrair o povo bem intencionado mas imprevidente.
A Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana, da qual nos orgulhamos de ser filhos, não pode ser confundida com uma grosseira contrafação, como a que ora se tenta fazer.
Propaganda teosofista entre as crianças do Conservatório
O “Estado de São Paulo” noticiou que a Loja de São Paulo da Sociedade Teosófica realizou uma reunião infantil “de arte e cultura”, da qual constaram números de piano, canto e declamação, das alunas de duas professoras do Conservatório Dramático e Musical desta Cidade.
Não se compreende que as professoras de um estabelecimento subvencionado pelo Estado, como é o Conservatório, façam, entre suas alunas, uma propaganda franca do teosofismo, que é uma variante do espiritismo, cujo efeito deletério é tão forte nos adultos e principalmente nas crianças.
Disparate de um político gaúcho
Na época de desorientação em que vivemos, há gente para tudo.
Um deputado gaúcho pediu, na Câmara de seu Estado, uma verba especial de dez mil contos, para a abertura de um cassino!
A população gaúcha passa agora por um transe doloroso, qual o das inundações, cujas vítimas necessitaram até de dinheiro de outros Estados. E o deputado gaúcho ainda pensa que nas arcas do tesouro rio-grandense sobra dinheiro para a montagem de casas de jogo!
Sobre o socorro às vítimas gaúchas
Registramos com vivo elogio a atitude do leader peceísta na Câmara Estadual, e [também a] da Bancada perrepista, no caso provocado pelo Sr. Vergal, a propósito da entrega do socorro às vítimas gaúchas, [feito] ao Ex.mo Sr. Arcebispo do Rio Grande do Sul.
Quanto ao Sr. Vergal, nada nos espanta em S. Ex.cia
E quanto ao Sr. Alfredo Ellis, que está constantemente a relembrar um compromisso que teria assumido com a chapa protestante Liberdade e Justiça, consta-nos que S. Ex.cia assumiu idêntico compromisso com a Liga Eleitoral Católica.
Vamos sindicar bem o que possa haver de verdadeiro nisto. E, se tal compromisso com a Liga Eleitoral Católica existir, daremos a nossos leitores detalhadas informações sobre o assunto.
Hitler nega à Igreja o direito de educar seus fiéis
Em um discurso feito por ocasião da inauguração da Escola Superior de Educação, o Ministro da Educação da Alemanha disse que o “IIIº Reich é o primeiro Estado que vive de acordo com a própria concepção do mundo. Outrora, a formação da alma popular era confiada sobretudo às igrejas, mas a concepção nacional-socialista chamou a si, cuidando da educação intelectual e moral da juventude alemã. O nacional-socialismo está disposto a cumprir a missão que antigamente era confiada a estrangeiros, por um Estado desprovido de filosofia. As escolas alemãs têm uma missão importante a cumprir e assumem uma responsabilidade absoluta e nova.”
Na Rússia comunista, o Estado suprimiu o direito dos pais e da Igreja, de educar a infância e a juventude.
A Alemanha hitlerista acaba de fazer o mesmo, negando à Igreja o direito de educar seus fiéis, e negando aos pais o direito de entregarem seus filhos à Igreja. Assim, o hitlerismo, aparentemente tão anticomunista, dá um gravíssimo passo para a esquerda.
E é ainda o hitlerismo que, farisaicamente, acusa a Igreja de não hostilizar o comunismo!
O povo alemão não é responsável pelos desatinos
do hitlerismo
Convém notar, a este propósito, que seria um erro atribuir-se ao grande e nobre povo alemão os desvarios de seus dirigentes.
A Alemanha não é responsável pelos desatinos do hitlerismo, como a França não é responsável pelas torpezas do Sr. Blum, a Espanha pela miséria moral do Sr. Azaña, ou o Brasil pela sanha sanguinária de Luiz Carlos Prestes.
Pelo contrário, a Alemanha produziu, em dias de hoje, um dos homens mais notáveis que o Século XX conheça. Atualmente, não tem sido ainda colocado, no conceito público, na altura que merece. Mas a História futuramente o colocará na galeria encabeçada por Pio XI, entre os grandes defensores da civilização: é o Cardeal Faulhaber27, cuja intrépida resistência ao Führer ainda era, há poucos dias, objeto de comentários de nossa imprensa.
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“Legionário”, nº 219, 22/11/1936, p. 1
O “Legionário” em visita à Congregação Mariana de Santo Agostinho
Há dias, a convite da Diretoria da Congregação Mariana de Santo Agostinho, o Sr. Plinio Corrêa de Oliveira, diretor do “Legionário”, fez uma visita à sede dessa Congregação, em companhia do Sr. Francisco Monteiro Machado, da gerência desta folha.
Por essa ocasião, o Sr. Plinio Corrêa de Oliveira fez uma conferência salientando a cordialidade existente na imprensa católica, e incitando os congregados a trabalharem pelo progresso da Boa Causa, por meio da imprensa católica.
O Rev.mo Pe. Martinho Remis, diretor daquele sodalício, usando da palavra, recomendou aos congregados que, não obstante terem o seu órgão, “O Congregado”, batalhassem pela maior difusão do “Legionário”, órgão leader de nossa imprensa católica.
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“Legionário”, nº 220, 29/11/1936, p. 1
O papel da Imprensa no momento atual
O que nos falta – A nossa culpa
Se os promotores do conclave da Bahia pudessem dispor de antenas para auscultar o pensamento brasileiro, a respeito das démarches efetuadas na tradicional metrópole do Salvador, ficariam certamente pasmos.
Uma das maiores dificuldades, para um chefe de Estado ou de partido, consiste exatamente em conhecer, a todo momento e com toda a precisão, o que pensa o grosso da população. Porque a imprensa e as esferas políticas fornecem sistematicamente, a este respeito, notas inteiramente despidas de objetividade.
O brasileiro está desinteressado da política
Se lermos a imprensa diária, a impressão que teremos é de que todo o País esperava, ansioso, os resultados do conclave de São Salvador. A realidade, porém, é muito diversa e muito mais grave. Fora dos círculos pessoalmente interessados em política, o conclave de São Salvador encontrou a mais fria indiferença, aquela indiferença fatigada e desdenhosa com que nosso povo se habituou a considerar a política desde que os octólogos, decálogos, tetrálogos e respectivas rupturas, começaram a encher os noticiários dos jornais.
E não espanta. O que pode haver nos conciliábulos da Bahia, capaz de suscitar no espírito público o menor interesse ou o menor entusiasmo? Os jornais vivem a insinuar que o Sr. Oswaldo Aranha é candidato à Presidência. E o Sr. Oswaldo Aranha vive a desmentir estas insinuações. Todo o mundo diz que o Sr. Getúlio Vargas tem um candidato cujo nome tirará do bolso do colete, no momento oportuno. Dizem que é o Sr. Oswaldo Aranha. Há também quem diga que não é ele. E todo o mundo fica enfarado de ouvir afirmações e desmentidos, mesmo porque sabe que qualquer conjetura é inútil, em se tratando do Sr. Getúlio Vargas, doutor em despistamento.
Mas qual o motivo por que uma Nação como a nossa se encontra em tal situação? Não percebem nossos pró-homens que o primeiro passo para que se abalem as instituições vigentes, é a formação deste estado de espírito de desinteresse, em que vivemos?
Falta ao Brasil uma imprensa neutra e de caráter informativo
O mal está principalmente em nossa imprensa. A verdade é que não temos imprensa neutra e de caráter meramente informativo. Todos os nossos jornais vivem à sombra de alguma corrente. E são obrigados a calar tudo quanto a esta corrente não convenha que se publique. O resultado aí está: nas situações políticas mais melindrosas, ninguém, no grande público, sabe o que se passa. E dessa ignorância nasce inevitavelmente o desinteresse.
Diga-se entre parêntesis que os católicos são grandemente culpados por esta situação. Se tivéssemos uma imprensa católica forte e organizada, ela poderia e deveria ser, para o grande público, a melhor fonte de informações sobre tudo quanto ocorresse. Porque é errado supor-se que a imprensa católica deve publicar exclusivamente informações ou comentários de caráter religioso. O “Legionário”, por enquanto, tem limitado seu campo de informações aos assuntos religiosos, por motivos técnicos. Mas, indiscutivelmente, não é este o nosso ideal. §
O jornal católico deve ser arauto da verdade em todos os campos
É necessário que o jornal católico, pela perfeição de seus serviços informativos, pela imparcialidade e honestidade de sua orientação, seja sempre o arauto da verdade. De tal maneira que, no grande público, até ateus ou protestantes se sintam desejosos de assinar o jornal católico, para ver o que ele publica sobre sports, sobre finanças, sobre agricultura, sobre ciências, etc.
Lutando palmo a palmo, com dificuldades de toda a ordem, o “Legionário” tem conseguido ampliar sensivelmente suas secções e caminhar para a realização do grande ideal da imprensa católica cotidiana.
Quando se realizará este ideal?
É fácil responder: no dia em que os católicos se persuadirem de que a causa da imprensa católica é, no Brasil, a causa de todos os interesses nobres da Pátria.
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“Legionário”, nº 220, 29/11/1936, p. 2
Os mexicanos, nossos irmãos
É preciso que não se repita na América o grande erro político que caracterizou a diplomacia europeia, nos cem anos que medeiam entre a queda de Napoleão e a Grande Guerra.
Desunião e inércia das monarquias europeias diante da revolução
Entre 1815 e 1914, a Europa ardia em pleno incêndio revolucionário. As forças antimonarquistas e antissociais se infiltravam em todos os países europeus, abalavam todos os tronos, atacavam todas as instituições religiosas e desconjuntavam todas as peças do velho edifício da Europa de Filipe II e de Luís XIV.
Contra esta marcha revolucionária, que providências tomaram as monarquias europeias? Praticamente nenhuma. Unidas, as chancelarias europeias poderiam ter esmagado a hidra revolucionária com um simples gesto. Desunidas, seriam devoradas por ela. E foi esta segunda atitude, que prevaleceu.
Por quê? Porque a união de todas as forças da direita suporia necessariamente um largo entendimento internacional. E a miopia dos estadistas europeus não percebia, no terreno da diplomacia, outra coisa a tratar, senão de estreitíssimos interesses econômicos e de pequeninas gloriolas nacionais.
Enquanto se verteram rios de sangue pela posse de algumas jardas de terra no Scheleswig Holstein, na Alsácia-Lorena, na Silésia ou nos Balcãs, nem uma só gota de sangue foi vertida para a defesa da estrutura política e social da Europa. Excetua-se, apenas, nesta regra geral, o sangue heroicamente derramado pelos mártires de Castelfidardo.
Não repita a América o erro da Europa monárquica e cristã
O resultado desta miopia não se fez esperar: enquanto os monarcas europeus se consumiam em lutas estéreis para estender seus impérios, a revolução, no interior de seus países, cavava a sepultura em que seriam sepultados seu cetro e sua coroa. E a Europa monárquica e cristã de 1815 se transformou na Europa laica e republicana de 1918.
Se a América quer conservar-se insulada no grande dilúvio que ameaça o Ocidente e quiçá o mundo inteiro, precisa não repetir o mesmo erro. A diplomacia dos povos americanos não deverá tender simplesmente à conclusão de acordos aduaneiros vantajosos. É preciso que as inteligências alteiem mais os seus ideais. A meta de toda a verdadeira política interamericana é, atualmente, a defesa contra o comunismo.
Meta primordial: a liberação do México
Mas do que adianta esta defesa, se, em pleno coração da América, há uma nação governada por Moscou? Enquanto os agentes comunistas continuarem a dirigir a política mexicana, dizimando as fileiras do clero, oprimindo os fiéis, confiscando propriedades, socializando a nação, do que adianta a formação de uma frente única anticomunista contra a Rússia?
O primeiro pensamento dos estadistas que se vão reunir na conferência pan-americana deve ser, portanto, a liberação do México.
O Cristo Eucarístico que é profanado nas Igrejas do México é o mesmo Cristo Eucarístico que adoramos em nossos sacrários. A civilização católica que se procura destruir no México é a mesma ↓28 [pela qual] nós nos batemos no Brasil. Os princípios que nossos irmãos – os católicos do México – defendem com seu sangue, são exatamente os mesmos princípios que nós – católicos brasileiros –, estamos dispostos a sustentar com o sacrifício de nossa vida.
A união espiritual de todos os povos latino-americanos, em uma Igreja que é Una, Santa, Católica e Apostólica, é uma realidade objetiva e ativa, esta realidade nos impõe, no momento em que estiverem reunidos os representantes da América, um gesto de solidariedade para com nossos irmãos.
Para salvaguardar o ouro inestimável da Fé
Se o “Legionário” fosse o grande jornal católico de que o Brasil precisa, não tenham nossos leitores a menor dúvida sobre nossa atuação. Ouvidas respeitosamente nossas Autoridades Eclesiásticas, teríamos telegrafado para os jornais ou periódicos católicos de toda a América, pedindo-lhes que iniciassem uma forte campanha junto aos seus leitores, no sentido de telegrafarem à Conferência Americana, pedindo uma providência para aliviar a situação dos católicos mexicanos. De todos os países americanos, inclusive da própria América do Norte, teriam chovido milhares e milhares de telegramas sobre a Conferência. E esta veria, então, que para a América, não é preciso apenas o ouro burguês que se pretende pôr ao abrigo da sanha comunista, mas também – e principalmente – o ouro inestimável da Fé que no México se está procurando roubar aos nossos irmãos.
Como outrora na Palestina infiel, Cristo é hoje perseguido no México
Infelizmente, a imprensa católica ainda não tem, no Brasil, o vigor que lhe seria necessário para levar a cabo esta grande campanha, que contaria certamente com as bênçãos afetuosas do Santo Padre.
Mas entre os estadistas que se vão reunir sob a presidência do Sr. Roosevelt, há muitos que se jactam de ser católicos.
Será possível que, da parte dos católicos que integrarão a Conferência, não proceda uma única atitude de solidariedade efetiva e enérgica aos nossos irmãos do México?
Será possível que eles se esqueçam do Cristo que é hoje ultrajado e perseguido no México, em Tampico, em Guadalajara, como outrora na Palestina infiel?
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“Legionário”, nº 220, 29/11/1936, pp. 1 e 2
7 dias em revista
Curiosa lógica dos comunistas
É realmente curiosa a lógica dos comunistas.
Os telegramas nos noticiaram, há dias, que os funerais do Ministro Salengro foram feitos ao som da Internacional. Da Internacional e não da Marselhesa, porque o comunista despreza o que ele chama o “acanhado amor da Pátria”, preferindo a este amor de cunho regionalista um “largo amor a toda a humanidade”.
No entanto, no discurso em que o Sr. Léon Blum fez o elogio fúnebre de seu malogrado auxiliar de Governo, o Chefe do Gabinete Francês disse que Salengro tivera em sua vida dois únicos amores: o de sua cidade natal e o de seu Partido.
Assim, enquanto os comunistas se gloriam de não amar a Pátria, por ser este amor muito estreito, jactam-se em amar duas frações da Pátria, como sejam a cidade natal e o partido. Em lugar de patriotismo, alimentam o espírito de facção e de campanário.
Eficiente resistência da Igreja ao hitlerismo
Nos tempos, felizmente já longínquos, em que o liberalismo governava despoticamente todos os espíritos, era frequente ouvir-se acusar a Igreja de ser fautora de despotismo. Principalmente os protestantes eram férteis em acusações deste estilo.
Porém, os tempos estão mudados. Em mais de um país, o liberalismo foi substituído por uma tirania despótica, em que os direitos individuais os mais sagrados são violados e espezinhados. A Rússia e a Alemanha são prova do que afirmamos.
Nestes países, onde estão os defensores das liberdades individuais? Sumiram todos.
E só a Igreja ficou impávida a lutar contra os excessos do poder com a mesma energia com que lutara contra os excessos da liberdade.
O Cardeal Schulte29, Arcebispo de Colônia, e o Bispo de Paderborn30, acabam de publicar uma Pastoral contra o despotismo do Governo Hitlerista, que quer roubar aos pais o direito de educarem seus filhos.
Só a Igreja, na Alemanha, resiste eficientemente ao hitlerismo. Eficientemente e inteligentemente porque, em lugar de uma campanha sistematicamente oposicionista, ela só ataca o atual regime no que ele tem de mau. Mas os antigos paladinos da liberdade, onde estão eles?
Isenção de impostos para estabelecimentos religiosos
Nossas felicitações ao Sr. Vereador Achilles Bolch da Silva, que propôs à Câmara municipal a isenção de impostos para todos os estabelecimentos religiosos que se encontram no Município de São Paulo.
Até aqui era necessário que os estabelecimentos religiosos que quisessem gozar desta isenção, fizessem um requerimento neste sentido ao Prefeito Municipal. E este ficava com a faculdade de indeferir arbitrariamente qualquer requerimento.
A alteração que o Sr. Bolch da Silva propõe é das mais felizes. Em virtude dela, a isenção se dará automaticamente, independentemente de qualquer requerimento.
Tesouro intelectual comunista
A “Agência Havas” noticiou que o Governo de Madrid resolveu transferir para Valência diversos intelectuais que se encontravam em Madrid. A razão do ato estava em que ditos intelectuais constituíam o tesouro intelectual da raça.
Percorremos detidamente a lista dos intelectuais em questão, e não será necessário dizer – porque o público inteligente já terá suspeitado disto – que se trata de intelectuais comunistas.
A mentalidade comunista é esta. Fora do comunismo não há ciência, não há arte, não há inteligência. E ainda acusam a Igreja de ser intolerante!
* * *
“Legionário”, nº 221, 6/12/1936, p. 2
Independência autêntica
Os recentes acontecimentos políticos da Europa e da América têm evidenciado bem claramente que não é mais possível, nos dias que correm, fazer a clássica distinção entre a política externa e a política interna dos povos contemporâneos.
A sucessão presidencial no contexto contemporâneo
Na Europa, as grandes potências tendem a agrupar-se, no terreno internacional, segundo suas preferências em matéria de política interna. De um lado a Itália, a Alemanha, a Hungria e Portugal que são ditatoriais; de outro lado, a França, a Inglaterra e a Rússia, que são antifascistas. Na América, o Presidente Roosevelt procura estabelecer uma frente única continental, baseada na comunhão de sentimentos democráticos das nossas repúblicas. Política interna e política externa são, hoje, coisas inseparáveis.
À luz desta verdade, como considerar a questão da sucessão presidencial no Brasil? Que relação terá o problema com os grandes movimentos internacionais do mundo contemporâneo?
Duas correntes internacionais opostas lutam para predominar no mundo
Não é fácil responder.
Em tese, a situação é a seguinte: há duas correntes internacionais nitidamente delineadas e que se colocam, reciprocamente, em uma situação de antagonismo dia a dia mais profundo.
Evidentemente, estas correntes estão empenhadas em obter para si o apoio do maior número de países. Mas este apoio depende da orientação política dos governos que estão à testa destes países. Nasce daí o empenho dos dois grandes grupos internacionais, em intervir na política interna de cada país, para conseguir a formação de um governo constituído segundo os seus interesses.
O que se passa na Espanha é, até certo ponto, uma prova claríssima do que estamos afirmando.
Para qualquer observador insuspeito, é incontestável que tanto a Alemanha, quanto a Itália, a França e a Rússia, estão servindo na guerra civil espanhola. Qual a razão? É que se vencerem os nacionalistas, a Espanha atuará provavelmente, no tabuleiro europeu, como potência anticomunista, antifrancesa e anti-inglesa. Enquanto [que], se vencer o governo, a Espanha será uma potência russófila que auxiliará a França e procurará arrancar Portugal da aliança com o grupo fascista, para atirá-lo na anarquia comunista.
É provável, pois, que também no Brasil as duas grandes correntes internacionais procurem exercer sua influência. O Brasil não é mais, hoje em dia, a potência de 5ª categoria que era em 1914. Por todos os economistas do mundo, ele é agora considerado como detentor de uma poderosa reserva de víveres e de meios de abastecimento, capaz de pesar seriamente na balança de uma guerra mundial. A aliança do Brasil é, pois, um importante fator de êxito. E é natural que todas as potências interessadas procurem alinhar mais este fator, entre os outros muitos com que contam para obter a vitória.
O perigo de um hitlerismo anticatólico
Já há, entre nós, quem vislumbre alguma coisa relacionada com o que estamos dizendo. E em mais de um círculo, já se discute à boca pequena se o Brasil deve filiar-se ao grupo de potências democráticas, ou ao grupo de potências ditatoriais.
De um lado e de outro, os argumentos se vão tornando cada vez mais complexos e mais delicados.
A presença da Rússia no bloco das nações liberal-democráticas é como a presença de um doente de peste bubônica, de cujo convívio fogem todos os homens que não se querem suicidar.
Mas a presença da Alemanha no bloco das nações ditatoriais não inspira preocupações muito menores.
Considerado o hitlerismo tal qual ele atualmente dirige a Alemanha, é certo que, por maiores que sejam seus desatinos, ele é muito preferível ao comunismo. Só um insensato poderia duvidar disto.
Mas é preciso não olhar só para isto.
Qualquer observador sagaz perceberá facilmente que o hitlerismo ainda não caminhou até o fim, na sua política antirreligiosa. Enfrentando inimigos externos de todas as categorias, Hitler não tem duvidado, no entanto, em suscitar na Alemanha a formidável cisão religiosa que sua política provocou. Mas enquanto os inimigos externos ameaçarem as fronteiras alemãs, ele não poderá desenvolver sua atividade anticatólica com todo o rigor e toda a energia que lhe são peculiares. Há, no entanto, na ideologia hitlerista, abundantes premissas que justificarão futuramente um esforço governamental para extinguir cabalmente o cristianismo na Alemanha. Basta ler os livros de Rosenberg e de sua sequela, para convencer-se disto qualquer pessoa. Se algum dia a Alemanha conseguir vencer os seus adversários, não será muito de se recear que Hitler procure arvorar o Reich em campeão da irreligião no mundo inteiro?
Para aqueles dentre os católicos, a quem a admiração por Hitler não toldou o senso dos interesses da Igreja, esta questão é de grande peso.
O Brasil deve amparar os verdadeiros interesses da civilização católica
Mas, pergunta-se agora: não terá o Brasil outro remédio, senão optar entre a liderança hitlerista e a liderança comunista? Não haverá para ele uma solução melhor?
Se os católicos estivessem devidamente organizados, afirmaríamos que sim.
Cabe aos católicos serem o fiel da balança no Brasil. Por seu número, por sua influência, pelo ardor da mocidade mariana, eles constituem uma força irresistível que só não atua eficientemente nas altas questões da política nacional, porque esta força ignora seus próprios recursos.
Se os católicos tivessem um grande jornal – um único, ao menos – eles poderiam impor ao Brasil a linha de conduta que ele deve seguir.
Não devemos afreguesar o Brasil na clientela de qualquer outra grande potência. Independente de fato – e não apenas de jure – o Brasil deveria reservar sua influência, não para favorecer ao Sr. Hitler ou ao camarada Stalin, mas para amparar os verdadeiros interesses da civilização católica. Inimigo feroz, tenaz, ardoroso, intransigente, irredutível, vigilante do comunismo, nem por isso ele seria forçado a se colocar sob a tutela de qualquer outra corrente pagã.
É esta a boa política para a Terra da Santa Cruz, em cujo firmamento a Providência não desenhou, nem a cruz suástica e nem o miserável emblema comunista, mas o Signo da Redenção.
Mas, dirá alguém, a Igreja nada tem a ver com política. A afirmação é equívoca.
Em todo o caso, não é a Igreja que estamos querendo arrastar a este terreno. Onde a Igreja, como tal, pode não querer intervir por medida de prudência ou por reserva doutrinária, os católicos nem por isto estão isentos de agir como católicos. É ela mesma quem no-lo ensina.
Isto é o que deveriam pensar e querer os católicos brasileiros.
Mas o que fazem nas trevas dos conciliábulos os nossos políticos? Não será, porventura, coisa muito diversa do que aconselhamos?
Só o futuro poderá dizê-lo.
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“Legionário”, nº 221, 6/12/1936, p. 1
7 dias em revista
Não seremos instrumentos da política yankee
É digna dos mais vivos elogios a entrevista que o Sr. José Carlos de Macedo Soares, Ministro das Relações Exteriores, concedeu a um periódico de Montevidéu, acerca da possível criação de uma Liga das Nações americana.
Disse com muito acerto o nosso Chanceler que, em matéria de Liga das Nações, Bureaux Internacionais, etc., “já bastam os que existem em Genebra”.
Nenhuma nação americana está disposta a ser, em uma Liga das Nações americanas, um instrumento da política yankee, como a Romênia ou a Tchecoslováquia são instrumentos da política britânica.
Aplausos e restrições ao discurso do Sr. Roosevelt
Merece transcrição o seguinte trecho do discurso do Sr. Roosevelt:
“Esta fé no mundo ocidental não será completa se deixarmos de afirmar a fé em Deus. Em toda a história da humanidade e do gênero humano as tentativas periódicas para negar a divindade ficaram e ficarão reduzidas a nada.”
Palavras como estas dignificam um chefe de Estado.
Deploramos apenas que, em outro tópico, S. Ex.cia tenha reafirmado seu apego à tradicional, mas funesta posição de neutralidade confessional, a que tanto se apegam os estadistas yankees de formação protestante.
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O Sr. Inácio de Almeida Prado, vereador integralista de Jaú, fez um discurso em que elogiou vivamente a ação desenvolvida pelo governo soviético em benefício da saúde pública.
Como explicar isto?
Homenagem aos militares sacrificados na Intentona Comunista
“O Sr. Dr. Marcel Teixeira da Silva Telles, Chefe Provincial da Ação Integralista Brasileira em São Paulo, pede a todos os camisas verdes da Província, católicos, protestantes, espíritas, enfim de todos os credos religiosos que, no dia de hoje, em seus templos, em seus lares ou em seus trabalhos, ergam o pensamento a Deus, num minuto de recolhimento, em homenagem aos heroicos militares brasileiros sacrificados em 1935 na defesa de Deus, Pátria e Família.”
“Ação”, órgão oficial do integralismo em São Paulo, 27/XI/36.
Olhos fechados para o perigo comunista na América
Voltando mais uma vez à conferência de Buenos Aires, parece-nos oportuno frisar que um telegrama de Santiago autoriza a esperança de que vai ser tratada, na Conferência, a questão da repressão ao comunismo, organizada por todos os países americanos, em uma ação conjunta.
E o governo comunista do México? E os governos comunistóides da Bolívia e do Paraguai?
Continuará a Conferência a fechar os olhos sobre o perigo que representa a existência, em plena América, de três repúblicas tuteladas por Moscou?
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“Legionário”, nº 222, 13/12/1936, pp. 1 e 2
O Caso de Eduardo de Windsor
Grandeza e decadência da monarquia britânica –
A atitude do clero anglicano –
A monarquia e o clero católico – Apreciações sobre o incidente surgido com o projeto de casamento real
Ao escrevermos o título desta nota, a própria expressão de que nos servimos nos causa pasmo. Um caso com o Rei da Inglaterra! A autoridade temporal mais firme, mais antiga, mais respeitável que o mundo contemporâneo conhece!! E é com esta autoridade que surge um caso, caso íntimo, de natureza rigorosamente moral, que está ameaçando de se envenenar ao contato com interesses políticos e, quem sabe, abalar irremediavelmente a secular monarquia inglesa!
No momento em que os vagalhões da revolução comunista ameaçam o mundo inteiro, em que uma onda de revolta contra todos os poderes constituídos põe em cheque a autoridade de todos os monarcas e chefes de Estado, com que olhos a Igreja Católica, essencialmente tradicionalista, vê o Trono da Inglaterra?
Não é fácil responder.
A Ilha dos Santos
Antes de Henrique VIII, a Inglaterra era um dos baluartes da Igreja Católica. Em toda a vida intelectual, artística, política e social, a influência dos princípios católicos era profunda. O número de Santos nascidos em território inglês foi tão grande, que a Inglaterra chegou a chamar-se a Ilha dos Santos.
Características particularmente salientes desse vigoroso espírito católico eram exatamente o apego profundamente sincero do povo à autoridade do Rei, e, ao mesmo tempo, a altivez com que o mesmo povo se insurgia contra todas as tentativas da Coroa, tendentes a transformar a monarquia em tirania.
A luta dos ingleses por suas liberdades – luta que foi tão desfigurada pelos historiadores acatólicos – traz o estigma característico do espírito católico: um grande respeito à autoridade e um grande amor à justiça. Amantes da autoridade, os ingleses, antes de Henrique VIII, nunca chegaram a tentar a destruição da monarquia, mesmo quando lutavam pela sua liberdade. Amigos da justiça, sempre reivindicaram seus direitos sem que seu respeito à autoridade lhes tolhesse a liberdade de ação.
A História medieval inglesa não conhece a maior parte das abominações que conheceu a História da França, da Alemanha ou da Itália no mesmo período (abominações que, seja dito de passagem, são insignificantes perto das que assiste o mundo contemporâneo).
As jacqueries31, em que os camponeses queriam exterminar os senhores feudais, as revoluções em que os nobres queriam exterminar a realeza, e as lutas em que a realeza procurava aniquilar os direitos do povo e da nobreza, tiveram na Inglaterra um aspecto imensamente mais benigno e mais razoável. O feudalismo inglês, modelo admirável de inteligência administrativa, foi o mais perfeito regime político da Europa medieval. É nele que se deveria estudar a verdadeira história do feudalismo.
Nas lutas dos barões e do povo com os reis, as desinteligências existentes a respeito do governo da Inglaterra acabaram por se resolver definitivamente. E surgiu, com o bafejo da Igreja, a estrutura política mais firme que a Europa tenha conhecido até hoje.
O Defensor da Fé – o “mais sujo de todos os porcos”
Uma crise de caráter íntimo e passional veio pôr em jogo a estabilidade desse admirável edifício, todo ele alicerçado e cimentado pelos princípios católicos.
O Rei Henrique VIII, fazendo-se intérprete do sentimento do povo inglês, escreveu uma obra de refutação do protestantismo, que começava a pôr em fogo a Alemanha. O Papa [Leão X], reconhecido pela intervenção do Rei, outorgou-lhe o honroso título de Defensor da Fé. E Lutero, indignado com Henrique VIII, o chamava “o mais sujo de todos os porcos”.
Mas acontece que Henrique VIII sentiu em si a mesma fraqueza que arrastou David ao pecado e Salomão à perdição.
Um romance – digamos assim, para não dizer coisa pior – se havia formado na vida do Rei. Desejava ele anular seu casamento com a Rainha, sua esposa, para contrair núpcias com outra dama de sua corte. Não conseguindo do Papa a anulação do casamento, ficou colocado em um cruel dilema: ou renunciar à Fé, ou renunciar ao romance. Renunciou à Fé. Fez-se protestante o Defensor da Fé. E o protestantismo abençoou a união ilícita daquele que recebera a alcunha de “mais sujo de todos os porcos”, simplesmente por ter atacado a pseudo-Reforma.
S. Thomas Morus
No que precede, nossos leitores já terão encontrado alguma analogia com a última crise inglesa. É curioso notar que Henrique VIII também encontrou em Thomas Morus, seu Primeiro Ministro, um adversário irreconciliável de seu casamento. Profundamente católico, Thomas Morus recusou-se a abjurar a Fé. Foi condenado à morte. Sofreu o martírio. E hoje brilha nos altares da Igreja Universal, com a auréola da Santidade.
Sem querer atribuir à analogia outro alcance do que o de uma simples coincidência, julgamos interessante mostrá-la a nossos leitores.
A ruptura com Roma
Rompendo com o catolicismo, Henrique VIII teve a preocupação de conservar na igreja anglicana o máximo de verdades religiosas professadas pela Igreja Católica. Repudiou tão-somente o que lhe pareceu indispensável para negar a supremacia do Pontífice Romano e justificar o divórcio.
Este fato explica como, diante da verdadeira decomposição do protestantismo – que hoje em dia confina com o racionalismo e com o ateísmo e que até tem seitas comunistas que se afirmam cristãs (!) –, o angli[canismo permanece aparente-]mente32 coeso e disciplinado.
Ao mesmo tempo, é isto que explica como, tendo a monarquia rompido com a Igreja Católica, ela ainda conservasse uma pujança realmente contraditória com a semente de anarquismo que está no fundo da doutrina protestante.
A relativa fidelidade do anglicanismo ao catolicismo produziu com o tempo, todos os seus frutos lógicos.
As sementes de catolicismo que o anglicanismo conservou, foram a seiva que até agora circulou na estrutura do Estado britânico, e que manteve coesa a igreja anglicana.
As sementes de protestantismo que o anglicanismo adotou, produziram os frutos de anarquia que lhe são próprios. A Revolução que destituiu Carlos I foi um prelúdio. De lá para cá, lentamente, a desagregação das instituições monárquicas se tem acentuado mais e mais. A luta entre o fator ordem católica e o fator anarquia protestante na doutrina anglicana, se projetou no terreno político, com a luta entre o fator amor à liberdade (que o protestantismo transformou em amor à anarquia) e amor à autoridade (que é o apego à monarquia). As duas tendências se têm combatido em uma luta de todos os momentos. E é por elas que se explica a…
Grandeza e decadência da Monarquia
Grandeza, porque nenhum poder temporal está, hoje em dia, colocado mais alto. Firmado em um princípio e não em uma situação de fato como o nazismo, o poder do monarca inglês não se alicerça sobre um entusiasmo de momento, mas sobre um profundo amor da multidão a uma dinastia ligada à História do País.
Decadência, porque este poder, de aparência tão magnífico, é apenas um vestígio do que foi outrora, uma reminiscência histórica, nos quadros constitucionais ingleses.
Poucos são, hoje em dia, os homens que recebem reverências e tantas manifestações de respeito, quanto o Rei da Inglaterra. E, no entanto, poucos são os chefes de Estado mais privados de reais atribuições na vida política do País.
O Clero Anglicano
O clero anglicano se encontra em situação análoga à da realeza. De todas as seitas protestantes, é a mais organizada. E, no entanto, é simplesmente tremenda a anarquia que lavra nas suas fileiras. Conservando as exterioridades litúrgicas tradicionais, tão parecidas com o catolicismo, o anglicanismo se deixou invadir por um modernismo tremendo, que repugna a alguns dignitários da igreja anglicana, mas contra os quais estes sentem que não podem reagir, pois que os princípios protestantes não lhe autorizam qualquer reação eficaz.
Há pastores anglicanos – o fato é relatado por um deles – que são ateus! Há bispos que são maçons. Ainda há pouco, a igreja anglicana pactuou com uma das conquistas mais censuráveis do modernismo que é a limitação da natalidade, que, depois de longa resistência, ela acabou por admitir.
À vista disto, a igreja anglicana está visivelmente cindida em duas correntes, uma que caminha para a volta à Igreja, e outra que caminha para o racionalismo.
A crise inglesa
No início de todos esse processo de decadência, o caso de um Rei. Na véspera da crise final de nossa civilização, nessa hora que Machiavel chamaria a hora 23 de nossa civilização, o caso de outro Rei a dar-lhe talvez o golpe fatal. Foram numerosas e fundamentais as questões que a crise real pôs na ordem do dia.
Em primeiro lugar, a atitude dos bispos que protestaram contra o casamento do Rei com uma divorciada, significa uma posição de reação do anglicanismo contra o divórcio, por cuja aceitação Henrique VIII rompeu com Roma. Fato enorme, na vida religiosa da Inglaterra. Fato de uma incoerência quase monstruosa, se ele não significasse o anseio sincero para uma perfeição que ficou irremediavelmente perdida com a separação de Roma.
Em segundo lugar, ela vem suscitar a questão da separação da igreja e do Estado, questão delicadíssima que põe em cheque a própria coroa, pois que o Rei da Inglaterra é o chefe espiritual e temporal de seus súditos. Separadas as suas atribuições espirituais das temporais, em que situação ficaria ele?
Em terceiro lugar, vem a crise constitucional. Muitos extremistas da direita quereriam que o Rei aproveitasse a oportunidade para se transformar em um Hitler ou um Mussolini coroado. Que fechasse o Parlamento, extinguisse o regime liberal-democrático, e fosse um novo Luís XIV, ao qual não faltaria, na pessoa de Miss Simpson, a respectiva Montespan.
Outros, desgostosos com a atitude real que põe em risco as próprias tradições morais e nobiliárquicas que são o fundamento da monarquia, chegaram a sonhar em revolução.
Enquanto isto, não dormem os comunistas…
A atitude dos católicos
A Igreja Católica vê com simpatia a monarquia inglesa. Ao contrário do que se poderia supor, a Igreja tem mais de uma vez trabalhado para a consolidação do trono inglês, principalmente quando jugulou as tendências republicanas do povo irlandês. É que na Inglaterra, a monarquia é filha da Igreja. Filha rebelde, está sofrendo o necessário castigo. Mas como Deus que a ilumina, a Igreja “não quer a morte do pecador, mas sim, que ele se converta e viva”33. Por esta razão, procura manter a monarquia e tudo aquilo que há de são no regime inglês.
É, pois, com profundo pesar, que a Igreja assiste ao rumoroso caso motivado pelas relações de Eduardo VIII com Miss Simpson. E foi grande seu contentamento pela feliz solução encontrada.
Pesar, porque a Igreja censura, senão explicitamente ao menos tacitamente, o Rei da Inglaterra. Ela, que é o único baluarte da indissolubilidade do casamento no mundo, ela que perdeu a Inglaterra para manter essa indissolubilidade, não pode, não quer e não deve aprovar o gesto do Rei.
Mas essa reprovação não importa em um gesto de desrespeito à majestade da autoridade real.
Poderia a Igreja aproveitar-se da oportunidade, para perguntar aos anglicanos se Eduardo VIII é muito melhor do que alguns Papas de que tanto os protestantes gostam de falar. Chefe da igreja, sua responsabilidade é também religiosa. E Eduardo VIII não pode ignorá-lo.
Mas a Igreja silencia a este respeito. É que, numa situação de tanta dor para a Inglaterra, a Igreja não empunha o látego do verdugo, para ferir a heresia e a majestade do poder constituído.
Como o Pai da parábola, ela só tem, para a antiga Ilha dos Santos, um gesto: o de abrir os braços ao filho pródigo34.
É, pois, com verdadeiro jubilo, que ela vê subir ao Trono um casal principesco, já popular em todo o Império, pela autoridade de suas virtudes domésticas.
Recusando Miss Simpson como Rainha, a Inglaterra deu um passo para trás, no caminho do divórcio.
Seja este passo seguido, em breve, por outros que a reconduzam quanto antes à Casa Paterna.
* * *
“Legionário”, nº 222, 13/12/1936, p. 2
As nações europeias perante o mundo
Mais de uma vez, tem chegado ao “Legionário” o eco da incompreensão que alguns de seus artigos têm encontrado, em certas colônias estrangeiras estabelecidas em São Paulo.
Queixas infundadas
Ainda recentemente, soubemos que uma alta autoridade de uma influente colônia manifestou a impressão de que o “Legionário” é hostil ao seu País. E acontece precisamente que esse País é, depois do Brasil, aquele a quem mais ama o Diretor do “Legionário”. Ama-o pela firmeza inabalável de sua Fé, que abraçou antes de todas as nações europeias, o que lhe valeu uma primogenitura gloriosa. Ama-o pelo esplendor incomparável de sua civilização. Ama-o pela beleza extraordinária de sua História, a cujo estudo carinhoso tem dedicado longas vigílias. Ama-o pela missão que a Providência ainda lhe reserva no futuro. E ama-o ainda pelo ódio especial com que tem sido atacado por todas as forças destruidoras de nossa época, que elegeram nele seu alvo predileto. No entanto, é em relação a este país que, segundo uma opinião muito respeitável, votamos uma fobia especial!
Não é esta a única queixa que o “Legionário” recebeu. Também de leitores de outros países temos notado uma certa reserva, quanto a nossos comentários internacionais. E por esta razão, achamos oportuno esclarecer, de uma vez por todas, nossa orientação a este respeito.
Glorioso papel da Europa
Qualquer europeu, seja ele inglês, alemão, francês ou italiano, sentirá uma natural ufania ao ouvir dizer pelos americanos que a Europa é, ainda hoje, a grande mestra das nações contemporâneas. A incomparável glória de seu passado, a magnificência das civilizações que se têm sucedido em seu vasto e fértil território, o prestígio que alcançaram seus intelectuais, seus estadistas, e seus artistas, tornam-na detentora da bússola pela qual a humanidade se guia. O que se faz na Europa repercute, com grande eco, no mundo inteiro. Uma perturbação política ou social ocorrida no Brasil, na Argentina, na Austrália, nos Estados Unidos ou na China, pode ser um fato de importância meramente local. Mas, desde que ocorra na Europa, é um fato de gravidade mundial.
Cingindo o diadema dessa realeza mundial que exerce, não pelo prestígio das armas, mas pelo valor da inteligência e pelo brilho das artes, a Europa assumiu um papel imensamente glorioso. Mas noblesse oblige. Se ela é o espelho no qual devem mirar-se todas as nações que se queiram tornar grandes e ilustres, ela deve arcar com as consequências da sua hegemonia intelectual.
Devemos cruzar os braços diante do mau exemplo dos dirigentes europeus?
Ora uma das mais inelutáveis consequências dessa hegemonia é o direito que adquirem todos os povos, de examinar detida e imparcialmente o que ocorre na Europa. Quem quer desempenhar um papel mundial atrai sobre si a atenção do mundo inteiro. E dá, implicitamente, ao mundo inteiro, a liberdade de apreciar livremente o que se passa no campo da política europeia.
Mais ainda: quem se coloca sobre o altíssimo pedestal em que se encontra a Europa, tem a obrigação de dar ao mundo exemplos que o edifiquem e orientem para o bem.
Quando não são estes os exemplos que o mundo recebe, o que há a fazer? Pactuar com o mal? Calar-se? Dobrar-se?
Respondam por nós os nossos leitores.
Nenhum católico, no mundo inteiro, pode achar que é edificante o exemplo que dão o camarada Stalin, o Führer Adolf Hitler, o semítico Sr. Blum, o pérfido Sr. Azaña. No entanto, não falta no mundo inteiro gente que se guie pela cabeça de Stalin, de Hitler, ou de Blum. Pela cabeça de Azaña, ninguém se guia, porque a cabeça de Azaña não é senão a IIIª Internacional.
Agora, pergunta-se: devem os católicos cruzar os braços ante essa influência internacional dos chefes dos grandes Estados Europeus? Devem permitir que essa influência se irradie indefinidamente, com detrimento dos sagrados interesses da Igreja?
Mas por quê? Só para não dizer algo que possa desagradar a alguém?
Quem, nas fileiras católicas, ousaria justificar atitude tão monstruosa? Quem ousaria, por um momento sequer, aprovar tão vergonhosa passividade?
Dever inviolável de solidariedade com os católicos que sofrem
Conscientemente, ninguém. No entanto, é a esta passividade que nos conduziria necessariamente a opinião de alguns leitores que acham que o “Legionário” deve imiscuir-se exclusivamente na política brasileira, deixando que os católicos dos outros países “lavem em casa a sua roupa suja”, como diz um prosaico e popular ditado.
Demonstramos que é, para nós, um direito inviolável, o de comentar o que se passa na Europa.
Mais do que um direito, porém, é um dever. Não apenas um dever para com a Igreja, mas também um dever sagrado e inviolável, para com as próprias nações europeias.
Um católico autêntico deve ter bem viva no coração, a chama do amor fraternal que o liga aos seus irmãos na Fé, sejam eles chineses, hotentões, tártaros35, espanhóis, franceses ou alemães.
Não se trata apenas de um amor platônico. O amor sincero é ativo, é zeloso, é diligente. Se amamos nossos irmãos, devemos interessar-nos por eles. E, por isto, se vemos os católicos alemães e russos sofrerem uma perseguição aberta, se vemos os católicos franceses em vésperas de sofrerem o que sofreram seus irmãos russos, se vemos os católicos espanhóis entregues à amargura imensa de uma luta civil que está consumindo todas as forças da gloriosa Ibéria, não podemos ficar indiferentes.
Pelo contrário, temos o dever grave, imperioso, inadiável, dever de honra entre os que mais o sejam, de unir nosso protesto aos protestos dos católicos alemães; de unir nossas lágrimas às de nossos irmãos russos; de unir nossas preces a de nossos irmãos franceses; de unir nossas lágrimas, nossos protestos, nossas preces e nossos esforços, aos nossos irmãos espanhóis e mexicanos.
Apoio entusiasta aos irmãos na Fé
Quando atacamos Stalin, fazemos ato de russofilia. Quando apontamos os erros de Hitler, procedemos como autênticos germanófilos. Quando desmascaramos o Sr. Blum, cumprimos nosso dever de francófilos entusiastas. Quando vituperamos Azaña e Cardenas mostramo-nos fraternais amigos da Espanha e do México. E quando apontamos algumas nuvens que toldam os horizontes italianos, damos provas de uma italianofilia incontestável.
Reflitam sobre isto aqueles de nossos leitores católicos e estrangeiros, cujo nacionalismo se tenha sentido talvez froissé36 com a vivacidade de nossa crítica.
Examinem calmamente os argumentos que aqui ficam. E digam-nos depois, se não temos razão.
* * *
“Legionário”, nº 222, 13/12/1936, pp. 1 e 2
7 dias em revista
Atentem os estadistas brasileiros para o alerta do Santo Padre contra o comunismo
O ambiente político está infestado de mil boatos contraditórios. Há quem diga que os pingos já estão arreados, em demanda do obelisco, como em 1930.
Tudo isto, no final das contas, não é política. É politicagem, e da pior.
Parece dirigida ao Brasil, esta advertência que se encontra no recente discurso do Santo Padre aos refugiados espanhóis: “As manobras comunistas têm por escopo seduzir as massas, fazê-las fermentar e em seguida armá-las e lançá-las contra toda instituição humana e divina. O que, por uma necessidade fatal, não deixará de chegar, e nas condições e proporções bem piores, se por falsos cálculos e por falsos interesses, rivalidades ruinosas, pelo processo egoísta de vantagens particulares, todos aqueles a quem incumbe o dever de manter a ordem não recorrem aos meios de defesa talvez por demais retardados.”
Atentem para ela os estadistas brasileiros.
A História os julgará segundo a fidelidade com que tiverem obedecido a este conselho. Porque à observância deste conselho está ligada a salvaguarda da civilização católica no Brasil.
Ainda a inércia no socorro aos católicos mexicanos
e espanhóis
Até agora, a Conferência Pan-Americana de Buenos Aires ainda não cogitou da situação dos católicos mexicanos.
Nenhuma situação, porém, seria mais oportuna do que esta, para que as nações ibero-americanas – todas elas nascidas sob a influência espiritual da Igreja – se esforçassem por libertar os mártires que sofrem o jugo opressivo e cruel de Cardenas.
Reflitam nisto os católicos que têm alguma parcela de influência política. E vejam se não estão na grave obrigação de providenciar [algo] a este respeito.
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Uma palavra, uma simples palavra que procedesse da Conferência Pan-Americana a respeito do conflito espanhol, teria a maior repercussão.
Absorvida pela sua crise interna, a facção monárquica e conservadora da Inglaterra está paralisada. Estão paralisadas, ou ao menos com a atividade relativamente tolhida, a Alemanha e a Itália. A prova disto está na lentidão com que se processa a tomada de Madrid. E, enquanto isto, a Rússia e a França intervêm à vontade na política espanhola.
Caberia à América manifestar o desejo de que a neutralidade pleiteada pela França não fosse simplesmente uma farsa.
E, no entanto, tudo indica que a América não pronunciará esta palavra salvadora.
Espírito militar altivo e comprovada coragem
Lamentamos a exoneração do Sr. General João Ribeiro. § Pouco conhecemos de sua vida. Apenas acompanhamos com atenção sua atividade na pasta da Guerra.
Sua energia inflexível, seu indefectível amor à disciplina, seu espírito militar altivo e sua coragem comprovada causaram em nós a maior simpatia.
Mas sua demissão teve de vir… Resta-nos esperar que o Sr. General Dutra esteja à altura de seu antecessor.
A “Nota militar” do “Diário de São Paulo”, numa rápida resenha de nossa História militar na República, mostrou os inconvenientes técnicos para a defesa nacional, dessa constante sucessão de ministros e chefes de Estado-Maior.
Mas parece que, com coisas como estas, pouca gente se importa…
Frente única dos protestantes contra o catolicismo
No dia da Imaculada Conceição, as igrejas Presbiteriana do Brasil, Presbiteriana Independente do Brasil, Metodista do Brasil, Episcopal Brasileira, Cristã do Brasil e Congregacional do Brasil, inauguraram um congresso interconfessional que tratou de numerosos temas.
Neste fato, há duas circunstâncias dignas de menção.
A primeira é o empenho dos protestantes em dar à sua propaganda um cunho de brasilidade. Todas as igrejas que se fizeram representar no Congresso anexaram ao seu título a indevida alcunha de brasileira. No entanto, quereríamos saber que fim levariam ditas igrejas se fosse suspensa a subvenção em dólares, que alimenta sua propaganda.
A segunda circunstância é a frente única de todas as confissões protestantes, contra o catolicismo.
Que esta frente única sirva para estimular todos os católicos a, por sua vez, estabelecerem entre si uma união cada vez mais estreita, para fazer face às ditas igrejas e a todos os inimigos da Igreja.
Hitler e o delegado de Piumí…
Em Piumí (Minas), deu-se um fato realmente singular.
O Vigário fez crítica à administração municipal. E o delegado achou-se no direito de proibir que o sacerdote exercesse as atividades próprias à sua situação de Pároco. O caso depende, agora, de decisão judiciária.
Muitos sorrirão à vista dessa notícia. É simplesmente ridículo que um delegadozinho de Piumí se julgue no direito de proibir a um sacerdote que exerça seu Ministério, pelo simples fato de ter discordado de certas medidas tomadas pelo poder temporal. E não é menos ridículo que o “Legionário” se ocupe com isto.
Assim seria, realmente, se o caso não nos permitisse uma consideração muito oportuna: Hitler não estará fazendo coisa muito parecida com o gesto do delegado de Piumí?
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“Legionário”, nº 223, 20/12/1936, p. 2
Porque estamos sós
“O Diário”, a magnífica folha católica de Belo Horizonte, publicou uma nota com o título “À sombra dos louros”, que corresponde exatamente ao ponto de vista do “Legionário”.
O nascimento da Liga Eleitoral Católica
Mais de uma vez, temos insistido sobre a pusilanimidade com que se conduziram os católicos a respeito das reivindicações de 1934. E não será supérfluo repisar um pouco a questão.
Façamos preliminarmente, um pouco de história. Aliás, será interessante fazê-lo, porque se trata de uma história ainda mal conhecida.
Em fins de 1931, toda a imprensa se ocupava com a reconstitucionalização do País, veementemente reclamada pela política paulista. Em conversa, no Rio, com o ilustre leader católico, Tristão de Athayde, teve o autor destas linhas oportunidade para manifestar sua impressão, de que os interesses religiosos do Brasil ficariam gravemente comprometidos se os católicos não influíssem sobre as eleições de que resultaria a escolha dos futuros constituintes. Tristão de Athayde respondeu prontamente que já tinha pensado nisto, e a tal ponto se preocupava com o assunto que já estava em entendimento com um amigo, o Dr. Heitor da Silva Costa, que estava redigindo um esboço dos estatutos de uma futura Liga Eleitoral Católica. Em reunião depois realizada no Palace Hotel, à qual estiveram presentes o atual Diretor do “Legionário”, o Sr. Tristão de Athayde e o Dr. Cláudio Gans, elemento de destaque na vida religiosa do Rio, o Dr. Silva Costa leu o seu projeto de estatutos para a Liga, que foi amplamente discutido. Depois de retocado, foi definitivamente aceito.
Gloriosa arrancada eleitoral de 1933
Imediatamente, Tristão de Athayde pôs mãos à obra. Antes de deflagrar a revolução paulista de 1932, as Juntas, isto é as comissões diretoras do Brasil inteiro, já estavam mais ou menos constituídas. Mal se pacificou o País, começaram os trabalhos eleitorais, em que a Liga teve parte proeminente. Começou aqui a gloriosíssima arrancada eleitoral de 1933.
Seus resultados, ninguém os ignora: a) foram eleitos diversos deputados que eram representantes lídimos e exclusivos do catolicismo; b) foram sufragados, nas listas partidárias, numerosos deputados conhecidos [como] simpáticos ao catolicismo; c) mesmo alguns candidatos indiferentes a assuntos religiosos se comprometeram a defender as reivindicações católicas; d) finalmente, foram aprovadas todas as reivindicações católicas, não somente as que eram esperadas e desejadas pelos católicos, mas algumas que os católicos desejavam, mas não tinham certeza de obter.
A LEC evitou o comunismo no Brasil
Julgará mesquinhamente a obra da Constituinte de 1934, quem quiser tomar em consideração, tão-somente, o resultado positivo da Constituinte.
A bem dizer, se o resultado positivo – isto é, as conquistas alcançadas – foi brilhante, mais brilhante ainda foi o seu resultado negativo. Foi a Liga Eleitoral Católica que evitou o comunismo no Brasil. Sabemos de fonte certa que o Ministro Oswaldo Aranha disse, textualmente, o seguinte, ao Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro: “Se os católicos não se tivessem congregado para interferir nas eleições de 1933, o Brasil estaria, hoje, definitivamente desviado para a esquerda.”
Realmente, quem ainda se lembra da detestável atmosfera política que reinava antes da Constituinte, concordará com o Sr. Oswaldo Aranha. Foi graças ao esforço eleitoral católico de 1933, que o Brasil não ficou socialista ou mesmo comunista.
Tudo indicava que a Igreja pudesse contar com uma Assembleia tão radicalmente católica, que correspondera plenamente à expectativa dos mais ardorosos paladinos do catolicismo. Não só a Assembleia salvara o Brasil do comunismo: lançando alguma água benta sobre a república laica e maçonizada de Benjamin Constant, ela dera um importante passo para a recristianização do País.
No entanto, dias depois das eleições de 1934, verificou-se o contrário.
As reivindicações católicas não foram regulamentadas
Um dos mais rijos inimigos das reivindicações católicas, o Deputado Pedro Aleixo, apresentou um projeto suprimindo o voto livre. O eleitor não poderia compor mais uma chapa mista, escolhendo elementos de diversos partidos políticos. Deveria votar em chapas completas, apresentadas pelos Partidos.
Este projeto implicava em manietar a Liga Eleitoral Católica. O deputado Barreto Campello desenvolveu contra ele uma oposição brilhante e tenaz. Mostrou o representante católico de Pernambuco, à saciedade, o inconveniente que ele encerrava. Mas o projeto foi aprovado e a Liga foi degolada pelos próprios deputados que ela elegera, votando contra o projeto Pedro Aleixo apenas um reduzidíssimo número de católicos da Assembleia. Tristão de Athayde estava tão pessimista – com toda a razão – que nem sequer tentou modificar o curso dos acontecimentos.
A Assembleia funcionou mais nove meses. E não regulamentou uma única reivindicação católica. Por quê? Porque a maioria semicatólica da Assembleia não quis fazê-lo.
Veio depois a Câmara atual. E até agora, nada se fez. O casamento religioso está enterrado em alguma comissão. As capelanias não existem, a despeito da enorme propaganda comunista nas Forças Armadas. O sindicalismo católico não pôde desenvolver-se porque a liberdade sindical da Constituição não foi regulamentada, tudo está no tinteiro. E bem no fundo do tinteiro.
Porque elegeram poucos católicos militantes
Por que isto?
Por duas razões.
A primeira é que os católicos, em 1933, cometeram um erro ao eleger um número excessivamente pequeno de católicos militantes.
Reafirmamos aqui uma tese que é básica: para que uma Câmara legislativa funcione bem, cumpre que ela tenha um número razoável (não precisa ser a maioria, evidentemente) de católicos militantes. Como católicos militantes, entendo gente principal ou exclusivamente católica, em que se tenha absoluta confiança, que frequente assídua e publicamente os sacramentos, que trabalhe na Ação Católica, e que não ponha suas convicções políticas acima de seus deveres religiosos.
Se houvesse grande número de católicos de tal jaez em 1934, a Assembleia Constituinte, antes de se dissolver, teria votado todas as emendas católicas e lhes teria dado a necessária regulamentação.
Mas os católicos elegeram muitos representantes de meias-tintas. E foi essa turma de meias-tintas a que alguém já chamou os “católicos café-com-leite” – isto é, que não são pretos nem brancos –, foi essa gente que torpedeou, por inércia e má vontade, a vitória alcançada com a promulgação da Constituição.
Desinteressaram-se da Igreja e empolgaram-se com a política
Realmente – e vem agora a segunda causa –, os católicos foram, nas eleições de 1934, de uma inabilidade pasmosa. Deixaram-se empolgar pelas preocupações exclusivamente políticas. Desinteressaram-se da Igreja. Desgostaram a todos os católicos de meias-tintas, da Assembleia. Contudo elegeram pouquíssimos dentre os deputados que mais trabalharam para a vitória de 1934. ↓37 [Foi] o próprio Tristão de Athayde quem o disse. Alijaram seus amigos. Desgostaram os simpatizantes. E não desarmaram os inimigos.
Daí o fato de, até agora, ser letra morta a maioria de nossas conquistas.
Foi com imenso prazer que o “Legionário” tomou conhecimento de uma reportagem do “Diário” de Belo Horizonte, sobre a viagem do Sr. Valadares à Bahia. Essa reportagem completa a primeira nota e coincide inteiramente com nosso ponto de vista.
Os políticos brasileiros não têm convicções religiosas
A realidade é a seguinte: a maioria dos políticos brasileiros não têm convicções religiosas. Religião é, para eles, um trambolho. Interessa para obter votos. Mas, no fundo, não simpatizam com ela.
O repórter do diário católico de Minas nos conta, em sua reportagem, que surpreendeu uma conversa de um numeroso grupo de altos políticos baianos e mineiros, sobre religião. Tratava-se de diálogo entre os representantes dos dois Estados em que se realizaram os Congressos Eucarísticos e que se destacaram pelas cortesias oficiais aos Congressistas. § Todos eles manifestaram antipatia à Igreja. Um ou outro, como exceção, manifestou indiferença.
A prova de que este estado de espírito é geral e não apenas mineiro e baiano, o “Legionário” já a tem dado mil vezes. Realmente, por que é que nossos dirigentes não se fartam em prodigalizar gentilezas à Igreja, mas, salvas raríssimas exceções, negam toda e qualquer medida útil à sua obra evangelizadora?
Porque – digamo-lo uma vez por todas – os católicos estão sós. Nem na direita, nem ao centro, eles podem encontrar a piedade dos homens de confiança capazes de amparar seus interesses. Na imensa fileira dos parlamentares da direita ou do centro, há apenas uma ou outra andorinha católica, que não faz Verão.
Quanto à esquerda, nem se fala. Dentro dela, não há salvação.
Como sair dessa dolorosa situação?
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“Legionário”, nº 223, 20/12/1936, p. 1
7 dias em revista
O Sr. Ministro das Relações Exteriores, Dr. José Carlos de Macedo Soares, fez um discurso em um almoço oferecido pelo Rotary a S. Ex.cia e ao Chanceler Argentino.
Nesse discurso, o Sr. Macedo Soares fez ardentes votos para a crescente irradiação dos ideais de bondade e cooperação humana do Rotary Club, exprimindo seu desejo de que o Rotary se desenvolva no mundo inteiro.
Há pouco, a Cúria Metropolitana baixou um edital sobre as determinações da Santa Sé quanto ao Rotary Club. Deve ser confrontada uma coisa com outra.
A Justiça só se encontra aos pés de Deus
O “Dia da Justiça”, no Rio de Janeiro, foi celebrado com uma Missa especial na Igreja de Nossa Senhora da Pompéia. § Foi uma bela ideia essa. A Justiça só se encontra aos pés de Deus. § A Missa foi concorridíssima, comparecendo a ela diversos membros do Supremo Tribunal, etc.
Dias depois, realizou-se em São Paulo a entrega simbólica dos espadins, aos soldados da Força Pública. § E a cerimônia não teve o menor caráter religioso…
Erros da imprensa escandalosa
Os advogados do indigitado criminoso do triste caso do Saco de São Francisco, no Rio de Janeiro, requereram que, à vista do enorme interesse popular em torno do assunto, o júri funcionasse no Teatro Municipal.
O pedido foi indeferido. Mas em todo o caso, ele serve para mostrar o detestável estado de espírito com que muita gente considera o julgamento de um crime.
Culpada disto, é a imprensa escandalosa. Quando aparecerá uma lei capaz de lhe impor eficiente controle?
Silêncio sobre o México, na Conferência de Buenos Aires
Até agora, a Conferência de Buenos Aires mantém-se silenciosa quanto ao México. § Ainda não surgiu, naquela Assembleia, o grito de protesto que a consciência religiosa do país espera.
E, infelizmente, tudo indica que a Conferência se encerrará, sem que o assunto seja ventilado.
Confere.
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Não se encerrou, no entanto, a Conferência, sem um minuto de silêncio pela Espanha. Fazer um minuto de silêncio é o meio mais prático de não fazer nada, quando a opinião pública exige alguma coisa.
Seria muito bom que a Conferência observasse só um minuto de silêncio quanto à Espanha. O pobre México, nem isso conseguiria. Para os nossos pobres irmãos martirizados, foram milhares e milhões os minutos de silêncio.
Confere, também.
Aplausos ao projeto de lei do Senador Falcão
O Senador Waldemar Falcão, que foi um dos mais aguerridos representantes da Liga Eleitoral Católica na Constituinte de 1934, propôs um projeto de lei estabelecendo severas penalidades administrativas para os professores que se servirem de suas cátedras para fazer propaganda esquerdista.
Nossa inteira solidariedade.
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“Diário de São Paulo”, 21/12/1936
João Alfredo Corrêa de Oliveira
Ignoramos as razões por que o riquíssimo arquivo deixado pelo Conselheiro João Alfredo ainda não tentou o talento e a curiosidade de algum biógrafo. Nesse arquivo, a par de documentos históricos de primeiro valor figuram trabalhos do Conselheiro ainda inéditos, entre os quais uma história da Revolução de 1817 em que é cabalmente demonstrada a tese de que a maior parte de seus cabecilhas não desejava a proclamação da República.
A princípio, mentalidade anticlerical e regalista
O certo é que uma biografia de João Alfredo constituiria um estudo psicológico de interesse palpitante, pois a sua evolução intelectual dos princípios dissolventes e igualitários de 1789 a um catolicismo sincero e praticante, oferece uma complexidade de aspectos em nada inferior à conversão de Nabuco ou Calógeras.
Eleito deputado aos vinte anos, sua longa atividade política só sofreu uma interrupção de cinco anos, quando se extinguiu a primeira legislatura de que fez parte. Em toda a sua longa carreira, João Alfredo mostrou-se profundamente embebido dos preconceitos dissolventes da Revolução Francesa e os defendeu sempre com ardor. Particularmente na famosa questão religiosa, sua atuação revelou o cunho fortemente anticlerical e regalista da mentalidade dos estadistas de então. Com [o] vigor que ele imprimia a todas as suas atividades, João Alfredo não hesitou em tomar a defesa da maçonaria liberal, contra a Igreja; e na violência da luta, não lhe detiveram os passos nem sequer os laços do parentesco e amizade que o prendiam ao jovem Bispo D. Vital G. de Oliveira.
Obediente às suas convicções liberais
Depois de golpear a fundo o Altar, João Alfredo viu com tristeza que chegava a vez do Trono, de quem ele era extremo defensor. No entanto, ainda aí, com uma coerência surpreendente em um liberal, não desmentiu seus princípios. Quando ele era Ministro do Império, interpelou-o alguém sobre as providências tomadas contra a propaganda republicana que grassava em todo o País. João Alfredo respondeu que não tinha providências a tomar, pois que, se algum dia os brasileiros optassem pela mudança do regime, ele saberia obedecer às injunções da maioria soberana.
Tibieza de opiniões? Indiferença para com a forma de governo? Não. Quando se proclamou a República, João Alfredo profundamente desgostoso, afastou-se definitivamente da política. Se cruzou os braços ante a propaganda republicana, fê-lo portanto por mera obediência às suas convicções liberais.
Um dos maiores estadistas do Império
No entanto, esse liberal de grande estilo era, no cenário de nossa política, um autêntico Bismarck taciturno, de poucas palavras. Sua tática parlamentar se destacava pela perícia das manobras efetuadas com virulência disciplinadora de um chefe e a habilidade aveludada de um maneiroso diplomata. Muito cedo, pela manhã já era visto a percorrer as residências dos deputados, confabulando com uns e com outros, animando, coordenando, estimulando, ameaçando. Nos debates parlamentares era antes de tudo um general que dirigia de cima e de longe, sem se envolver pessoalmente na peleja oratória. Mas quando o fazia, entrava no mais renhido do fogo, com a ferocidade fogosa de um nordestino combativo, a atacar, defender, argumentar, vencer. João Alfredo era grande orador e disso deu provas sobejas, que hoje já ninguém discute. No entanto, seu invariável silêncio no Parlamento chegou a lhe valer a injusta fama de mau orador. Arcou com essa fama, em holocausto às suas ideias. O sacrifício foi duro, mas premiado de êxito, e quando João Alfredo encerrou sua carreira vitoriosa, a unanimidade dos brasileiros o aclamava como um dos maiores estadistas do Império.
Esse Bismarck taciturno e autoritário destoava singularmente do ambiente de retórica brilhante e talvez excessiva do Parlamento Imperial. Agia-se muito, falava-se mais ainda do que se agia. E assim parecia um prodígio a reserva inflexível do ilustre tribuno pernambucano, seu espírito autoritário e sua catadura de ditador.
De liberal combativo, a católico fervoroso
Realmente havia em João Alfredo uma contradição íntima, que era um superavit de sua grande inteligência, em relação às ideias do século. Mal prevenido contra elas, por uma educação talvez deficiente do ponto de vista da segurança doutrinária, João Alfredo as abraçou por muito tempo. Mas sua inteligência lúcida e seu temperamento forte fizeram dele um liberal autoritário, amigo da ordem tanto quanto da liberdade. No estudante, no tribuno, o amor à liberdade excedia o amor à ordem. No ministro, que viu do alto as verdadeiras necessidades do país, o amor à ordem acabou por vencer o amor à liberdade. E, com isso, João Alfredo foi evoluindo lentamente, até chegar ao polo oposto do liberalismo, que é o catolicismo.
O antigo perseguidor de bispos morreu católico fervoroso. No-lo atestam seu testamento e suas “últimas palavras”, em que pede a Misericórdia de Deus para a sua grande alma, que deposita no regaço da Igreja Católica. Bem antes de morrer, fizera-se membro da Ordem Terceira do Carmo, em que tomou o nome de Irmão João da Cruz, e foi com o hábito austero dos penitentes do Monte Carmelo que quis ir à última morada, para aguardar lá a ressurreição.
Seu fim piedoso e sereno seguindo-se a uma vida de liberal combativo faz lembrar involuntariamente a famosa sentença: “L’Église est une enclume qui a usé bien de marteaux”38.
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“Legionário”, nº 224, 27/12/1936, p. 1
Glória a Deus no Céu, e paz na terra aos homens de boa vontade
Enquanto os anjos de nossos piedosos presepes ostentam dísticos em que se lê: “Glória a Deus nos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade”39, a imprensa diária está cheia de notícias terríveis que destoam tristemente da promessa angélica.
Nada justifica a inércia e o pessimismo
Há no Mundo contemporâneo três grandes correntes, que se convencionou chamar da esquerda, do centro e da direita. Em nenhuma delas, o Cristo, se nascesse hoje, poderia encontrar refúgio seguro.
Nos arraiais da esquerda, o Natal será comemorado com horríveis sacrilégios. Os túmulos violados; a santidade dos lugares sagrados profanada; as imagens, outrora veneradas, hoje atiradas à fogueira por entre horríveis imprecações; as famílias destroçadas; a honra imaculada das virgens de Deus ou do lar, entregue a um bando de salteadores infrenes; a velhice abandonada sem defesa à sanha criminosa de bandidos que causariam horror ao próprio Barrabás. É assim que a esquerda comemora o Santo Natal.
No centro liberal, o espetáculo, sem ser tão negro, não deixa de ser profundamente triste. O Sr. Blum tenta roubar à Igreja a sua gloriosa Primogênita. E atiça em surdina as brasas com que reeditará na França os horrores da Espanha. Nos Estados Unidos, na Inglaterra, em outros países menos distantes, a política liberal fecha os olhos à propaganda comunista, manifestando cegueira que confina a um tempo com a covardia de Pilatos e a ganância de Judas. Alguns lavam as mãos, dizendo-se irresponsáveis pelos desatinos de uma multidão que lhes caberia jugular. Outros, com o beijo do Judas, traem a Igreja Católica, abandonando-a nas mãos de seus inimigos, tintas de sangue.
Na direita, o Sr. Hitler já tem, para o Cristo, preparada uma Cruz. Apenas, para não ser muito arcaico, deu ao seu instrumento de tortura um it40 de modernismo: a forma suástica.
Na Itália, os Rocos e os Croces, os Gentiles, procuram lançar contra Cristo o novo César, como os judeus intrigavam os Imperadores Romanos com os primeiros cristãos.
Por toda a parte, só encontramos ódio, rancor, perseguição.
E, no entanto, cumpre que não desanimemos. Não seríamos dignos da graça inestimável do Batismo que recebemos, se permitíssemos que o pânico se apoderasse de nós. Nem na ordem natural, nem na ordem sobrenatural, há motivos que justifiquem a inércia e o pessimismo.
Que os católicos proclamem o cristianismo como seu único Salvador
O que a Igreja espera, hoje em dia, de seus filhos, é a realização de uma tarefa ao mesmo tempo muito grande e muito simples. Ela quer que todos os católicos (os católicos dignos desse nome, e não a turbamulta dos pagãos que usam rótulo católico), com uma persuasão vigorosa e magnífica, se ergam no tumulto do Mundo contemporâneo, proclamando o cristianismo como seu único Salvador.
“Único”, dissemos. E insistimos sobre esta palavra.
Erraria crassamente, quem supusesse que o Cristo só veio salvar a humanidade de seu tempo. Em todos os tempos, em todos os países, para todos os povos, em todos os perigos, em todas as dificuldades, apesar de todos os pecados, Cristo é o único Salvador.
Nosso Senhor Jesus Cristo é a base da civilização
Os países democráticos pensam que podem atingir a prosperidade e a paz, por meio de pequenas receitas políticas em que misturam, em doses variáveis, a autoridade e a liberdade. Loucura e ilusão. Se eles não aceitarem as normas sociais e morais da Igreja, se não derem ao catolicismo a influência preponderante a que tem direito, não escaparão à ruína. De reforma em reforma, rolarão para o abismo.
Os países da direita pensam que o braço vigoroso de um ditador lhes pode restituir a felicidade. Loucura, ainda, e ilusão. Porque o maior homem do mundo, dotado da mais lúcida inteligência, da mais alta moralidade, da mais vigorosa energia, do mais formidável poder, não conseguiria organizar convenientemente um povo que vivesse entregue à anarquia intelectual e efetiva que, fora da Igreja, é inevitável. Um povo é um conjunto de homens. Um povo disciplinado não pode ser composto de homens anarquizados no mais íntimo do seu ser, como um copo de água pura não pode constar de um conjunto de gotas de água impuras.
Cristo como base da civilização e as formas do governo como aspectos secundários e acidentais da vida de um povo, eis aí uma das grandes lições do Natal.
Trabalhar, sofrer, imolar-se pela Igreja
Mas, dirá alguém, Cristo é um Salvador ausente. Eternamente mudo, atrás da cortina de nuvens que O escondem no Céu, Ele não se mostra à humanidade aflita, e esta então corre à busca de outros pastores.
É horrível dizê-lo, mas há entre católicos quem fale assim. Há ainda quem não ouse falar, mas pense assim. E há quem não ouse pensar, mas sinta assim!
Daí o existirem católicos que têm mais esperança na ação da democracia ou das direitas, do que na ação do Cristo.
Ah! São esses os corações que recebem a visita eucarística do Cristo, mas não recebem o seu Espírito: “In propria venit, et sui eum non receperunt” 41.
Ah! São esses os corações que ouvem a palavra do Cristo, vinda do Vaticano, e não conhecem na voz do Papa o timbre da voz de Deus. A palavra do Papa ecoa no mundo, e o mundo não a conhece: “Lux in tenebræ lucet, et tenebræ eam non cognoverum” 42.
O Cristo, para o bom católico, não está ausente. Na Eucaristia, Ele está tão realmente quanto esteve na Judéia. E do Vaticano fala tão verdadeiramente, quanto falou ao Povo de Israel.
A Igreja é tão seguramente guiada pelo Cristo em 1936, quanto o eram os Apóstolos antes da Ascensão.
O que o Cristo quer fazer, fá-lo por meio da Igreja. O que o Cristo quer dizer, di-lo por meio do Papa. Logo, a Igreja, em certo sentido, é onipotente e onisciente porque é instrumento da onipotência e porta-voz da onisciência de Deus.
Se Cristo é o Salvador único, a Salvação virá da Igreja.
Trabalhar, lutar, sofrer, rezar, imolar-se ou sacrificar-se alegremente pela Igreja, deve ser o fruto desta meditação de Natal. § Porque todas as causas e todos os ideais devem vir depois da suprema Causa e do supremo ideal da Igreja.
A civilização materialista se arma para uma hecatombe
Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens de boa vontade43.
Um dos erros mais frequentes entre católicos consiste em considerar a missão do Salvador como definitivamente encerrada com a sua Ascensão ao Céu.
Em geral, supõe o povo que, tendo subido ao Céu, Jesus Cristo deu por finda a obra redentora para cuja realização veio à Terra. E a Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo é hoje um episódio histórico do passado, tão distante de nós quanto as guerras de Augusto ou a morte de Cleópatra.
Desse erro fundamental, decorre outro ainda mais grave44.
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“Legionário”, nº 224, 27/12/1936, p. 2
Reflexões em torno da
Revolução Espanhola
É curioso notar as diversas atitudes que tem tomado a opinião pública a respeito da Revolução Espanhola.
Ingenuidades quase escandalosas
Há, em primeiro lugar, os que acham que a Revolução é ilegítima, porque investe contra um poder legitimamente constituído, como seja o do Sr. Azaña. Mesmo sem discutir a legitimidade do governo espanhol, que é discutibilíssima, essa opinião tem um cunho de ingenuidade quase escandalosa.
Realmente, parece pasmoso que se vá invocar o princípio de autoridade para apoiar um governo que chamou a si a sinistra tarefa de desorganizar toda a vida política e social da Espanha. Essa obra de geral anarquização tinha como escopo evidente facilitar a infiltração comunista na Espanha. O governo do Sr. Azaña não era um governo, pois que seu programa era o desgoverno. E, portanto, nenhuma obediência lhe era legitimamente devida.
Mas há gente mais ingênua ainda. Não invoca o princípio de autoridade, mas invoca a caridade cristã. Há quem entenda que, uma vez que Jesus Cristo perdoou seus adversários, e aconselhou que estendêssemos o outro lado do rosto a quem nos desse uma bofetada45, a vocação dos católicos consiste em morrer, ceifados como carneirada inútil pela metralhadora dos revolucionários comunistas.
Realmente, Jesus Cristo recomendou o perdão. Mas o perdão para o pecador arrependido. Só depois do arrependimento da Madalena, Ele lhe perdoou os pecados46. Com os pecadores impenitentes, os que recusam a obediência à voz de Deus, que os chama à penitência, o Cristo tem outra conduta: a que lemos na passagem evangélica dos vendilhões do Templo47.
Cruzar os braços é traição, covardia e deserção
Quanto à legítima defesa, é um dever. Ninguém pode permitir que a Cristandade seja dizimada por uma quadrilha de malfeitores. Ninguém pode consentir em que as coisas sagradas, os lares, os monumentos, sejam reduzidos a um montão de cinzas. Ninguém tem o direito de cruzar os braços, quando a honra das virgens consagradas a Deus sofre horrendos atentados, por causa da cupidez de alguns monstros.
Falar em sentimento cristão de tolerância, de indulgência, de benignidade, em relação aos comunistas é, pura e simplesmente, pregar a traição, a covardia, a deserção, em nome de Jesus.
Em jogo, o governo de Jesus Cristo ou de Karl Marx
Não menos blasfema é a atitude dos que se preocupam tão-somente com a paz. Há verdades duras de serem ouvidas, mas que purificam as almas que as recebem. Uma delas é a seguinte: por mais preciosas que sejam todas as vidas que se estão perdendo na Espanha, por mais deploráveis que sejam todos os padecimentos que enlutam a Pátria de Santa Teresa, tudo isto é uma insignificância em comparação com a grandeza da causa que está em jogo.
O que na Espanha se discute é se o mundo deve ser governado por Jesus Cristo, ou por Karl Marx. Toda a civilização católica, todos os princípios de moral, todas as tradições, todas as instituições de que se orgulham os ocidentais, desaparecerão irremediavelmente, se vencer o comunismo. A luta da Igreja contra os soviets é a luta de Deus contra o demônio, de tudo quanto há de nobre, contra tudo quanto há de ignóbil, de tudo quanto há de bom, contra tudo quanto há de mau.
Imenso valor do sangue derramado na Espanha
À vista disto, pergunta-se: não é muito e muito bem empregado o sangue que se está derramando na Espanha, se da efusão desse sangue de mártires resultar a vitória da civilização contra a barbárie?
Pensar que a Igreja Católica se ocupa, ou deve ocupar-se tão somente com a pacificação do mundo, poupando a efusão de sangue sem olhar para os resultados de uma paz intempestiva, é dizer que a Igreja deve renunciar à defesa dos interesses de Cristo, para salvar algumas vidas que, se não forem destruídas hoje, serão dia mais, dia menos, roubadas pela morte.
A intervenção do Papa será movida por razões superiores
Mas, dirá muita gente, os telégrafos anunciam que o Santo Padre cogita de intervir na Espanha, para obter um armistício entre as tropas beligerantes.
Não sabemos até que ponto possa ser verdadeira esta notícia. No entanto, é indispensável, para que se conserve intacto o senso católico de nossos leitores, que eles compreendam que o Papa nunca interviria na Espanha com o exclusivo escopo de evitar a efusão de sangue, indiferente ao prejuízo que uma paz intempestiva acarretaria para a Espanha e a civilização. Se o Santo Padre realmente vier a falar em paz, é porque razões de ordem superior – todas elas hauridas no mais puro e intransigente amor à Igreja e à Espanha – o levarão a isto. Nunca, porém, qualquer sentimento de humanitarismo mórbido seria capaz de ter influência em sua mentalidade de escol, amparada pela graça do Espírito Santo.
Não se pode pedir a Deus uma paz que resulte da semi-vitória dos comunistas
Muita gente dirá que estamos errados, porque em nossas igrejas têm sido feitas preces pela paz na Espanha, e não pelo triunfo dos revolucionários.
Bela objeção. Ela revela uma completa ignorância do ABC da doutrina católica.
Ninguém poderia, licitamente, dirigir a Deus a seguinte súplica: “Dai a paz à Espanha, ainda que a paz redunde em benefício para os comunistas, vossos mais rancorosos inimigos. Contanto que a paz reine na Espanha, pouco importa que eles persigam vossa Igreja, matem vossos ministros, destruam vossos templos. O que queremos é a paz.” Tal súplica seria uma blasfêmia. E nunca encontraria guarida no Coração infinitamente justo de Deus.
Quisemos chamar a atenção dos nossos leitores sobre este assunto, porque muita gente tem incidido em dois erros funestos a este respeito.
O primeiro erro consiste em supor que, porque nas igrejas se reza pela paz, a Igreja quer qualquer paz. Não, a Igreja só quer a paz que é, segundo diz S. Tomás, “a tranquilidade da ordem”48. E nunca a paz resultante de uma semi-vitória do comunismo, o que seria, quando muito, a tranquilidade da desordem.
O segundo erro é mais funesto. Porque, se o primeiro revela falta de senso católico, este segundo revela indisciplina religiosa. A ninguém seria lícito censurar nosso Clero por rezar pela paz na Espanha. À boca pequena, correm em certos círculos censuras desse gênero. Tais censuras são filhas da ignorância. É preciso ver que sentido o Clero dá às suas súplicas pela paz.
Mas, ainda que o Clero não tivesse razão, deveriam os católicos calar-se. Porque Jesus Cristo organizou sua Igreja de modo a que os sacerdotes tenham autoridade sobre os leigos. E nunca os leigos sobre os sacerdotes.
* * *
“Legionário”, nº 224, 27/12/1936, p. 1
7 dias em revista
Um Léon Blum-mirim nos horizontes paulistas
Prometemos, em nosso [próximo] artigo de fundo, tratar pormenorizadamente de alguns tópicos do discurso do Sr. Paulo Duarte49.
A primeira nota que no discurso feriu nossa atenção, foi a visível vermelhidão de alguns de seus trechos.
Evidentemente, não é o “Legionário” que tomaria a si a defesa dos hobas e das granfinas tão merecidamente ridicularizados pelo Sr. Paulo Duarte.
Nem por isto, porém, podemos compreender a sistemática antítese que S. Ex.cia estabelece entre o “rico estúpido” e o “pobre inteligente”. Por que se há de supor que o rico é sempre estúpido e que o pobre é sempre inteligente?
No terreno das reformas sociais, o Sr. Paulo Duarte tem frases ambíguas. Como o Sr. Léon Blum, ele afirma não ser comunista. Mas, ainda como o Sr. Blum, pleiteia reformas sociais cujas exatas proporções ninguém pode prever, tal a amplitude com que ele as formula.
Teremos, nos horizontes paulistas, um Blum-mirim?
Ideais da Revolução de 30 ou o espírito das tradições cristãs?
Há um tópico do discurso do Sr. Paulo Duarte, que merece um comentário especial. Diz S. Ex.cia que a Universidade de São Paulo e o Departamento de Cultura estão destinados a realizar os ideais da Revolução de 30.
Que ideais? Os do famigerado espírito revolucionário do Club 3 de Outubro?
Quando inaugurou nossa Universidade, o Sr. Márcio Munhoz fez um discurso em que declarou que o espírito que regeria a novel instituição seria o das tradições cristãs.
O que faz dessa declaração oficial o Sr. Paulo Duarte?
Para ser decifrado pelos sabidos…
Deixamos aos nossos leitores a título de quebra-cabeça uma pergunta.
O Sr. Von Ribbentrop, embaixador alemão em Londres, sofreu recentemente algumas críticas dos jornais londrinos, por um discurso em que acusava o Komintern russo de estar perturbando a paz na Alemanha.
Entre outras críticas – todas injustas – destaca-se a seguinte do “Manchester Guardian”: § “O Sr. von Ribbentrop deve sua situação atual ao Komintern, porquanto sem os comunistas, os nazistas jamais teriam chegado ao poder.”
Qual o alcance desta afirmação? O que significa ela?
Decifrem-na os sábios, ou melhor os sabidos.
Combatividade proveitosa e incenso inútil
Merece uma nota de elogio a carta que à Associação dos Jornalistas Católicos, dirigiu o Sr. Valentim Gentil, Secretário da Agricultura de São Paulo.
Nesta carta, o Sr. Valentim Gentil faz uma calorosa profissão de Fé católica. E manifesta sua confiança no efeito benéfico do catolicismo em nossa vida pública.
* * *
Merece também um caloroso elogio a atitude dos Srs. Vereadores Naclerio Homem, Thiago Masagão Filho e José Cyrillo, que, invocando suas convicções religiosas, votaram contra a oficialização do carnaval.
Isto sim, não é incenso inútil, mas combatividade proveitosa.
* * *
A Conferência Pan-Americana resolveu comunicar as deliberações tomadas, ao Papa e à Sociedade das Nações.
Isto é incenso inútil, e não simpatia sincera.
Do que adianta comunicar ao Papa os resultados da Conferência? Para que ele veja que esta foi indiferente ao destino de seus filhos mexicanos?
* * *
Trabalho realizado em dezembro de 193650
Os católicos e o problema político
I – Soluções propostas (exposição)
É geralmente reconhecida pelos católicos a necessidade de se arregimentarem no terreno político, para promover uma defesa eficiente de seus interesses espirituais.
Se muito pouco se tem feito até agora, nesse sentido, é porque qualquer espírito ponderado sente grande perplexidade de cogitar do modo [pelo qual] ↓51 a atuação política dos católicos se deve concretizar.
Realmente, se bem que a necessidade de uma organização política das forças católicas seja imperiosa e inadiável, todas as soluções até hoje apresentadas oferecem as maiores dificuldades.
Examinemos essas soluções.
I – A primeira delas é a formação de um partido católico. S. Ex.cia Rev.ma o Sr. Bispo de Bragança52, por exemplo, manifestou-se há dois ou três anos atrás favorável a essa ideia. Chegou a organizar um partido em sua Diocese, por ocasião das eleições de 1933. E recusou-se sempre a fundar a Liga Eleitoral Católica.
II – A segunda solução é a restauração da Liga Eleitoral Católica.
III – A terceira, consiste em aconselhar os católicos a que entrem para todos os partidos políticos que não sejam explicitamente contrários à Igreja, procurando conquistar sua direção e orientá-los segundo os princípios católicos.
IV – A quarta, finalmente, consiste em aconselhar a todos os católicos a que façam uma frente única nas fileiras integralistas, com todos os homens de boa vontade, para esmagar as hostes ateias do comunismo.
Nenhuma dessas soluções é totalmente boa, ou totalmente má. Em outros termos, nenhuma delas está despida de vantagens, nem de desvantagens. Mas a proporção de vantagens ou desvantagens em todas elas, não é igual.
É o que passamos a demonstrar.
II – Soluções propostas (crítica)
a) Partido Católico
Na hipótese de ser verdadeira a versão de que a Santa Sé teria proibido a formação de um partido católico no Brasil, esta ideia já encontraria diante de si uma grande dificuldade.
Entretanto, essa determinação pontifícia, a existir, parece que deve ser antiga, e, visando a situação brasileira na época em que foi dada, poderia evidentemente ser objeto, agora, de uma reconsideração. Incontestavelmente, a situação religiosa, política e social do Brasil passou por uma profunda transformação e a própria posição da Igreja em face dos problemas de ordem temporal é bem outra, dado o novo regime de colaboração entre a Igreja e o Estado instituído pela Constituição de 1934, e também devido às possibilidades atuais dos católicos. Não somos, pois, dos que julgam a ideia da formação de um partido católico irremediavelmente comprometida.
Achamos, porém, que a ideia, embora viável, apresenta dois graves inconvenientes:
1) Um partido católico, por sua própria natureza, deve intervir em questões políticas, ainda que não sejam relacionadas com os interesses da Igreja. Não se compreende um partido que não tenha um ponto de vista formado sobre a política monetária, a estabilização do câmbio, o plano rodoviário nacional, etc. Ora, a maior parte dessas questões, em si mesmas, são indiferentes ao catolicismo. E um partido católico que tomasse uma atitude em face de tais problemas dividiria suas forças sem proveito algum para a Igreja. Realmente, tratando-se de matéria contingente, os católicos são livres de opinar de acordo com suas preferências pessoais e seria quase impossível reunir todos os sufrágios católicos em torno de questões dessa natureza.
2) Um partido católico faria necessariamente concorrência aos outros partidos políticos, no terreno dos interesses pessoais e partidários, ainda que estes não fossem explicitamente anticatólicos. Com isto se criaria uma situação dificílima para a Igreja em nossa política.
3) Finalmente, um partido católico, como qualquer outro partido, poderia vir a ser uma espécie de agência de colocação, sindicato de interesses individuais onde as preocupações pessoais asfixiariam o idealismo que deveria ser o único móvel de seus membros.
Não podemos, no entanto, deixar de reconhecer, nessa solução, algumas vantagens inestimáveis:
1) Ao contrário da Liga Eleitoral Católica, um partido católico não agiria em nome da Igreja, mas sob exclusiva responsabilidade dos católicos que o dirigissem. Isto lhe daria uma liberdade de ação muito maior que a da Liga. Há muitas questões em que a Autoridade Eclesiástica tem interesse em fazer prevalecer certo ponto de vista particularmente vantajoso para a Igreja, mas em que, por outro lado, não lhe convém tomar oficialmente uma atitude. Os membros do partido católico poderiam, sem inconveniente algum, assumir essas atitudes.
2) Ao contrário dos políticos inscritos nas nossas diversas correntes políticas, os membros de um partido católico teriam por único objetivo de sua atuação pugnar pelos interesses católicos, o que não é possível fazer num partido neutro, em que a disciplina exige sempre a subordinação ↓ [de] todos ↓53 [a] seu programa. Ora, é indiscutível que se torna muito mais eficiente a defesa dos interesses católicos numa agremiação em que eles sejam sua única razão de ser.
b) Liga Eleitoral Católica
A Liga Eleitoral Católica prestou um grande serviço. Seu insucesso final seria, porém, inevitável, ao menos falando-se humanamente.
O sucesso da Liga consistiu no seguinte:
1º evitou que tivéssemos uma Constituinte inteiramente socialista;
2º inscreveu na Constituição diversas reivindicações católicas importantíssimas54.
Quanto ao primeiro ponto, o Ministro Oswaldo Aranha declarou ao Sr. Cardeal D. Sebastião Leme, que, se o Brasil não descambou para o socialismo por ocasião da Constituinte, deveu-o exclusivamente à atividade eleitoral da Igreja. E o Sr. Alcântara Machado disse que a obra da Constituinte de 1934 foi grande, não tanto pelo bem que fez, como pelo mal que evitou.
O fracasso da Liga esteve em que, nas eleições de 193455, ela se houve com tal inabilidade, que elegeu uma Câmara incapaz de regulamentar as conquistas de 193356, de sorte que, até agora, a Constituição é, por vezes, letra morta. Letra morta, quando não letra que mata, como no caso do casamento religioso.
Quais as razões do insucesso da Liga?
Enumeremos os fatos, sem fazer comentários.
Quando estavam quase por terminar os trabalhos da Constituinte, a Junta Nacional do Rio de Janeiro fez constar que distribuiria a todos os Ex.mos Rev.mos Srs. Bispos do Brasil uma circular em que se mencionaria os nomes dos deputados que, particularmente, se tinham assinalado na defesa dos interesses católicos.
Entretanto, essa circular não seguiu, porque houve, à última hora, receio de melindrar os que não tinham andado bem.
Resultado: os deputados que mais trabalharam pelas emendas católicas não foram reeleitos. Costa Fernandes e Trayahú Moreira, do Maranhão; Irineu Joffily, do Piauí; Luís Sucupira, do Ceará; Barreto Campello, Arruda Falcão e Luís Cedro, de Pernambuco; Lacerda Pinto, do Paraná; e Adroaldo Mesquita da Costa, do Rio Grande do Sul, não foram reeleitos. E entretanto, foram os mais eficientes.
Como compensação, Jeovah Motta e Hyppolito do Rego57 – pela ausência dos quais a Liga perdeu a única emenda derrotada que teve –, Moraes Andrade, Alcântara Machado, Polycarpo Viotti58 e outros que tais, foram todos reeleitos.
Por quê? Porque, na hora de tomar uma atitude um pouco polêmica, com risco de desagradar personalidades, ou facções, a Autoridade Eclesiástica sentiu o inconveniente daí decorrente. Na sua sabedoria, preferiu não agir. E das eleições saiu a Câmara atual.
Portanto, a Liga Eleitoral Católica, embora tivesse conseguido organizar os católicos sem os dividir por questões temporais, possibilitando assim o triunfo de suas reivindicações religiosas na Constituinte, não pôde agir com o desembaraço que um partido teria, pelo perigo de expor o Episcopado Nacional, através de atitudes que, num partido católico, ninguém estranharia. Este fato confirma o que dissemos acima sobre as vantagens decorrentes de um partido católico.
c) Infiltração dos católicos nos partidos
Para muita gente, é de grande proveito a infiltração dos católicos nos partidos políticos. A experiência, contudo, demonstra o contrário. O que lucrou a Igreja com os inúmeros deputados católicos do PRP, do PC, do integralismo, dos partidos de Minas e do Rio Grande, etc., que figuram atualmente nas Câmaras estaduais e no Poder Legislativo Federal? A soltura dos comunistas, o ensino religioso homeopaticamente concedido por meia hora por semana, a lei sobre o casamento religioso com todas as dificuldades que poderá suscitar…
Ao se eleger por um partido, visa um católico, na melhor das hipóteses, orientar esse partido no sentido de o transformar em defensor de tudo quanto possa interessar à Igreja no terreno político. Ora, não poderá conseguir a realização desse intento quem não chegue a contar, no seio do partido, com inúmeras amizades e certo prestígio que lhe permitam exercer uma influência eficiente junto aos seus companheiros. Entretanto, para adquirir tais simpatias, é obrigado a primar pelo ardor partidário e pela disciplina.
Preso por essa solidariedade partidária e por essa disciplina política, muitas vezes fica inutilizado para a Igreja, de tal modo se deixa absorver pelos interesses do partido. Isto é tanto mais fácil de suceder quanto é verdade que os partidos políticos manifestam um gosto indisfarçável de “empurrar para a frente”, nas lutas políticas, os católicos eleitos em suas fileiras. Veja-se, por exemplo, o que se tem passado com os nossos partidos: o Rev.mo Padre Castro Nery, convidado pelo PC para saudar o Sr. Armando Salles de Oliveira, no banquete que deu origem ao rumoroso incidente entre aquele sacerdote e o General Waldomiro Lima; os Rev.mos Padres J. B. Carvalho e Leopoldo Aires, incluídos na chapa do PRP, com uma destacada atuação de propaganda eleitoral; os Srs. Moraes Andrade, Leopoldo e Silva e Laerte Setúbal, tomando atitudes gritantes na Câmara; o Sr. Sebastião Medeiros, frequentemente convidado a figurar em casos políticos caracteristicamente partidários, como no caso da nulidade da eleição do Sr. Cardoso de Mello Netto… Eleito pelo voto dos Congregados Marianos, o Sr. Sebastião Medeiros empenhou ingentes esforços para obter a destituição do Sr. Cardoso de Mello Netto59, que é melhor do que muita gente. Entretanto, ninguém lhe conhece iguais esforços desenvolvidos em benefício de qualquer medida de caráter religioso.
Daí o não ter havido na atual legislatura estadual e federal um único deputado que desse um só passo realmente eficiente em prol da Igreja.
d) Ingresso dos católicos no integralismo
Parece-nos também defeituosa a quarta solução.
Não que recomendemos uma política de hostilidade dos católicos em face do integralismo. Mas achamos que o integralismo não pode nem deve, para a Igreja de Deus, ser considerado como tábua de salvação.
O Santo Padre definiu, certa ocasião, o colégio católico como sendo o estabelecimento de ensino de católicos, dirigido por católicos e tendo professores e alunos católicos.
Aplicando ao nosso caso as palavras do Santo Padre, diremos que uma organização eleitoral católica deve ser composta de católicos que guiem outros católicos.
O integralismo não oferece uma segurança de doutrina imprescindível para que a ele se entreguem os católicos, de pés e mão atadas. A natureza absorvente dessa agremiação reduz à impotência ou à inércia voluntária todos aqueles que a ela se filiam. Nem tão pouco oferece o integralismo, para a Igreja, as garantias de respeito à sua liberdade no regime que pretende instaurar.
Suas afirmações de fazer uma política recristianizadora, sua declaração de fé em Deus, seus propósitos de defender a Pátria e a família contra o comunismo ameaçador, são muito vagos e imprecisos, dando margem a que pessoas de grande influência na sua direção professem opiniões muito perigosas para os católicos por suas afinidades com as modernas doutrinas políticas do Estado totalitário.
É verdade que no integralismo há germens que autorizam a esperança de uma situação melhor para o futuro, por uma segurança maior nas instituições fundamentais da ordem social em que vivemos contra as ameaças do comunismo. Mas quem é capaz de assumir perante Deus a responsabilidade de garantir que o integralismo não venha tornar a situação da Igreja muito embaraçosa, ou mesmo opressiva, diante dos excessos absorventes do Estado totalitário?
Se a Igreja já obteve, no Brasil, as condições necessárias para a sua liberdade de ação, não vemos por que os católicos, em vez de tornar tais condições realmente eficazes ampliando os meios que lhes fornece a legislação vigente, hão de procurar modificar o atual regime das relações entre a Igreja e o Estado por processos que poderão acarretar todos os inconvenientes dos regimes de concordata, ou coisa parecida, de que nos dão exemplo alguns países da Europa.
Se o integralismo fosse o único remédio possível contra o comunismo, não resta dúvida que seria o caso de os católicos ingressarem em suas fileiras, procurando o quanto possível evitar os males a que ele pode dar lugar, e imprimir-lhe uma orientação bem favorável à Igreja.
Mas se podem eles contar com outros meios para fazer fren[te]60 ao perigo comunista, sem se expor aos males possivelmente decorrentes do integralismo e sem necessidade de se deixar absorver enormemente por uma agremiação, por sua própria natureza muito absorvente, por que não fazê-lo? Tanto mais que a organização dos católicos em corrente política própria não impossibilitaria sua eventual cooperação com o integralismo no combate ao comunismo.
III – Sugestão apresentada
À vista das razões acima expostas, na crítica das diversas sugestões propostas para resolver o problema da atitude política dos católicos, concluímos que a melhor solução seria organizar uma entidade que:
1) como o Partido Católico, não envolvesse a autoridade da Igreja em suas deliberações, e tivesse toda a liberdade de atuar no terreno político;
2) ao contrário do Partido Católico, não atraísse hostilidades das outras correntes;
3) como a Liga Eleitoral Católica, não dividisse os católicos em assuntos de interesse estranho à doutrina católica;
4) ao contrário da Liga Eleitoral Católica, pudesse oferecer à opinião católica as garantias provenientes de uma representação católica sem peias partidárias na Câmara do Deputados;
5) ao contrário dos partidos políticos, evitasse para os representantes católicos as peias de uma rigorosa disciplina num partido que tenha seus maiores interesses em assuntos indiferentes à doutrina católica;
6) que, finalmente, oferecesse garantias de ortodoxia que o integralismo não apresenta.
Para esse fim, dever-se-ia constituir uma corrente política de católicos, com direção aparentemente autônoma das Autoridades Eclesiásticas. Essa corrente não seria um Partido. Poderia denominar-se, por exemplo, União Cívica de Católicos.
1 – Finalidade e meios de ação
A União deveria promover a eleição, em chapa independente, de alguns nomes nítida e exclusivamente católicos, desligados de qualquer laço partidário.
A União teria por finalidade a elaboração de boas leis e a fiscalização dos atos do governo que interessassem à doutrina católica e à ação da Igreja, incluindo-se a defesa preventiva e repressiva contra o comunismo. Não se interessaria por ocupar cargos no Poder Executivo, uma vez que um pequeno bloco parlamentar poderia impedir qualquer desvio do Poder Executivo no aplicar as leis. Portanto, não seria necessário a conquista do Poder Executivo, nem tão pouco do Poder Judiciário.
A continuar a situação política tal como está atualmente, nem mesmo seria preciso que a União formulasse o programa de conquistar maioria parlamentar. Bastaria um pequeno grupo de deputados – 10 no máximo, na Câmara Estadual –, para imprimir um rumo decisivo às questões de interesse católico.
Seria, entretanto, indispensável que esse grupo fosse composto de católicos moços e combativos, que aliassem, a uma dedicação sem reservas à Igreja, uma grande prudência e moderação, que nunca levassem por mal aquilo que poderiam obter por bem, mas que não recuassem ante qualquer dificuldade.
Assim constituída, a União:
1) não comprometeria o Episcopado, nem a Igreja;
2) não seria forçada a arcar com a antipatia dos outros grupos políticos, que não veriam nela uma concorrente perigosa para os seus interesses materiais, isto é, para sua insaciável ambição de conquistar o governo, de fazer política no Poder Judiciário, etc.;
3) no entanto, poderia trabalhar eficientissimamente para a Igreja, fiscalizando os católicos eleitos eventualmente por outros partidos e denunciando à opinião pública certas manobras gravíssimas e inomináveis que estão prejudicando profundamente os interesses católicos e que só de viva voz podem ser expostas.
2 – Programa
Como programa, a União declararia que consagra larga parte de suas preocupações ao combate contra o comunismo. Nesse sentido, propugnaria não só pela sua repressão policial feita com toda a eficiência, como também por uma legislação capaz de proporcionar ao povo as condições imprescindíveis para que a propaganda comunista não encontre terreno propício, como acontece muitas vezes devido ao desamparo das classes pobres, à corrupção de costumes, etc.
Exigiria, por exemplo:
1) julgamento decente dos comunistas presos em Novembro de 1935, e não a mera pantomima que se está fazendo;
2) fiscalização séria da entrada de agitadores e de dinheiro para os comunistas, o que está sendo feito de modo imperfeitíssimo;
3) leis sociais de assistência ao operário, de proteção à moralidade pública, de difusão da influência moralizadora da Igreja e regulamentação conveniente das reivindicações católicas de 1934;
4) organização criteriosa da censura à imprensa, de modo a impedir a circulação de certos jornais, revistas e folhetos atentatórios da moralidade pública, que, certas vezes, com a sua ação insidiosa, fazem mais pelo comunismo do que uma propaganda direta.
Desde já se poderia ir examinando a possibilidade de instauração de um regime corporativo, que não implicasse, no entanto, numa remodelação de grande alcance na estrutura do Estado brasileiro, mas que fosse o fruto da boa organização das classes sociais favorecida pelo Estado.
Não se tocaria, ao menos por enquanto, em reforma do Estado. A União dar-se-ia por satisfeita com o status quo estabelecido pela Constituição Brasileira no tocante às relações entre a Igreja e o Estado, como meio por ora perfeitamente adequado para a Igreja realizar sua ação de reforma da sociedade, acima de tudo pela educação cristã e a moralização dos costumes. Julgando ser esta ação espiritual da Igreja a mais imperiosa e urgente necessidade da Nação brasileira, como de todo o mundo, procuraria proporcionar as condições políticas imprescindíveis para o seu bom prosseguimento. Neste sentido, teria sempre em vista a subordinação da ação política à ação religiosa, única realmente capaz de salvar a civilização contemporânea da crise por que passa. Assim sendo, poderia perfeitamente dispensar uma reforma do Estado, já que as condições atuais do Estado brasileiro permitem o desenvolvimento dessa ação religiosa. Trataria de manter essas condições e fazer com que fossem realmente aplicadas as reivindicações católicas reconhecidas pela Constituição de 1934 e que ainda dependem de regulamentação legal para a sua boa execução (que se fez até hoje pelas capelanias no exército? e a recente lei sobre casamento religioso não implica numa série de dificuldades para as Autoridades Eclesiásticas? tudo isso são falhas que a União procuraria corrigir dentro do regime político da Constituição de 1934, sem ser necessária uma reforma do Estado).
3 – Organização interna
A União se comporia, no seu órgão diretor, exclusivamente de católicos que tivessem feito um juramento sem reservas de obediência à Autoridade Eclesiástica, guardando sempre o maior sigilo sobre esse juramento e as ordens recebidas.
Como nas modernas correntes políticas, os dirigentes da União não seriam eleitos. A Diretoria se renovaria a si mesma, podendo o regulamento estabelecer a renovação obrigatória dos cargos, pelo seu terço, em cada três ou quatro anos, ouvida a Autoridade Eclesiástica. Evitar-se-ia a perpetuidade [bem]61 como a eleição, sempre perigosa.
A União recrutaria seus elementos principalmente entre católicos militantes. Não condenaria os católicos filiados a outras correntes. Reconhecendo ser lícito aos católicos entrar em qualquer partido, faria ver, no entanto, que os mais zelosos e mais perfeitos deveriam pertencer à União.
4 – Atitude do Episcopado
O Episcopado tomaria perante a União a seguinte atitude:
1) não proibiria a nenhum católico o ingresso no PRP, no PC ou no integralismo;
2) aplaudiria a fundação da União como sendo coisa mais perfeita e mais apostólica.
Declarando ainda nada ter de comum, a União agiria exatamente como o Episcopado Belga em relação ao Partido Católico.
5 – Possibilidades
Afirmamos que, se os fundadores desse movimento soubessem ou souberem agitar bem a opinião, terão consigo uma força imensa: só na Arquidiocese de São Paulo, há 150.000 pessoas inscritas em associações religiosas.
Para que essas pessoas compreendessem o alcance da obra, seria necessário uma educação cívica anterior. Com tal fim, o “Legionário” começaria a fundar em todos os bairros centros de educação cívica católica, com cursos populares vivos e modernos, muito feitos para impressionar o povo, em que esses assuntos seriam expostos de forma acessível e simples.
Posteriormente, tais centros, cujo diapasão de voz se iria tornando cada vez mais alto, teriam todo um movimento formado. Seria, então e só então, a hora de lançar a União Cívica de Católicos.
O “Legionário” poderia ser o órgão dessa União, como dos Centros.
Tais centros seriam fundados em primeiro lugar na Arquidiocese de São Paulo. Só depois de aí iniciado seu funcionamento, seriam estendidos ao interior. Antes de serem organizados em qualquer Diocese, seria ouvido o Ex.mo Rev.mo Sr. Bispo Diocesano, sem cuja autorização nada se faria e a quem seriam expostos os planos dos Centros e, eventualmente, da União.
* * *
1) (N. do E.) {é}.
2) (N. do E.) {ele}.
3) (N. do E.) Organização francesa, fundada em 1927 por Maurice Hanot, e composta por antigos combatentes. De orientação nacionalista e anticomunista, foi dissolvida em 1936 pelo Front Populaire de Léon Blum.
4) (N. do E.) Pavilhão em forma de barco, construído para os bailes carnavalescos desse ano, no Vale do Anhangabaú.
5) (N. do E.) Amantes.
6) (N. do E.) A política antes de tudo.
7) (N. do E.) Cortejar, agradar, aproximar.
8) (N. do E.) Domingos Fernandes Calabar (c. 1600-1635) – militar brasileiro, educado por jesuítas. Foi um dos primeiros a se apresentar para a resistência contra os calvinistas holandeses, tendo sido, inclusive, ferido na defesa do Arraial de Bom Jesus, em 1630. No entanto, em 1632 passou-se para o lado protestante. Grande conhecedor do terreno, sua colaboração mudou os rumos da luta, ampliando a penetração holandesa no Nordeste. Em 1635 foi aprisionado e enforcado por traição.
9) (N. do E.) “7 dias em revista”, “Legionário”, nº 204, de 9/8/1936.
10) (N. do E) “Os governos europeus observam com atenção a viagem do Cardeal Pacelli aos Estados Unidos”, “Legionário”, nº 216, de 1º/11/1936.
11) (N. do E.) Moeda portuguesa de pouca valia, do tempo de D. João I. Emprega-se para designar algo de valor insignificante.
12) (N. do E.) Remédios para todos os males.
13) (N. do E.) Remédio, medicamento caseiro.
14) (N. do E.) Abismo.
15) (N. do E.) General-de-Divisão Miguel Cabanellas Ferrer, comandante da 5ª Divisão Orgânica, sediada em Saragoça.
16) (N. do E.) Associação dos Jornalistas Católicos.
17) (N. do E.) Transcrevemos em seguida a descrição da cerimônia, conforme publicada na própria “Echos” (pp. 82 e 83):
“Enfim, raiou 22 de novembro, foi o remate: 45 bacharelandos concluíam o seu curso fundamental, no seu Arquidiocesano. Paraninfou a turma o Ex.mo Sr. Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, nome muito conhecido e acatado nas esferas intelectuais, políticas e católicas. […]
“A Diretoria, os Bacharelandos em companhia do Ex.mo Sr. Paraninfo, aguardavam a chegada do Ex.mo Sr. Arcebispo de São Paulo, Conde D. Duarte Leopoldo e Silva. Poucos minutos antes das 20 horas, podíamos genuflexos beijar o anel do nosso amado Arcebispo, agradecendo a honra com que S. Ex.cia nos distinguia.
“Às 20 horas, D. Duarte e a distinta turma, acompanhada pelo Ex.mo Paraninfo, pelo Ex.mo Sr. Inspetor Federal, Rev.mo Padre Antônio Rao, pelo Ex.mo Dr. Manuel do Carmo, ex-inspetor, pela Diretoria do Colégio e Corpo docente, deram entrada, sob verdadeira tempestade de palmas, e numerosas pétalas de rosas caíram sobre D. Duarte e Bacharelandos. A orquestra rompeu com a marcha triunfal. Ocupados os lugares e dentro de recolhido silêncio, o Rev.mo Irmão Bento Gabriel, em breves e tocantes palavras, declarou aberta a sessão que ia conferir o grau de Bacharel à 34ª turma do Colégio Arquidiocesano!!!
“O Rev.mo Irmão Ambrósio fez a chamada e proclamou as notas que cada candidato obteve, desde o exame de admissão até à quinta série. Foi entregue a cada um, finíssimo pergaminho, pelo Ex.mo Sr. Paraninfo, recebendo a bênção do Ex.mo Sr. Arcebispo.
“O orador da turma, Sr. Nelson Kobal, pronunciou seu discurso de despedida, ouvido com muita atenção e sendo muito aplaudido.
“Enfim, os desejos de toda a assistência vão ser satisfeitos.
“Levanta-se o Ex.mo Sr. Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, sendo saudado por nutridas palmas. S. Ex.cia prende todas as atenções sendo numerosas vezes freneticamente aplaudido.
“Como sabíamos que S. Ex.cia não ia ler o discurso, tomamos dois ótimos taquígrafos, eis porque podemos oferecer na íntegra, às Ex.mas Famílias, aos amigos e aos amáveis leitores dos “Echos”, esse primor. […]
“Nossos mais sinceros agradecimentos ao Ex.mo Sr. Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, DD. Paraninfo.
“Ao Ex.mo Sr. D. Duarte, nosso venerando Arcebispo e bondoso pai, genuflexos, pedimos especialíssima bênção para todos os alunos e Ex.mas Famílias.”
18) (N. do E.) Cf. 2Tm 4, 7.
19) (N. do E.) Transcrevemos, em seguida, o trecho do discurso do Sr. Nelson Kobal, referente ao Paraninfo:
“Senhor Paraninfo:
“Na Idade Média, época da galanteria, era com ânsias que o jovem aguardava a data em que seria armado cavaleiro. Seu padrinho era escolhido com meticuloso cuidado, entre os mais ilustres nobres; devia distinguir-se pela coragem e pela virtude. Com carinhoso desvelo era preciso selecionar o melhor dentre os melhores.
“Hoje, em pleno século XX, é com veemente desejo que a juventude espera o dia de sua formatura. Nós aguardamos hora por hora este momento. E na escolha de nosso Paraninfo, fomos meticulosos ao extremo. Olhamos por todos os prismas, seja o da Fé, seja o da Moral, seja o da Ilustração. Fostes vós, o eleito para apadrinhar-nos nesta cerimônia. Temos orgulho de vos possuir como patrono. Ilustre entre os ilustres; ilustre pela fé, ilustre pela ciência, ilustre pelas letras. Paladino do Catolicismo, vossa pena brilhante, vossa palavra ardente, estão ao serviço da Igreja. Quando na Constituinte representastes a Terra de Anchieta, fostes o incansável batalhador da Religião. E muitos artigos de nossa Carta Magna foram por vós inspirados.
“Estamos ansiosos por ouvir brotar de vossos lábios, as frases que para sempre guardaremos em nosso coração. Frases de um guia experimentado nas lides do mundo, a aconselhar os que vão dar o primeiro passo na longa estrada da Vida.”
20) (N. do E.) Palavras pronunciadas por S. Remígio – Bispo de Reims –, ao batizar Clóvis, rei dos Francos.
21) (N. do E.) Ernest Renan (1823-1892) – escritor e historiador francês. Tendo perdido a Fé, abandonou a vocação eclesiástica e tornou-se racionalista.
22) (N. do E.) Gustave Flaubert (1821-1880) – escritor francês, um dos mais destacados representantes do romance realista na França.
23) (N. do E.) Cf. At 10, 38.
24) (N. do E.) Cf. Mt 5, 1-12.
25) (N. do E.) A vôo de pássaro. Em sentido figurado significa: por alto, superficialmente, de relance.
26) (N. do E.) Cf. Lc 11, 17.
27) (N. do E.) Mons. Michael von Faulhaber, Cardeal-Arcebispo de Munique (1869-1952) – um dos principais opositores ao nacional-socialismo alemão, com papel preponderante nos protestos contra a violação da Concordata e as violências feitas à Igreja. Trabalhou no documento que serviu de base à Encíclica Mit brennender Sorge (Com profunda ansiedade), lançada por Pio XI, em março de 1937, condenando o nazismo.
28) (N. do E.) {por que}.
29) (N. do E.) Mons. Karl Joseph Schulte, Cardeal-Arcebispo de Colônia (1871-1941) – outro forte adversário do nazismo, tendo também desempenhado papel relevante nos trabalhos que levaram à publicação da Encíclica Mit brennender Sorge (Com profunda ansiedade), de Pio XI.
30) (N. do E.) Mons. Kasper Klein.
31) (N. do E.) Termo que tem sua origem em La Jacquerie, insurreição popular havida na região de Beauvais (França), em 1358, após a desastrosa derrota de Poitiers, contra os ingleses.
Um dos desastres da batalha foi a prisão do rei de França, João II, o Bom. Seu filho, Carlos V, o Prudente, convocou Estados Gerais a fim de pedir homens e dinheiro para continuar a guerra. Não tendo tido sucesso, dissolveu ditos Estados Gerais e convocou-os por províncias, atingindo então seu objetivo. No entanto, o desagrado entre os camponeses foi tal que estalou uma sublevação formidável. A conduta do povo foi indisciplinada e brutal, mas infrutífera. A repressão foi terrível.
32) (N. do E.) Por falha técnica, falta no original uma linha, que se procurou reconstituir com o trecho entre colchetes.
33) (N. do E.) Ez 33, 11.
34) (N. do E.) Cf. Lc 15, 11-32.
35) (N. do E.) Hotentotes – povo pastoril e nômade, que habita no sudoeste da África, numa região que engloba Botsuana, Namíbia e África do Sul.
Tártaros – povo guerreiro e nômade originário da Mongólia, que se espalhou pela região do Mar Cáspio.
36) (N. do E.) Ofendidos, melindrados.
37) (N. do E.) {É}.
38) (N. do E.) “A Igreja é uma bigorna que gastou muitos martelos” – frase atribuída a Théodore de Bèze (1519-1605), discípulo e sucessor de Calvino.
39) (N. do E.) Lc. 2, 14.
40) (N. do E.) Algo de, um quê de.
41) (N. do E.) “Veio para o que era seu, mas os seus não a receberam” (Jo 1, 11).
42) (N. do E.) “A luz brilha nas trevas, e as trevas não a compreenderam” (Jo 1, 5).
43) (N. do E.) Lc 2, 14.
44) (N. do E.) O artigo acaba neste ponto, parecendo, no entanto, estar incompleto.
45) (N. do E.) Cf. Lc 6, 29.
46) (N. do E.) Cf. Lc 7, 36-49.
47) (N. do E.) Cf. Jo 2, 13-16.
48) (N. do E.) Cf. Suma Teológica, II-II, q. 29, a. 1, ad 1. Na realidade S. Tomás está citando, nessa questão, S. Agostinho: “A paz de todas as coisas é a tranquilidade da ordem. A ordem é a disposição que atribui a cada coisa o seu lugar, às iguais e às desiguais” (A Cidade de Deus, XIX, 13, 1).
49) (N. do E.) Ver no próximo volume o artigo “Ponto de honra”, “Legionário”,
nº 225, de 3/1/1937.
50) (N. do E.) Trata-se de um trabalho inédito, datilografado em 12 laudas de papel ofício. Dr. Plinio não o datou, nem indicou seu destinatário. Pelo contexto, parece ter sido elaborado em dezembro de 1936, como se pode constatar lendo o artigo “Porque estamos sós” (“Legionário”, nº 223, 20/12/1936). Por esse motivo se optou por incluí-lo neste volume da Opera Omnia. Os títulos e subtítulos são do próprio Autor.
51) (N. do E.) {por que}.
52) (N. do E.) D. José Maurício da Rocha.
53) (N. do E.) {a}, {o}.
54) (N. do E.) O programa da LEC era constituído por dez pontos (cf. “Programa da LEC”, no II volume desta coleção, p. 4). Destes, cinco constituíam as reivindicações mínimas da LEC, e foram todos inseridos na Carta Magna:
– invocação do nome de Deus (Preâmbulo: “Pondo nossa confiança em Deus”);
– assistência espiritual facultativa às Forças Armadas, hospitais, penitenciárias, etc. (Art. 113, 6: “Sempre que solicitada, será permitida a assistência religiosa nas expedições militares, nos hospitais, nas penitenciárias e em outros estabelecimentos oficiais.”);
– indissolubilidade do vínculo conjugal e reconhecimento dos efeitos civis ao casamento religioso (Art. 144: “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.”; e Art. 146: “O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa (…) produzirá (…) os mesmos efeitos que o casamento civil.”);
– ensino religioso facultativo nas escolas (Art. 153: “O ensino religioso será de frequência facultativa.”);
– equiparação ao serviço militar, da assistência espiritual prestada pelos sacerdotes (Art. 163 §3º: “O serviço militar dos eclesiásticos será prestado sob forma de assistência espiritual e hospitalar às forças armadas.”).
Citamos a Constituição conforme foi publicada no “Diário do Poder Legislativo”, ano II, nº 198, 19/12/1935.
55) (N. do E.) Eleições de 14 de outubro de 1934, para a Câmara dos Deputados.
56) (N. do E.) Ver, a este respeito, o artigo “Porque estamos sós”, “Legionário”,
nº 223, 20/12/1936.
57) (N. do E.) O primeiro foi eleito pelo Ceará e o segundo por São Paulo.
58) (N. do E.) Os dois primeiros foram eleitos por São Paulo e o terceiro por Minas Gerais.
59) (N. do E.) Carlos de Moraes Andrade e José Joaquim Cardoso de Mello Netto, eleitos pelo PC para a Câmara federal; Laerte Setúbal, eleito pelo PRP para a Câmara federal; Sebastião de Magalhães Medeiros e Tarcísio Leopoldo e Silva, eleitos pelo PRP para a Câmara estadual.
60) (N. do E.) Neste ponto há uma quebra de linha com mudança de folha. O Autor, certamente por distração, coloca um hífen dividindo a palavra, mas não a termina na página seguinte.
61) (N. do E.) Palavra de três toques, de difícil inteleção no original.
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