Apresentação
Com que idade uma pessoa define sua mentalidade e decide o rumo da vida? As opiniões dividem-se e a resposta não é fácil de dar, tantos são os fatores que entram em jogo. Contudo, o parecer generalizado é de que essa deliberação é feita na juventude, por vezes, já a caminho da idade adulta, durante os estudos universitários. Seria então que o jovem tomaria contato com ideias e tendências novas, confrontando-as com o sistema vigente, aderindo a elas ou rejeitando-as.
Apesar das aparências apontarem neste sentido, o Autor das presentes Notas Autobiográficas tinha sobre o assunto um conceito diametralmente oposto. As grandes resoluções da vida, ou seja, a escolha entre o bem e o mal, a vocação, as principais preferências, são realizadas em idade muito precoce, quase de modo imperceptível. É nas tendências manifestadas na primeira infância que se discerne o pendor da criança para o futuro. E, como diz o ditado, para o lado que se inclina a árvore é para onde tombará. Assim também, quando uma pessoa chega à adolescência e à juventude, salvo as exceções de regra, ela tomará as decisões no mesmo sentido que suas tendências já vinham indicando antes. A cada idade dará alguns passos a mais e definirá com maior clareza sua posição em face da realidade, da própria consciência e de Deus.
No Volume I destas Notas Autobiográficas pudemos constatar como o Autor, em sua infância, viveu num verdadeiro paraíso de inocência, cercado pelo ambiente tradicional e recatado de seu lar, e afagado pela solicitude materna de Dª Lucilia. Essa inocência primeva de sua alma, enriquecida e elevada pela graça do Batismo, ele a amou com todo o ardor de seu coração. Sua grande opção, para a vida, estava fundamentalmente tomada.
No entanto, ele não tinha ainda sido confrontado com o mal, não havia passado pelo crivo da provação nem fora temperado pela luta.
É o que veremos neste Volume II das Notas Autobiográficas de Plinio Corrêa de Oliveira. Ao ingressar no Colégio São Luís, ele encontrou no ambiente estudantil o oposto do que aprendera em seu lar. Imediatamente se deu um choque de mentalidades entre o novo modo de ser, que imperava entre seus colegas, e o antigo, alicerçado na Fé Católica, à qual ele aderira sem restrições. Agora apenas se confirmava com mais solidez a determinação já feita outrora, nos primeiros anos da infância.
No presente volume é abarcado o período da adolescência do Autor, desde seu ingresso no colégio até o ano de 1922. É uma fase crucial de sua vida, na qual ele se viu posto em face da nova mentalidade imperante e da grande transformação de costumes ocorrida no pós-guerra.Testemunha atenta e cuidadosa, apesar da pouca idade, ele apresenta uma lúcida e penetrante análise das complexas mudanças havidas então, sob o ponto de vista psicológico e sociológico, mas, acima de tudo, moral e religioso.
No começo de sua vida escolar, Plinio sentiu um marcante contraste entre duas mentalidades ou dois modos de ser. O antigo ambiente da Belle Époque(1), penetrado pelos princípios da ordem cristã e europeia, cheia de tranquilidade, seriedade e distinção, era aos poucos substituído pelas novidades provenientes da América do Norte e veiculadas pelo cinema de Hollywood, sendo a agitação, a trivialidade e a vulgaridade, muitas vezes apresentadas como expressão da irreligião e do ateísmo.
Para o jovem Plinio, tais fenômenos não constituíram acontecimentos aos quais ele poderia assistir com indiferença ou imparcialidade. Pelo contrário, a avalanche que submergia a sociedade ocasionou para ele uma séria e transcendental questão de consciência. Qual deveria ser a sua atitude? Aderir aos novos estilos, aceitos pela generalidade dos coetâneos? Apegar-se incondicionalmente aos valores de um passado que parecia fadado a desaparecer? Seu entranhado amor à Igreja Católica levou-o a encontrar a solução, fazendo-o tomar uma decisão que orientaria toda a sua existência.
Diante dos leitores desfilarão também diversos aspectos da existência cotidiana do Autor, no período entre os seus dez e treze anos de idade, tais como preferências em matéria de estudos, leituras históricas, distrações e passatempos, bem como as suas profundas reflexões a respeito de tudo o que observava ao seu redor. Merecem especial destaque as apreciações sobre numerosas mentalidades e psicologias com que ele travou contato nessa quadra de sua vida, o seu enorme encanto ao descobrir a eminente personalidade do Imperador Carlos Magno – em circunstância de todo fortuita – e o seu enlevo ao encontrar as maravilhas da Idade Média.
Na elaboração deste volume foram seguidos os mesmos métodos adotados na preparação do primeiro. A matéria foi extraída exclusivamente de gravações das conferências e conversas do Autor, cujo estilo coloquial procurou-se manter, fazendo as adaptações indispensáveis para uma obra escrita.
Para melhor compreensão dos assuntos abordados, os compiladores optaram por uma divisão temática da obra, dentro da sequência cronológica. A abundância de aspectos tratados pelo Autor em suas exposições gravadas não permitiu esgotar os temas relativos aos acontecimentos ocorridos entre os anos de 1919 e de 1922 – matéria da presente edição –, razão pela qual alguns desses tópicos foram reservados para o próximo volume.
1 “Bela Época”: período que abrange os anos posteriores à Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), até os primórdios da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
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