Grandes mudanças no panorama mundial
O período entre os anos de 1918 e 1932 foi marcado por um dos acontecimentos mais importantes da História: o fim da Primeira Guerra Mundial.
Um “filho” que se tornou “pai”
A intervenção dos Estados Unidos havia decidido o desenlace desse grande conflito.
Os navios norte-americanos, magníficos, possantes e fortes, tinham transposto o oceano numa velocidade que naquele tempo impressionava, e deles haviam desembarcado tropas jovens, adestradas e bem nutridas, com armas excelentes e equipamentos formidáveis, carregadas de mantimentos e munidas de tudo quanto era necessário para combater com a maior eficácia possível. Os soldados franceses, ingleses e alemães, marcados de cicatrizes, muitos deles gloriosamente veteranos e com várias condecorações, viram chegar aquela rapaziada moderna, “vitaminizada” e alegre, que entrava na guerra com otimismo, contra os Impérios Centrais1 estafados.
Essa entrada fizera pender a balança dos acontecimentos e determinara a vitória da Tríplice Entente2 – a Inglaterra, a França e a Itália –, estafada também.
Os exércitos norte-americanos combateram e venceram com coragem, sem dúvida, mas tratava-se sobretudo de um triunfo da técnica. Eles possuíam armamentos magníficos e transportes excelentes, enquanto a França, em certo momento da guerra, para levar seus soldados ao front3, tivera de mobilizar todos os táxis de Paris…
A Primeira Guera Mundial
“Soldados franceses, ingleses e alemães marcados de cicatrizes, gloriosamente veteranos, viram chegar aquela rapaziada moderna e alegre, que entrava na guerra com otimismo”
Então, os Estados Unidos realizaram o papel que poderia fazer certo filho num lar desafortunado: os pais, pessoas veneráveis que agiram bem durante a vida inteira, chegados à velhice e tocados por alguma senilidade, começam a brigar. O filho sabe disso e, com chave própria, entra na casa paterna e diz:
“Mas o que é isso? Qual é a briga?” Os dois se submetem ao juízo do filho, o qual decide: “Quem tem a razão é tal! Agora, vamos fazer as pazes”. E obriga-os a assinarem cartas recíprocas de reconciliação.
Nesse caso, o problema mais importante não consiste em saber quem está com a razão, se o pai ou a mãe, mas em constatar que o filho se tornou “pai” e os pais se tornaram “filhos”. Se foi ele quem decidiu, se agora tem a palavra final, e se os pais não são mais capazes de carregar o peso das resoluções em casa, tudo está de cabeça para baixo.
Aos olhos do mundo, após uma longa guerra entre nações gloriosas, mas exaustas pelo peso do passado, entraram os Estados Unidos – país rico, jovem e saudável – e perguntaram a um lado e outro: “Impérios Centrais, Nações da Entente, por que brigais? Agora, decido eu: é o lado franco-britânico-italiano que tem razão. Impérios Centrais, varro-vos, modifico-vos, limito-vos, divido-
vos! Está feita a paz na Europa!”
Isto implicava, evidentemente, em afirmar que o futuro pertencia aos Estados Unidos e que os “velhotes” europeus, tremblotants4, acomodavam-se como podiam, sentavam-se nas suas respectivas cadeiras e faziam as pazes porque o filho assim o ordenara. Continuavam a olhar-se mutuamente com raiva, mas não ousavam brigar porque ele estava ali, alegre e de braços cruzados. Chegara a vez de ele mandar.
Diante do esplendor da jovem e gigantesca nação norte-americana, a Europa, bela, conservadora e respeitável, mas esmagada pela guerra, parecia aposentada pelos fatos e impossibilitada de resolver seus problemas, a não ser na medida em que o colosso a ajudasse. Continente nimbado pelas glórias do passado, é verdade, mas incapaz de dominar o presente e, sobretudo, de produzir o futuro.
Humilhada e quebrada, ela passou a se enfeitar para disfarçar a velhice, tornando-se a Europa dos museus, onde ainda se fazia um turismo agradável. A terra das coisas belas e dos contos de fada, que não tinham mais razão de ser, era substituída por uma nova potência.
A opinião pública mundial teve subitamente a noção de que seu próprio eixo se deslocara: a Europa fora outrora o centro das atenções, mas, agora, o mundo passava a apresentar um outro ponto de referência.
Influência dos Estados Unidos no mundo
O prestígio da vitória produziu uma onda de entusiasmo admirativo no mundo inteiro. Todos os olhos começaram a observar essa América do Norte, que entrava em cena como grande potência decisiva.
A palavra “americano” tornou-se sinônimo de modernidade.
Estados Unidos! A nação do senso prático, da riqueza sem fim, das fábricas quilométricas que produziam, em série, artigos incontáveis e esparramavam uma prosperidade ainda não imaginada; o país em que, para manter o ritmo dessa máquina de progresso, se construíam arranha-céus de quarenta ou cinquenta andares, o que naquele tempo era muito…
Ao mesmo tempo, tratava-se de um povo alegre, o qual não tinha passado realmente pelas tragédias da Grande Guerra; que via diante de si décadas ou séculos de riqueza crescente; dispondo de um exército ultramecanizado, com poucos heróis, mas muitas máquinas e, por causa disso, capaz de esmagar facilmente qualquer nação heróica; com o almighty dollar, o onipotente dólar que comprava tudo e resolvia tudo.
Uma avalanche de civis norte-americanos invadiu a Europa para festejar a vitória de seus soldados e aliados. Os recém-chegados eram novos-ricos que traziam, sobre colunas de ouro, seus berços vulgares, suas maneiras triviais e seus modos ordinários de ser, mas gastavam fantasticamente.
Alguns deles, por exemplo, depois de passarem algum tempo em Paris, cidade do brilho, da moda, do prazer e do luxo, gastando quanto entendiam – ou seja, quase nada, pois o dólar valia muito mais do que o franco –, embarcaram num trem que os deixaria no porto de Le Havre, a fim de regressarem aos Estados Unidos. No caminho, beberam bastante… E, tendo os bolsos cheios de francos que não precisavam levar para seu país natal, resolveram comprar cola e forrar todos os vagões em que viajavam com notas francesas. Deixaram as cabines revestidas de notas em plena circulação na França, dando a entender que a prosperidade norte-americana estava acima da pequena fortuna, calculada e contada, dos países do Velho Mundo, como um elefante em relação a um gatinho. Isso parecia fabuloso!
Toda essa americanização se dava ao ritmo alegre e desgovernado das novas danças – o jazz band e o ragtime – que conferiam à extravagância o brilho da novidade. Músicas de sons extravagantes, com palavras extravagantes, anunciando uma euforia e uma riqueza extravagantes, para um mundo que punha de lado a ideologia, pois os Estados Unidos eram apresentados também como o país da indiferença, no qual as múltiplas opiniões religiosas ou políticas não causavam grandes divergências. Católicos e protestantes não discutiam
Banda de jazz norte-americana , no início do século XXmuito entre si, e republicanos do Sul ou do Norte, havia longo tempo, tinham deixado de guerrear a propósito de uma escravidão já abolida. Uma vez que as ideologias pareciam realidades velhas e sem importância, a grande finalidade da vida consistia no gozo, e o meio para gozar era o dinheiro, obtido através do trabalho.
Em geral, o europeu procurava brilhar por qualidades do espírito: inteligência, cultura, elegância e leveza. Mas o americano do norte começou a impor outro tipo humano, destacando-se por atributos inferiores: aspecto de boa saúde, bom humor esportivo, lepidez saltitante e otimista, capacidade de simplificar, com vistas à comodidade e ao divertimento. Resultado: as pessoas deixaram de dar importância ao espírito e começaram a valorizar exageradamente o corpo.
Então, tudo quanto fora o encanto do passado e levara os homens para o entusiasmo; o mundo do espírito, dos imponderáveis e das arquetipias, daquilo que é ideal e maravilhoso, fazendo o homem “fugir da Terra” para pensar nas coisas mais elevadas; tudo isso era completamente posto de lado, desaparecia e dava lugar a outra era, outro estilo e outro modo de considerar a realidade.
No fundo, a nova american way of life não era apenas “aideológica”, mas também “aconceitual”, pois não tinha conceitos definidos. Entretanto, de proche en proche5, acabava prestigiando o materialismo e parecia dizer: “Não mais filosofias! Isso é para algumas faculdades poeirentas, onde existem homens que estudam essas matérias, mas a massa do povo não se preocupa com isso. Ela é otimista e pratica a indiferença em relação a tudo, a não ser o grande ídolo: o prazer”.
Testemunha autorizada
Essa confrontação entre dois mundos diferentes foi bem viva, no tempo em que entrei para o Colégio São Luís. Falo como testemunha autorizada. Um sociólogo ou um cientista podem falar de uma determinada época e oferecer informações proveitosas, mas se não viveram nesse período e não pertenceram a ele, não possuem algo de muito importante. Isso eu tenho.
“Diante da jovem e gigantesca nação norte-americana a Europa, esmagada pela guerra, parecia aposentada pelos fatos”
Eu percebi o grande conflito entre a luminosa e bela tradição cristã, que parecia estar num ocaso irremediável e, de outro lado, a alegria e o esplendor do amanhecer radioso e mentiroso de uma sociedade humana neopagã.
1 Alemanha, Áustria-Hungria e Turquia.
2 Literalmente: “acordo”. Denominação do conjunto das nações beligerantes aliadas, em luta contra os Impérios Centrais, durante a Primeira Guerra Mundial.
3 Frente de combate.
4 Trêmulos.
5 Aos poucos.
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