Incertezas e dificuldades
Meu pai trabalhou na advocacia durante muitos anos e chegou a ser um bom advogado, brilhante inclusive.
Ele passava a parte da manhã em casa, preparando os papéis para ir ao escritório à tarde. Às vezes aparecia um ou outro cliente para tratar assuntos com ele, e, mais raramente, um parente longínquo de mamãe, moço muito inteligente e também sócio do escritório, o qual vinha a casa para despachar. Sob o pretexto de estudar, eu ficava junto de meu pai – pois minha mesa de estudos era na própria sala de trabalho dele –, prestando atenção na conversa, para ver como se exprimiam dois homens inteligentes.
Minha mãe encontrava-se com todos esses clientes e dava-lhes uma acolhida muito amável. Dentre eles, lembro-me de duas velhas senhoras, também aparentadas com ela num grau distante – mas que significava muito naquele tempo – as quais iam a casa para fazer certas consultas. Ela conversava um pouquinho com ambas e depois saía da sala, quando começavam a tratar de negócios.
Observações de Dª Lucilia
No Brasil daquele tempo, em geral os homens se caracterizavam pelo vigor da vontade, e as senhoras pela delicadeza e a sensibilidade na percepção das coisas. De maneira que, na intimidade do lar, elas davam conselhos aos maridos e tinham influência sobre eles, mas nunca com ares de mando.
Assim, às vezes meu pai contava para mamãe algo sobre a atividade profissional dele – sem entrar em questões técnicas, que não tinham propósito para uma senhora – e, de modo discreto, ela emitia opiniões ora sobre um ponto ora sobre outro. Nesses comentários eu percebia o quanto ela era interrogativa – dentro da sua amabilidade – e como prestava atenção nas pessoas que iam consultar meu pai em casa, colhendo dados e apresentando-os depois a ele.
Eu ainda não tinha idade nem elementos para entender se mamãe estava com a razão ou não, mas notava que essas observações eram muito bem apanhadas, e que ela percebia matizes do fundo da alma das pessoas. Por exemplo, dizia para meu pai:
– Quando Fulano esteve aqui, disse tal coisa e teve tal expressão fisionômica assim. Ele está contente com você, mais do que você pensa.
Ou então, às vezes era o contrário:
– Tome cuidado! Porque ele não gosta de tal coisa e não está contente com você.
Papai ouvia com interesse, mas com certo fundo de agastamento, pois era otimista e preferia imaginar que todos eram bons, enquanto ela era mais desconfiada.
Um cliente engraçado
Em certa ocasião, meu pai trabalhou numa importante causa, na cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo. Tratava-se
de um processo relacionado com as terras de um fazendeiro que eu cheguei a conhecer. Homem idoso, coronelão1 da zona e bastante caipira, chamado Seu Ferreira.
Lembro-me perfeitamente dele. Era alto, com o pescoço jogado para trás, um bigode grisalho grosso e comprido, com pontas vagamente à la Kaiser,2 cabelo todo branco e abundante, e um ar bem disposto, animado e tendente ao engraçado. Vinha sempre com uma pastinha na mão, e sentava-se para conversar com meu pai. Parecia um perfeito gato de botas septuagenário!
Durante essas conversas tratavam também sobre política e outros assuntos, alheios à causa do Sr. Ferreira, enquanto eu permanecia ouvindo. Meu pai fazia umas brincadeiras amáveis troçando do cliente enquanto caipira, o que este percebia achando graça, pois meu pai fazia os seus comentários de modo ligeiro e tendo o cuidado de não ofendê-lo. Às vezes eu prestava atenção e pensava: “Desta vez o caipira estoura!” Mas não acontecia nada e o caipirão continuava a conversar…
O juiz de Piracicaba e o sabor do Brasil antigo
Em certas ocasiões meu pai era obrigado a ir a Piracicaba, para tratar do caso do Sr. Ferreira. Entretanto, havia um só juiz na cidade, o Dr. Caiubi, homem tranquilo e de hábitos lentos, razão pela qual papai tinha de permanecer cinco ou seis dias na cidade, até o juiz despachar o assunto. E, diante da insistência, este dizia:
– Dr. João Paulo, eu estou muito ocupado. Às vezes, até à noite tenho trabalho!
De fato, acontecia que papai frequentava o cinema de Piracicaba, e ali via o juiz tocando violino. Ele trabalhava de dia e, quando chegava a noite, depois de ter despachado os papéis, ganhava algum dinheiro a mais como músico, na orquestra do cinema, mas era tão desafinado que todo o mundo dava risada. É verdade que tudo isso não condizia bem com a dignidade da magistratura, mas dava à vida um sabor pitoresco e quase familiar, típico do interior do Brasil, inclusive com certo laissez-faire3 muito humano, do qual meu pai também gostava. De maneira que ele se queixava da demora, mas permanecia tranquilamente em Piracicaba chupando cana de açúcar, muito abundante nessa cidade. O Sr. Ferreira levava-o para a sua fazenda e mandava matar um leitão…
Assim, papai voltava a São Paulo bem humorado, contando casos curiosos e pitorescos de Piracicaba. Eram as bonomias do Brasil antigo.
Dr. João Paulo no Rio de Janeiro
Certo dia, meu pai recebeu um telegrama do Supremo Tribunal Federal, dando-lhe ganho de causa. Então, decidiu ir ao Rio de Janeiro com o Sr. Ferreira, para buscar os documentos necessários a fim de levá-los a Piracicaba. Minha mãe, entretanto, permaneceu em casa, retida por deveres de família.
Como o Sr. Ferreira nunca tinha estado na Capital Federal, papai ficou alguns dias com ele, visitando o Pão de Açúcar e o Corcovado, e comendo em diversos restaurantes. Depois gostava de lembrar o medo do fazendeiro, no momento em que o bondinho do Pão de Açúcar começou a balançar por cima do abismo…
Ele voltou a São Paulo carregado de presentes para nós e, bom psicólogo, trouxe-me o que eu desejava: uns queijinhos fabricados em Petrópolis e certos doces, talvez estrangeiros, os quais vinham numa cestinha de metal dourado com pequenas contas de vidro, o que me deixou muito encantado, mais pelos doces do que pela cesta.
Uma caixa de rendas para Dª Lucilia
Em outra ocasião, papai foi a Pernambuco para visitar a família e tratar de negócios. Quando voltava de Recife, o navio deteve-se em Salvador e ele desceu para passear um pouco na cidade. Ora, é sabido que na Bahia existem rendas magníficas para senhoras, feitas à mão por religiosas contemplativas. Então, perto do cais, ele viu na rua umas mulheres que vendiam essas rendas, e decidiu comprá-las para mamãe.
Lembro-me de que ele chegou a casa, colocou suas coisas em ordem e depois disse a minha mãe:
– Olha aqui, Lucilia, uma lembrança que eu lhe trouxe da viagem.
Ela desembrulhou a caixa, a qual era uma espécie de pequeno móvel, com uma armação interna cheia de gavetinhas, de alturas e larguras diferentes, distribuídas de tal maneira que não sobrava nenhum espaço, e em cada uma delas havia uma renda diferente, dos mais variados tipos e muito bonitas.
Mamãe estava encantadíssima e, enquanto papai a observava, foi abrindo cada uma daquelas gavetas, examinando tudo, comentando e explicando para nós que eram rendas de bilro.4 Eu não entendia bem o que ela dizia e nunca soube o que é bilro, mas me agradou notar que existiam pessoas com o bom gosto de fazer uma caixa de rendas tão variada e bonita.
E até o fim da vida ela guardava algumas dessas rendas da Bahia, que ainda não tinha chegado a usar.
A Cutelaria Santana
Porém, na atitude de papai havia certa tendência ao fácil gasto do dinheiro dificilmente adquirido.
Depois de haver ganhado a causa do Sr. Ferreira, meu pai resolveu tomar todo o dinheiro dos honorários – que era muito –, bem como parte da herança de mamãe, e aplicá-lo na compra de uma empresa chamada Cutelaria Santana.5 Era uma pequena fábrica de facas e talheres em geral, populares e baratos, a qual funcionava perto da Avenida Dr. Arnaldo.6
As pessoas da família de minha mãe felicitavam papai:
– Você comprou essa fábrica? Muito bem! Ótimo!
Eu olhava para o jeitão dele e pensava: “Ele é tão otimista e vive tão contente, que alguém vai roubá-lo… Era melhor darem essa fábrica para mamãe dirigir! Não vou comentar nada, pois vão dizer que sou um menino bobo e não entendo do assunto, mas estou vendo onde vai dar isso…”
De fato, apesar de sua inteligência e cultura, papai era o homem menos feito para a indústria que se pode imaginar, propriamente o contrário de um industrial. Tinha tudo o que não caracteriza um empresário: chegava à fábrica por volta das dez da manhã, não examinava nada e batia os olhos sobre as coisas, com a indolência de um plantador de cana.7
Na fábrica, perplexidade
Em certa ocasião fui visitar a cutelaria com meus pais.
Era a primeira vez que eu tomava contato com o mundo industrial,8 e entrei na fábrica desconfiado de que os operários – uns vinte ou trinta – pudessem ser comunistas. Transpondo o limiar da porta, olhei para mamãe e fiquei espantado de não ver nela nenhum sinal de medo em relação aos “comunistas”. E pensei: “Mas, será que ela não percebeu? Falam tanto da luta de classes! Como é isso?”
De fato, fiquei horrorizado em ver a atitude dos operários. Pensei que à chegada de papai todos eles parassem de trabalhar, se pusessem em fila e fizessem um cumprimento; que ele também os saudasse amavelmente com um gesto de mão e fosse para seu compartimento. Nada disso aconteceu! Eles viram o patrão entrar, mas não lhe deram importância e ninguém interrompeu o trabalho, sequer por um minuto. Se entrasse um qualquer na fábrica, a atitude deles seria a mesma.
Meu pai se aproximou de um ou outro operário para lhes fazer alguma pergunta, mas eles responderam com monossílabos e de má vontade, sem suspender o trabalho ou sequer mudar de posição, e ele ainda se manifestou contente, por lhe terem dado a informação que desejava. Depois foi para uma cabine, onde se encontrava o seu escritório, e então compareceu o gerente. Este, que aliás se fazia respeitar um pouco mais, deu-lhe contas sobre o controle da fábrica, pois meu pai, por si, não o tinha de nenhum modo.
De repente vi um dos empregados deixar o serviço e entrar no escritório, sem pedir licença. Pensei: “O que faz meu pai, que não chama esse homem e lhe dá uma repreensão?” Olhei para minha mãe: estava inteiramente tranquila. Como entender aquilo?
Então, compreendi num relance que na hierarquia de uma fábrica não existia nada da atitude cerimoniosa a que eu estava acostumado. Percebi também que, apesar de os operários não serem propriamente revoltados, a autoridade patronal estava se erodindo, se evanescendo no ar.
Mais tarde, meu pai mudou a fábrica para a Lapa,9 numa instalação bem maior.
Vigilância de Dª Lucilia
Algum tempo depois, surpreendi uma conversa entre papai e mamãe. Eles nunca falavam sobre negócios na presença dos filhos, mas nesse dia algo lhes escapou. Ela dizia com muita afabilidade:
– João Paulo, estamos no fim do mês. Você já viu o balanço da fábrica?
Ele respondeu:
– Já vi.
– Então? Quanto deu?
– Déficit. Não deu lucro.
Ela, desconfiada, perguntou:
– Necessariamente, cada talher deveria dar lucro. Agora, como não deu, se a fábrica está vendendo muito?
– Não sei, não sei, senhora.
Quando ele entrava em certo desacordo com ela, chamava-a de “senhora”, o que não era hábito em São Paulo, mas em Pernambuco. Mamãe continuou:
– Você sabe? Da última vez que fui visitar a fábrica, vi aquele gerente e notei que a fisionomia dele não era boa. Não sei como você não desconfia desse homem.
– Senhora, não tem nada. O gerente é um bom homem. Não sei como a senhora, com suas tendências cristãs, tão piedosa e bondosa, pode desconfiar assim de alguém. Onde estão as provas?
Ainda não persuadida, ela dizia:
– Olhe, senhor, veja bem: não se trata apenas de desconfiar ou não desconfiar, nem é só questão de provas. É preciso ter o olho aberto. Ele é o gerente e, portanto, responsável perante o senhor pelos produtos da fábrica. E tem de dar a relação do número de talheres que vendeu ou não vendeu. Pergunte-lhe.
– Bom, enfim, se a senhora quiser, amanhã vou falar com ele.
– Fale mesmo, porque importa muito saber.
Acontece que, embora mamãe lhe recomendasse vigilância, papai não deu importância ao assunto.
Suspeitas confirmadas: a ruína da cutelaria
Lembro-me mais vagamente de outra conversa entre papai e mamãe a respeito desse assunto. Ele dizia que, segundo informação do gerente, o cunho que marcava a lâmina das facas estava deteriorado e, sob pena de a fábrica parar, era preciso produzir durante alguns dias facas sem cunho, enquanto este era consertado.
Dias depois, uma das criadas de casa foi fazer compras na feira e trouxe uma coleção de garfos e facas, para o uso dos empregados na copa e na cozinha. Ao dar conta das compras à minha mãe e mostrar-lhe os talheres, quando esta bateu os olhos, viu que eram semelhantes aos da fábrica de papai, apenas com a diferença de que não portavam o brasão da casa. Então mamãe disse:
– Curioso. Essas facas são idênticas às de nossa cutelaria, mas não têm a marca da fábrica.
Ela mostrou a papai os talheres comprados na feira e disse:
– Olhe, aqui estão as suas facas sem cunho, compradas numa feira em São Paulo. Ora, elas só deveriam ser vendidas no interior. Então, alguém as roubou e está vendendo por fora. Quem é? O seu gerente, que é homem de lograr.
Ele respondeu:
– Senhora! Eu já lhe disse: esse é um bom homem, honesto e direito.
– Não é direito. Preste atenção. Quando eu fui visitar a fábrica, surpreendi-o fazendo tal coisa e tal outra.
– Mas isso é a fraqueza de alguém num certo momento.
– Quem tem uma fraqueza, terá cem.
– Mas, senhora, eu fico louco com essa previsão, porque se é assim, a vida não pode ser vivida! Além do mais, bem pode ser algum operário ou alguma operária que, na hora de sair, guardou talheres no bolso.
De fato, não era impossível. Então mamãe continuou, com muita amabilidade:
– Se você desconfia de seus operários, teria de estar lá, na hora da saída, ou melhor, antes de suspenderem o funcionamento das máquinas, para ver se alguém leva os talheres. É preciso impor um regime de fiscalização deles à saída da fábrica.
– Está bem, senhora. Vou fazer.
– Não se pode continuar nesse regime de déficit e de material que desaparece. Conforme seja, você despede o gerente e os operários, ou então fecha a fábrica, pois assim não é possível.
Dito e feito! Algum tempo depois, meu pai reconheceu que o gerente havia sido pilhado roubando material. Evidentemente, esse homem não se incomodava se os operários roubavam também… Era uma veia aberta, uma hemorragia de talheres!
A empresa faliu e a fábrica teve de ser fechada, com enorme prejuízo, num insucesso que chegava a ter algo de cômico. Conclusão: papai se encontrava endividado, num grande aperto financeiro. Era o resultado do otimismo.
Novos reveses financeiros e preocupação de Dª Lucilia
Ora, minha mãe possuía um bom dote, herdado de meu avô,10 e nós vivíamos disso, bem como do trabalho de meu pai. Entretanto, com as dívidas da fábrica de facas, meu pai sofreu um enorme crash financeiro, uma ruína pior do que a situação anterior a esses maus negócios. E não teve coragem de contar isso para mamãe.
Certo dia apresentou-se em nossa casa um indivíduo, vindo
de um cartório, dizendo:
– Tenho aqui uma escritura para a senhora do Dr. João Paulo Corrêa de Oliveira assinar.
Minha mãe foi à sala para ver do que se tratava: essa escritura hipotecava todos os bens dela. Então disse:
– Mas, não pode ser. Meu marido não falou comigo sobre isso.
O homem continuou:
– Já está assinada por ele.
Ela olhou: de fato, o documento estava assinado por papai. Então, como poderia ficar mal para o nome dele ter mandado preparar uma escritura e a esposa recusar, por uma questão de honra – uma vez que esta vale mais que o dinheiro – ela também assinou a escritura, hipotecando todos os seus bens. Resultado: daí a pouco meu pai foi obrigado a vender algumas das casas herdadas por mamãe,11 para pagar a hipoteca com juros caríssimos.
Esse foi um dos grandes infortúnios pelos quais eu vi mamãe passar, preocupada com o futuro de Rosée e meu. Nesse dia eu a vi muito abatida, sofrendo do fígado e deitada, mas sem nenhuma palavra amarga ou sinal de perturbação. Apenas lamentava com tristeza a fraqueza de meu pai, que havia feito aquilo sem pelo menos avisá-la antes. Eles conversaram a respeito disso, de modo inteiramente correto e cabal, e depois ela continuou a sua vida com toda dignidade e tranquilidade.
Mais tarde, estando papai fora de São Paulo, chegou uma carta dele para mamãe, dizendo que havia partido para o Nordeste,12 a fim de buscar certo dinheiro. E, para explicar o mau estado geral da fortuna dela, apelava para alguns argumentos, como um náufrago que se agarra a pedaços de palha: os gastos que fizera com ela anualmente, levando-a com a Fräulein, com Rosée e comigo a Águas da Prata – uma estação de águas baratíssima! Ele também dava a entender que as despesas dela com o médico – Dr. Murtinho, que não cobrava quase nada! – haviam contribuído para essa situação entalada… Enfim, ele procurava associá-la ao insucesso dele.
Assim, bateu-se para o Nordeste e de lá não deu mais notícias, por muito tempo, o que deixou mamãe muito desconsolada.
Telefonema e encontro em Santos
Certa vez, na época em que eu fazia os exames finais do meu curso secundário, lembro-me de que estávamos à mesa, jantando em casa de tio Gabriel com toda a família reunida, quando alguém avisou mamãe:
– Dr. João Paulo está no telefone, chamando de Aparecida do Norte, e manda perguntar se a senhora quer atendê-lo.
Suspense. Todo o mundo ficou quieto. Ela me olhou e eu fiz um sinal qualquer, dando-lhe a entender o meu desejo de que ela atendesse. Mamãe foi ao telefone e eu a acompanhei, mas não pedi para falar com ele. Conversaram um pouco e combinaram um encontro em Santos, na casa de tia Zili.
Esta última, muito dedicada em relação à irmã, preparou para nós um ótimo almoço, com peixes e frutos do mar, e levou tudo numa grande bandeja para o quarto do andar de cima, onde minha mãe estava hospedada, a fim de ela e papai conversarem a sós. Mas eu disse a mamãe que desejava estar presente, pois, se fosse preciso, também interviria.
Entrei e sentamo-nos. Conversaram e resolveram que vovó não poderia manter meu pai em casa, não tendo ele mais emprego em São Paulo, depois de tudo quanto houvera nos negócios.
Dr. João Paulo se muda para o interior
Foi então que ele resolveu ir trabalhar em São José do Rio Preto,13 considerado o far west de São Paulo naquele tempo. Assim, voltou para casa e ali permaneceu, até se instalar nessa cidade.
Mas não se sabia como papai iria obter clientes. Então,
Dª Anita Junqueira, a qual tinha muita intimidade com minha mãe e cujo marido14 era chefe político na região de Ribeirão Preto – com influência até em Rio Preto –, começou a arranjar trabalho para ele, de modo torrencial, até papai chegar a dizer que não tinha mãos a medir.
Mamãe, muito grata, foi fazer a ela uma visita e depois comentou:
– Eu nunca pensei que a Anita fosse minha amiga a tal ponto! Está conseguindo clientes para o João Paulo, em quantidade!
E assim meu pai se manteve no interior, advogando com êxito.
1 No interior do Brasil antigo, os senhores de terras com influência e poder eram chamados de “coronéis”, costume cuja origem remonta à fundação da Guarda Nacional, em 1831. Com o passar do tempo, a patente de Coronel desse corpo passou a ter o valor de um título de nobreza, e se tornou a denominação dos fazendeiros mais ricos de cada região.
2 Em francês: ao estilo do Kaiser (o Imperador da Alemanha Guilherme II), cujo bigode pontudo se tornou moda em muitos países, nos primeiros anos do século XX.
3 Em francês, literalmente: “deixai fazer”. Expressão utilizada para designar uma atitude de indiferença ou de indolência.
4 Peça cilíndrica de madeira, de metal ou de osso, utilizada na fabricação das rendas.
5 Nos primeiros meses do ano de 1923.
6 A cutelaria adquirida por Dr. João Paulo localizava-se na Avenida Rebouças, 57-A,
no Bairro Vila Cerqueira César. A empresa passou a chamar-se Metalúrgica Corrêa de Oliveira.
7 A família Corrêa de Oliveira possuíra grandes e prósperas plantações de cana de açúcar no Estado de Pernambuco, num passado não muito remoto. Cf. Volume I desta coleção, p. 46.
8 Na realidade, em sua infância Plinio já visitara uma fábrica de cerâmicas da qual Dr. João Paulo era associado. Cf. Volume I desta coleção, pp. 549-551.
9 Bairro da região oeste de São Paulo. A fábrica era localizada à Rua Guaicurus, 265-A.
10 Dr. Antônio Ribeiro dos Santos, pai de Dª Lucilia.
11 No dia 2 de junho de 1924 Dr. João Paulo vendeu oito prédios situados nas Ruas Santa Ifigênia e General Osório, no Bairro de Santa Ifigênia, em São Paulo.
12 A família de Dr. João Paulo era originária da cidade de Goiana, no Estado de Pernambuco.
13 Cidade do interior do Estado de São Paulo.
14 Dr. Francisco da Cunha Diniz Junqueira.
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