Reflexo da compaixão do Salvador
A compaixão de Dona Lucilia por aqueles a quem ela via sofrer era cheia de afeto e respeito, nunca esperando uma retribuição da parte de seus beneficiados, verdadeiro reflexo da misericórdia do Sagrado Coração.
A respeito de mamãe, eu tenho dito várias vezes que ela não era senão uma dona de casa com uma cultura afrancesada, ligeiramente inglesada, das senhoras de boa família do tempo dela. Ela possuía essa cultura suficientemente, mas não se destacava pela inteligência.
Finura de percepção
Chamava-me a atenção que em um certo sentido ela se mostrava excepcionalmente inteligente, e era uma forma de inteligência ligada à compaixão e à ajuda. Quer dizer, ela tinha uma noção muito clara de tudo o que pudesse contundir ou fazer sofrer qualquer pessoa; ela percebia logo.
Era uma pergunta primeira, ou um olhar primeiro — um olhar dedicado — que ela deitava sobre a pessoa. O ponto de partida era o que a pessoa sofria. Dado que toda criatura humana sofre, ela procurava ver qual era o ponto dolorido, o lado por onde a pessoa sofria, etc., e tomava um cuidado extraordinário em, nem de longe, ter uma distração, uma referência de conversa ou qualquer coisa que pudesse fazer sofrer essa pessoa de qualquer forma, sendo de uma penetração e de uma delicadeza para isso verdadeiramente notável.
Mas ela entendia bem também, dada a pessoa e as circunstâncias — aqui é uma obra de psicologia —, o que ela deveria fazer para ajudar e qual era a forma de compaixão que ela deveria manifestar para atender àquela forma de sofrimento. Nisso ela era muito, muito fina de percepção e muito delicada no pôr a compaixão dela. Porque a compaixão se exprimia muito mais pelo olhar e pelas maneiras do que pelo que ela dizia.
Discrição cheia de afeto
Era quase impossível ela procurar desvendar o santuário do sofrimento de cada um com palavras indiscretas, que a introduzisse numa intimidade que a pessoa, às vezes legitimamente, não queria dar, às vezes por amor-próprio, por mil razões. Mas no modo de tratar e de agradar, ela de tal maneira tão discretamente realçava o que ela via de bom, de honroso na pessoa, que esta se sentia envolta pelo afeto dela, mas não se sentia nem um pouco solicitada ou penetrada, invadida, por uma comiseração importuna. Ela revelava nisso muito tato. Era um modo aristocrático de ter pena.
Entretanto, deixava entender à pessoa, e a todo mundo com quem ela tratava, que se quisessem usar da bondade dela, ela era uma porta que se abriria, mas nunca se abriria e chamaria alguém para dentro. Isso não.
Às vezes isso aparecia em termos explícitos quando se tratava de tomar a defesa de alguém que ela achava que era objeto de um ataque por demais carregado, ou que pelo menos não se tomava em consideração alguma atenuante que a pessoa tinha.
Então, por exemplo, ela tinha um filho muito truculento, e esse filho não fazia cerimônia de sair de lança em riste. Ela, às vezes, ouvia e dizia:
— Coitado!
Mas um coitado que me fazia sentir no que aquele homem era um sofredor. “Coitado!… Também não tanto assim…” Quase como quem pedia compaixão para ela pessoalmente.
— Filhão, você não notou que ele tem tal qualidade?
— Mas, meu bem, mãezinha — conforme o momento —, a senhora não nota que se a gente for ver isso dá em liberalismo?
Ela dizia:
— Não, você pense o que quiser, o que for verdade, mas ponha a verdade inteira, ponha as qualidades também.
Naturalmente, isso me impressionava de um modo muito favorável, nem preciso dizer. É absolutamente óbvio.
E se acontecia de numa situação crítica ou outra, ela ter que se aproximar e falar com a pessoa, ela falava como quem entra nas pontas dos pés no santuário da desventura da pessoa. Ela tratava num crescendo gradual e sondando o terreno; de maneira que a pessoa, se quisesse, do modo mais fácil do mundo, faria entender que preferia que não entrasse. Ela também encerrava a coisa e estava acabado.
Trato bondoso, sem ilusões
Não pensem com isto que ela via apenas o lado positivo das pessoas. Não. As amarguras e as coisas duras que a vida tem, ela não só via bem, mas nos premunia para estarmos prontos para isso. Naturalmente, tudo era visto segundo a experiência da vida de uma senhora que vive no lar.
Ela nunca foi o que no meu tempo de moço chamavam mulher-paraíba — mulher feminista que sai da casa, toma atitudes, conhece a vida dos homens, fecha negócios, coisas desse gênero. Ela era de um jeito que era preciso ter conhecido.
Eu dou um exemplo que ela contou mais de uma vez.
Meu avô tinha um escritório de advocacia e, entre outros clientes, tinha uma viúva rica e sem filhos. Ela tinha uma casa muito boa, grande, com jardins, criadas, etc., mas era uma pessoa muito cacete.
Meu avô tinha pena dessa senhora porque ela possuía uma saúde boa, tinha tudo para fazer uma vida feliz, mas vivia numa espécie de isolamento por causa de seu mau gênio. Era uma senhora moralizada, sim, mas quanto ao mais de um trato muito recusável.
Aconteceu que um dia ela de repente adoeceu gravemente e escreveu uma carta a meu avô, dizendo isso e pedindo se podia arranjar-lhe uma criada, qualquer coisa assim, um favor desses. Meu avô procurou minha mãe e disse:
— Sua mãe não tem condições de dirigir nossa casa com tanto movimento e ainda cuidar dessa senhora. É nossa obrigação de caridade mandá-la vir e tratar dela. Tem aqui tal quarto — um quarto de hóspedes —; eu vou mandá-la vir e você vai tratá-la, e eu quero que esta senhora saia de nossa casa encantada com sua caridade.
Mamãe, de pena dessa senhora, e para agradar meu avô, logo topou a parada. Meu avô ficou tranquilizado. Pouco depois chegou essa senhora, minha mãe a recebeu com mil afagos, acompanhou-a ao quarto, tratou-a, mas como mais não se podia tratar.
Uma irmã de mamãe, seis anos mais moça, mas já francamente em idade de ajudar, tratava essa senhora com a “ponta dos dedos”. Entrava no quarto uma ou duas vezes por dia, já pronta para sair à rua:
— Oh, eu não quis sair à rua sem saber como a senhora está. Já está melhor, não é? Mantenha o otimismo que vai tudo bem.
O que equivale a dizer para o doente “não amole”, “não se queixe”. Isso uma vez ou duas por dia e acabou-se.
E mamãe dizia para sua irmã:
— Você não pode fazer isso. Você não vê que papai quer isso? Depois, coitada…
Minha tia dizia:
— Você vai ver, você está fazendo por ela absurdos de dedicação, não tem o menor propósito, e ela, quando sair daqui, se não sair num caixão, mas viva, ela vai agradecer a mim.
Mamãe punha em dúvida que a coisa chegasse a esse ponto, porque a diferença de trato era fabulosa. Mas, dito e feito!
A senhora sarou e se preparou para voltar para sua casa. Havia várias pessoas juntas para se despedir dela; entre outras, estava essa minha tia. Vendo-a, essa senhora disse:
— Vem cá! Ah! Você que foi meu anjo durante esse período…
A maldade humana é isto! Não adianta discutir, nem sondar. É repugnante até, hein!
E deu-lhe um presente…
A mamãe, falou apenas “obrigado”.
Mamãe não dizia, mas enquanto ela nunca foi bonita, sua irmã era muito bonita, na linha em que vovó era bonita e fascinava. Portanto, qualquer agradinho de minha tia brilhava, e as dedicações sem nome de mamãe essa senhora tomava assim. Neste ponto também está a maldade humana.
Mamãe contava isso para mim e uma vez contou-me na presença dessa minha tia, que acompanhou com atenção, dando risada em alguns trechos e, no fim, disse que foi exatamente o que ela contava.
Afeto que não esperava retribuição
A moral do caso é que se eu não tivesse sido formado assim, pela falta de retribuição que vem, me tornaria um homem ruim, e isso ela não queria. Ela queria que eu fosse bom, como ela era e como considerava que era o pai dela.
De fato, meu avô tinha gestos como esses, de magnanimidade, de desconcertar. Ela contou vários. Nesse ponto a formação do pai sobre ela foi muito, muito eficaz. Daí esse afeto que, aliás, é preciso dizer que as três filhas tinham pelo pai, um afeto que eu não as vi terem a ninguém, e não vi que nenhuma filha tivesse para com um pai. Não vi. Uma coisa sem igual. Queriam bem à mãe, respeitavam-na, mas veneração era com o pai.
Mamãe foi quem me formou nisso. Não estou analisando se eu correspondi ou não à graça dessa formação. Mas por esse modo caseiro, não deu uma filosofia. Ela não falava do pecado original, nem nada disso, mas contava esse caso e ficava entendido.
Uma pessoa que de um “fatinho” como esse tira essa conclusão, vê muito mais do que o comum das senhoras vê a respeito disso e manifesta aí, para este efeito, uma lucidez de vista, uma penetração, um discernimento — não ouso falar de discernimento dos espíritos —, mas um discernimento das psicologias, das mentalidades muito grande. E que realmente é muito bonito.
Se fosse necessário ela faria tudo de novo, mesmo sabendo que o resultado seria esse, mas aproveitando a experiência da última vez para arranjar jeitos de melhor servir. Não se arrependeria! Porque ela não fazia para receber retribuição, mas para ser boa. No fundo está Nosso Senhor Jesus Cristo, o Sagrado Coração de Jesus.
Aquela frase d’Ele a Santa Margarida Maria corresponde bem a isso: “Eis aqui o Coração que tanto amou os homens e por eles foi tão pouco amado.” Toda a atitude de Nosso Senhor durante a Paixão foi isso. Aliás, é um dos traços pelos quais se dobram os joelhos diante d’Ele, não é? Porque levou esta perfeição moral a um grau inimaginável. Por exemplo, Longinus, que furou com a lança o lado d’Ele e saiu uma água que curou esse soldado de uma espécie de semicegueira. Quer dizer, isso é Nosso Senhor Jesus Cristo a conta inteira.
Assim, haveria outros casos dela a contar, muitas coisas desse gênero! Mas muitas que ela sabia arranjar, mexer, acalmar; muitas, muitas, muitas! v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/8/1986)
Revista Dr Plinio 224 (Novembro de 2016)
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