Ao Leitor
Para melhor se entender a origem destas notas autobiográficas, é necessário reportar-se aos já remotos anos 50.
Nessa época, alguns discípulos de Dr. Plinio, assíduos frequentadores de suas conferências, tiveram a feliz idéia de gravar algumas delas, a fim de se aplicarem ao estudo dos temas explanados. Não contando com os nossos atuais e avançados meios técnicos, serviam-se do arcaico e volumoso gravador de bobina, cujo fio metálico teimava em enrolar-se de modo inextricável, causando não pequenos contratempos… É compreensível que, nessas condições, a gravação não fosse diária e sistemática, mas sim eventual e esporádica.
Não obstante, os seguidores do insigne pensador católico iniciaram a constituição de um riquíssimo acervo, contendo as mais variadas e interessantes considerações sobre teologia, filosofia, história, sociologia e inúmeras outras matérias, pontilhadas de saborosos e pitorescos exemplos, entre os quais natural- mente vinham à tona episódios da vida do próprio Dr. Plinio.
Passaram-se os anos. Em meados da década de 60, um discípulo de Dr. Plinio, não contente com as escassas gravações e textos disponíveis na época, dedicou-se a registrar com mais freqüência as exposições orais de seu mestre.
Esse mesmo discípulo entendeu logo a preciosa utilidade das narrações de pequenos fatos da vida de Dr. Plinio – os “fatinhos”, na linguagem dos juveníssimos membros do movimento por ele fundado – para a formação das novas gerações, ávidas de exemplos concretos que pudessem ilustrar ou “involucrar”1 as doutrinas, sem os quais estas se tornariam, talvez, um tanto áridas.
Aos poucos, foi ele incentivando Dr. Plinio a relatar os episódios mais marcantes de sua existência, inclusive os da mais remota infância. Quando julgava conveniente para a formação moral e cultural de seus ouvintes, Dr. Plinio atendia com certa paternalidade a esses pedidos. Assim, a partir do fim dos anos 80, as “memórias” de Dr. Plinio passaram a ser recolhidas e co- locadas em ordem cronológica, trabalho do qual resultou uma real obra autobiográfica e, pari passu, uma atraente síntese histórica e sociológica sobre alguns aspectos do conturbado período que se estende do fim da Belle Époque2 até o último decênio do século XX.
Cumpre esclarecer que essa metódica organização jamais esteve nas intenções de Dr. Plinio, o qual apenas limitava-se a atender os afetuosos pedidos que lhe eram feitos.
Após o falecimento dele, em 1995, a compilação de suas memórias tomou novo impulso e, na virada do século, encontrava-se em fase de conclusão. Em 2003, alguns discípulos de Dr. Plinio, residentes na Espanha, lembrados da calorosa amizade que o unia ao ilustre teólogo dominicano, Revmo. Pe. Antonio Royo Marín OP, solicitaram a este um prefácio para a publicação das notas autobiográficas, ao que ele acedeu de muito bom grado, oferecendo as linhas adiante transcritas.
Entretanto, novo contratempo veio retardar a publicação deste volume da obra: o acervo fotográfico referente à vida de Dr. Plinio não dispunha, ainda, de todas as ilustrações necessárias. Árdua foi a pesquisa nesta última fase, uma vez que se tratava de apresentar antigas fotografias de inúmeros locais e personagens mencionados pelo autor.
“Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8, 28). Mais uma vez, a inspirada afirmação do Apóstolo das Gentes veio a ser corroborada através dos acontecimentos: pelo jogo fortuito das circunstâncias – ou pelas disposições da Divina Providência – a primeira parte das notas auto- biográficas de Plinio Corrêa de Oliveira vem a lume no próprio ano em que se comemora o centenário de seu nascimento.
Podemos afirmar que todos os capítulos desta obra têm sua origem no próprio Dr. Plinio, uma vez que as narrações neles contidas foram extraídas na íntegra de suas exposições orais. Alguém, talvez, objetará que a diversidade das fontes poderia comprometer a uniformidade do estilo, pois, com efeito, existe considerável diferença entre o modo de alguém se exprimir numa conferência, proferida diante de 2000 participantes, e numa conversa com amigos, durante um chá da tarde… Entretanto, aqueles que se dedicam à feliz tarefa de compulsar os textos de Dr. Plinio são concordes em afirmar que esse problema não existe. Com efeito, além de falar e escrever de maneira muito semelhante, ele tinha um modo de se expressar marcado por uma unidade inconfundível, por mais variadas que fossem as circunstâncias, ao mesmo tempo simples e elevado, atraente e substancioso, sério e gracioso.
Com freqüência, os compiladores tiveram a surpresa de constatar esta prova de veracidade: ao cotejar duas ou mais versões do mesmo fato, narradas em épocas distantes, depararam- se com uma impressionante semelhança de descrições. Poderia tratar-se, por exemplo, de uma conferência pronunciada em 1969, e de uma conversa com jovens, nos últimos meses de 1994. Ambas relatavam com exatidão os mesmos episódios, até nos mínimos detalhes!
Portanto, o trabalho consistiu simplesmente em extrair das anotações tudo quanto tivesse relação direta com a biografia de Dr. Plinio, de modo a constituir uma seqüência cronológica e em adaptar alguns termos da linguagem coloquial, mais apropriados a uma conversa do que a uma obra como a presente.
Em todos os volumes constará uma seção de notas, onde serão indicadas as datas das conferências, palestras e conversas cujos textos foram utilizados para a composição de cada capítulo.
Os compiladores depositam este trabalho aos pés de Nossa Senhora do Bom Conselho, cuja imagem não só acompanhou Dr. Plinio durante os últimos trinta anos de sua existência, como também o assistiu na ocasião de seu passamento para a eternidade, e a cujo auxílio e proteção ele sempre recorria. Sejam estes volumes uma homenagem de admiração agradecida a esse varão íntegro em Fé, moral e doutrina, cuja vida foi um longo e ininterrupto ato de fidelidade à Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana.
- “Involucrar”: termo muito utilizado por Dr. Plinio, a fim de exprimir melhor o conteúdo doutrinário de certas explicitações. Chegou ele a elaborar toda uma rica temática a esse respeito, sob o título de “Teoria dos invólucros parabólicos”.
- Belle Époque (Bela Época): período que abrange os anos posteriores à Guerra Franco-Prussiana, de 1870, até os primórdios da I Grande Guerra (1914-1918).
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