A confiança de Dona Lucilia
Como boa mãe, o principal anelo de Dona Lucilia era guiar seus filhos pelas sendas da virtude. Assim, transbordante de afeto, em diversas ocasiões demonstrou ela o quanto a fidelidade de Dr. Plinio lhe importava…
Os desígnios da Providência para com Dona Lucilia e para comigo foram diferentes. Ela foi suscitada para ter paciência com um filho, educá-lo e entregá-lo a Nossa Senhora. Esse filho foi suscitado para entrar na batalha de êxito mais improvável no mundo, tendo, entretanto, a certeza de que a vitória chegaria de modo surpreendente.
Dona Lucilia tinha diante de si a tarefa de fazer com que esse filho chegasse a bom porto na prática da Religião Católica, que é a finalidade de sua vida; ele depois deveria lutar pela Igreja Católica. A confiança dela consistia em esperar com firmeza e tranquilidade — diante de dados muito improváveis, mas que não a abalavam, não a punham em dúvida — que essa obra educativa religiosa dela chegasse ao bom termo.
O Menino Jesus discutindo com os doutores da Lei
Lembro-me perfeitamente que aos domingos, quando íamos à Igreja do Coração de Jesus, ela ficava muito tempo rezando, depois da Missa, diante das imagens do Sagrado Coração de Jesus, de Nossa Senhora Auxiliadora, e depois frente a um grupo de imagens que representa o Menino Jesus no Templo, discutindo com os doutores.
Embora muito jovem, eu conhecia o fato de que o Menino Jesus discutiu com os doutores, mas não compreendia bem que relação Dona Lucilia poderia estabelecer entre esse episódio e o filho dela. Eu ia com ela até esse conjunto de imagens e notava que mamãe rezava uma oração com os olhos semicerrados, que não sei se era sempre a mesma ou se ela simplesmente pronunciava palavras que mudavam de cada vez. Ela fazia um movimento de lábios pelo que se percebia que estava pedindo com muito empenho alguma coisa, mas não se ouvia nada do que dizia.
Certo dia, por uma palavra que ela soltou, percebi que as graças pedidas por ela diante daquele oratório eram para mim. Então compreendi, pois eu estava em oposição constante a pessoas de uma orientação anticatólica, e mamãe queria que eu recebesse do Menino Jesus a força, a insistência, a coragem, comparáveis em ponto pequeno com a infinitude perfeitíssima e abismática de tudo quanto há em Nosso Senhor, a fim de que eu imitasse o Divino Mestre e discutisse com os fariseus do meu tempo. Ela rezava muito nesse sentido.
“Você é sempre o mesmo”
Em várias ocasiões, eu notava que ela prestava muita atenção em mim e procurava olhar dentro do meu olhar para ver se eu continuava fiel. Ela orava muito para que eu mantivesse essa fidelidade.
Não posso me esquecer da primeira vez que, quando já adulto, fiz uma viagem à Europa(1). Mandei avisar que eu estaria de volta no dia tanto. De fato, de manhã, quando regressei, fui do aeroporto diretamente para casa, imaginando que a encontraria na cama, deitada, porque o avião chegou muito cedo; eu falaria um pouco com ela e depois iria tomar lanche e dormir.
Encontrei-a, pelo contrário, toda vestidinha como se fosse receber visita, e sentada num sofá que há em casa, em frente à porta de entrada; ela estava me esperando chegar.
Quando entrei — lembro-me do lugar do sofá em que ela estava sentada —, ela voou em minha direção e me abraçou; sendo consideravelmente mais baixa que eu, mamãe pôs-se na ponta dos pés, e eu me inclinei para que ela conseguisse me circundar com os seus braços, abracei-a também e nos beijamos várias vezes.
Mas durante esse longo amplexo ela, de repente, parou, me olhou e disse: “Não, você é sempre o mesmo!”
Compreendemos o que havia por detrás disso. Ir à Europa representava sempre uma ocasião de perigo: “Todo homem pode pecar. Ele terá resistido? Voltará para meus braços do mesmo modo como ele era quando partiu? Eu quero ver. Vou fixar o olhar dele.”
Ela o fez afetuosamente, é claro. Não entendi bem o que estava acontecendo; olhei para o fundo dos olhos dela e achei tão agradável aquele olhar, tão bonito, que só me preocupei em me deliciar com aquilo. Nós nos osculamos outras vezes, depois fomos para o lanche e o dia começou.
“Meu filho, eu só tenho você…”
Entendemos assim a preocupação constante, as longas orações que ela fazia até às três horas da manhã. Já idosa, com noventa e dois anos, ela ainda fazia essas preces.
Tenho certeza de que a oração que ela fazia junto à imagem do Sagrado Coração de Jesus era em muito larga medida dirigida em meu favor, confiando que o Sagrado Coração de Jesus e o Coração Imaculado de Maria me dariam as forças para aquilo que ela percebia ser uma missão muito difícil para mim. Então, a bem dizer, ela me conduzia pela mão para o caminho do dever.
Dona Lucilia percebia que eu era profundamente agradecido a essa atitude dela, pelas minhas numerosas manifestações de afeto para com ela; eram incontáveis, e ela notava quanto eu lhe queria bem.
Determinado dia, no vai e vem comum da casa, eu estava no meu escritório; levantei-me para sair e, no corredor, ela vinha num sentido e eu no outro, e nos encontramos. Eu sorri, ela pôs a mão no meu ombro e disse: “Meu filho, eu só tenho você, mas você eu tenho por inteiro.”
Vemos assim a análise que ela fazia. Quer dizer: “Você continua fiel? Continua unido a mim porque eu sou católica como devo ser? E você por causa disto continua unido a mim? Você é verdadeiramente meu filho como eu quero que seja?” E depois a resposta: “Olhando você, eu vejo que é.”
Primeira viagem de Dr. Plinio à Europa
Eu também fazia coisas com ela que nunca ouvi dizer que alguém fizesse com outra pessoa.
Por exemplo, nessa primeira viagem que fiz à Europa eu não quis que ela soubesse. Por uma razão muito simples: naquele tempo, a aviação estava muito mais atrasada do que hoje e, portanto, o risco de um acidente era muito mais provável do que é atualmente. Dona Lucilia ficava com muito medo de que o avião caísse, razão pela qual eu nunca ia ao Rio de avião. Eu achava melhor fazer a longuíssima viagem ao Rio de Janeiro de ônibus ou de trem — e eu preferia trem, embora fosse horrível — do que tomar avião, para ela ficar sossegadinha em casa e não ter problemas de nenhuma espécie.
Mas dessa vez, não; embora a aviação fosse ainda imperfeita, para ir à Europa eu viajaria de avião. E eu não queria que ela soubesse disso.
Então falei com uma irmã de mamãe e a minha irmã, as quais frequentavam muito a minha casa, explicando-lhes que eu ia para a Europa, e combinei com elas: “Vocês duas, no dia da minha viagem, venham visitar Dona Lucilia para animá-la um pouco, e durante a minha ausência estejam aqui muito mais do que costumam vir, para ela ter companhia, não ficar isolada.”
Deu-se esse fato: durante o jantar falou-se a respeito de uma viagem que eu ia fazer ao Rio de Janeiro. Era verdade, porque para ir à Europa tinha que se passar pelo Rio. Mas eu não ia só para o Rio; o Rio era um ponto de passagem no caminho.
Eu havia dito a mamãe que ia para o Rio e combinei com ela para preparar roupa. Enquanto estávamos combinando, durante o jantar, notei que os olhos dela se encheram de lágrimas, mas logo depois ela se dominou e mudou de jeito. Fiquei na dúvida: “O que seria isso, por que essas lágrimas?”
“Procuro o Plinio em vários lugares e não o encontro…”
Na manhã seguinte, me despedi e fui para o aeroporto. Algum tempo depois ela telefona para sua irmã e lhe pergunta:
— Diga-me uma coisa: onde é que está Plinio?
Minha tia, que sabia que eu estava no avião, ficou espantada com aquela indagação e disse:
— Oh! Lucilia. Ele está viajando.
— Não. Eu já tenho — essa frase é característica — procurado Plinio em vários lugares e não o encontro. Procuro-o no Rio, para onde Plinio disse que iria, mas lá ele não está. Plinio está em algum lugar aonde ele nunca vai. O que o Plinio está fazendo?
— Olhe, isto está muito complicado. Eu vou tomar um automóvel, chego aí e converso com você.
Ela foi e encontrou mamãe deitada e rezando. Minha tia — o apelido dela era Zili — entrou no quarto e Dona Lucilia lhe perguntou:
— Zili, onde é que está Plinio?
Minha tia deu risada para alegrá-la um pouco e disse:
— Você não sabe onde está Plinio?
— Não, não sei. Diga-me onde é que está Plinio.
— Lance um lugar qualquer.
— Eu não sei. Já tentei tudo e não descobri Plinio.
— Está bom, então vou lhe dizer. O Plinio está num avião a caminho para a Europa.
— Ah! Mas o Plinio tomou o avião para ir à Europa?!
— Sim. Hoje todo mundo viaja para a Europa de avião. Ele tem que levar a vida de uma pessoa do tempo dele, não pode viajar como Pedro Álvares Cabral, de caravela. Por que ele não haveria de viajar assim? Só por ser seu filho? — brincando com ela.
Ela chorou e depois minha tia lhe disse:
— Você deve ficar muito contente, porque essa viagem enriquecerá sua cultura. Ele verá várias coisas da Europa e, ademais, servirá à Religião.
Então mamãe ficou mais animada.
Logo depois, toca a campainha: uma enorme cesta de flores, muito bonita, que eu mandava para ela com um cartãozinho, explicando por que não lhe havia dito que eu ia para a Europa, e lhe mandava beijos.
Naturalmente, toda mãe se comove com isso, e ela ficou muito comovida. Guardou o cartão e mandou pôr as flores num vaso.
Algum tempo antes do jantar, outro toque de campainha: era a segunda cesta de flores que eu mandava naquele dia, com outro cartão, outra manifestação de afeto, que ela recebeu muito enternecidamente.
Precisando residir em outra casa, Dr. Plinio telefonava todas as noites para Dona Lucilia
Conto mais um fato para mostrar como era nosso relacionamento. Durante algum tempo nós tínhamos uma casa de aluguel; e para retirar um inquilino que não tinha mais direito de ficar nesse imóvel, era preciso que eu fosse morar nessa casa, a qual não estava à altura de Dona Lucilia. Ela estava habituada, pelo tipo de vida dos seus pais, a casas muito boas, distintas, e aquilo era uma casinhola. Então, eu fui morar naquela casa.
Quando residia com mamãe, todas as noites antes de me deitar eu ia falar com ela. E nessa casa, onde precisei residir talvez uns cinco ou seis meses, não havia telefone — o Brasil estava em guerra e era muito difícil obter um telefone novo. Então eu ia a uma garagem existente em frente, pedia licença ao dono e telefonava para ela a fim de dizer boa noite.
Meu pai me dizia que toda noite, quando chegava mais ou menos a hora em que eu devia telefonar, ela ficava sentadinha junto ao aparelho numa poltrona, à espera de meu telefonema e rezando. Não fazia nada enquanto eu não telefonasse. Quando eu ligava, contava-lhe alguma novidade do dia, dizia-lhe boa noite e depois ela e eu íamos nos deitar.
Acostumada a carinhos dessa natureza, explica-se que, com o auxílio de Nossa Senhora, ela tenha vivido até noventa e dois anos.
Uma parenta minha, estando certa vez em casa, me viu conversar na intimidade com mamãe e me disse baixinho: “Se eu tivesse um filho que tratasse a mim como você trata a ela, eu quereria viver quatrocentos anos nesta terra.”
Mas tudo isto era fruto da confiança que mamãe possuía de que Nossa Senhora lhe daria as coisas necessárias para afetivamente sustentar-se bem na vida. v
(Extraído de conferência de 4/9/1993)
Revista Dr Plinio 162 (Setembro de 2011)
1) No ano de 1950.
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