“Mamãe também é assim…”
Em 29 de junho de 1876, na matriz da velha Pirassununga, Dona Lucilia recebeu as águas do Batismo, tendo como Madrinha a Virgem Senhora da Penha. Cem anos depois Dr. Plinio recordaria comovido essa data, vendo naquele vínculo tão precoce entre Nossa Senhora e sua mãe, a semente desse fruto inestimável que brotaria em sua própria alma: uma entranhada devoção a Maria Santíssima e um inteiro amor à Santa Igreja Católica.
Creio não se enganam aqueles que pensam existir um nexo íntimo de causalidade entre o que possa haver de bom em mim e a influência católica recebida de mamãe.
Senso católico
Com efeito, sempre que as solicitações de meus ouvintes me levam a recordar situações de minha infância e dos meus tempos de moço, mais a figura de Dona Lucilia me aparece com uma confirmação ainda mais vincada, mais acentuada do imenso papel dela para a formação do senso católico em mim.
Neste sentido, não me esqueço um episódio — diversas vezes narrado por mim — que se deu comigo na igreja do Sagrado Coração de Jesus. Aliás, não foi um fato isolado, mas repetido incontáveis vezes, talvez anos a fio, o qual entretanto ficou-me marcado de modo particular quando se produziu pela primeira vez. Na minha memória, aquele foi o momento arquetípico, gravado indelevelmente no meu interior, em que eu formei certa idéia de conjunto da igreja do Sagrado Coração de Jesus, enquanto assistia à Missa.
Formou-se pelo agrado sucessivo, espontâneo, das figuras, da cor interna do templo, dos vitrais, da atmosfera, do que pairava de sobrenatural, do rito, da liturgia, etc. Ainda que eu não entendesse com toda a profundidade o significado do santo sacrifício da Missa, tinha a idéia — concebível e proporcionada ao intelecto de uma criança — de se tratar da renovação incruenta do holocausto de Nosso Senhor no Calvário. Ora, eu acompanhava aquela celebração e, de repente, constituiu-se no meu espírito a noção de conjunto, envolvendo as belezas artísticas da igreja, sua atmosfera sobrenatural, o esplendor do culto e a renovação do sacrifício de Jesus. O intercâmbio, as reversibilidades de todas aquelas coisas se patentearam à minha alma, sem que eu conhecesse a palavra “reversibilidade”.
Conferindo com a alma de Dona Lucilia
Percebi esta inter-comunicação e compreendi haver por detrás de tudo um espírito, uma alma, uma causa superior que era Deus Nosso Senhor e o Divino Espírito Santo, agindo acima de tudo e a tudo sustentando. Essa reversibilidade fazia com que aquele conjunto brilhasse como um reflexo muito fiel, preciso, exato e rico da fisionomia do próprio Deus. E meu ato de Fé se manifestou inteiro: era a Santa Igreja Católica Apostólica Romana! E, ao mesmo tempo, um ato de amor: “Ela vale tudo e é tudo!”
Vinha-me, então, a esperança do Céu e a idéia dos esforços e da luta que eu deveria travar para alcançá-lo. E, com naturalidade assombrosa, para explicar-me essas noções todas, eu pensava em Dona Lucilia, que talvez estivesse junto a mim: “Isso é assim mesmo, pois a alma, o espírito de mamãe é assim. Logo, devo interpretar tal coisa e tal outra dessa maneira. É mesmo, confere com ela…”
E assim como aquele primeiro ato de Fé e de amor, pela graça de Nossa Senhora se estendeu pela vida inteira, também durante o longuíssimo convívio que a Providência determinou tivéssemos mamãe e eu, cada vez mais me fazia notório esse paralelo — “É claro, mamãe é assim” —, vendo nela um reflexo da Igreja, através dela contemplando melhor a Igreja e, conhecendo mais a Igreja, compreendendo melhor a ela.
Semelhança com a misericórdia de Nossa Senhora
Em sentido análogo, lembro-me igualmente de quando recebi a graça que me marcou inteiramente a alma (e queira Nossa Senhora, para todo o sempre), da devoção à Santíssima Virgem, diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, na própria igreja do Coração de Jesus.
Naquele episódio, estando eu ajoe-lhado, fitando de longe a imagem e para ela rezando, na miséria e na aflição em que me encontrava, conheci a misericórdia de Maria. Então me veio logo o pensamento: “É compreensível, porque mamãe também é assim. Em Nossa Senhora, é claro, num grau indizivelmente maior; porém, há uma semelhança”. E minha alma estava toda modelada, pelo convívio com Dona Lucilia, para receber uma coisa e outra. As últimas lágrimas que eu verti por mamãe, ainda foram marcadas por essas duas impressões.
“Tudo começou com o batismo de mamãe”
Assim sendo, não posso deixar de considerar apropriada a lembrança da data do batismo de mamãe, pois se tudo o que acima dissemos é verdade, esse tudo começou no momento em que sobre ela caíram as santas águas batismais.
Ela teve como madrinha — quanto isso é expressivo! — Nossa Senhora da Penha, invocada no bairro paulistano de mesmo nome, imagem à qual ela tinha, como todos os paulistas naquele tempo, uma profunda devoção. A igreja da Penha era uma espécie de miniatura de Aparecida do Norte, para onde se faziam romarias, peregrinações, etc.
É interessante observar como, iniciando-se tão cedo essa vinculação de mamãe com Nossa Senhora, essa primeira graça era ordenada para, desenvolvendo-se e frutificando-se nela, pousasse um dia em mim. Ela tinha, portanto, uma longa caminhada diante de si.
Na eternidade, sorrindo…
Indubitavelmente, a recordação dessa data foi um gesto grato a mim e, certo estou, também a Dona Lucilia. Se, pela infinita bondade divina, ela, como espero, se acha na bem-aventurança eterna, nesta hora estará nos sorrindo…
Agradecendo a Deus, por meio de Maria Santíssima, o favor inapreciável do dom da Fé concedido a mamãe por ocasião de seu batismo, peçamos ao Sagrado Coração de Jesus permita que essa graça da Fé e da esperança, do amor a Deus, ao sublime, ao absoluto, o amor a todos os valores morais e sobrenaturais tão negligenciados no mundo hodierno, se torne sobre nós ainda mais intensa e nos conforte nas provações e lutas que havemos de enfrentar em nossa trajetória rumo ao Céu. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 29/6/1982)
Revista Dr Plinio 113 (Agosto de 2007)
Deixe uma resposta