Alma feita de harmonias
Calma dentro da apreensão, serenidade no repreender, convicção firme nos princípios. Em Dona Lucilia, todo o equilíbrio de alma era profundamente católico, como nos descreve Dr. Plinio ao recordar as suaves atitudes de sua mãe perante o cumprimento do dever.
Dona Lucilia possuía seu modo peculiar de corrigir os filhos, e na sua forma de nos repreender agradava-me constatar o equilíbrio entre a firmeza e o afeto, o carinho entristecido e condicionado, como se dissesse: “Se deixar de ser bom filho, não deixarei de lhe querer bem, mas será em outros termos”.
Com voz aveludada…
Quando havia necessidade de me censurar, ela me chamava, passava a mão pela minha cintura, fitava-me de frente com seus olhos castanhos bem escuros, e me perguntava:
— Meu filho, é verdade que você fez tal coisa errada?
Diante de minha confissão, mamãe prosseguia numa análise inexorável do meu mau procedimento, e demonstrava por “a + b” tudo quanto aquela ação tinha de ruim. E ela o dizia com o timbre de voz aveludado, nunca estridente, pelo qual percebia-se a sua tristeza em nos fazer sentir a reprovação que aquilo merecia. De maneira tal que eu acabava compreendendo quanto era justa a repreensão, e com esta me tornava consoante. Terminado o pito, Dona Lucilia acrescentava:
— Agora peça perdão à sua mãe.
Eu pedia perdão, osculava a testa dela e, envolvido naquele carinho, saía de junto dela como se tivesse ganho uma indulgência plenária…
Cumpre salientar, aliás, que se eu deixasse de merecer essa forma de ternura materna para comigo, sobretudo quando era corrigido, eu perderia certa comunhão de alma com Dona Lucilia, a qual não desejava absolutamente perder. E mamãe me tornava isso presente.
Equilíbrio entre calma e apreensão
Essas composições e harmonias na alma de Dona Lucilia se manifestaram sempre ao longo do nosso extenso convívio. O que se pode constatar através das fisionomias dela registradas em muitas fotografias.
Por exemplo, diversas vezes eu a vi perplexa, mantendo o semblante imóvel, sem franzir a testa, como se ela se ausentasse da própria face. Esta permanecia impassível, e o olhar posto num ponto indefinido no ar, enquanto sua alma considerava suas preocupações. Em certos momentos ela balanceava a mão, de maneira discreta.
Percebia-se, então, como no espírito de mamãe estavam presentes os princípios, a gravidade, a imobilidade e a perplexidade, perguntando-se ela, a cada instante, como agir e como conduzir de modo acertado o curso das coisas. Conservando sempre o equilíbrio entre a calma e a apreensão: “Pode ser que algo não corra como espero. Não desejo o resultado desfavorável de nenhum modo, exceto se for inevitável. Vejamos a situação com serenidade, sem aflições desnecessárias. Se não der certo, Deus é Pai, e Nossa Senhora é minha Mãe; permitirão o melhor para mim”.
A meu ver, essa calma dentro da apreensão constitui um belo estado de espírito que eu pude observar em Dona Lucilia, assim como outros que se compunham na alma dela, à maneira de ogivas.
Dificuldade do homem moderno em obedecer
Nesse sentido, chama particularmente a atenção em certas fisionomias de mamãe a conjunção entre a amenidade, a afabilidade e a intransigência nos princípios que a norteiam. E essa harmonia nos causa especial comprazimento. Por quê?
Talvez a maior dificuldade existente no homem concebido no pecado original venha a ser que, em determinado momento, pronuncia-se nele um pendor oposto ao dever. E essa inclinação em geral é para o agradável, pois ninguém se sente atraído para o dissabor. Assim, quando o pendor se anuncia, apresenta-se com o aspecto de uma atração deleitosa, não raro enfática, acompanhada de uma espécie de cegueira por onde a pessoa não discerne claramente o mal encerrado naquilo que a seduz.
Ora, posto nesse estado de atração, não há nada que o homem mais deteste do que ouvir a repreensão, baseada na Lei de Deus. Ele não quer ouvir falar em virtude, em obediência aos Mandamentos. Não quer, e não os pratica, pois a virtude só é verdadeiramente virtude quando a pessoa age por persuasão, convicta do que não deve fazer. De tal maneira que esteja vincado no seu espírito essa resolução: “Ainda que eu não veja porquê, sendo uma disposição da autoridade competente, não posso transgredir a Lei de Deus; devo obedecê-la. Ele tem o direito de mandar em mim, e agirei de modo acertado se tiver gosto e alegria em acatar suas disposições, ainda que não as entenda.”
Eis um elemento de virtude indispensável, sem o qual não há virtude autêntica. E é o que vai desaparecendo do espírito do homem moderno.
Cumprindo seu dever com a Lei de Deus
Donde o comprazimento em notar na alma de Dona Lucilia essa convicção de princípios, essa forma de firme obediência aos preceitos divinos. Ao lado da doçura acolhedora, a certeza: “Há uma lei à qual estou sujeita; quero obedecê-la e quero que seja obedecida pelos outros. Portanto, cumprirei esta lei e só terei a plenitude de minha concórdia para quem igualmente a cumprir. Eu tenho o direito de fazer conhecer essa Lei, e um dever especial de simbolizá-la. Se não gostarem…”
Mas, percebe-se que ela tinha imenso desejo de que os outros gostassem, a fim de mais seguramente glorificar a Deus e fazer bem ao próximo. Um imenso desejo!
Seria, pois, um equívoco interpretar a fisionomia de mamãe em certas fotografias, tão amena, tão atraente, tão afável, assim: “Façam o que quiserem…” De modo algum. A afabilidade não se confunde com o relaxamento nos princípios. A firmeza nestes se conjuga com aquela e resulta num equilíbrio de alma que eu não hesito em chamar de católico. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 23/3/1982)
Revista Dr Plinio 114 (Setembro de 2007)
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