Amiga da Cruz
Quanto mais alguém tenta fugir da cruz, mais esta se torna pesada. A exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, Dona Lucilia amou a cruz de tal modo que o traço dominante de sua alma foi o de sofredora, e ajudava muitíssimo os outros a levarem suas cruzes.
Ao vermos as sucessivas fotografias que ficaram de Dona Lucilia, através das diversas idades, notamos que ela está com a fisionomia muito elevada, muito religiosa, mas sem sofrimento nem cruzes até uma certa época do início da juventude. Depois percebemos, de repente, haver uma mudança, e a fisionomia começa a se apresentar cada vez mais preocupada, marcada pela presença de um sofrimento que ela levou a vida inteira, uma cruz que a acompanhou até o fim.
Nunca teve a menor recusa da cruz
Pelas ingratidões e por várias coisas que Dona Lucilia sofreu, ia entrando no espírito dela a ideia de que a vida tomada a sério não era senão um grande carregar da cruz.
Em nenhum momento das suas recordações — do que ela me contava de seu passado, ou que as fotografias indicam, ou que eu sei do passado da família —, ela teve a menor recusa da cruz. Mas a cruz ia se manifestando cada vez maior do que ela imaginava. E nisso entrava uma certa surpresa, que ia cada vez mais fundo, mais fundo, mais fundo!
Naturalmente, não posso contar muitas coisas, por estarem ligadas à história particular, privada, de uma família, da qual muitos vivem, outros morreram, mas é justo que eu proteja a memória deles. Tenho, portanto, que ficar em generalidades.
Mas, em certo momento, vê-se que mamãe ficou pasma de ver quanto a cruz estava em sua vida. Ao mesmo tempo, ela era muito confortada pela ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha sofrido incomparavelmente mais, e com paciência e amor. E isso fazia muito bem a ela, e modelava o seu coração para sofrer dessa maneira.
Assim, não só foi se delineando no perfil moral dela o traço dominante da sofredora, mas uma coisa paradoxal e muito bonita: por ser sofredora e compreendendo o sofrimento, tornou-se muitíssimo capaz de ajudar os outros a sofrerem. Então, tendo uma paciência com as situações, com as pessoas, uma coisa incalculável! Nunca resmungando, nunca protestando! Mas, com a resignação já feita até o fim de sofrer até o limite de arrebentar, e de compreender que o sentido da vida era a cruz.
O sentido católico da vida
Este é o sentido católico da vida. Por essa razão, em todas as nossas sedes eu gosto de pôr a cruz preta, seca, onde não está nem sequer o Crucificado, mas é a cruz pela cruz, com os instrumentos da Paixão nela pregados, para nos convencer de que devemos tomar a vida assim. E por mais desagradáveis, penosas — e às vezes dramáticas — que sejam as coisas que nos aconteçam, devemos ter paciência e prosseguir energicamente, sem nenhuma dúvida, sem nenhum espanto, porque é o sentido da vida.
E as pessoas que, com ar muito alegre, querem nos iludir dizendo que a vida delas não é assim, mentem. Porque todo mundo tem que sofrer muito nesta vida.
A vida é um vale de lágrimas, e a expressão diz muito: um vale. Para o vale confluem todos os cursos de água dos montes. E, portanto, todos os montes que cercam o vale da vida, são montes dos quais descem lágrimas, ou seja, a dor. A expressão é de São Bernardo: “vale de lágrimas”. Está na “Salve Rainha”, cujo autor foi ele.
Devemos compreender que isso é assim, e que quanto mais quisermos fugir da cruz, mais nós vamos carregando uma cruz pesada. E que o único jeito de levarmos bem a vida é termos a resignação com a nossa cruz. Custe o que custar, seja o que for, é preciso aceitar o que veio, e tocar para a frente! Nossa Senhora nos dará forças, e se for de seu desejo Ela resolve o caso.
E nesse sentido, é bom até nem gemer muito para os outros ouvirem. Mas suportar a cruz com uma naturalidade tal, que os outros nem suspeitem que a cruz esteja presente. Mas carregar a cruz é a nossa obrigação.
Gravíssimo ataque do coração
Isso Dona Lucilia cumpriu até o fim, passando por toda espécie de circunstâncias verdadeiramente penosas.
Por exemplo, uma coisa de que me lembro: uns sete anos antes de mamãe morrer, eu estava em Buenos Aires, onde tinha ido fazer uma série de conferências. Por diversas razões, essa minha estadia em Buenos Aires tinha sido muito penosa.
Afinal, chegou o último dia e eu disse para os meus companheiros: “Agora vamos jantar num bom restaurante francês que há em Buenos Aires, dando assim um fecho à viagem e podermos respirar, antes de voltarmos para o Brasil.” E assim fizemos.
Quando voltei ao hotel, me diz o porteiro: “Há um telegrama para o senhor, de São Paulo.” Abro a correspondência, é um telegrama de minha irmã: “Mamãe mal à morte, com ataque de coração violentíssimo! Procuramos de todas as maneiras telefonar a você, mas os telefones de São Paulo a Buenos Aires, depois de tantas horas, estão interrompidos. Venha logo para pegá-la ainda com vida!”
Podem imaginar minha aflição! Passei a noite em claro, tentei telefonar através do telefone do Exército argentino, para ver se conseguia ligação com o Exército brasileiro, mas não foi possível. Não havia aviões que partissem bem cedo de Buenos Aires para São Paulo. Então consegui um avião pequeno, particular, que às cinco horas da manhã levantava voo até Montevidéu, onde eu tomaria um avião muito mais rápido que me levasse diretamente a São Paulo. Foi o que eu fiz, em meio a uma pressão de alma tremenda, e com o pavor da chegada a São Paulo.
Pouco depois de pousar o avião, vejo um de meus amigos que me faz um sinal com o braço, indicando estar tudo bem. Ao desembarcar, minha primeira pergunta foi: “Como vai mamãe?” Ele me disse: “Ela teve um ataque muito forte do coração, mas já melhorou, está passando bem, conversando normalmente. Os médicos estão pasmos do que houve com ela. Mas o senhor não se assuste, porque exatamente na hora do senhor chegar a seu apartamento, da casa do vizinho estará partindo um enterro. E nós temíamos que o senhor, chegando, pensasse ser o enterro dela. O senhor não se assuste, pois vai encontrá-la bem!”
Agora vem o que interessa, pois se refere a ela. Um ataque gravíssimo do coração não passa assim rapidamente. Cheguei, encontrei-a na cama, conversando com minha irmã, minha sobrinha, pessoas da família. Não a beijei porque eu estava resfriadíssimo, mas enfim troquei toda espécie de carícias com ela. E fiquei sentado ali, continuando a conversa. Anoiteceu, e ela dormiu bem à noite.
Mamãe melhorou tão rapidamente, que algum tempo depois eu vi o médico dela chegar para fazer um exame; auscultou seu coração e afirmou: “Mas não é possível! O coração dela está tão bom, que eu diria ser outra pessoa!” Percebia-se, pela serenidade dela, a resignação diante da morte. Ela viu bem que estava para morrer, mas concebeu a morte com total resignação. Era essa a posição dela perante a morte.
Por estar habituada a ver o pior e a enfrentar o sofrimento com doçura, porque Deus assim queria, ela levou uma vida mais longa do que muitas outras pessoas. E levou-a com uma doçura e uma bondade de quem era realmente amiga da cruz!
E devo dizer que isso me ajudou enormemente a aprender a sofrer.
(Extraído de conferência de 11/2/1990)
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