Amparo maternal
Ao imergir as pessoas no anonimato próprio ao mundo moderno, a Revolução as atira num ininterrupto e desconcertante abandono. Com sua característica bondade, repleta de ternura e meiguice, Dona Lucilia servia de amparo para todos que dela se aproximassem, fazendo-os sentir a contínua proteção da Providência.
Havia qualquer coisa nas delicadezas da alma de mamãe, que atraía as almas delicadas. E, pelo contrário, as pessoas imbuídas de um espírito revolucionário não se sentiam atraídas e a rejeitavam. Porque ela era muito compassiva, muito bondosa, muito atenta, muito gentil, de uma gentileza toda feita de matizes, de pequenas delicadezas. E o espírito que eu qualifico de cinematográfico — segundo a mentalidade que se procurou difundir a partir de Hollywood — era fundamentalmente avesso a tudo isso.
Apoio para não ceder às pressões da Revolução
Durante toda a vida de Dona Lucilia, a Revolução esteve numa fase em que, precisamente, afastava-se de tudo aquilo por onde mamãe atraía. Mas também a Revolução colocava contra si todas as almas delicadas, que estranhavam aquele modo pelo qual a vida vinha sendo tocada. E essas almas, se quisessem, poderiam encontrar em Dona Lucilia um apoio, um amparo, para não cederem às pressões da Revolução. E para mim ela foi, neste sentido, um amparo indizível!
Ora, o espírito contrarrevolucionário é precisamente um espírito de força, mas de delicadeza, de gentileza, de amabilidade, de bondade. E a minha alma queria enormemente ser tratada dessa maneira. Posso dizer também que eu era muito propenso a tratar os outros assim. E encontrava no trato dela exatamente a comprovação de que era possível haver sob a luz do Sol alguma coisa assim; do contrário, me pareceria quimérico, irrealizável, absurdo. Se eu não a conhecesse, teria tido muito menos força para conceber e tentar realizar esse ideal.
Preparando o Jacó que lutaria contra Esaú
Nela havia duas qualidades que pareciam antitéticas, mas se completavam muito bem. Ela era muitíssimo carinhosa enquanto notava em mim, ou numa outra criança, a debilidade da infância. Seu entranhado carinho se debruçava para amparar a criança na sua fragilidade.
Quando menino, eu sentia muito que minha debilidade de criança era uma razão especial para ela me querer bem. E não posso dizer quantas vezes eu a vi sorrir a essa debilidade e como ela a manuseava amavelmente, afavelmente, delicadamente, ora brincando, gracejando um tanto, ora explicando um pouco o mundo dos mais velhos, na medida em que uma criança pudesse compreender. E eu me sentia ultra à vontade com a tradução que ela fazia do mundo dos mais velhos para os mais novos.
Eu sentia muito isso também nos cuidados dela para conosco. Mais especialmente, prestava atenção no modo de ela cuidar de mim, é natural. Quer dizer, cuidados com a saúde, com o corpo, com as maneiras — não fazer brincadeiras abrutalhadas —, cuidado com tudo. Um cuidado meticuloso e afetuoso, tudo bem direito, arranjado, como deveria ser, mas de uma observação benevolente e disposta a sorrir a qualquer pequeno defeito, desde que não houvesse a insistência nele. A persistência no defeito ela não tolerava.
Por outro lado, sentia muito nela uma espécie de guindaste: ela me suspendia. Era dotada de uma fortaleza de alma, por onde a força da convicção dela fortalecia minhas convicções. A retidão de sua conduta dava-me retidão na minha. A repulsa que ela fazia do mal, do erro e do feio, fazia-me repudiá-los também.
Eu era um menino muito mole — aliás, pode-se perceber isso pelas fotografias —, e ela me animava enormemente. Para usar uma figura da Sagrada Escritura: de um lado, ela apoiava em mim o Jacó, no que este tinha de delicado em comparação com Esaú; de outro lado, ela preparava em mim o Jacó que lutaria contra Esaú. Nesse sentido também, fez-me um bem colossal!
Bondade, ternura e meiguice
Convém aqui explicar a diferença entre bondade, ternura e meiguice.
Bondade é genérico. Meiguice e ternura são duas das muitas variantes da bondade. A meiguice é a bondade enquanto afaga aquilo que é frágil, pequeno. E a ternura é a bondade enquanto protege aquilo que é fraco.
Por exemplo, uma criança acorda à noite com medo, e a mãe trata com meiguice esta sua fraqueza. Se o filho tem uma doença grave, a mãe procura, com ternura, tornar essa enfermidade suportável para a criança.
Faço um rápido parêntese: aqui estão duas pequenas diferenças criteriológicas, que tornam interessante a análise dos vários idiomas. A alguém não brasileiro poderia parecer que, dizendo bondade, se diz ternura e meiguice. Porque, se bondade é um gênero que abrange todas as espécies, não há necessidade de falar em ternura e meiguice.
Ora, isso que em tese, genericamente falando, teria sua razão, para a psicologia brasileira absolutamente não é assim. Porque para o brasileiro vem primeiramente a noção genérica de bondade. Porém, depois, especifica-se nele a ideia de que não é uma bondade qualquer, mas uma bondade com suas características especiais. Então ele acrescenta ternura e meiguice. E ainda que não saiba explicitar o sentido das palavras como estou fazendo, o “i” da meiguice fá-lo sentir uma coisa, e o “u” da ternura fá-lo sentir outra.
Vê-se nisso uma nota característica de uma criteriologia especificamente brasileira. Creio mesmo que no português de Portugal não se leva isso tão longe como no do Brasil, mas não tenho certeza.
Aqui fechamos o parêntese e vamos adiante em nossas reflexões.
Da falsa autossuficiência ao desamparo.
A relação entre o afeto materno e o paterno é tal que o primeiro exprime certas bondades de Deus, que o segundo não exprime. Deus é tão admirável, tão perfeito, que para fazer sentir toda a sua bondade, dentro da família, serve-Se do pai e da mãe. Uma só criatura humana não seria capaz de todas as formas de afeto necessárias para a educação adequada dos filhos, e para lhes dar uma ideia completa da bondade divina.
Creio que as gerações posteriores à minha foram muito favorecidas num ponto: na minha geração, ensinava-se ao menino uma falsa autossuficiência que era, mais propriamente, uma insolência em relação a todo mundo, baseada no apoio dado pela família. Com base nesse apoio, a criança tomava uma atitude autossuficiente, e a plenitude de seu desenvolvimento consistia em ter essa autossuficiência meio agressiva, meio insolente.
Nas gerações seguintes, em geral, tenho percebido que, dentro do anonimato do mundo moderno, as pessoas se sentem meio desamparadas, entregues ao léu, sem apoio algum. Fico especialmente comovido quando, em contato com um jovem de outro país, noto nos primeiros olhares uma interrogação: “O senhor será mesmo o homem bom de quem me falaram? E me dará a forma de amparo e apoio de que preciso?”
Ora, pela virtude e pela condição de mãe, Dona Lucilia dava muito essa noção de amparo. O que eu recebi de amparo dela, simplesmente não tenho palavras para exprimir! E as gerações recentes são mais ávidas disso do que a minha.
Coerência e gratidão
Sentir-se assim amparado constitui um estado de alma tão deleitável — sobretudo para quem vive no desamparo —, que somos levados a nos perguntar quais são os empecilhos para alguém aceitar e viver esse amparo.
O primeiro empecilho é a superficialidade. A pessoa recebe esse apoio, mas depois não presta mais atenção nele, não pensa e age como se ele não existisse. E a correspondência a esse amparo supõe uma certa vida interior, por onde se tem o cuidado de se lembrar do tipo de auxílio recebido e de torná-lo presente nas ocasiões oportunas. Supõe, portanto, um esforço de atenção, de preservação contra a superficialidade, contra a irreflexão em relação àquilo que eu quase ousaria chamar “a boa palavra ouvida”.
Supõe também uma certa forma de coerência, porque quem recebe um dom espiritual tão bom deve, por coerência, procurar preservá-lo. É manifestamente incoerente receber uma coisa excelente e tratá-la como insignificante. Seria como se uma pessoa pusesse uma pedra preciosa na minha mão e eu tratasse a joia como um pedregulho; isso é próprio de um doido! É preciso, portanto, ser coerente e, tendo apreciado tal dom, tomar imediatamente a resolução: Eu o preservarei, dele sempre me lembrarei!
Além disso, deve haver uma verdadeira gratidão. Porque, se passando eu por um momento de aflição, uma pessoa me tratou muito bem, para lhe ser grato devo lembrar-me sempre desse benefício. É evidente! Não posso abordar essa pessoa como se o benefício não tivesse sido feito. É uma outra forma de incoerência: a incoerência do ingrato.
E se quisermos preparar nossas almas para receber novos favores, o natural é que nos mostremos gratos com relação aos já recebidos. Porque, do contrário, não que a pessoa fique sentida e não nos conceda novos dons, mas estes deformariam nossas almas. Se eu começo a carregar e sobrecarregar de dons alguém que nunca agradece, estou deformando a mentalidade dessa pessoa.
Contudo, essa forma de amparo maternal, tornando-se frequente, deve dar, provavelmente, uma impressão de contínua proteção da Providência, que soluciona a sensação de abandono desconcertante e ininterrupto em que o mundo moderno atira os homens.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/2/1983)
Revista Dr Plinio 187 (Outubro de 2013)
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