1930 – janeiro a julho
1930 – Janeiro a Julho
Discurso pronunciado a propósito
da data de 13 de maio de 1888
[A polêmica abolicionista no Brasil:
matizes esclarecedores1]
S. Ex.a começou por dizer que:
Segundo uma opinião outrora bastante acreditada, e de que ainda restam consideráveis vestígios em manuais escolares e na massa da população, o Brasil se teria dividido, por ocasião das campanhas que conduziram à libertação dos escravos, em duas correntes nitidamente delimitadas. De um lado, as almas sensíveis à desventura do elemento servil exigiam a imediata extinção da escravatura. De outro lado, os espíritos mesquinhos, indiferentes à desgraça do negro e preocupados tão-somente com seus interesses pessoais de senhores de escravos, desejavam a manutenção, entre nós, da servidão do negro. A glória do Brasil, no 13 de Maio, teria consistido na vitória dos bons sobre os maus, e na maneira incruenta e festiva com que essa vitória se consumara.
Sem dúvida, a nota pacífica que caracterizou a vitória abolicionista é um título de glória para a nossa história. É ainda uma glória para nós que a corrente antiescravagista tivesse contado com o apoio entusiástico de um sem-número de agricultores que lutavam pela generosa medida, com preterição de graves interesses pessoais. Mas, em louvor de nosso País, além destes dois títulos de glória capitais bastante conhecidos, ainda haveria outro que mencionar.
[O feitio afetivo e pacífico do povo brasileiro]
Constitui elemento psicológico, que atua como uma constante de nossa história, o feitio afetivo e pacífico de nosso povo. Quantas vezes presenciamos, nos fastos de nosso passado, a formação de crises profundas que, no momento mais trágico, encontram um desfecho inesperado e incruento. É sempre a índole sensata, pacífica, quase diríamos meiga, do brasileiro, que vence as dificuldades do momento, encontrando fórmulas hábeis para evitar as dilacerações, as lutas à outrance2, as carnificinas que lhe repugnam.
Esse feitio próprio à nossa gente agiu como força propulsora de primeira ordem, no sentido de suscitar a corrente abolicionista, de lhe engrossar as fileiras com elementos oriundos de todos os quadrantes geográficos, sociais e ideológicos do país, e de conferir ao abolicionismo aquele impulso que dele fez, por fim, uma força irresistível.
Entretanto, esse mesmo feitio também se fez sentir no próprio modo de ser dos antiabolicionistas. Que uma instituição como a escravatura se tenha prestado entre nós a lamentáveis abusos, não há que negá-lo. Mas causa surpresa verificar, à luz de uma História imparcial, que tais abusos foram muito menos freqüentes do que, pelo próprio efeito da instituição e pela rudeza do ambiente na vida rural de então, se poderia recear. Até pelo contrário, em um sem-número de casos a fisionomia da escravatura foi mitigada e como que transfigurada pelas relações de profundo e recíproco afeto que se estabeleciam entre senhores e servos, e por uma benevolência daqueles para com estes, que se manifestava em alforrias que, nos anos anteriores à abolição, beneficiavam os escravos às centenas, e até aos milhares.
[Abolicionistas a longo prazo, e não propriamente escravagistas]
Entre os que se destacavam por sua bondade para com os escravos e até se antecipavam aos acontecimentos, dando ao elemento servil a liberdade, figuravam precisamente elementos exponenciais… da corrente ↓3 [antiabolicionista].
É que, salvo talvez alguma voz inteiramente isolada, e como tal sem expressão suficiente para figurar em nossa História social, o Brasil não teve propriamente escravagistas, se por esta palavra se devem designar os partidários da escravidão enquanto tal. A corrente de opinião que se opôs ao 13 de Maio não procurava justificar a escravatura enquanto instituição, nem considerava que fosse um bem, senão apenas um mal menor, sua sobrevivência entre nós. Sabiam todos que, em virtude das Leis do Ventre Livre e da alforria dos Sexagenários, a instituição estava condenada a desaparecer por si, e não o lamentavam. Parecia-lhes simplesmente que a libertação imediata dos escravos seria prejudicial, quer para estes, quer para seus senhores. Para estes [os escravos], porque, em numerosos casos, não estavam preparados para fazer, em proveito próprio, o uso devido da liberdade que iriam receber. Para aqueles porque a emancipação feriria de morte zonas agrícolas inteiras do País. Assim – e nisto está mais um título de glória que cumpre ressaltar – não tivemos tanto, antes do 13 de Maio, escravagistas, quanto abolicionistas a longo prazo, em luta contra partidários da abolição imediata.
[Faltou uma Ordem Religiosa especializada para trabalhar em benefício dos negros]
A História imparcial não pode deixar de reconhecer que nas alegações dos abolicionistas a longo prazo havia uma parcela de razão, que se não era suficiente para justificar o retardamento da abolição, entretanto deixava margem a uma certa preocupação. Melhor seria que se houvesse preparado a abolição já nos albores da Independência, por uma ação formativa metódica e profunda entre senhores e escravos. Entre aqueles, abrindo-lhes os olhos para o que tinha de altamente desejável a emancipação do negro, do ponto de vista dos princípios cristãos tão fundamente enraigados em nossa gente, e entre estes inculcando-lhes as virtudes específicas necessárias para que o uso da liberdade só lhes trouxesse vantagens. Nestas condições, a abolição não teria produzido senão benefícios, e provavelmente poderia ter sido decretada antes mesmo de 1888. Mas faltou-nos para isto uma Ordem Religiosa especializada que tomasse sobre os ombros a ingente tarefa de trabalhar pelo negro, como outrora haviam feito em benefício dos índios os filhos de Santo Inácio.
Circunstâncias múltiplas, que não viria ao caso analisar, impediram que se solucionasse por esta forma ideal o grande problema. Mas a justiça manda que se afirme que os vencidos de 13 de Maio não podem ser vistos pura e simplesmente como partidários cúpidos e desalmados de uma instituição, cuja extinção, já então inevitável por força das leis, eles mesmos a prazo mais longo não desejavam evitar.
[Figuras centrais que conduziram o movimento abolicionista à vitória]
Mas as grandes figuras centrais desta data sem dúvida foram as que conduziram os abolicionistas à vitória.
O conferencista lembra então os nomes dos principais expoentes da corrente abolicionista, referindo-se muito particularmente ao Conselheiro João Alfredo. E continua:
Orador impressionante e talentoso, João Alfredo4 era também um leader no sentido mais pleno da palavra. Ninguém sabia, como ele, coordenar as inteligências e as vontades em torno de um programa de ação. Ninguém tinha maior intrepidez em enfrentar o adversário, mais força em vibrar os golpes necessários, mais sutileza e discernimento na escolha do momento oportuno para que a batalha fosse travada e levada a termo. Qualidades singulares que, aliadas a um profundo conhecimento de nossos problemas e um inegável tino administrativo, dele fizeram um dos homens públicos mais completos de que se orgulhe a história do Brasil.
No ápice da hierarquia social e política do País, no centro da constelação de personalidades que conduziram o abolicionismo à vitória, figurava a Princesa Isabel, personificação nobre e suave da dama brasileira, com as virtudes de esposa e de mãe que a exornavam. Herdeira da tradição abolicionista de D. Pedro II, D. Isabel apressou de todos os modos o advento da libertação, e sua figura de princesa profundamente cristã ficou aureolada definitivamente com as glórias do 13 de Maio.
Plinio Corrêa de Oliveira
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“O Legionário”, nº 50, 12/1/1930, p. 2
Fides intrepida [I]
Na velha e muito conhecida profecia de São Malaquias a respeito dos Papas, o pontificado de Pio XI é designado pelas palavras Fides intrepida5. Mais uma vez, verificou-se a exatidão da profecia sete vezes secular. Nunca foi mais intrépida a Fé católica, nunca foram tão assinaladas suas vitórias e tão retumbantes as derrotas de seus adversários, nestes últimos séculos. Em todos os terrenos está erguido, mais alto do que nunca, o estandarte da Fé. A ciência já não ousa negar as verdades da Fé. Tanto o materialismo quanto o darwinismo perdem terreno a olhos vistos. Por outro lado, as conversões ao Catolicismo, cada vez mais numerosas, assinalam-se, ultimamente, pelo grande valor intelectual dos convertidos. Por outra parte, a Fé, intrépida, reconquista as posições que lhe roubara o erro.§
Mais retumbantes do que nunca, porém, são as vitórias alcançadas pelo atual Pontífice, sob o ponto de vista político. Os primeiros atos de Sua Santidade, ao ocupar a chefia da Igreja, foram assinalados por um nítido espírito de concórdia. Logo ao receber a notícia de sua elevação ao Pontificado, Pio XI restabeleceu a antiga tradição da bênção urbi et orbe6, abolida desde a tomada de Roma pela Casa de Savóia. Daí por diante, embora mantendo sempre na devida altura as justas reivindicações do Papado, Pio XI nunca cessou de dar mostras de seu desejo de ver resolvida a delicadíssima Questão Romana. Finalmente, depois de negociações laboriosas, habilmente entabuladas entre Sua Santidade e o Sr. Mussolini, o Tratado de São João de Latrão declarava, sob os aplausos de quase toda a humanidade, ao mesmo tempo reconhecida a independência da Cidade do Vaticano e a oficialização da Igreja Católica no Reino da Itália.§
[Os detratores do Tratado de Latrão]
Este tratado teve, como seria de prever, seus detratores. Afirmavam uns que ele era devido exclusivamente ao gênio político do Sr. Benito Mussolini, sem que os sentimentos religiosos deste, ou a habilidade diplomática do Santo Padre, tivessem, de qualquer modo, exercido sua influência sobre a solução da questão romana. O tratado representaria, pois, não o legítimo triunfo da diplomacia do Vaticano, não uma afirmação de fé de um homem que seus próprios inimigos consideram genial, mas tão-somente uma concessão hábil e quase maquiavélica de um político sagaz, a uma potência moral de cuja força ele queria se prevalecer. Por outro lado, os detratores sistemáticos de todos os triunfos da Igreja afirmavam que seria de pouca duração a observância das cláusulas do Tratado Laterano, baseando sua opinião em pequenos mal-entendidos que se verificaram nas relações entre a Santa Sé e a Coroa italiana. Outros, ainda mais parciais e audazes, afirmavam que as compensações que a Itália fazia à Santa Sé eram tão valiosas, que constituíam um verdadeiro assalto ao erário público da Itália. Todas essas acusações não merecem nem as honras de uma resposta.§
Para o observador imparcial é, em primeiro lugar, indiferente conhecer os sentimentos de ordem religiosa que possam ter levado o chefe do governo italiano a prestar seu apoio à idéia de uma reconciliação entre a Tiara e a Coroa italiana. Supondo, o que aliás não nos parece provável, que o Sr. Mussolini seja o mais inveterado dos ateus, a vitória obtida pela Igreja seria ainda mais significativa, pois que demonstraria apenas que os próprios adversários do Catolicismo reconheciam a inteira procedência das reclamações dos Pontífices Romanos contra a Itália.§
[A habilidade diplomática de Pio XI]
Por outro lado, negar a habilidade extraordinária com que Pio XI soube entabular e orientar as negociações com o governo italiano seria fechar os olhos à mais evidente das verdades. Quando Sua Santidade abençoou, pela primeira vez desde 1870, a cidade de Roma, quando Sua Santidade levantou a excomunhão da Capela Paulina, que se encontra no Quirinal, quando Sua Santidade recomendou a todos os católicos italianos que, dentro da rigorosa observância dos princípios da Igreja, prestigiassem as autoridades italianas, pois que este era seu dever de católicos, quando Sua Santidade se opôs com tenaz energia à ação invasora que certos elementos, no partido fascista, queriam exercer nos arraiais católicos, quando Sua Santidade, manifestando o modo de ver da Igreja em relação à questão social, reafirmou os princípios enunciados por Leão XIII, quando Sua Santidade aceitou a participação das autoridades italianas na comemoração do 7º centenário de São Francisco de Assis, quando Sua Santidade consentiu em cercar de todo o esplendor das pompas da Igreja o casamento do Duque das Apúlias, não deu mostras evidentes de seu ardente desejo de restabelecer as relações diplomáticas com a Itália? Eram, então, conhecidas quaisquer negociações entre a Santa Sé e o governo? Não. Conseqüentemente, o Tratado Laterano é, em grande parte, fruto da habilidade e do espírito de cordialidade do Sumo Pontífice. Por outro lado, os pequenos incidentes que se verificaram, e ainda se verificarão forçosamente, entre a Itália e a Santa Sé, resolvidos eles todos com o maior espírito de cordialidade, não são perfeitamente explicáveis se considerarmos a circunstância de se adaptar a Itália, presentemente, a uma situação nova, sob o ponto de vista religioso, e que, portanto, pequenos atritos seriam forçosos?
[É um erro afirmar que a Santa Sé teve lucro material com a solução da questão romana]
Por outro lado, afirmar-se que a Santa Sé teve algum lucro material na solução da questão romana é incorrer em um dos erros mais comezinhos, em matéria de diplomacia. §
A lei de garantias, votada pelo Parlamento italiano, muitos anos antes da Grande Guerra, estabelecia que a Itália, a título de indenização, pagaria anualmente, ao Santo Padre, uma quantia determinada. Ora, como a Santa Sé não aceitasse a lei de garantias, as quantias anuais eram depositadas no tesouro italiano. Estas anuidades foram-se acumulando até a entrada da Itália na guerra. Achando-se nesta ocasião em apuros, o governo italiano resolveu lançar mão das anuidades da Santa Sé, que foram totalmente empregadas em despesas de guerra. §
Depois da guerra, a Itália tornou a depositar periodicamente as anuidades que, somadas àquelas que gastara, perfaziam um total elevadíssimo. Com a assinatura do Tratado Laterano, a Itália via enormemente reduzida esta sua dívida à Santa Sé. Conseqüentemente, esta, ao invés de consentir em um saque aos cofres públicos italianos, privou-se de parte da quantia que tinha o direito de reclamar, segundo o próprio governo italiano, a qualquer momento, e isto para que a Itália pudesse, com mais facilidade, solver os seus compromissos financeiros. Vê-se, pois, que o Tratado Laterano, longe de constituir, sob o ponto de vista material, uma vantagem, foi, ao contrário, mais uma prova de tolerância da Igreja em relação às questões secundárias, de interesse meramente pecuniário.
[O Estado do Vaticano teve reconhecida sua personalidade jurídica de Direito Público]
Sob o ponto de vista do efeito moral, porém, foi de enorme vantagem o tratado. Assim, todas as nações terão de reconhecer como potência soberana de direito internacional ao Estado do Vaticano, cuja personalidade jurídica de Direito Público se delineia com tanta clareza quanto a das mais poderosas nações. Conseqüentemente, não será mais possível aos adversários da Igreja se encastelar atrás do conhecidíssimo argumento de que a Santa Sé não é pessoa jurídica de Direito Público, para não receber como embaixadores os Núncios Apostólicos. Acresce que o Santo Padre se sentirá, de agora em diante, muito mais seguro em sua liberdade e inteira autonomia no administrar os negócios da Igreja, porquanto a independência relativa de que gozava antes do tratado, sendo uma verdadeira mercê de uma lei italiana, podia ser revogada de um momento para outro.
[Triunfos de Pio XI no campo da política da Igreja]
No campo ainda da política da Igreja, se salienta, sob o pontificado de Pio XI, a solução do conflito com a Argentina, a solução da famosa questão religiosa do México, as visitas de diversos soberanos acatólicos ao Santo Padre, a quem protestaram todo o seu respeito e acatamento, o restabelecimento de relações diplomáticas com diversos países, entre eles a França, e, de um modo todo particular, o grande incremento da ação social católica em todos os países da Europa. Graças à constituição das diversas ações sociais católicas, partidos católicos etc., as populações católicas, até mesmo dos países em que os católicos representam a minoria da população, estão, em quase todas as nações da Europa, ao abrigo dos golpes dos adversários da Igreja e, especialmente, podem impor os princípios católicos às legislações dos diversos países, para os quais, conseqüentemente, decorrem deste fato as maiores vantagens. É especialmente notável a intensidade da propaganda católica nos países protestantes: nos Estados Unidos, as conversões, no ano passado, atingiram as 36.000; na Alemanha, país de maioria protestante, o partido católico do Reichstag se distingue por coesão, e é elemento indispensável para a manutenção, no poder, de qualquer ministério; na Inglaterra, já não têm conta as conquistas do catolicismo, segundo o demonstraram as festividades imponentes, comemorativas da emancipação católica; na Dinamarca, em uma circular do Ministério das Relações Exteriores, é assinalado o grande progresso do catolicismo; e, finalmente, também se salienta o grande número de individualidades pertencentes à antiga Igreja Ortodoxa que se têm convertido ao Catolicismo, como por exemplo, ainda há pouco, um bispo.
[A Liga das Nações reconheceu a incontestável
influência da Igreja]
Para coroar esta longa série de triunfos, basta examinar a atitude da Liga das Nações perante a Santa Sé. Como é sabido, a Santa Sé não era reconhecida pela Liga das Nações como pessoa jurídica de Direito Público. Conseguintemente, a Santa Sé não era membro da Liga. Esta atitude não pôde, no entanto, ser mantida por muito tempo. Já agora, a Liga das Nações apelou para a influência da Igreja para resolver o conflito entre os árabes e muçulmanos, na Ásia. Assim, a orgulhosa e inútil instituição de Genebra reconhece, ao mesmo tempo, a sua insuficiência para a solução de determinadas questões internacionais, e a incontrastável influência da Igreja. Este fato tornou-se ainda mais significativo porque, para implorar o auxílio do Santo Padre, a Liga mandou especialmente seu secretário, pessoa de grande destaque e representação.
Diante desta esplêndida série de triunfos, desta sucessão ininterrupta de glórias, surge uma questão: qual a situação da Igreja, no terreno internacional, daqui a cinqüenta anos? Dar à questão uma resposta imediata pareceria a muitos ousado. Estes triunfos abrem tais perspectivas, tornam possíveis tais progressos, que uma resposta se tornaria certamente, se sincera, muito arrojada, e, se moderada, insincera.
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“O Legionário”, nº 52, 9/2/1930, p. 1
Date a Cesare
O telégrafo nos trouxe, há dias, notícias a respeito da comemoração do primeiro aniversário do Tratado Laterano.
Há perto de um ano, a humanidade comemorava, jubilosa, uma das mais justas reparações políticas registradas pela História. O povo romano, aliado à burguesia e à aristocracia, era unânime em aplaudir os representantes da Tiara e da Coroa, em São João de Latrão, quando assinavam o célebre tratado.§
A estas expansivas demonstrações de júbilo, que se revestiam de indisfarçável caráter de sinceridade, o mundo inteiro se associou, por intermédio dos representantes diplomáticos acreditados junto à Santa Sé, que, sem exceção de um só, foram levar ao Chefe da Cristandade os votos de felicidade de seus soberanos e chefes de Estado. Acotovelavam-se no banquete então oferecido pelo corpo diplomático os embaixadores da catolicíssima Espanha, da França, a primogênita da Igreja, da Inglaterra anglicana, do Japão budista, da Alemanha protestante, e de todos os demais países do mundo. Nenhuma manifestação de desagrado veio empanar o brilho das comemorações.
[Os católicos devem defender a atitude do Papa]
No entanto, aos poucos, murmúrios de desaprovação se foram fazendo ouvir. Aos poucos, o movimento antilateranista se foi acentuando, e hoje, em todo o universo, conta com numerosos adeptos. É preciso, no entanto, que os católicos se armem para defender a atitude assumida por seu Chefe, e para isto convém estudar a campanha sob seus aspectos numerosos.
Um dos mais interessantes aspectos é o que lhe emprestam certos indivíduos que, intitulando-se fascistas, pretendem, na qualidade de adeptos de Mussolini, atacar a Santa Sé. A manobra é felina.§ Cobrindo-se com o manto do fascismo, tais indivíduos conseguem, simultaneamente, atacar a Santa Sé e, de certo modo, associar aparentemente o fascio nos seus ataques.§
Esta é, por exemplo, a atitude do Sr. Missiroli, no seu livro Date a Cesare, já catalogado no Index, e contra o qual “La Croix” levanta bem fundamentadas ponderações.§
O Sr. Missiroli pretende, em uma palavra, afirmar que o Tratado Laterano representa uma vitória de César. Sua tese, desinteressante em si mesma, levantou algum alarde nos círculos antifascistas e anticlericais europeus.
Afirma o Sr. Missiroli que o Santo Padre se curvou às injunções de Benito Mussolini. O Sr. Missiroli obteve, para fundamentar suas afirmações, os esquemas preliminares do Tratado Laterano.§
[A questão do reconhecimento da soberania sobre “um território qualquer”]
Nesses esquemas, no entanto, o que se vê é precisamente o contrário do que leu o Sr. Missiroli: o Santo Padre insistiu sempre no reconhecimento da soberania pontifícia sobre um território qualquer. A extensão pedida, a princípio, para este território, pelo Pontífice, era maior do que a atual. Cumpre notar, porém, que foi com extrema facilidade que Sua Santidade cedeu aos pedidos de redução de território formulados pelo Sr. Mussolini, porque a extensão territorial do futuro Estado Pontifício era apenas uma questão de detalhe.§
[A idéia essencial do reconhecimento da soberania pontifícia]
No entanto, nota-se que, em relação à idéia essencial, que era a do reconhecimento da soberania pontifícia, o Sr. Mussolini muito relutou, e acabou por ceder, atitude esta pouco freqüente no brilhante chefe do governo da Itália. As negociações estiveram até suspensas, durante longos meses, por causa da relutância do Primeiro-Ministro, relutância esta que correspondia à inteira firmeza do Santo Padre no ponto de vista contrário.§
Foi então o Sr. Mussolini quem cedeu quanto à soberania, depois de ter cedido o Papa quanto à extensão territorial, e o divino preceito “dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”7 aplicou-se, então, em toda a sua verdadeira significação, tão diferente da que forjou o Sr. Missiroli.
[A pitoresca metáfora de São Francisco de Assis]
Para terminar, lembraremos apenas que o Santo Padre, em um discurso aos seminaristas romanos que o foram visitar, dizia, a respeito do território da Cidade do Vaticano, mais ou menos o seguinte: “São Francisco de Assis dizia não querer senão a porção de carne suficiente para reter a alma; Nós, também, apenas quisemos a porção de território suficiente para conter Nossa Soberania.”§
Esta comparação, extremamente pitoresca, em que a soberania figura como a alma do território, pinta ao vivo os sentimentos do Santo Padre. Se Sua Santidade pediu uma extensão de território um pouco maior do que a que atualmente ocupa, foi apenas para maior comodidade das instalações da Cidade Vaticana. No entanto, verificando que poderia levar mais adiante as suas concessões, e aplicar ainda mais rigorosamente o princípio de São Francisco, que a si mesmo impusera, não hesitou em o fazer.§
Teria por acaso cedido o Sumo Pontífice?§
Os espíritos imparciais, aqueles que, ao contrário do Sr. Missiroli, não estão com a lucidez empanada pela má-fé, que respondam à luz dos fatos que citamos, fatos estes comprovados pelos próprios documentos que o Sr. Missiroli invoca a seu favor.
Plinio Corrêa de Oliveira
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“O Legionário”, nº 54, 16/3/1930, pp. 2 e 4
A Igreja e o problema religioso na Rússia
Sob o autocrático regime do czarismo, havia no Império Russo uma religião oficial, a Ortodoxa, que gozava do amparo e prestígio das autoridades. As demais religiões, como sejam a católica, a protestante ou a muçulmana, viviam em uma relativa liberdade que, embora lhes não facultasse uma livre expansão no império moscovita, lhes proporcionava, todavia tranqüilidade e segurança.
Com a queda do despótico regime absolutista, levantou-se na Rússia a bandeira da liberdade e, em nome desta, desapareceu inteiramente a tolerância religiosa. Não se limitaram os bolchevistas a despojar a Igreja Ortodoxa de todas as regalias de que dispunha: perseguindo todos os sacerdotes de todos os credos, abriu-se uma intensa campanha contra qualquer religião.
Seria natural que, de todas as religiões, a mais perseguida fosse a Ortodoxa, pois que, contando na Rússia com uma maioria enorme de fiéis, seria a mais perigosa para os bolchevistas. Ademais, a ortodoxia, que viveu sempre à sombra protetora da monarquia, derrubada com esta, seria certamente uma força sempre disposta a auxiliar qualquer tentativa de restauração monárquica. Esta disposição dos ortodoxos foi patenteada diversas vezes em manifestações de hostilidade mais ou menos tímidas, e mais por parte de religiosos da Igreja Russa.
O Catolicismo, pelo contrário, dispunha de um número relativamente pequeno de adeptos. Não fora aquinhoado, em tempo algum, com favores da Casa Real ou da aristocracia. Nunca recebera das autoridades monárquicas senão uma certa liberdade, muito relativa, concedida como se fosse uma esmola.
[A rejeição dos donativos da Igreja em favor do povo russo patenteia a intolerância soviética]
Embora muitas e muitas vezes tenha sido a Revolução Russa condenada pela Igreja, esta procurou até auxiliar o povo russo, na extrema miséria em que o prostraram a guerra e o bolchevismo.
Há alguns anos, a Igreja forneceu generosas contribuições para as crianças famintas do sul da Rússia. Estas contribuições, distribuídas por sacerdotes católicos, atingiram um total muito elevado e, como não fossem suficientes, a Santa Sé recorreu à generosidade dos católicos do mundo inteiro. As coletas foram boas, e durante muito tempo a Santa Sé pôde desenvolver, no seio da infância eslava abandonada, uma atuação tanto mais necessária ↓8 [quanto] parecia que os bolchevistas, todos entregues à sua sede de sangue e de vingança, se haviam descuidado inteiramente dos menores desamparados. Vemos portanto que, dentro dos limites do possível, os católicos e a Igreja Católica, longe de se encerrarem em uma intolerância censurável, fecharam os olhos às maiores injúrias, exclusivamente para exercer a caridade pregada por Cristo.
No entanto, nem a própria inocência da infância mereceu compaixão aos olhos do fanatismo desvairado. As autoridades russas verificaram que havia uma oposição fundamental entre as doutrinas de Moscou e as do Vaticano, e daí o rejeitarem eles quaisquer auxílios do Santo Padre. Assim, por uma questão política que eles orientaram pelos princípios da mais inconfessável desumanidade, foram os pequenos russos privados de uma assistência que o governo soviético lhes não pôde, em tempo algum, prestar. Eis aí a intolerância soviética, patenteada na sua forma mais censurável, e ferindo os direitos os mais sagrados.
[Não a intolerância, mas sim a caridade cristã orientou
a atitude do Papa]
Ultimamente tem recrudescido muito a campanha anti-religiosa, e o Santo Padre levantou sua voz autorizada e respeitável para protestar contra as perseguições de que estavam sendo vítimas seus filhos espirituais, os católicos.
Sua atitude, moderada e digna, que estava a igual distância da fraqueza e da violência, suscitou, no entanto, as maiores críticas.§
Para bem podermos acentuar, no entanto, o caráter que o Sumo Pontífice imprimiu à sua reclamação, basta ponderar o seguinte: estão fora do grêmio da Igreja tanto os ateus quanto os protestantes, judeus ou ortodoxos. Todos eles lhe negam um ou muitos dogmas. Portanto, encara a Igreja como adversárias quaisquer dessas orientações.
Nessas condições, se o Papa estivesse influenciado por algum vislumbre de intolerância, poderia protestar tão-somente contra as perseguições aos católicos. Mas seu olhar compassivo de pai não se deteve ante tais considerações. Protestou também contra o massacre dos inimigos de sua Igreja, os protestantes, judeus e ortodoxos. Vemos, pois, que, não a intolerância, mas sim a caridade cristã orientou a atitude do Papa.
[Como Mãe, a Igreja não pode assistir indiferente ao padecimento de seus filhos]
Não queremos discutir questões de fato. Por isso, embora possamos provar que foram atrozes e violentas as perseguições dos bolchevistas, não nos deteremos diante do que se tem afirmado em contrário. Apenas diremos que gregos e troianos estão acordes em afirmar que os bolchevistas têm perseguido ou, quando nada, prestado seu apoio às perseguições que associações ateias promovem contra os crentes. A discussão está apenas em torno das proporções destas perseguições.
Ora, dado que há, na Rússia, um movimento acatólico, gozando do prestígio das autoridades, perguntamos: não tem a Santa Sé o imperioso dever de protestar contra as referidas perseguições?
Evidentemente, sim.
Se, em circunstâncias como a atual, a Santa Sé não tomasse posição ao lado de seus filhos aflitos e perseguidos, se não procurasse consolá-los em suas amarguras e diminuir seus padecimentos, ela daria grande argumento a seus adversários.
De fato, por que se intitularia ela Mãe, se deixasse, indiferente, perecer seus filhos?
De que lhe valeria patrocinar no mundo inteiro a fundação de hospitais se, indiferente aos seus próprios mártires, desprezasse, soberba, o sangue derramado pela Fé católica, e que, segundo a Bíblia, brada aos céus?
[À Igreja assiste o direito de protestar contra a morte
de um só de seus fiéis]
Poder-se-á, é certo, objetar que a perseguição é tão pequena que não mereceria uma tão enérgica repulsa. Tal argumento, porém, mal merece as honras de uma resposta. Admitindo (posto que não concordemos com esta asserção) que a perseguição seja minúscula, admitindo mesmo que apenas um fiel tivesse sido morto por causa de sua Fé, perguntamos: não teria a Igreja o direito de protestar com todas as suas forças?
Merecerão os seus filhos menos carinho, pelo fato de serem humildes e pouco numerosos?
Não, o mesmo direito que lhe assiste de protestar contra o massacre de um país inteiro, lhe assiste de protestar contra a morte de um só de seus fiéis, pois que por todos vela a Igreja, com igual e carinhosíssima solicitude.
Ademais, muitos países, segundo narra a História, têm provocado verdadeiros incidentes internacionais, pelo massacre de um de seus súditos no estrangeiro.
Quem ousaria censurá-lo?
Quem censuraria o Governo Imperial do Brasil por protestar contra a prisão do Governador do Mato Grosso, afinal apenas um simples cidadão?
E por que não aplicar à Igreja as mesmas normas jurídicas, usadas em relação às demais pessoas jurídicas do Direito Público internacional?
Vemos, pois, que bem inspirado andou o Sucessor de São Pedro, quando ergueu seu protesto veemente contra as chacinas dos soviets.
[O Santo Padre tinha, mais do que o direito, o dever imperioso de protestar contra as perseguições religiosas]
Alguns jornalistas que, embora dotados de talento, são inteiramente destituídos de consciência, têm afirmado que o Santo Padre foi apenas um joguete das potências capitalistas, e que, portanto, ou foi subornado por dinheiro, ou influenciado por liberalidades de ordem política. Ora, quando se levanta uma injúria contra um ancião que tem atrás de si uma longa vida, passada toda ela segundo as mais rigorosas exigências da moral, é preciso que se esteja estribado em provas muito sérias. Tais provas, por inexistentes, não foram e nunca serão exibidas. Podemos, pois, proclamar que não prezam sua própria honra os referidos jornalistas, pois que tão fácil e infundadamente atacam a honra alheia. Poderiam eles, porém, contar com indícios de qualquer sorte. Eles seriam, nesse caso, levianos, mas não seriam difamadores sem consciência.
Nós, porém, não conhecemos, nem nunca vimos citar um só indício. Como, pois, dar crédito a tais boatos?
Que aqueles que acusam o Santo Padre saiam a público, que mostrem a todos os fundamentos de suas acusações, porque só então terão cumprido seu dever. Quem está convicto de uma verdade e não a prova nem propaga, ou não é sincero, e neste caso não merece qualificação, ou então é indolente, não ama a verdade, e neste caso é criminoso. Não vemos como se possa sair desse dilema. Ora, nossos adversários não fazem nem uma, nem outra coisa. Qualifique-os a sua própria atitude, porque não o podemos fazer nós, em atenção à cortesia.
Temos demonstrado que o Santo Padre protestou contra as perseguições religiosas na Rússia porque tinha, mais do que o direito, o dever imperioso e iniludível de protestar. Não podemos crer que ele tenha sido influenciado por outro móvel menos digno: a santidade de sua vida e dos que o cercam, [e] a História da Igreja no passado, são garantias suficientes de sua inteira honorabilidade.
Concluímos, pois, que ele não é censurável.
Estamos convictos – e fundamentamos suficientemente nossa convicção – de que o Santo Padre não pode, aos olhos de pessoas desapaixonadas, merecer censura: Sua Santidade agiu cumprindo um imperioso dever e movido exclusivamente pelo seu zelo, no desempenho de sua espinhosa missão de Vigário de Cristo.
Não pensamos, porém, que este fato o proteja contra as injustiças de uma certa orientação intelectual, em virtude da qual se negam pão e água aos inimigos. ↓9
[“Se mal falei, dize-me em quê; e se não, por que me feres?”]
São de Nosso Senhor Jesus Cristo as seguintes palavras: “Se mal falei, dize-me em quê; e se não, por que me feres?”10
Pio XI, em tudo digno de ser Vigário de Cristo, poderia se apropriar das palavras do Divino Mestre para se defender perante seus detratores. À sua pergunta sucederia a mesma série de acusações que se não interromperam diante da branda pergunta do doce Nazareno, e se não interromperiam diante do que dissesse Pio XI.
Sabemos, pois, que nunca se aplacará a onda de injustiças que sempre se ergue contra a Igreja. Se, porém, conseguimos, nestas colunas, orientar algum católico tíbio, ou mesmo alguma pessoa que, sem ser católica, tenha uma verdadeira boa-fé, estará perfeitamente atingido nosso fim.
Plinio Corrêa de Oliveira
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“O Legionário”, nº 55, 6/4/1930, p. 4
Crônica internacional
Ao centro da Praça de São Pedro, no Vaticano, ergue-se um monólito monumental que parece desafiar, com seu porte soberbo, a ação dos séculos e das vicissitudes. Este obelisco não é um mero ornamento; mais do que isto, é um símbolo da própria Igreja, que no ponto central do imenso campo da História se ergue monumental, monolítica e altiva, num desafio perene ao tempo e à maldade humana.
Mais uma vez, acaba a Igreja de dominar um vendaval horrível que contra Ela se havia erguido. Referimo-nos, é claro, às perseguições religiosas da Rússia.
[Poucas vezes, a Igreja se viu em face de perseguidores tão orgulhosos de sua maldade]
Perseguições religiosas, já as sofreu muitas e muitas vezes a Igreja. A perseguição religiosa bolchevista não é a primeira, e está muito longe de ser a última. Sob este ponto de vista, a política religiosa dos soviets nada apresenta de mais inquietador do que a dos demais inimigos da Igreja.
O que, porém, dava à questão um caráter todo particular, é que os russos, ao contrário dos outros adversários do catolicismo, longe de esconder na mentira a ignomínia de seus crimes, ostentavam coram populo11 sua perversidade, que eles, em vez de ocultar, legitimavam. A política religiosa russa girava em torno da tese de que era legítimo perseguir os adeptos de um Deus, segundo eles inexistente, pois que qualquer crença é contrária ao comunismo. Ora, poucas vezes, depois dos Calígulas e dos Neros, se tem visto a Igreja em face de perseguidores tão orgulhosos de sua maldade.
Abater o orgulho e destruir a tese bolchevista, eis as tarefas árduas da Igreja. De fato, esta não poderia, de modo algum, consentir que o orgulho do mal, arvorado em princípio, à força de sofismas, fosse ostentado pela Rússia como uma insinuação permanente aos elementos anticlericais das outras nações.
[A Igreja, sem dólares, sem couraçados, sem soldados, enfrentou os bolchevistas]
É preciso, por outro lado, que nos lembremos de que o governo soviético, graças à sua política desastrada, a seus princípios nefastos, formou contra si próprio um largo círculo de inimigos. Estes inimigos, poderosos em força moral e bélica, têm todo o interesse em tentar qualquer coisa contra os soviets. No entanto, todos eles se quedam, numa atitude de medo, diante do dragão russo. O poderoso dólar norte-americano, o Império britânico, que se gaba de ter escravizado ao próprio Netuno, o fanatismo patriótico do Japão, trêmulos e silenciosos, tomam perante o bolchevismo a atitude de crianças medrosas que esperam do papai uma terrível reprimenda, por seu enorme crime de serem capitalistas.
Ora, o Vaticano, sem dólares, sem couraçados, sem soldados, estava colocado na dura contingência de lançar à face dos bolchevistas as terríveis censuras que levanta aos céus o sangue por eles derramado. No entanto, o Santo Padre não hesitou. Seu protesto foi altivo, digno e severo. Fez pesar contra seu terrível adversário todo o rigor de sua indignação. Levantou contra si próprio um turbilhão de críticas malévolas. Finalmente venceu, e venceu em toda a linha.
Em primeiro lugar, as seitas contrárias ao Catolicismo lhe prestaram todo o apoio possível. Embora apenas por um instante fugaz, o Santo Padre figurou como o chefe de todo o rebanho, infelizmente insubmisso à sua paternal e benéfica autoridade. Não será esta união um prenúncio de muitas e muitas vitórias da Igreja? Eis uma questão a que só a Misericórdia Divina poderá responder. No entretanto, está aí uma vitória indiscutível.
[Mentira dos bolchevistas e silêncio tímido das
grandes potências]
A segunda vitória está na atitude dos próprios bolchevistas, representados por seu governo e por seus defensores na imprensa estrangeira. A princípio, procuraram sustentar que era legítimo perseguir as crenças dos russos. Hoje, bateram em retirada. Já não arvoram como pendão de glória a vergonha de suas baixezas. Já não procuram legitimar o crime; negam-no ou diminuem-lhe as proporções. Mentem, mas já não sofismam. E eis aí a segunda vitória, a mais importante.
A terceira vitória está na frieza das autoridades dos governos do mundo inteiro em relação à atitude do Papa. Afirmava-se que o protesto da Igreja seria o prenúncio de uma campanha do capitalismo contra os russos. O Papa estaria, portanto, industriado pelo capitalismo. No entanto, depois do protesto, o que é que se seguiu? A capitulação dos soviets e um silêncio tímido e incomodado das grandes potências. Onde, pois, o acordo? Onde o suborno? Eis a vitória da verdade sobre a calúnia, da inocência sobre a má-fé, de Deus sobre o demônio. E, ao contemplarmos tantos triunfos em meio de tantos perigos, tanta nobreza moral opondo-se a este mar de decadências que é hoje o mundo, só nos resta exclamar, exultantes: “Pleni sunt cæli et terra majestati gloriæ tuæ.”12
Plinio Corrêa de Oliveira
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“O Legionário”, nº 57, 11/5/1930, p. 2
A Papisa Joana
Ao refutar a lenda, tão cara aos protestantes, da existência, no século IX, de um chefe da Igreja pertencente ao sexo feminino, e que se alçara a esta posição iludindo os cardeais que formavam o Conclave, sustentaremos que: 1) não se pode crer na existência da papisa, porque os documentos sobre os quais se têm baseado os adversários da Igreja são falsos, e porque temos provas certas de que ela não existiu; 2) não há nem mesmo indícios que permitam que se suspeite de sua existência.
[Nada prova sua existência]
Ao expor nossa argumentação, começaremos provando a primeira tese.
Vejamos, em primeiro lugar, se, sob o ponto de vista histórico, é possível depositar crédito nos documentos que pretendem provar a existência da papisa.
Em 1559, João Herold, editor protestante da Basiléia, publicou duas crônicas, uma de autoria de Mariano Scoto, falecido em 1085, e outra de autoria de Martinho da Polônia, falecido em 1278. Nestas crônicas, afirmava-se pela primeira vez que, no ano de 857, sucedera ao Papa Leão IV a Papisa Joana que, tendo falecido ↓13 [nesse mesmo ano], tivera por sucessor Bento III.
Contam, além disso, as referidas crônicas que, tendo saído à rua processionalmente, o suposto Papa João sentiu-se subitamente incomodado, tendo tido uma criança em plena rua. Verificou-se, então, que fora burlado o Conclave que elegera o Papa, e que, na realidade, este era uma mulher. Pouco depois, Joana falecia em Roma.
Existem, nas bibliotecas de diversas cidades européias, cópias do tratado de Mariano Scoto. No entanto, em nenhuma delas se lê o trecho que apareceu na edição protestante.
Além disso, Wlaltz encontrou, no nº 380 do Codex Palatinus Vaticanus, o autógrafo original do próprio Scoto, no qual não se vê a menor referência à Papisa. No entanto, a autenticidade do autógrafo encontrado é incontestável.
Julgamos conveniente reproduzir aqui estas provas de falsidade da edição protestante do trabalho de Scoto, por ser o mais antigo e por ser o único, portanto, que poderia merecer mais crédito.
Quanto ao trabalho de Martinho da Polônia, muito posterior ao de Scoto, e oferecendo, portanto, um interesse muito menor, limitar-nos-emos a afirmar que até mesmo os protestantes do valor de Leibniz, Blondel, Casaubon e Bayle afirmam que se trata de um documento falsificado e indigno de crédito.
Aliás, seria realmente extraordinário que o primeiro documento referente à Papisa aparecesse mais de dois séculos depois de sua existência, e tivesse sido reproduzido tão-somente por outro documento aparecido 193 anos depois do primeiro.
Vemos, pois, que está fundamentada a primeira afirmação de que nada prova que tenha existido a papisa joana.
[Dos próprios escritos de inimigos da Igreja se deduz que não existiu]
Vejamos, agora, a prova que desmente a sua existência.
Consiste ela no seguinte: tendo existido a Papisa em 800 mais ou menos, não se encontram, além dos dois documentos falsos, outros quaisquer que lhe façam a menor referência.
Vemos, pois, que a primeira referência, aparecida, como foi dito acima, dois séculos depois, não pode deixar de ser, na melhor das hipóteses, a reprodução de uma lenda que não podemos aceitar como verdadeira, pois que não se explica como já não fora escrita anteriormente.
E não se diga que, quando dizemos que não se encontram documentos, queremos nos referir exclusivamente aos anais da Santa Sé, nos quais se poderiam ter feito ainda algumas alterações. Muito pelo contrário, recorremos às afirmações dos maiores inimigos da Igreja. Assim, por exemplo, Fócio, o Patriarca de Constantinopla, que fundou em 860, isto é, dois anos depois de ter falecido Joana, o cisma grego. Fócio escreveu o seguinte: “A nossa geração conheceu o nobre pontífice Leão IV, cujos milagres, operados em vida, atestam sua santidade. Ele teve por sucessor esse anjo de mansidão e caridade, que se chamava Bento [III]. A este sucedeu, infelizmente, o arrogante e faustoso Nicolau [I]”. Ora, Fócio, como Patriarca de Constantinopla, não poderia ter ignorado o escândalo da Papisa, ou ao menos a sua existência. ↓14 Por que não faz ele a menor referência a Joana? Por que é que, muito pelo contrário, afirma que ela não existiu, quando a exclui da lista dos Papas?
Vemos, pois, que há provas, fornecidas pelos escritos dos próprios inimigos da igreja, das quais se deduz que a papisa não existiu.
[Não há nem mesmo indícios de sua existência]
Haverá, ao menos, indícios que nos permitam suspeitar de sua existência?
Bastará, para elucidar a questão, lembrar que não se sabe qual teria sido o nome certo da Papisa, pois que as versões lhe atribuem os mais diferentes, entre eles: Inês, Isabel, Joana ou Margarida.
Por outro lado, afirmam alguns historiadores que ela estudou na Universidade de Paris. Ora, Joana existiu no século IX, e a Universidade, que surgiu no século XII, distribuiu seus primeiros diplomas somente no século XIII.
Dizem outros que ela estudara em Atenas. No entanto, naquela época, Atenas estava em poder dos búlgaros, e não tinha escolas, segundo no-lo narra a História.
Quanto à própria cena da procissão, apresenta uma série grande de detalhes absurdos. Em primeiro lugar, a festa do Santíssimo Sacramento foi instituída somente 600 anos depois, por Urbano IV. No entanto, teria, segundo algumas versões, sido comemorada a festa em questão, em Roma, justamente no dia em que Joana tivera seu filho.
Vemos, portanto, que não há nem mesmo indícios da existência da papisa joana, personagem que a história não conseguiu, de modo algum, identificar.
[Ninguém de boa-fé pode afirmar que existiu]
Concluímos, pois, que: 1) as provas da existência da Papisa são falsas; 2) há provas irrefutáveis de que ela não existiu; 3) não há nem mesmo indícios de que ela tenha existido; 4) os detalhes com que são contados os fatos, nas versões correntes, são contraditórios ou falsos.
Logo, é impossível, para a pessoa de boa-fé, afirmar que a papisa joana existiu.
E, para finalizar, cumpre-nos declarar, em abono de nossa tese, que é ela sustentada por muitos e muitos historiadores, e que as provas aqui indicadas são extraídas de Justino Mendes (A Igreja e a História). Poderão, pois, ser facilmente estudadas mais a fundo, e mais perfeitamente controladas.
Plinio Corrêa de Oliveira
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“O Legionário”, nº 58, 25/5/1930, p. 2
Ainda as perseguições religiosas na Rússia
Causou-nos a mais deplorável das impressões a nota publicada pelo Sr. Medeiros e Albuquerque na “Gazeta”, a respeito das perseguições religiosas na Rússia.
Não voltaremos ao assunto tão debatido, das perseguições soviéticas, pois que temos orientado suficientemente nossos leitores a este respeito. Deter-nos-emos, no entanto, na análise do artigo do Sr. Medeiros e Albuquerque.
[É deplorável que um literato de valor discorra levianamente sobre a questão religiosa]
Não sabemos, francamente, qual o móvel a que obedece o Sr. Medeiros e Albuquerque, ao escrever seu artigo.
De fato, que uma pessoa, provida de recursos intelectuais escassos, emita conceitos superficiais a respeito de questões complexíssimas, que exigem demorada análise, causa dó. Mas que um literato do valor do Sr. Medeiros e Albuquerque, dotado do espírito lúcido que todos nós conhecemos, discorra levianamente sobre um problema complexo e grave, qual seja o da questão religiosa russa, é espantoso e profundamente deplorável.
Não creio que S. S.a, inteligente como é, tenha tido a intenção de convencer seus leitores de que é suscetível de dúvida a existência de uma perseguição religiosa na Rússia. S. S.a não ignora que, quando se quer convencer alguém de uma verdade, começa-se por exibir provas dignas de exame. No entanto, foi precisamente isto que S. S.a não fez.
Ora, o único fito razoável de um escritor, ao publicar um artigo, é convencer seus leitores da veracidade do seu modo de ver.
Não sabemos, pois, qual o fim colimado por S. S.a Entretanto, é bem certo que, ao leitor inteligente, é impossível concordar com o Sr. Medeiros e Albuquerque. Se não, vejamos.
Coloquemo-nos no ponto de vista o mais imparcial. S. S.a, em seu artigo, pôs em dúvida a existência da questão religiosa na Rússia, baseando-se em um protesto de 92 sacerdotes norte-americanos, judeus ou protestantes. Depois disto, S. S.a se refere a uma sociedade cuja tarefa principal é espalhar mentiras contra a Rússia. Afirma ainda S. S.a que o Santo Padre está pouco satisfeito com a Irlanda e a Bélgica, porque, embora lhe apoiassem o protesto contra os soviets, não tomaram contra estes medidas econômicas, “que era o que o Papa queria”. Daí generaliza S. S.a sua afirmação, e diz que todos os países católicos prestaram ao Santo Padre uma adesão vaga e platônica.
[O protesto de pastores e rabinos norte-americanos provém de um espírito sectário patente]
Ora, vamos primeiramente ao protesto dos pastores e rabinos norte-americanos. Verifiquemos, primeiramente, o alcance da dúvida lançada pelo Sr. Medeiros e Albuquerque. Se, de fato, existe uma perseguição religiosa na Rússia, S. S.a lançou contra a Santa Sé uma suspeita injusta, e ofendeu a crença respeitável da quase totalidade de seus leitores. Ora, S. S.a só teria, moralmente falando, o direito de levantar esta dúvida, na hipótese de a basear suficientemente em provas dignas de exame.
No entanto, a única prova apresentada, francamente, não merece exame. De fato, o protesto dos pastores e rabinos era dirigido contra o Santo Padre, por “sua falta de humildade” e pela falsidade dos fatos por ele alegados.
É sabido que a atitude da Igreja Católica foi acompanhada pelos protestantes, judeus e ortodoxos, que celebraram nos seus respectivos templos, sinagogas e igrejas, os ofícios religiosos de seus ritos. Além disso, a solidariedade que os mais autorizados representantes destas seitas manifestaram em relação ao protesto pontifício foi tal, que até alguns órgãos comunistas falaram em cruzada das religiões “irmanadas no ódio”, contra os inocentes bolchevistas. Trata-se, aliás, de fatos da maior notoriedade, que todos nós, por assim dizer, presenciamos.
No entanto, os 92 pastores e rabinos não protestaram contra seus correligionários, mas tão-somente contra o Chefe da Igreja Católica. Não seria, porém, de boa justiça, que aqueles que se declararam solidários com o Papa fossem considerados passíveis das censuras dirigidas a este? Esta consideração, de elementar justiça, parece não ter sido percebida pelos pastores e rabinos.
Logo, chegamos a uma conclusão: o protesto não passou de uma vil e injusta acusação à Igreja Católica, feita por indivíduos animados de um espírito sectário patente, pois que acusaram só o Papa e não a seus próprios correligionários.
[A par da humildade, Nosso Senhor levantou bem alto seus direitos ao respeito dos povos]
Vamos, agora, à falta de humildade do Sumo Pontífice. O Sr. Medeiros e Albuquerque, os pastores e os rabinos podem não estar de acordo com o modo por que a Igreja Católica interpreta a humildade que Nosso Senhor, durante toda a sua vida, patenteou de modo admirável. No entanto, manifestando-se altiva e energicamente contra os soviets, o Santo Padre agiu em inteira harmonia com esta interpretação.§
De fato, a Igreja sempre sustentou, contra aqueles que, sob pretexto de humildade, a queriam ver em uma situação subserviente e subalterna, que Nosso Senhor, em sua vida terrena, tinha sempre timbrado em, a par de sua humildade, levantar bem alto os seus direitos imperecíveis ao respeito dos povos. ↓15 Fez-se adorar pelos reis magos, demonstrando, assim, a situação de servidão que, perante ele, tinham os poderosos da Terra. Discutiu, ainda menino, com os doutores do Templo, para mostrar que a voz da Igreja se deveria, em todas as circunstâncias, erguer contra a falsa ciência. Lançou aos representantes de Roma e aos fariseus todas as infâmias de que eram réus, para mostrar que sua Igreja, no evangelizar os povos, deveria ser altiva para com os potentados. Levou ao Tabor os mais caros de seus discípulos para que pudessem presenciar o incomparável esplendor, o fulgor inigualável de sua imensa glória. Quis entrar triunfante em Jerusalém, aclamado pelo povo, que o recebeu de palmas na mão. Subiu, enfim, aos Céus, diante de uma multidão enorme de pessoas, manifestando assim, publicamente, o fulgor de sua Divindade.
Ora, considerando todos estes fatos, a Igreja afirma que deveria exigir dos soviets o respeito às leis humanas e divinas, em nome de seu Divino Instituidor. E entendeu que deveria reclamar deles o respeito ao que a humanidade tem de mais sagrado, do mesmo modo por que Nosso Senhor reclamava dos fariseus o cumprimento real, e não verbal, da Lei.
Pode ser que os rabinos e pastores não estejam de acordo com este modo de agir. Mas, estando a atitude do Santo Padre de acordo com os princípios católicos, a mim me parece que o Santo Padre mereceria louvor por sua coerência, e não censuras infundadas e amargas.
Quanto ao fato, alegado pelos pastores e rabinos, de que a Igreja foi um instrumento de guerra contra os soviets, afirmaremos simplesmente que, na melhor das hipóteses, caberia aos bolchevistas o direito de expulsar os católicos. Isto mesmo representa uma concessão que fazemos, apenas para argumentar. Mas matar sacerdotes, fechar templos e, muito mais, procurar apagar nas almas dos pequenos a luz da Fé, constitui uma série de crimes que nem o fanatismo o mais rubro e a tirania a mais desabrida conseguiriam justificar.
[Afirmações sem provas]
Afirma, ainda, o Sr. Medeiros, que o Santo Padre está descontente com a Irlanda, a Bélgica, e até mesmo com todas as nações católicas em geral, por não terem elas tomado medidas econômicas contra a Rússia. Quanto a isto, o Sr. Medeiros deveria ter exibido provas. Seria uma obrigação de gentleman. Certamente S. S.a não fugirá ao desempenho deste seu dever.
Outra afirmação que S. S.a deve provar é a de que uma sociedade internacional, existente para combater os soviets, tenha por fim principal espalhar mentiras a seu respeito. S. S.a, como de costume, afirmou e não provou. Espero, no entanto, que fundamente sua afirmação, para que a possa eu destruir.
Concluindo: 1) o Sr. Medeiros escreveu um artigo sobre as perseguições religiosas na Rússia de tal modo que faz supor que, ou menospreza seus leitores, no que não cremos, ou entende que eles devem orientar seus modos de ver segundo as opiniões de S. S.a, sem provas; 2) que o protesto dos rabinos e pastores é: a) injusto, b) incoerente; 3) que as demais afirmações de S. S.a são destituídas de fundamento, e não podem ser razoavelmente sustentadas.
Plinio Corrêa de Oliveira
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Discurso pronunciado na Congregação Mariana de Santa Cecília, por ocasião do 23º aniversário de paroquiato de Mons. Paulo Marcondes Pedrosa, e publicado no “Legionário”, nº 60, de 29/6/1930, p. 4.
Mons. Pedrosa
Monsenhor:
Ao receber a incumbência de interpretar os sentimentos da Pia União das Filhas de Maria e da Congregação Mariana de Santa Cecília, na data que hoje se comemora, não senti revolver-se em mim o natural temor de quem vê diante de si uma tarefa muito superior às próprias forças.
Compreendi, imediatamente, que muito feliz fôra a indicação do meu nome, para vos exprimir os sentimentos dos marianos, em uma solenidade como esta, em que procuramos apenas dar largas ao afeto que vos tributamos por vossa bondade, à admiração que nos merece vosso saber.
De fato, se o orador da presente solenidade fosse eloqüente, o calor de suas frases, o ardor de suas expressões, poderiam ser considerados como recursos de sua eloqüência, chispas de sua inteligência.
Pelo contrário, se um orador destituído de recursos intelectuais abundantes – e é este meu caso –, se eu souber imprimir à minha pobre linguagem a intensidade de minha gratidão, se eu conseguir comunicar às minhas frases um pouco de minha amizade, a que atribuir este fato se não à força de minha sinceridade?
Verifiquei, pois, que a razão de minha escolha foi minha própria insignificância, mas verifiquei, também, que minha tarefa era fácil, pois que consistia em falar com o coração – com meu coração tão cheio de gratidão pelo muito que recebi de Monsenhor, tão cheio de confiança no muito que ainda receberei dele, em exemplos, em carinhos, em exortações, em bens de toda a sorte…
Minhas Senhoras, meus Senhores,
É a vós que me dirijo agora, com o intuito de vos dizer o que sentem a Pia União e a Congregação, no dia em que se festeja o vigésimo terceiro aniversário da designação de Monsenhor Marcondes Pedrosa para o cargo tão cheio de duras responsabilidades, de Vigário de Santa Cecília.
Vós, meus Senhores, acabais de homenagear o Vigário incomparável que vela com constante dedicação pelas almas de que é extremoso pastor. Vós mesmos, por intermédio do Reverendíssimo Padre João Pavesio, homenageastes eloqüentemente os numerosos dotes intelectuais e morais de que é tão rica a personalidade do Vigário de Santa Cecília, viestes ofertar o tributo de vosso respeito por seu caráter adamantino, esmaltado pelas mais belas virtudes.
Agora somos nós, os marianos, que completaremos o quadro que vosso eloqüente intérprete traçou de Monsenhor, com o pincel justiceiro de sua admiração, fazendo-vos ver outro aspecto de sua atividade, onde descobrireis novas belezas de seu caráter, novas cintilações de seu zelo apostólico.
[O pelicano, símbolo da Igreja e dos pastores de almas]
Falar-vos-ei do Pároco como Diretor de Congregação.
Somente nós, católicos, habituados com o mourejar constante de guerra contra os íntimos inimigos que sempre trazemos em nós, somente nós é que podemos avaliar de longe as grandes responsabilidades, os tesouros de paciência e de dedicação, de virtudes e de amor, que requer o manejo das almas.
A Igreja Católica, na linguagem de seus símbolos incomparáveis, é representada, às vezes, como um pelicano, ferindo o próprio peito para, com seu sangue, nutrir os filhos pequeninos; ora, não é só à Igreja que o símbolo se poderia aplicar. Também convém aos Diretores de almas, os pastores, que, constantemente, arrancam de si mesmos o bem que proporcionam às almas. De fato, quando vemos coroado de êxito suas predicações, quando vemos produzirem frutos suas exortações, quando admiramos a florescência inesperada das obras que fundam, nem sempre nos lembramos das vigílias, dos jejuns, das penitências, dos sacrifícios, com que conseguiram atrair sobre um pecador, um tíbio, um fraco, as chamas purificadoras da graça divina.
E, Senhores, quando vemos uma paróquia progredir e prosperar, quando vemos nossas próprias associações marianas em pleno desenvolvimento, sob o olhar complacente da Virgem Santíssima, como não atribuir grande parte deste sucesso aos tesouros de graça, de que, por seus sacrifícios, penitências e mortificações, soube se tornar depositário nosso Pároco e Diretor?
[Ao entrar na Congregação, um combatente de
pouca coragem e pequena destreza se transforma em guerreiro audaz]
E quando se trata de manejar as almas em uma associação religiosa com o caráter das associações marianas, que diversidade de cuidados, que complexidade de atenções não requer o pastoreio das ovelhas que se votam ao serviço da Santa Mãe de Deus!!
E estes cuidados, estes desvelos paternais, esta atenção constante, Monsenhor no-las dá com todo o seu coração.
É admirável o que freqüentemente se presencia entre nós. Batem, muitas vezes, às portas da Congregação, almas doentes, à procura de um hospital. São mentalidades já contaminadas pelas piores moléstias que a proteção da Virgem Santa trouxe ao grêmio da Congregação.
Mas é admirável ver-se o ressurgimento daquela alma. Aos poucos germina, desenvolve-se e desabrocha finalmente, nela, a flor da graça. Os defeitos, combatidos em luta intensa, rareiam. As virtudes aparecem. Tem-se a impressão de que a alma está em franca primavera, num reverdejar admirável de todas as suas belezas. Ao cabo de certo tempo, está tornada a árvore robusta de uma alma solidíssima, radicada firmemente nos princípios cristãos.
Outras vezes, são bons católicos que, atraídos pelo desejo de melhor servir a Deus e à sua Santa Mãe, ingressam em nossas fileiras. Então, correndo com passo veloz no caminho das virtudes, obtêm em pouco tempo tal chuva de bênçãos, que seu crescimento espiritual, a princípio lento e quase sempre imperceptível, se torna intenso e admirável.
E no reforçamento de todos [os dotes] da alma, temos, para a causa de Deus, não mais um combatente de pouca coragem e pequena destreza, mas sim um guerreiro audaz, pronto a se empenhar nas mais árduas lutas em prol dos ideais a que se dedicou.
[Defensor da moralidade e sobretudo da Fé dos marianos]
E, Senhores, se a simples descrição destas transformações encanta, empolga, edifica, encoraja, a quem devemos tantos benefícios? A Monsenhor.
É Monsenhor que aceita, com indulgência admirável, as mais fracas, as mais doentes das ovelhas. É ele que as reanima nas ingentes dificuldades de seus primeiros passos. É ele o médico atento, o observador perspicaz que, com um carinho inesgotável, as ampara nas moléstias espirituais que dificilmente se vencem.
É ele nosso conforto nas horas negras. Ele, enfim, é que, instrumento da graça, aumenta em nossos corações o amor de Deus, e de Maria, nossa Mãe.
E não mencionei, ainda, os esforços ingentes e contínuos de Monsenhor em prol do bom andamento das iniciativas de nossa Congregação.
Quantas vezes, ao chegar à noite à sede da Congregação, encontro Monsenhor, depois da refrega intensa de um dia inteiro passado no árduo serviço de Deus, trabalhando ainda em difíceis tarefas da Congregação?
E este fato, que eu tantas vezes tenho presenciado, quase todas as noites se repete, sem que o incansável Monsenhor se sinta vencido pela fadiga.
Quantas vezes, ainda, o tenho visto a orientar com suas luzes, em seu cargo de Diretor, com todo o desvelo, os destinos da Congregação!!!
E isto, meus Senhores, sempre com um semblante sorridente, sempre com um sorriso afável e acolhedor para cada um de nós, sempre com a mesma paciência, sempre com o mesmo carinho.
Limito-me, pois, a prestar homenagem à sua modéstia.
E quanta desgraça evitada, quanta derrocada impedida, quanto lar poupado às mais furiosas tempestades, quanto coração de Mãe subtraído às mais negras angústias, graças ao esforço constante de Monsenhor, no defender a moralidade, e sobretudo a Fé de seus marianos.
Por isso, meus Senhores, vos pedimos, a vós, que também sois pais de atuais ou de futuros marianos, nós vos pedimos que vos unais à Pia União e à Congregação, num sincero, num cordial, num afetuoso
Muito obrigado
Mas eu não quereria terminar este agradecimento sem completar a exposição dos sentimentos dos marianos.
[Pretendemos seguir vossos conselhos, sob a bênção da Imaculada]
Pretendemos, Monsenhor, entrar, mais resolutamente ainda, na vereda que nos traçam vossos conselhos, sob a bênção da Imaculada. E como sabemos que nos amais tanto, que quereis como mais preciosa recompensa nosso próprio bem, nós, Monsenhor, neste momento, vos prometemos que procuraremos nossa salvação e nosso aperfeiçoamento com diligência maior. Prometemos, Monsenhor, que, com o auxílio da divina Misericórdia e com a proteção de Maria, nos tornaremos ainda, para vós, uma fonte de consolações.
E vós, Senhores, também ajudai, prestigiai, defendei as associações marianas, concorrendo com vossas preces, com vossos auxílios e, principalmente, com a pessoa de vossos filhos, para a Congregação ou a Pia União. Se os vossos filhos não são ainda marianos, mandai-os para cá sem tardança, dando, assim, a Monsenhor, a maior prova de vossa tão justa amizade.
E assim, meus Senhores, vós e nós, depois de termos agradecido a Monsenhor, no presente momento, com nossas palavras, lhe diremos, com o auxílio de Deus, para o futuro, com nossas obras, mais um afetuoso, carinhoso e, sobretudo, merecidíssimo
Muito obrigado.
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“O Legionário”, nº 61, 13/7/1930, p. 2
A ciência e o indiferentismo religioso
Plinio Corrêa de Oliveira
Congregado
Procuraremos evidenciar, no presente artigo, que não se admite cientificamente que o Estado seja agnóstico ou indiferente em matéria religiosa. Sustentaremos que se compreende o Estado ateu, o Estado protestante, ou o Estado judeu, tanto quanto o católico. O que não se compreende é o Estado agnóstico, indiferente, tal qual o fez nossa Constituição de 1891.
Para estudar convenientemente a questão, alinhemos primeiramente os argumentos que temos em nosso favor. São eles os seguintes:
I – é indispensável que o Estado assuma uma atitude qualquer, católica ou não, em face do problema religioso;
II – desta atitude resultam grandes vantagens para o Estado;
III – também a Igreja Católica tem muito a ganhar com este estado de coisas. E, como ela, todas as demais igrejas.
Uma vez demonstradas estas premissas, chegaremos ipso facto à conclusão que constitui nossa tese.
Abordemos, pois, a defesa do primeiro dos argumentos.
[I- É inadmissível um Estado agnóstico]
O Estado tem por fim a felicidade geral. É esta uma afirmação científica que não suscita divergências, nem admite contestações.
Ora, se o Estado quiser preencher seu fim, e trabalhar eficazmente para a felicidade coletiva, deve ele procurar a felicidade segundo a entende a coletividade ou ao menos a maioria, dentro dessa coletividade.
Tanto é isto verdade que até, hoje em dia, existe a tendência de sujeitar os destinos das nações aos votos da maioria. Qual a razão de ser desta tendência? É o conceito de que o Estado deve procurar a felicidade geral, segundo o desejo da generalidade, ou da maioria dos indivíduos que o compõem. É este o fundamento do sistema representativo, hoje universalmente adotado.
Ora, é indiscutível que a concepção de felicidade varia segundo a posição que cada indivíduo assume em face da questão religiosa.
Realmente, o católico acha que contribui para a felicidade geral o guardar os Dias Santos e domingos, porquanto, embora diminuam, com isto, seus lucros, terá como a maior das recompensas as bênçãos do Senhor para o seu trabalho. Daí, o entender que o governo deve decretar feriados nos Dias Santos de Guarda.
O acatólico, pelo contrário, entende que apenas se deve guardar o domingo por ser de vantagem um certo repouso. Quanto a não trabalhar em outros dias, representa isto uma diminuição de lucros, absolutamente injustificável diante dos interesses econômicos gerais.
Um pai de família católico entende que a felicidade da nação só será assegurada convenientemente se, a par da instrução científica, os meninos receberem instrução religiosa e, partindo deste conceito, entende que o Estado, em sua tarefa de procurar o bem geral, deve ministrar em suas escolas o ensino religioso.
Já um pai ateu, partindo, por exemplo, das excelências que julga descobrir na moral leiga, deseja uma solução diametralmente oposta.
Em uma palavra, se se estabelece que a vida presente nada é senão uma antecâmara da eternidade, está ipso facto estabelecido que a felicidade presente e transitória se deve subordinar ao supremo interesse da felicidade eterna.
Se se estabelece, porém, que temos uma só vida, a concepção de felicidade sofre radical modificação e, com ela, se altera a orientação geral do Estado.
Ora, vimos que o Estado só preencherá seu fim no dia em que o fizer de acordo com o conceito que a generalidade de seus cidadãos formar sobre a felicidade que ele, Estado, deve promover.
Logo, está demonstrado que é inadmissível que o Estado que não se proclame ateu, ↓ não oficialize a [religião adotada pela grande maioria de seus]16 membros, desde que esta maioria seja católica, protestante etc. ↓17
[O Estado não pode fechar os olhos ao problema religioso]
De fato, como acabo de salientar, é profunda a diferença que existe entre as concepções de felicidade coletiva dos diversos indivíduos, e esta diferença é quase sempre causada por suas divergências em matéria religiosa.
Assim, o católico é defensor vigilante do direito de propriedade, porque a legitimidade deste direito é defendida por sua Igreja.
Um protestante, que se dota a si próprio da liberdade de interpretar a Bíblia, pode, pelo contrário, entender que certas restrições, ou mesmo a própria eliminação do direito de propriedade são perfeitamente admissíveis. Daí o entender que se deve preparar a nação para uma lenta evolução para o comunismo reclamado pelas massas.
Um ateu, atendendo a que a propriedade, para quem não crê em Deus, pode ser abolida, entende que a propaganda comunista pode ser perfeitamente tolerada pelas leis. Daí o julgar que se devem, por exemplo, reatar as relações comerciais com os soviets, independentemente do perigo de uma infiltração comunista que, para o católico, é mal maior do que qualquer benefício comercial que daí possa advir.
Logo, no homem de Estado que dirige uma nação, fala constantemente o crente ou o descrente. Se o Estado fechar os olhos ao problema religioso, não poderá ele proporcionar a felicidade à maioria, pois que, enquanto o Estado busca um ideal independente de qualquer solução em matéria religiosa, não pode atingir a felicidade ambicionada pela maioria, felicidade esta subordinada, toda ela, a uma concepção religiosa ou irreligiosa qualquer.
Logo, o Estado agnóstico, indiferente, como o Brasil de hoje, não se admite cientificamente.
Admite-se, isto sim, o Estado protestante, judeu ou ateu, tanto quanto o católico. O que não se compreende é o Estado indiferente.
[Impossibilidade prática de o Estado ser indiferente]
Aliás, entendo que o Estado indiferente só existe em tese. Na prática, é absolutamente impossível realizá-lo.
Quando o Estado oficialmente agnóstico ou indiferente é governado por protestantes, será protestante, e quando governado por católicos, será católico.
De fato, a pessoa do crente não pode ser separada da pessoa do homem de Estado. Quem tem uma determinada crença, aceita para com esta deveres superiores a outros quaisquer, e não deixará sua Fé para governar contra os princípios os mais caros a seu coração.
Assim, por exemplo, o governador católico será sempre favorável a todas as leis justas, tendentes a defender o país contra o comunismo. Não reatará, em hipótese alguma, relações comerciais com os soviets. Manterá, em qualquer hipótese, uma embaixada junto ao Vaticano. Será sempre contrário ao divórcio a vínculo. Facilitará tudo à Igreja. Agirá, enfim, como crente.
Um protestante, pelo contrário, poderá, usando de seu direito de livre interpretação da Bíblia, não enxergar incompatibilidade alguma entre sua religião e o comunismo. Daí o admitir, em tese, a possibilidade de um reatamento diplomático com os soviets. Entenderá, por outro lado, que o divórcio a vínculo é um bem, e representa um progresso que, a todo o custo, deve ser introduzido em nossa legislação. Facilitará tudo ao protestantismo.
O homem que professa uma opinião religiosa ou irreligiosa, uma vez no poder, continuará a aplicar seus princípios.
Logo, o Estado nunca será leigo. Será protestante, quando governado por protestantes, católico, quando dirigido por católicos, e ateu quando dirigido por ateus.
Logo, é irrealizável o Estado indiferente, leigo.
II – É de vantagem para o Estado oficializar uma igreja?
É indiscutível que a maior parte das religiões exerce uma influência benéfica sobre a moralidade geral. Claro está que a única religião que é moralizadora em toda a extensão da palavra é a católica. Já o reconhecia o próprio Augusto Comte.
No entanto, este mesmo filósofo entendia, com razão, que as outras religiões, embora muito menos moralizadoras, eram sempre um fator de preservação contra o mal.
E isto mesmo o reconhecem todos os inimigos da Igreja Católica, todos os ateus, todos os materialistas.
Logo, o Estado tem vantagem em oficializar e amparar a Igreja da maioria, porque assim defende e desenvolve a moralidade pública.
III – É o sistema de oficialização vantajoso à Igreja Católica?
Conta o Dr. Lacerda de Almeida que Gladstone, o grande estadista inglês, resolveu certa vez transformar a Inglaterra em Estado indiferente. § Para isto, seria necessário despojar o anglicanismo de suas prerrogativas de religião de Estado. Contava, pois, o eminente político, com o apoio dos católicos. § Para poder obter este apoio, foi ele ter com o Cardeal-Arcebispo católico de Londres, cujo auxílio pediu.
O Cardeal, porém, negou-se peremptoriamente a auxiliar o ministro britânico. Dizia ele que mais vantajoso era para o Catolicismo o ter oficializada uma religião inimiga, a ter, prestigiado pelo Estado, o agnosticismo. E isto porque, dizia ele, enquanto o anglicanismo formava protestantes, o agnosticismo formava ateus e materialistas.
Não nos podemos, infelizmente, estender mais sobre o assunto, porque já está muito extenso este artigo. No entanto, julgamos que a palavra do ilustre Cardeal Newman é plenamente suficiente para demonstrar que o agnosticismo é mais prejudicial para o Estado do que qualquer outra forma de relações entre a autoridade civil e o problema religioso.
Demonstramos nossas premissas.
Resta, agora, chegar, não somente à conclusão, que se impõe com evidência incontestável, como também lembrarmo-nos que o Brasil, este país católico, é oficialmente agnóstico!!!
Estamos em um momento de reivindicações católicas. Não percamos de vista a grande conquista católica da Igreja oficializada, não como no tempo do Império, cheia de peias e de embaraços, mas em bases verdadeiramente vantajosas para o sublime Credo que adotamos.
1) (N. do E.) Deste discurso não se conhecem nem a data em que foi pronunciado, nem outras circunstâncias, porém é provável que seja da década de 30. Por essa razão integra ele o presente volume da Opera Omnia.
2) (N. do E.) Sem tréguas nem fim.
3) (N. do E.) {antiescravagista}.
4) (N. do E.) Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, tio-avô do Autor. Político sagaz, ocupou sucessivamente os cargos de Presidente das Províncias do Pará e de São Paulo, Ministro da Justiça no Gabinete do Visconde do Rio Branco, Presidente do Conselho de Ministros do Império, e, proclamada a República, Presidente do Banco do Brasil. Cavaleiro da Ordem de Cristo, da Ordem da Coroa (Itália), da Ordem da Águia Branca (Rússia Czarista) e da Ordem de Leopoldo (Áustria). Recusou um título nobiliárquico, oferecido por D. Pedro II. Foi ele quem referendou a Lei Áurea, de libertação dos escravos.
5) (N. do E.) Fé intrépida.
6) (N. do E.) À cidade e ao mundo.
7) (N. do E.) Mt 22, 21.
8) (N. do E.) {que}.
9) (N. do E.) {Nosso Senhor Jesus Cristo, diante da autoridade que o interrogava, fez a esta a seguinte pergunta: “Se procedi mal, dize-me no que foi; se não procedi mal, por que me condenas?”}.
10) (N. do E.) Jo 18, 23.
11) (N. do E.) Diante de todo o povo.
12) (N. do E.) “Os céus e a terra estão cheios com a majestade de tua glória” (cf. Ordo Missæ, Sanctus).
13) (N. do E.) {em 857}.
14) (N. do E.) {Ora,}.
15) (N. do E.) {Assim,}
16) (N. do E.) {ou}. Por erro de composição gráfica perdeu-se deste artigo uma linha de aproximadamente 40 toques, a qual se procurou recompor com as palavras entre colchetes.
17) (N. do E.) {Aliás, entendo que o Estado indiferente só existe em tese. Na prática, é absolutamente impossível realizá-lo.}. Estas duas frases estão repetidas oito parágrafos adiante, por evidente erro de montagem. Por quebrarem a seqüência do pensamento foram supressas aqui.
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