“Ela me ajudará!”
O tempo foi correndo.
Por fim, fui aprovado nos exames vestibulares e tinha abertas diante de mim as portas da faculdade.
A idade mínima permitida para ser matriculado era de dezesseis anos, mas eu ingressei com dezessete, pois tinha perdido um ano do curso secundário, por causa de uma doença.1 Então, no início de 1926 me inscrevi na histórica Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a mais célebre do Brasil.
O foco do positivismo?
Ora, essa faculdade era reputada como sendo um foco de laicismo e anticlericalismo no Brasil. Não se tratava propriamente do ateísmo que negava a existência de Deus, mas de uma espécie de positivismo jurídico de livres-pensadores, oposto à doutrina católica. Auguste Comte2 já tinha passado de moda na França havia muito tempo, mas no Brasil ainda estava em voga.
Por outro lado, corria o boato de que a Faculdade de Direito era a cidadela do pensamento igualitário e subversivo, o antro das ideias libertárias mais desembainhadas, da impiedade e da imoralidade. Dizia-se que o estudante monarquista ou contrário à Revolução Francesa, por exemplo, era desprezado por todos; que havia uma perseguição tremenda de caçoadas e vaias contra qualquer rapaz católico, sobretudo se ele guardasse a pureza; que o ambiente em torno de cada calouro formigava de tentações…
Tal fama não era inteiramente verdadeira, mas apenas até certo ponto. De qualquer modo, pelos costumes daquele tempo não se concebia um estudante puro, e que não fosse pouco ou mais ou menos ateu.
Ora, eu tinha de me inscrever lá, irremediavelmente, pois precisava ser advogado.
Os futuros colegas e o Secretário da Faculdade
No dia em que fui apresentar o meu requerimento pedindo a inscrição, subi a escadaria da faculdade, rumo à secretaria, e entrei numa longa fila de futuros alunos, que lá estavam para se matricularem também. Eram uns cento e cinquenta rapazes – turma numerosa para a São Paulo daquele tempo! Olhei de soslaio para esses novos colegas, companheiros de navegação com os quais eu iria passar cinco anos, vendo se existia alguém aproveitável para o meu apostolado e pensando: “Esse tem bom jeito, aquele tem boa fisionomia… E aquele outro, no que dará?”
Todos eles faziam tropel junto à mesa do Secretário, um homem que se tornou lendário, notabilidade incorporada ao folclore da faculdade, chamado Júlio Maia. Era muito rabugento, mas afável e, conhecendo todo o mundo que se inscrevia, perguntava como ia o pai, como estava a mãe…
Quando eu me aproximei, levando na mão o meu requerimento, ele leu e disse:
– Desta vez, vai.
Mas não prestei muita atenção nele, por encontrar-me preocupado, na apreensão e na incerteza do que me esperava.
Crepúsculo de angústia
Eu estava decidido a permanecer fiel à prática da Religião Católica. Entrava na faculdade com o propósito deliberado e firme de manter-me puro e de fazer apostolado ali dentro, mas já previa qual seria a pressão daquele ambiente contra mim, e tinha no meu íntimo um grande receio de enfrentá-la.
Graças a Nossa Senhora, eu havia vencido a luta no Colégio São Luís, mas agora sentia minha própria fraqueza e tinha muito medo de mim mesmo, um pânico terrível de que essa segunda confrontação não fosse bem sucedida como a primeira; de não possuir a força necessária para suportar o peso de uma ofensiva brutal de vaias, caçoadas e maus tratos, de ser levado pela onda, de não perseverar, de vir a perder a inocência e a Fé, e me transviar, levado pela vontade de uma existência cômoda.
E pensava: “Como vai ser? O que poderá me acontecer aqui dentro?”
Faço notar que durante toda minha vida fui pouco emotivo e, graças a Deus, extraordinariamente calmo e até fleumático, mas nesse momento estava tão intimidado e apavorado, que – lembro-me bem dessa cena! – ao entregar o meu requerimento, o meu coração batia tão forte que eu o sentia latejar na garganta. Era a situação mais oposta ao que meu temperamento podia suportar!
Mas fingia-me de alegre, pois essa era a convenção do tempo: o rapaz que havia concluído o ensino secundário e se matriculava na faculdade devia ter a alegria de quem venceu uma etapa na vida, e repousava por um momento sobre os louros legitimamente conquistados, antes de encetar nova caminhada.
Aliás, junto a mim, todos aqueles calouros estavam contentes e despreocupados. Lembro-me até hoje da fisionomia do rapaz que se encontrava a meu lado, membro de certa família que não era do meu meio: alegre, saudável e bem disposto, respirando bem-estar e consonância com tudo o que via diante de si. Eu olhava para eles e pensava: “Todos aqui estão felizes, enquanto eu sou o único aflito. E esta é apenas a minha mocidade”.
Inscrevi-me e saí. A angústia baixava sobre mim, como um crepúsculo cheio de dúvidas.
Um pedido de auxílio a Nossa Senhora
Entretanto, em circunstâncias anteriores difíceis para a minha perseverança, sentindo-me abaixo da tarefa que tinha diante de mim, eu havia adquirido o hábito de pedir a Nossa Senhora as forças que me faltavam. Então, em substância, o equipamento para a viagem estava feito.
Rezei ardentemente a Ela, para que me protegesse e fizesse com que eu continuasse puro, dando-me os meios de conservar a Fé Católica na fornalha de positivismo em que entrava, e sendo inteiramente contrarrevolucionário, até a hora em que encontrasse aqueles que deviam seguir o mesmo caminho que eu.
E pensei: “Ela é Mãe de misericórdia e já me auxiliou em tantas outras ocasiões! Ela me ajudará agora também! Eu enfrento!”
Era o começo de uma grande batalha.
1 Cf. Volume II desta coleção, p. 55.
2 Auguste Comte (1798-1857), filósofo francês, considerado o criador da escola de pensamento positivista.
Deixe uma resposta