Encantos e dificuldades da Língua Portuguesa
Meu professor de Português também era jesuíta.
Ele conversava muito com os alunos durante as aulas e, sendo de uma lógica admirável em tudo o que dizia, deixava-me extasiado. Depois viajou para outro país e, então, o professor de Religião – mestre Costa – assumiu as aulas de Português. Portanto, a lógica nunca faltou nessas aulas.
As belezas da etimologia
Às vezes, o estudo de Português me era tedioso, mas havia dois pontos que faziam da Gramática, para mim, uma verdadeira distração, por serem especialmente bonitos.
Em primeiro lugar, a etimologia. Eu percebia como ela levava a compreender e analisar a origem do vocabulário humano, o que me parecia muito bom, nobre e belo. Cada palavra podia ser “manuseada” como um lindo topázio azul ou escolhida como uma peça de mosaico, para verificar o que ela continha e, assim, compor uma frase inteiramente expressiva e tornar a conversa agradável.
Mamãe não era desinteressada por essas questões. Desejava que eu tivesse um vocabulário abundante e não me permitia repetir a mesma palavra em alguma frase, o que, segundo ela, era próprio dos ineptos, pois a pessoa inteligente tinha a obrigação de possuir um jogo de expressão muito amplo.
Entusiasmo pela análise lógica
A análise lógica, ou sintática, era tida em geral como uma das partes mais aborrecidas do ensino secundário. Compreender o que era o sujeito, o verbo – transitivo ou intransitivo –, o advérbio, o objeto direto e o indireto, o complemento circunstancial, a preposição…! Tudo isso não era fácil. Mais difícil ainda era analisar a frase e reconhecer: “Aqui está o sujeito, ali o verbo…”
Eu notava que muitos dos meus colegas tinham horror a essa matéria, pelo esforço que ela exigia. Eu, entretanto, tinha encantos por ela! A admiração e o gosto pela lógica me levavam a fazer de bom grado esse esforço e, mais propriamente, adquiri entusiasmo pela análise lógica a partir do momento em que compreendi ser ela semelhante a uma arquitetura. Tomar uma frase e saber pô-la em ordem, parecia-me uma beleza, algo magnífico!
Familiarizando-me com a análise sintática, lucrei enormemente, pois ela me ajudou a fazer duas coisas muito importantes na vida: pensar e escrever.
Quem sabe praticá-la com precisão, constrói bem as frases, tem elementos para dominar a própria arte do pensamento e desenvolve a lógica de modo extraordinário. Mas, pelo contrário, quem não a estudou, não sabe coordenar aquilo que lhe vem à mente, não exprime corretamente o que pensa e está impossibilitado de redigir bem. Aliás, o Latim, o Grego e o Alemão são formativos para o espírito, devido às declinações, que favorecem a análise lógica das frases.
Em certa ocasião, um dos meus primos, que também estudava no Colégio São Luís, estando numa roda, conversava com um padre sobre matérias escolares e disse:
– Eu gosto muito de análise lógica!
O sacerdote respondeu:
– Está vendo? Isso prova que você tem uma inteligência incomum.
Trabalhos de Português feitos por Plinio no Colégio São Luís
Análise lógica dos versos de Camões
Quando o mestre Costa passou a lecionar Português, ensinava análise lógica muito bem, pois era um professor bastante capaz.
Ele tomava “Os Lusíadas” de Camões, escolhia as frases mais complicadas e dizia a algum aluno:
– Leia!
O menino lia de qualquer maneira e o professor ordenava:
– Você leu mal! Isso não deve ser lido assim!
Porém, o aluno nem havia entendido o texto, o qual, por exemplo, dizia:
– “Chegou a hora em que as Hespérides1…”
O mestre interrompia:
– Devagar… Quem são as Hespérides? O que fizeram?
E, ouvindo algum erro, corrigia:
– Isso é solecismo.
Eu pensava: “Solecismo? O que é isso? Se eu fosse um bom aluno, talvez soubesse…”
Ele continuava:
– Vou pôr essa frase na ordem direta: sujeito, verbo, objeto direto, objeto indireto, advérbios, preposições…
Essas poesias pareciam-me “encharravascadas”2… Era um labirinto terrível! Mas ele fazia a análise com a precisão de um detetive e montava a frase, a qual se tornava clara. Eu entendia, então, o que Camões havia posto belamente naquela admirável ordem indireta, com expressões faustosas. E tinha a impressão de que, quando o mestre Costa encontrava o sujeito num verso camoniano, o nariz dele se movia…
Ele também exigia que tomássemos as estrofes de Camões e as puséssemos na ordem direta, para depois fazermos a análise lógica. Era um trabalho que me fazia penar, mas me encantava, entre outras razões por estar familiarizado com a ordem indireta, uma vez que já sabia alemão.
Uma dessas poesias tratava sobre Inês de Castro, a qual eu não sabia exatamente quem era:
“Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus verdes anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito”.
Depois continuava:
“Aos montes contavas e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas”3.
Durante uma aula, passei um tempo enorme lendo e relendo esse trecho, e nem sequer fui adiante na história da “linda Inês”, pois essas primeiras palavras me pareciam tão expressivas, que não tive vontade de continuar. Por exemplo:
“De teus verdes anos colhendo doce fruto”.
Esse jogo de palavras me dizia algo sobre o sabor da juventude, que não estava escrito, mas que transmitia propriamente o sentido poético do verso.
Também aprendi uma poesia portuguesa muito mais simples, cujas palavras depois esqueci: “Ode a Carlos Alberto, rei do Piemonte”. Essa obra me deixava encantado, apesar de eu não entender quem era o personagem a respeito do qual ela tratava.
Antologias portuguesas e versos alexandrinos
Também eram matéria de análise lógica as antologias. Aliás, algumas pessoas diziam que empregar o termo “antologia” era um sinal de faceirice, pois o comum era dizer “florilégio”.
Lembro-me de certa cena famosa da história portuguesa, narrada numa dessas antologias. Tratava-se de um engenheiro cego, construtor de uma das abóbadas do Mosteiro da Batalha, em Portugal4. Ele havia planejado a colocação da pedra de ângulo, a qual, se fosse mal encaixada, faria ruir o edifício inteiro. O rei receava tirar os andaimes, pois a cúpula podia cair, mas o personagem, havendo calculado tudo muito bem, lhe pediu:
– Ponde-me sentado sob a abóbada e mandai retirar os andaimes. Se ela não estiver bem construída, cairá sobre mim.
Ele se sentou e permaneceu esperando calmamente, seguro de sua obra, enquanto ouvia o ruído dos andaimes sendo removidos. Passado o tempo da prova, levaram-no dali, resultando daquele fato uma grande homenagem a ele. Eu pensava: “Glorificação do talento? Certamente. Mais ainda, glorificação de uma qualidade: a coragem”.
Em outra antologia portuguesa era descrito o suplício dos Marqueses de Távora, cena de cujos pormenores me recordo muito vagamente.
A marquesa caminhava em direção ao cadafalso para ser morta. Na última hora, retirava das orelhas um par de brincos, com pedras preciosas monumentais, vindas do Oriente, beijava-os e dava-os ao padre que a acompanhava, dizendo:
– Isto é para a minha filhinha. Dizei-lhe que, no momento da morte, a mãe dela osculou estas joias por amor a ela, como se a beijasse, desejando-lhe que sempre ame a Deus mais do que tudo.
Depois da execução dela, chegava a vez do marquês, seu esposo. Ele osculava a sua própria espada, entregava-a ao confessor e dizia:
– Padre, dizei ao rei que ele me mandou a este patíbulo como um réu, mas eu reafirmo a ele minha fidelidade e envio-lhe minha espada, a qual foi feita para ser molhada no sangue dos inimigos dele.
Nessas histórias apareciam pessoas com nomes que eu nunca tinha ouvido, como a Condessa de Lumiares e o Duque de Aveiro. Eu me encantava e pensava: “Isso é nome de gente!”
Lembro-me de certo trecho de uma antologia – de um bom literato, cujo nome esqueci –, o qual tratava sobre o primeiro sono de Adão no Paraíso: ele começou a adormecer e teve medo de estar morrendo, mas, de manhã, quando acordou, sentiu-se radiante e teve a impressão de estar ressuscitando.
Também aprendíamos versos alexandrinos5 clássicos, dos quais alguns termos me pareciam desprovidos de sentido, mas cujo vocabulário elevado, tendente à sublimidade e remetendo a uma clave superior, tinha a capacidade de produzir nas pessoas certas sensações subconscientes, como ligeiros e discretos arrepios de emoção, à maneira de uma música.
Implicância com certas palavras
Quando eu não entendia uma ou duas palavras de algum texto em português, não procurava o seu sentido no dicionário, mas tentava descobrir o significado delas, analisando o contexto em que se encontravam. Assim, adivinhar o significado dos termos que não compreendia, através dos que eu já conhecia, parecia-me um bonito e agradável jogo, semelhante a um puzzle6.
Entretanto, às vezes eu implicava com certos vocábulos, os quais não eram de uso corrente no Português do Brasil. Por exemplo, quando ouvi pela primeira vez a palavra “escabelo”, pensei: “Que coisa estranha, ‘escabelo’… Dá a ideia de um feixe de cabelos, mas não deve ser isso… O que será? Papai deve saber, pois isso parece daquele linguajar do Pernambuco…”
Quando ele chegou a casa, eu o procurei e disse:
– Papai.
– Ah?
– O que é escabelo?
Ele respondeu, com ar distraído:
– Escabelo é um banquinho pequeno para pôr os pés.
Eu soube depois que esse banquinho era utilizado outrora na França, de modo muito elegante. Então, aceitei o termo de bom grado…
Outra palavra arcaica presente nas antologias do colégio era “ouropel”7. Dava-me a impressão de um enfeite pomposo, mas avelhentado e poeirento… Assim havia muitos outros termos, que me pareciam antipáticos, razão pela qual levei algum tempo para me interessar pelas obras dos autores portugueses. Entretanto, quando comecei a lê-las, entusiasmei-me e pensei: “Que língua estupenda!”
Temas para as composições
Como os meninos eram adestrados para fazerem composições?
Prevalecia naquele tempo a ideia de que a composição não podia ser apenas correta, mas tinha de ser bela. Então, éramos estimulados primeiro a ler as antologias, nas quais eram apresentados, isolados, trechos de muitas obras, e o professor mostrava o que eles tinham de bonito.
Os temas dessas antologias eram, por exemplo, “O Pôr do Sol”, “A Libélula” ou “Verdes Gramas”. Eu os lia, mas, sem saber explicitá-lo, sentia a falta de senso religioso em muitas daquelas obras e pensava: “Uma bonita descrição da relva poderia ser interessante, mas isso não tem profundidade… Apenas a relva? Meu espírito não é ávido dessa história vazia… Seria como ir a um cinema e assistir a um filme numa tela rasgada”.
Com base em tais trechos, os professores propunham assuntos para os alunos fazerem as composições: “Uma Margarida”, “O Pingo d’Água” ou “O Grão de Areia”. Era preciso pôr-se num certo estado emocional para imaginar a composição, a qual seria tanto mais bonita quanto mais sentimental, começando assim: “Oh! Como é delicado o grão de areia!” E terminaria dizendo: “Grão de areia, tu és o meu irmão!”
Ora, para mim, o grão de areia sempre dava a ideia do sapato onde ele entrava, ou da pálpebra onde ele se enfiava. Era um inimigo petulante que me impedia de caminhar e me atrapalhava o olhar…
Uma outra redação deveria tratar sobre a “A alegria no dia de voltar às aulas”. Então, tinha de descrever o menino retornando a São Paulo com pressa, pensando no colégio, nos bons mestres e nos caros colegas… Ou, às vezes, o professor mandava:
– Vocês agora vão fazer uma composição bonita: escreverão uma carta a algum amigo, contando uma noite de São João na fazenda. Vamos ver!
Essa carta deveria começar assim, por exemplo: “Caríssimo Carlos…”, pois “caríssimo” era mais enfático do que “caro” e ninguém ousava pôr apenas “Carlos”, pois não era bonito e não tinha sentimento. Depois continuava: “Alvorecia o dia…”
Era preciso utilizar uma série de lugares-comuns que todos tinham lido em antologias, mas que não procediam realmente da inventiva dos alunos. Eles tinham de pôr os “óculos” de outros para começar a compor e, então, tomavam as velhas cangalhas de Victor Hugo ou de Gonçalves Dias e adaptavam-nas às próprias vistas para escrever algo que eles mesmos não diriam. Em certo sentido, eram privados dos seus critérios pessoais de observação e de análise, e as suas características originais eram um tanto comprimidas.
Para mim, essa incrustação artificial de palavras era um quebra-cabeça… Eu possuía certa fluência natural para o vocabulário e os termos não me faltavam, mas pensava: “Por que tal palavra fica bonita e tal outra fica feia? Quero ver se adivinho o critério dos professores e me ponho de acordo com eles, para receber facilmente belas notas!”
O sublime, auge do belo
Como eram as minhas composições?
Eu prestava uma atenção especial, utilizando algo à maneira de uma antena psicológica, para tornar-me capaz de captar a linha maravilhosa do tema proposto pelo professor. Procurava imaginar as coisas mais belas e admiráveis, que nesse assunto poderiam caber, de tal modo que ele achasse a ideia linda.
Assim, em todas as minhas composições estava a seguinte noção, ingênua e implícita: “O sublime é o auge do belo. Logo, é preciso fazer uma composição que chegue até o sublime”. Ora, para mim, a sublimidade se podia encontrar apenas na Religião e em tudo o que tivesse relação com ela, como, por exemplo, a realeza.
Encontrada essa pista, inventava uma história e depois a enfeitava, fazendo a composição com facilidade.
Em certa redação, feita por mim8, podem-se reconhecer o estilo e as convenções daquele tempo, exigidos pelos professores e indispensáveis para as boas notas: o mar é verde e as palmeiras são elegantes… Entretanto, algo nela mostra que eu quis dissociar-me um tanto do convencionalismo e fiz transparecer certo ufanismo.
Uma redação guardada por muitos anos
Lembro-me de uma composição que fiz em casa, sobre uma gota de orvalho no deserto e um herói da Fé9.
Quando entreguei esse trabalho no colégio, julguei que receberia a nota dez, mas deram-me o grau oito, o que não era um grande resultado… Pensei: “Coisa singular, pois não cometi tantos erros! Mas o professor deve ter razão, uma vez que é padre”.
Certo tempo depois, estando na sala de jantar de casa, num momento de intimidade com mamãe, tia Zili e mais algumas pessoas, eu disse ingenuamente:
– Hoje recebi as minhas notas no São Luís pelas composições.
Com curiosidade amável, alguém desejou ouvir o que eu havia escrito e, então, li a redação em voz alta. Mamãe permaneceu muda e quietinha, para impedir qualquer amor-próprio de minha parte, mas minha tia ficou encantada e fez os maiores elogios:
– Essa composição está maravilhosa! Lucilia, você não vai guardá-la?
Não me lembro o que mamãe respondeu, mas tia Zili continuou:
– Então, eu a quero para mim. Você me dá de presente?
Aquela atitude me deixou um pouco surpreso. Com a maior naturalidade, dei a composição para ela.
Muitos anos depois, o meu tio Nestor, esposo dela, encontrou aquela redação. E, estando comigo, disse:
– Descobri nos papéis de Zili esta composição escrita por você. Talvez gostasse de guardá-la.
Então, guardei-a10.
Composições de Plinio11
Verdes mares bravios da minha terra natal,
Onde canta a jandaya nas frondes da carnahuba!
Verdes mares que brilhaes como liquida esmeralda
Aos raios do sol nascente perlongando as alvas praias
Ensombradas de coqueiros!
Serenai, verdes mares, e alisae docemente a vaga impetuosa
Para que o barco aventureiro manso resvale á flor das aguas.
Ó bellos mares! cujas ondas immensas vão bater nas alvas praias da minha terra natal! Não ha coisa mais linda, do que vendo as aguas azues e verdes bater nas areias da costa cearense e apreciando o canto da jandaya, pousada nas frondes da carnahuba. E o sol ainda nascente com seus bellos reflexos embellezando o magnifico espectaculo. Ó Todo Poderoso amansae como vosso filho12 quando ainda estava entre os homens o mar, para que aquelle astucioso navegante possa conservar seu barco á flor d’agua, afim de que não succumba13.
Plinio
(continua)
quasi 10
Verdes mares bravios da minha terra natal,
Onde canta a jandaya nas frondes da carnahuba!
Verdes mares que brilhaes como liquida esmeralda
Aos raios do sol nascente perlongando as alvas praias
Ensombradas de coqueiros!
Serenai, verdes mares, e alisae docemente a vaga impetuosa
Para que o barco aventureiro manso resvale á flor das aguas.
2ª parte.
Sobre o mar verde e azulado reflete o sol vermelho, na aurora, seus raios luminosos aos bellos mares e as alvas areias colore; e as graciosas palmeiras, que perlongam a costa cearense deixam cahir elegantemente seus ramos verdes como o mar. Lá ao longe onde a abobada celeste parece reunir-se com o mar, uma jangada guiada por um destemido navegante busca o rochedo patrio aonde seu dono costuma pescar. Tambem um pouco longe é que um grumete faz navegar seu barco.
Ó Neptuno aliza as ondas de teu domínio para que o barco não vá a pique14.
Plinio
O mendigo
Avistava-se n’uma das collinas verdejantes que cercam a cidade de Caldas um pobre velhinho que com custo a subia. Chegado bem ao alto procurou avistar á esquerda sua aldeia natal. Com tristeza apoiou a fronte sobre uma pedra, recordando o passado. Fora rico, tivera innumeros amigos porem, apenas perdera a fortuna, estes se afastaram. Pobre e doente levava uma vida errante e miseravel. Sentindo a sua hora derradeira chegar, quiz morrer contemplando o seu torrão natal; e expirou recommendando sua alma a Deus.
12-IV-1920
Plinio Corrêa de Oliveira
10
A pátria
Ó patria amada, que de tua gloria resta? As ondas do mar contam-me, quantas vezes teus navios sulcaram sua tonna carregados de louros. Choraram teu manto de rainha o Ganges, o Tigre. Tão temida outr’ora, e hoje ninguem te receia! Adormecida sobre as tuas passadas glorias, só um monumento resta que as attesta: Os Lusiadas. Dizem em vão os lisboetas que, quem não viu Lisbôa não viu cousa bôa. Em 1500 extendeu os seus braços immensos á uma vastissima região que denominou: Vera cruz (mais tarde Brazil). Ó patria amada onde está essa gloria?
20-IV-1920
Plinio Corrêa de Oliveira
93/4p10
O sabiá15
Em miseravel taverna situada n’uma das mais feias ruas d’uma aldeia do sertão, um sabiá melancolico pulava desesperado, prisioneiro dentro da gaiola dependurada na janella. Lembrava-se dos canticos alegres que entoava nas mattas virgens apreciando o jogo brilhante do sol sobre uma larangeira predilecta cujas ramas eram ornadas de flôres cheirósas frequentemente visitadas por abelhinhas. Oh! que bellas recordações!
O dia abrazador déra um somno ao nosso sabiá que repentinamente fechára os olhos. Sonhou que estava voando sobre um deserto quente, ardentissimo. Avistava ao longe, perto d’uma cascata, uma matta colossal; sua entrada era ornada com flôres, bellas como n’um conto de fadas. Ahi se collocava pensando no dia seguinte, em que comeria as máis suculentas laranjas do lugar.
Com tudo isso o nosso sabiá cantava admiravelmente em sua gaiola; cousa que nunca fazia por querer amolar o dono da taverna. O sabiá accordou vendo diante de si o taverneiro arrebatado por seu lindo canto, e dizendo: “canta optimamente”.
Desde então a bodega ficou com um habitante de menos, porque o sabiá conseguiu fugir, levando no sertão uma vida feliz e alegre.
Plinio Corrêa de Oliveira
5-V-1920
10
O filho pródigo16
No anno de 517 vivia perto de Belem um rico gentilhomem no seu bello palacio cercado de campos tambem de sua propriedade.
Casara-se com uma jovem nobre; porem esta logo morreu ficando elle viuvo e tendo dois filhos, José e Jacob.
N’uma bella tarde Jacob poz-se a pensar: “meu pai é rico e tem um bom nome; minha mãe era abastada e sua herança nos deve caber; somos pois ricos”. Então chegando-se ao pai disse-lhe: “pai querido, quando morrerdes me deixareis grande fortuna e um dos vossos palacios; não posso esperar este momento e peço que me deis a parte que me cabe”. O pai sempre bondoso fez as partilhas e deu a Jacob a parte que lhe cabia; e este, poucos dias depois, fez sua trouxa e partiu.
Lá bem, bem longe, gastara sua fortuna e em farrapos, resolveu voltar a casa paterna.
Apenas o pai o avistara fez matar um vitello e preparou um banquete no qual o filho prodigo só pensava na bondade do pai e cada vez mais se arrependia do seu pecado. Succedeu chegar do seu trabalho José, o qual vendo o festim que preparava o pai, ficou agastado e disse: “papai fez esta festa pela volta do mau filho, e para mim que sempre lhe fui obediente, nunca sequer fez preparar um frango em minha honra, não tomo parte na festa”. O pai porem disse: “este meu filho morreu e reviveu, perdi-o e tornei a achal-o e por isso faço a festa, considerando que sem elle nunca tive alegria; divirtamo-nos”.
18-V-1920
Plinio Corrêa de Oliveira
10
José17
Vivia em Hebron um ancião chamado Jacob e tinha doze filhos. O caçula da casa de nome José, era tratado com muito carinho e affecto. Esta predilecção causava inveja aos irmãos que não lhe demonstravam o mesmo amor. José teve um sonho, que contou a seus irmãos dizendo-lhes: ouçam o que sonhei. Estava comvosco n’um campo atando feixes; o meu conservava-se em pé, emquanto os vossos se prostravam diante do meu. Ficaram os irmãos muito irados e resolveram vingar-se. Outro sonho teve José. Estava emcima d’uma nuvem, e o sol, a lua e onze estrellas se prostraram até o chão diante de elle. Ainda cresceu mais o rancor dos irmãos.
Excepto José, estavam todos os filhos de Jacob reunidos num campo, longe da casa paterna. O pai lhe disse: “vai ver o que fazem teus irmãos”; partindo este sem detença. Chegado lá, os irmãos o puzeram n’uma cisterna, e passando ricos egypcios venderam José por vinte talentos. Então, matando um dos cordeiros, ensanguentaram a tunica com seu sangue e mandaram-a a Jacob, o qual não se pode consolar.
José no Egypto teve todos os postos, desde intendente da casa de Putiphar até o de vice-rei do Egypto. Mandou chamar Jacob e seus filhos junto com Benjamim, irmão que tinha nascido n’este espaço de tempo. Desde então todos levaram uma vida feliz.
19-V-1920
Plinio Corrêa de Oliveira
10
O famoso rei dos montes estava cercando uma cidadella pouco fortificada mas que a resistencia heroica dos habitantes tinha tornado inexpugnavel. Acostumado de vencer a todos estava furioso de ver que os seus esforços e as espertezas e astucias dos seus generaes não tinham feito capitular a heroica cidade. O mais valente dos generaes do rei, o confidente do monarcha pediu-lhe audiencia e expoz-lhe o seguinte plano: os arautos deviam jogar na cidade papeis nos quaes o soberano inimigo prometia 4.000.000 de piastras a quem lhe entregasse as chaves da porta da cidade. Este plano apezar de não agradar ao rei foi posto em execução, e de noite um miseravel aproximou-se da tenda do soberano e desejou fallar-lhe sendo logo recebido. Aproximando-se do trono o desconhecido disse: “Grande rei eis as chaves da porta da cidade, e vamos ao cobre agora”. O rei deu a sua visita a promettida recompensa e expulsou-a indignamente do acampamento depois de ter feito jogar as chaves denovo pelo muro e dizendo: resolvi a capitular pois quando tinha um trahidor na praça não vencemos como venceremos agora que não temos senão adversarios heroes?
O nosso miseravel caminhava porem satisfeitissimo da vida com uma tamanha somma em suas mãos. Mas depois das emoções, sobretudo quando são bem succedidas, o somno é agradavel e foi esta a sensação que invadio o nosso malfeitor.
Mas não gozou muito do somno porque teve tremendos pesadelos.
Continuação
Via as ruas de sua cidade com muito sangue e ao passar pelo cimiterio viu abrirem-se os tumulos e varios espectros perseguirem um outro no qual reconheceu sua mãe, e as outras caveiras berravam furiosas: “Vá ao diabo maldita mulher, tu que geraste um diabo e peor que diabo, um misero trahidor que innunda de sangue a cidade natal que amamos e nossos filhos amam”. Isto fez sobresaltar o trahidor que quiz beber agua para calmar o susto, mas esta soube-lhe sangue, e o mesmo succedeu com o vinho. Avistando ao longe um pomar quiz por força comer as suas fructas mas a primeira teve o gosto de cinza, a segunda de carne humana, e a terceira de metal (zn) com zinabre.
Chegando na cidade que tinha escolhido para residir, foi deitar-se na sua ante-camara onde tinha moldurando o tecto uma porcão de nymphas dançando, e quando as enchergou vio a mesma scena do cimiterio passar ante sua vista e então louco de remorso foi á corte do rei dos montes para reentregar-lhe o dinheiro tão mal acquisto, mas o soberano não quiz vel-o e mandou dizer aos soldados que o expulsassem com tudo que era seu fora de suas propriedades dizendo: “Não quero dinheiro que foi entre mãos de trahidor”.
Plinio Corrêa de Oliveira
28-III-1921
8
e immenso, o deserto do Sahara só é entrecortado por pequenos rios, e tambem la existem os oasis, unico refugio do viajante contra sede e fome.
O poderoso monarcha da Abyssinia atravessava um desses extensos areaes, e derrepente, viu uma palmeira, em cujas folhas resplandecia o orvalho, brilhante da natureza, e o rei disse: vinde ó gotta adornar meu turbante, mas a gotta não veio.
Tempos depois, passava um cavalleiro, era cruzado, e ia deffender os christãos, e o cavalleiro, morto de sede, viu a gotta, chamou-a e ella cahiu lhe, a refrescal-o, nos seus labios. Cahiu porque era aquelle, que ia deffender a religião de um Ente Supremo que muitos homens não conhecem, mas cuja gloria a natureza canta.
Plinio Corrêa de Oliveira
8
1 (Cfr. Os Lusíadas – Canto II) As Hespérides, segundo a mitologia grega, eram deusas primaveris, donas de um jardim situado no extremo ocidental do mundo.
2 Muito rebuscadas, a ponto de serem confusas.
3 Os Lusíadas – Canto III.
4 O episódio é descrito no conto “A Abóbada”, da obra “Lendas e Narrativas”, de Alexandre Herculano.
5 Versos de doze sílabas, muito difundidos na Idade Média e cuja denominação, provavelmente, procede do “Romance de Alexandre”, de autoria de Lambert le Tort e Alexandre de Bernay.
6 Quebra-cabeça.
7 Lâmina metálica que imita o ouro.
8 Ver p. 40-43.
9 Ver p. 58-59.
10 Ver p. 59.
11 As composições de Plinio são aqui reproduzidas na sua grafia original, de acordo com as regras da época. Os numerais em vermelho correspondem às notas conferidas pelos professores a cada trabalho.
12 Cfr. Mt 8, 23-27.
13 Paráfrase livre do conhecido texto de José de Alencar (Cfr. Iracema, Livraria José Olímpio Editora, Rio de Janeiro, 1965, p. 49).
14 Segunda paráfrase do mesmo texto de José de Alencar.
15 Paráfrase de conhecido conto infantil, frequente nos livros de leitura da época.
16 Paráfrase da parábola do filho pródigo (Cfr. Lc 15, 11-32).
17 Paráfrase muito sintética da história de José do Egito (Cfr. Gn 37; 39-50).
Deixe uma resposta