Exemplo de amor materno
O modo de ser, as atitudes, a maneira de falar de Dona Lucilia causaram profunda e duradoura impressão em seu filho. Durante toda a sua vida, Dr. Plinio se recordará de episódios e situações que o deixaram encantado. Acompanhemo-lo em algumas dessas recordações.
Entre Dona Lucilia e mim não havia esse relacionamento mãe-filho tão comum e que poderia ser expresso com um exemplo: ela aproximar-se de mim e dizer-me alguma vez: “Meu filho você deve estar sofrendo com tal coisa…”; e eu responder: “Mas, meu bem! a senhora também…” Isso absolutamente nunca acontecia. Havia de parte a parte uma espécie de pudor nesse ponto.
Presença suave, cerimoniosa e comunicativa
A presença dela me era muitíssimo suave. Eu percebia como mamãe aguentava suas dificuldades, e isto me ajudava a entender o que eu devia fazer para suportar as minhas. Mas julgo que a maior parte dos meus revezes, ela não percebeu, pois estavam inteiramente fora do ângulo de visão dela. Sua vida era de tal maneira segundo outro estilo, que mamãe não tinha possibilidade de compreender certos problemas com os quais me defrontava.
Ela me tratava com carinho, porém sempre mantendo certa distância cerimoniosa. Era um modo de ser próprio à sua família, pelo qual as pessoas se comunicavam muito entre si, sem falar.
Devoção a Nossa Senhora
Na família dela havia devoção a Nossa Senhora da Penha, cujo santuário em São Paulo era considerado como uma fonte de milagres. Em casos de aflição ou coisas semelhantes, era muito frequente as pessoas exclamarem “Nossa Senhora da Penha!” Até quando eu era mocinho, faziam-se promessas de ir a pé até a Penha, para se conseguir algum benefício. Eu mesmo fiz uma promessa de caminhar até lá.
Mamãe foi em moça, já casada, mais de uma vez à Penha. Ela tinha muita devoção a Nossa Senhora, que foi se tornando muito mais saliente à medida em que eu, gota a gota, fui-lhe transmitindo a doutrina da Mediação Universal de Nossa Senhora e considerações sobre Ela.
Falei-lhe sobre o “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”(1), a consagração a Nossa Senhora, mas não a respeito da escravidão, porque ela não entenderia. A diferença de meridiano entre a geração dela e a seguinte é enorme!
Para mamãe, a escravidão se referia, primariamente, à que sofreram os negros e contra a qual o pai dela lutou, porque era um abolicionista; o Dr. João Alfredo, tio de meu pai, trabalhou nesse sentido; e a Princesa Isabel, uma eminente personagem, aboliu a escravidão no Brasil.
Zelando pela honra dos filhos
Por experiência própria, ela sabia quanto a má saúde física faz sofrer a alma. E para evitar tais sofrimentos ela queria que fôssemos saudáveis. Mamãe contava, com todos os pormenores possíveis e como um drama, o perigo de vida pelo qual passei quando criança; ela ainda vivia aquele drama. Explicava como rezou e, depois de afastado o risco, como agradeceu.
Dona Lucilia tinha grande cuidado para que minha irmã e eu — por uma questão de honra em face de nós mesmos e também de Deus, não dos outros — fôssemos pessoas “comme il faut”, quer dizer, como se deve ser. Então, dentes, o asseio em geral, alguma preocupação de saúde, mas, sobretudo a noção de honra, que é uma ideia católica, e no tempo dos pais dela, era uma tradição. Por exemplo, na pintura representando a mãe dela, a ideia de honra da pessoa perante si mesma está presente, e também, de modo menos saliente, nas pessoas retratadas em outros quadros de nossa residência.
Há determinadas regras para que as pessoas se tornem dignas. Naturalmente ela cuidava de alguns aspectos disso com relação a minha irmã, segundo certo matiz; é a ordem das coisas. Comigo era de outro modo.
Mamãe acompanhava muito toda a minha vida, sabia onde e como eu estava, quais eram os meus horários de refeição, de saída, de chegada, entretanto sem ar de fiscalização, nem mesmo de vigilância, mas simplesmente com atenção. E atenção extrema, acompanhando certos pormenores, como, por exemplo, a roupa que eu trajava.
Síntese das tradições da família
Por alguns lados Dona Lucilia era uma síntese das tradições de sua família; por outros, um “renouveau” de uma série de coisas que, ao longo das gerações, foram sofrendo um processo de modernização e, portanto, se alterando. Em algumas matérias ela comunicava — para usar uma expressão atual — uma mensagem inteiramente diversa. Em outras refletia propriamente a tradição.
O essencial da nota que diferenciava mamãe das outras pessoas era o seguinte: a ideia da verdade absoluta, do bem absoluto, do eterno, imperecível, era muito mais tênue nos outros do que nela. De maneira que eles não se opunham, em princípio, a nenhuma modificação; iam sempre acompanhando numa linha conservadora. Enquanto ela, sendo o caso, reagia: “Isso não pode ser. Há aqui um princípio, um modo de ser, uma tradição imutável da qual não abro mão.”
Ela conservava as tradições católicas com muito mais fé do que seus antepassados. Não quero dizer que não possuíssem fé, mas não tinham a fé que ela possuía.
O afeto pelo filho vinha em larga medida por ver os lados bons de sua alma
O afeto dela para comigo vinha, evidentemente, pelo fato de ser minha mãe, mas, sobretudo, porque ela via muito bem os aspectos bons da minha alma.
Não se pode dizer que mamãe me queria “debandadamente”, pois a palavra “debandada” não tem a dignidade devida. Nela nada era debandado, embora pudesse ser com uma intensidade inteira.
Na época de mamãe, os homens eram avaliados muito mais pelo que eram do que pelo que faziam. Assim, pelo pouco que ela sabia que eu fazia, achava minha vida justificada.
Em minha vida de lutas, algumas coisas ela não via, pois de modo mais consciente ou menos, tinha também a preocupação de não engrandecer o que era dela. Portanto, de não me considerar maior do que estava na proporção do universo que ela conhecia. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/3/81)
Revista Dr Plinio 138 (Setembro de 2009)
1) Obra central da devoção mariana, escrita por São Luís Maria Grignion de Montfort.
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