Mãe verdadeiramente católica
Comentando algumas das últimas fotos de Dona Lucilia, Dr. Plinio ressalta os aspectos que faziam dela uma verdadeira mãe católica, devota imitadora d’Aquela cuja maternidade divina nobilitou, em todo o universo, a condição de mãe, elevando-a ao plano sobrenatural.
Percebe-se nessa primeira foto mamãe procurando perfurar uma certa névoa da inteligência; ela está aplicando a vista com força. Nota-se aí o vigor de sua personalidade e também a serenidade, a calma.
Entretanto, de dentro do infortúnio, pois ela já estava surda e enxergava com muita dificuldade. Com que ânimo ela procurava ver, examinar as coisas! Ao mesmo tempo, percebe-se um equilíbrio mental e temperamental de primeira ordem. E isso na provação, na dor. É impressionante!
“Ite, vita est”
Para mim — com olhar de filho —, à medida que vão passando essas fotografias, cada uma parece melhor que a anterior. Na foto seguinte1, ela não está aplicando mais a vista, nem a inteligência em nada do que ela ainda não conhece, mas vendo o que ela já sabe e ficou para trás. Ela olha a vida que passou e a que vem. Está tranquilamente entre a vida e a morte, mas com muita dignidade.
Aqui tem alguma coisa que ainda é mais do que o Quadrinho2. Nesse Ite, vita est — à maneira do que o padre diz no fim da Missa: “Ite, Missa est” —, a vida se completou, vivida com dignidade. Foi sofrido o que era o caso de sofrer, mas também já está tudo cumprido; resta apenas dar o último passo.
Ela está olhando para o que passou e um tanto para o que virá também, com muita paz e uma alegria nascida da dor. Não é pura e simplesmente alegria, mas um júbilo de quem contempla as flores do sofrimento colhidas no fim da vida: “Eu sofri isso, sofri aquilo, mas está tudo feito, bem aplicado, bem arranjado. Alguma coisa talvez não esteja bem, mas Nossa Senhora arranjará.”
No Quadrinho ela está representada com mais alegria, como quem ainda não dá a vida como inteiramente acabada. Aqui não, está terminada mesmo.
O modo de o xale estar posto sobre ela dá-nos a impressão de que, de um lado, representa a caudal da vida que foi, e, de outro, o que resta viver.
O cabelo dela não é uma auréola de ouro, mas de prata, que a meu ver lhe fica melhor.
Um sino tocando em louvor a Dona Lucilia
Na fotografia em que olha para o calendário, ela toma essa posição para comprazer quem a está fotografando, porque já estava com a catarata tão adiantada que via muito pouco, a ponto de nem se preocupar mais em usar óculos.
Eu não quis sujeitá-la, nessa idade, a uma operação de catarata, que para ela poderia ser traumática. Julguei melhor deixar assim.
Nota-se, em meio a tudo isso, muita segurança.
As flores lhe eram bem mais visíveis.
Nessa foto em que olha para as flores, percebe-se que Dona Lucilia está tomada por uma tristeza e até um certo desacordo com algo. Parece lembrar-se de alguma coisa mal feita que a desagradou, e ela ainda se encontra no choque de uma luta, a qual, como de costume, era alguma contenda que não lhe saiu melhor, ou seja, a outra parte não cedeu o que ela queria.
Essas fotografias me consolam. Elas nunca teriam sido possíveis se não fosse aquela crise de diabetes que eu sofri3. Porque, estando em convalescença, as pessoas vinham falar comigo e se conseguiu tirar essas fotos.
As pessoas não fazem ideia de quanto eu a queria bem. Era uma miscelânea de muitíssimo afeto e de muito respeito. O respeito que eu tinha a ela era enorme!
Imaginem um jato de luz que bate de frente e inunda um objeto. Assim era o meu afeto por ela. Eu a queria intensamente bem! Não havia em mim intensidade maior possível para querer uma mera criatura humana, depois de Nossa Senhora. E eu lhe manifestava torrencialmente; agradava-a, dizia-lhe coisas amáveis. O tempo inteiro em que eu estava com mamãe, era como se fosse um sino tocando em louvor dela. Não parava!
Meu pai, às vezes, ficava meio enciumado. E então ele lhe dizia, imitando o sotaque português e em tom de brincadeira: “Não te derretas!”
Mas eu percebia que papai queria que eu dissesse alguma coisa para ele. Eu o tratava muito bem, com muita atenção e cortesia. Mas a diferença era enorme! E uma vez ele disse: “É… aqui em casa, papai é tratado muito bem, muito direito… Mas o entusiasmo todo é por mamãe, não é?”
Dona Lucilia tinha um cunhado que ela queria salvar a todo custo. E ela ouvia-me conversar assuntos relativos à Fé com meus amigos, e prestava muita atenção em tudo quanto eu dizia.
Às vezes ela perguntava: “Por que vocês não dizem isto para Fulano?”
Ela julgava, talvez equivocadamente, que ouvindo aquilo o cunhado seria “bombardeado” para o Céu.
O falecimento de seu pai
Um episódio muito doloroso para ela foi a morte do pai4.
Ele viajara a negócios para Santos. Certa manhã, estando em uma loja no centro da cidade, teve um desmaio. O dono do estabelecimento deitou-o sobre o balcão, mas ele já estava desacordado. Levaram-no para a casa de um amigo que morava ali perto.
Ao lado do quarto onde ele se encontrava deitado, estavam várias pessoas conversando, porque a essas alturas começaram a chegar muitos conhecidos. Em certo momento ouviram-no chamar: “Gabriel, Gabriel!”, tratava-se de seu filho mais velho. Este entrou e perguntou-lhe: “Papai, o que o senhor quer?” Ele fez um sinal de que estava indisposto, e morreu.
Mamãe não estava em Santos, mas em São Paulo.
No dia seguinte, o trem com o cadáver subiu para São Paulo para ser feito o enterro.
Ela me contava que estava numa casa, a pouca distância da residência de vovô, esta situada na Alameda Barão de Limeira, onde depois passei grande parte de minha vida.
Ela se aprontou para sair com meu pai e um tio que tentaram conduzi-la, pela distância de meio quarteirão, até a casa onde se encontrava o corpo de meu avô. Mas ela não conseguia andar, tal era seu estado de emoção e tristeza.
Então esse tio disse a papai: “João Paulo, você veja, não é possível levarmos Lucilia até a casa do pai dela, ela não anda! Vamos levá-la de volta para sua residência porque é inútil continuarmos!”
Papai perguntou para ela: “Você quer voltar para casa?”
Mamãe fez um sinal afirmativo, como quem diz: “Não há remédio, eu volto.” Ela nem teve coragem de ver o cadáver do pai. Foi um choque tremendo!
O sorriso e a carícia da Mãe do Bom Conselho
O arquétipo de mãe é Nossa Senhora. Portanto, entre a Santíssima Virgem e todas as boas mães há uma espécie de nexo, por onde, a partir do momento em que Nossa Senhora ficou Mãe, tenho a impressão de que a condição de mãe recebeu um acréscimo que não vem da natureza, mas do sobrenatural, nobilitando-a no universo inteiro. E que todas as mães que conservam alguma dignidade — dentro da tradição católica do ser mãe — tiveram, têm e terão até o fim do mundo uma espécie de superávit além da graça comum, algo mais especial para serem mães inteiramente como devem ser, na linha do que a Mãe de Deus foi. Assim como, pela Encarnação do Verbo, todos os seres humanos adquiriram uma dignidade maior.
O que vou dizer nunca li em teólogo algum — e estou pronto a dobrar a língua, com alegria, diante do ensinamento da Igreja —, mas tenho a impressão de que, a partir do momento em que Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu, as realezas se tornaram mais sagradas, a condição de professor se tornou mais elevada, a de militar mais heroica. E toda a vida humana recebeu um acréscimo sobrenatural, que começou a perder quando a Revolução estalou.
Essa hipótese me agrada enormemente.
Então, quem foi mais exímia mãe tem um nexo especial com Nosso Senhor Jesus Cristo e com Nossa Senhora. E quanto mais extraordinariamente tenha sido mãe — num sentido simbólico, mas também vivo da palavra —, essa participação com o Coração materno de Maria lucrou alguma coisa. E isto era muito intenso em Dona Lucilia.
A respeito da imagem de Nossa Senhora de Genazzano, sempre tive a seguinte ideia: O que ali está pintado, exprimindo as relações de Nosso Senhor com Nossa Senhora, é uma espécie de consonância e de intimidade tais que Eles nem precisavam falar. Estavam sempre meditando e consonando numa mesma direção. Ela O carrega e Ele se deixa carregar por Ela, com uma naturalidade que representa o amor da Mãe e do Filho de um modo admirável, arquetípico.
É assim que a Mãe perfeita ama o Filho Divino. E todo o amor de filho para mãe e de mãe para filho, de algum modo se repete dessa forma, em graus diferentes. Porque, a partir do momento em que Ela se tornou Mãe, houve esse aperfeiçoamento.
Lembro-me bem do sorriso e da carícia de Mater Boni Consilii quando recebi aquela comunicação5, em 1967. Depois daquele fato, passou-me pela mente esta ideia: Como o amor de mamãe é parecido com o d’Ela, embora com diferenças de grau insondáveis!” v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/8/1987)
Revista Dr Plinio 196 (Julho de 2014)
1) Fotografia que serviu de base para a pintura do Quadrinho.
2) Quadro a óleo, que muito agradou a Dr. Plinio, pintado por um de seus discípulos, com base em uma das últimas fotografias de Dona Lucilia. Ver Revista Dr. Plinio n. 119, p. 6-9.
3) Ver Revista Dr. Plinio n. 21, p. 17 e n. 84, p. 7.
4) Dr. Antonio Ribeiro do Santos, falecido em 12/11/1909.
5) Ver Revista Dr. Plinio n. 21, p. 17; n. 83, p. 4 e n. 84, p. 7-9.
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