Mútuo amor “em Jesus e Maria”
Alma afeita à admiração, Dona Lucilia tinha como ponto ápice de suas cogitações o Sagrado Coração de Jesus, para o Qual elevava continuamente seus pensamentos e preces, ao longo do “silêncio recolhido” em que vivia, sobretudo nas últimas fases de sua existência terrena. Dessa adoração ao Divino Redentor defluía o amor materno que tanto a unia a seu filho. Eis algumas recordações de Dr. Plinio.
A verdadeira admiração nasce de uma aspiração e de um anelo retos. Quando essas disposições existem numa alma, ela sente o desejo de conhecer aquilo que é bom, no sentido moral do termo. Não se trata, portanto, de querer coisas deleitosas, mas de se agradar com aquelas que são moralmente boas. E ao conhecê-las, presta-se atenção nelas; à medida que a atenção se intensifica, a pessoa vai ficando admirada.
O que significa admirar? Mirar é olhar; ad, para. Admiração é um estado de alma que temos em relação a algo ou alguém que julgamos digno de nossa consideração e para o qual nos comprazemos em olhar.
Alma admirativa
Ora, no convívio com mamãe, era-me dado notar um aspecto de sua personalidade, por onde ela deitava sobre as coisas que se passavam ao seu redor um olhar ao mesmo tempo quase indefinível e sereno. Havia horas em que ela permanecia quieta, meditando, percebia-se que seu espírito pairava em cogitações mais elevadas. Via-se que, nesses momentos, ela não pensava em assuntos terrenos, a não ser na medida em que estes conduziam a reflexões mais altas.
Nesse sentido — portanto, na melhor acepção do termo — mamãe era uma pessoa admirativa.
O Sagrado Coração de Jesus, ponto máximo de atração
O ponto de atração da admiração dela era, por excelência, Nosso Senhor Jesus Cristo, antes de qualquer outra coisa, de tal maneira Ele é único e incomparável.
Com os olhos da fé, mamãe olhava para Ele e se regalava largamente. Em casa havia duas imagens do Sagrado Coração de Jesus, uma no quarto dela e outra no salão. Mamãe se punha diante de uma dessas duas imagens durante suas demoradas preces, e para elas fitava com muita admiração. Quer dizer, mirava para, e se sentia que, quanto mais olhava, mais seus pensamentos se alçavam a considerações sobre as infinitas perfeições d’Ele. Donde, nesse meditar, ela possuir elevações de alma que subiam sempre mais, no silêncio recolhido e isolado em que vivia.
A recompensa por tanto sacrifício e doçura
Constatei, aliás, que em certo momento da vida dela deu-se este fato: enquanto o isolamento e a incompreensão em torno dela cresciam, mamãe sentia que suas boas aspirações de alma, ignoradas pelos homens mas conhecidas por Deus, pela misericórdia do Sagrado Coração de Jesus também cresciam. E que, embora isolada, ela se sentia amada por Deus e tinha nisso a sua recompensa.
Há uma promessa de Deus na Escritura, dirigida a Abraão, mas aplicável a todos que O servem: “Serei Eu mesmo a vossa recompensa demasiadamente grande” (Gn 15, 1). Essa frase — que me parece revestida de uma sonoridade melodiosa — dita em latim é ainda mais bela: “Noli timere, Abram! Ego protector tuus sum, et merces tua magna erit nimis”. “Serei a mercê vossa grande demais”, “magna nimis”.
Pois creio não cometer exagero em dizer que o Sagrado Coração de Jesus foi, durante a vida de mamãe, a recompensa grande demais que ela teve pelos sacrifícios que suportou, pela generosidade que manifestou em relação a todos, pela bondade e doçura invariáveis que a caracterizaram. E pelo resignar-se àquele isolamento com um estado de alma tranqüilo, mas lúcido e inteligente, pelo qual media e pesava todas as coisas como deviam ser pesadas e medidas.
Observado com justiça e amor
Nesta paz e serenidade se dava também o relacionamento dela comigo. Eu me sentia objeto de contínua observação por parte de mamãe, porém observado com justiça e amor. Notava que ela me queria bem, não só por ser filho dela e lhe fazer todo o bem que pudesse, mas, sobretudo, porque eu era católico apostólico romano, com a mentalidade que tenho e da qual ela gostava imensamente.
De maneira tal que nossa união de almas, antes de ser o vínculo natural e necessário entre mãe e filho, era entre católico e católica, entre filhos da Santa Igreja.
Cumpre dizer, se é verdade que ela me observava muito, é igualmente verdade que eu a analisava não menos, e, provavelmente, ela se sentia observada por mim. Contudo, compreendia que dessa análise filial jorrava admiração, veneração e ternura. Dona Lucilia tinha consciência desse meu grande carinho para com ela, oriundo não só do fato de ela ser minha mãe: havia outro elemento, mais possante do que esse, o qual me levou a fazê-la passar por algo a que um bom filho, na maior parte dos casos, não ousaria submeter sua mãe.
Dona Lucilia passa por um “teste”
A fim de me convencer das boas disposições de alma de Dª Lucilia, resolvi testá-la. Certo dia em que almoçávamos na sala de jantar de nosso apartamento da Rua Alagoas, mamãe, como de costume, distendia-se em olhar pela janela que dava para o arvoredo da Praça Buenos Aires, cuja beleza muito a encantava. Conversávamos sobre uma coisa e outra e, em dado momento, mudei bruscamente de assunto, referindo-me ao nosso vínculo de alma como fruto da nossa filiação à Igreja Católica. Pela atitude dela, certifiquei-me de que mamãe pensava do mesmo modo.
Portanto, ela sabia bem que eu a queria, sobretudo, pela razão maior de pertencermos ambos à Santa Igreja Católica. Como significava também que ela me queria por idêntico motivo. Sermos membros da Esposa Mística de Cristo: este era o alicerce do nosso recíproco amor materno e filial.
Um amor, portanto, em Jesus e Maria. Quer dizer, um pálido reflexo do amor que uniu Nosso Senhor e sua Mãe Santíssima, e, dessa sorte, algo inteiramente bom, santo e como deve ser. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 2/7/1994)
Revista Dr Plinio 128 (Junho de 2008)
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