Apresentação
“Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra?”1 A pergunta da Escritura pode ser formulada a respeito de qualquer pessoa neste vale de lágrimas2, e sempre deve ser respondida por uma afirmativa categórica, mas torna-se particularmente carregada de sentido, ao considerar a história de Plinio Corrêa de Oliveira.
No Volume I das Notas Autobiográficas de Plinio Corrêa de Oliveira, o leitor pôde constatar o quanto a primeira infância desse grande líder católico foi marcada pela alegria inocente e despreocupada. A contemplação enlevada da ordem do universo, da Igreja Católica e da Civilização Cristã; o convívio afetuoso, nobre e respeitoso com seus familiares e, de modo especial, com sua bondosa mãe, Dª Lucilia; tudo concorria para dar ao pequeno Plinio uma existência paradisíaca, testemunhada por suas próprias palavras: “Eu fui um menino enormemente feliz! Profundamente feliz! Quase angelicamente feliz!”3
Já no segundo volume desta coleção o panorama se apresenta mudado. A constatação da existência do mal na sociedade de seu tempo, e não apenas de um mal qualquer, mas da maldade universal, avassaladora e progressiva, que mais tarde ele denominaria de “processo revolucionário”, começa a projetar sombras na felicidade luminosa e prateada daquele menino. Essa nova situação, entretanto, não é para ele motivo de hesitação ou de dúvida. Nos primeiros embates com a mentalidade moderna, ateia e materialista de tantos dos seus colegas, amigos ou conhecidos, a decisão tomada é imediata e irrevogável: “Aconteça o que acontecer, vou destoar deste mundo! Serei a favor da compostura, da pureza, da hierarquia e da Igreja, ainda que no futuro tenha de ser o último dos homens, isolado, desconsiderado, objeto de escárnio, pisado, esmagado e triturado. E a minha atitude está tomada para todo o sempre!”4
Nestas páginas, o leitor verá desenrolar-se a epopeia desse menino que, entre os anos de 1920 e 1922, irá entrando resolutamente na fase da adolescência. O sofrimento, a decepção e o isolamento acompanham seus passos, e a luta contra as tentações se torna rija, mas a sua determinação continua inabalável, e se fortalece com o passar dos dias e dos meses: ele manter-se-á fiel aos Mandamentos da Lei de Deus e a toda a visualização do universo que sua inocência batismal lhe desvendara.
Em meio às pugnas pela fidelidade, carregando “uma cruz enorme e desproporcionada”, e sofrendo “tanto quanto um menino pode sofrer” – segundo suas próprias expressões –, Plinio dá início ao seu apostolado no colégio, com vigorosas tentativas de atrair os colegas para o campo da virtude e do bem, e de subtraí-los à influência revolucionária que vai dominando o mundo. Desse enorme esforço, um impactante resultado marcará a vida de quantos receberam o apelo do pequeno apóstolo: a figura do aluno ostensivamente católico e puro passará a ser entre eles considerada e respeitada.
Neste volume, o leitor terá também a oportunidade de conhecer, em seus pormenores, um dos momentos mais decisivos da vida de Plinio Corrêa de Oliveira. De modo inesperado, sentindo-se naufragar após uma angustiosa aventura, ocasionada por certa nota de comportamento em Geografia, dá-se o grande encontro de sua vida. Aos pés de uma imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, o jovenzinho lança um brado pedindo socorro: “Salvai-me, Rainha!” E a Rainha o salva, sem nenhuma visão ou aparição, mas comunicando-lhe “uma luz e um sorriso” no fundo da alma, e parecendo dizer-lhe: “Meu filho, eu faço contigo uma aliança: jamais te abandonarei!”
Muitas facetas dessa personalidade ímpar brilharão ao longo destas páginas: entre outras, os primeiros enlevos com o dogma da infalibilidade pontifícia, as proveitosas reflexões sobre as revoluções que abalaram o Ocidente cristão, o amor à sublimidade da nobreza e à sadia simplicidade do povo e, de modo particular, a descrição feita pelo próprio Autor sobre um precioso dom com o qual a Divina Providência quis galardoá-lo: o discernimento dos espíritos.
Mesmo quem já ouviu narrar inúmeros fatinhos sobre a infância e a adolescência de Dr. Plinio, ao percorrer este volume terá a impressão singular de contemplar um panorama novo, grandioso e, ao mesmo tempo, inabarcável pela simples vista humana: o esplendor de uma alma especialmente amada por Deus, a qual, sob a ação da graça, soube desde a infância corresponder a esse amor, sem conformes, adiamentos ou meios-termos, com um coração inteiramente puro.
Assim, a história de um menino, que viveu nas primeiras décadas do século XX e foi sempre fiel a seu ideal ao longo de toda a existência, parece ecoar as palavras de um grande Pontífice no amanhecer do século XXI, dirigindo-se à juventude do mundo inteiro:
“Faz parte do ser jovem desejar algo mais do que a vida cotidiana regular de um emprego seguro e sentir o anseio pelo que é realmente grande. Trata-se apenas de um sonho vazio que esvaece quando nos tornamos adultos? Não, o homem é verdadeiramente criado para aquilo que é grande, para o infinito. Qualquer outra coisa é insuficiente”5.
1 Jó 7, 1.
2 Da oração Salve Rainha, muito cara a Dr. Plinio: “A Vós suspiramos, gemendo e chorando, neste vale de lágrimas”.
3 Cf. Volume I desta coleção, p. 217.
4 Cf. Volume II desta coleção, p. 531.
5 Bento XVI, Mensagem para a XXVI Jornada Mundial da Juventude, Vaticano, 6 de agosto de 2010.
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