Órgão – “penumbra sonora”
O órgão tem esta coisa maravilhosa: é uma “penumbra sonora”, feita exatamente de som e silêncio. Porque, ainda que soe com todos os registros, o órgão tem dentro de si qualquer coisa de aveludado e silencioso, que é um dos seus melhores charmes, e que mais casam com a penumbra visível da Igreja. Assim é o misto de silêncio e som que há no órgão.
O instrumento de todas as inocências
Entretanto, o órgão quase não comporta a descontinuidade sonora total. Aquele som vai e vai… Sempre mantendo uma harmoniosa ligação com os sons anteriores.
A pessoa que, a partir de um instrumento rudimentar, deu ao órgão as características que conhecemos hoje, poderia ser chamada de “profeta” em matéria de música.
A meu ver, o órgão tem isto de fabuloso: há nele registros que remetem diretamente para o mais admirável da inocência e que fazem dele, quando bem tocado, o instrumento de todas as inocências.
Se fôssemos falar propriamente da inocência na sua maior abertura de asas, deveríamos imaginá-la como um órgão. Ela transforma a alma do homem num instrumento capaz de tocar todas as músicas, à maneira do órgão.
Assim, enquanto não conseguirmos fazer sair das profundidades de nosso ser, não a catedral “engloutie”(1), mas o órgão “englouti”, não teremos feito nada.
Toda alma tem, com variantes, um “órgão metafísico” para tocar em função do universo, e a descoberta desse “órgão” é o fim da nossa vida. Quando descobrirmos isso, estaremos prontos para o Céu. Isso se refere, inclusive, ao escopo da vida de piedade.
Representações sensíveis de Deus
A Santa Igreja tem algo por onde ela relaciona os homens à maneira dos tubos de um órgão. Por isso, a Igreja Católica, bem constituída e vista na sua inteira normalidade, pode ser comparada a um imenso órgão ou a um imenso vitral, porque o vitral faz com as cores o que o órgão realiza com os sons; é o mesmo princípio aplicado em matéria cromática.
Trata-se, portanto, de formar uma visão da ordem temporal sacral, dentro da ordem do universo na qual o homem se encaixa, iluminado por este “lumen uno” da Igreja, que ela soube exprimir através do órgão e do vitral, mas que é um estado de alma, uma supra virtude, uma superposição de temperamento, que eu tenho a impressão de que é uma das graças, das mais genuínas, do Espírito Santo.
Em Pentecostes uma chama baixou e depois se dividiu em várias línguas de fogo. Assim também, o “unum” dessa graça estaria nessa chama originária, que depois se transformou nos vários tubos de um órgão ou nas várias cores de um vitral. É a regra da reversibilidade entre unidade e variedade que está aqui refletida. Variedade levada até quase ao infinito, partindo de uma unidade que se desdobra em guirlandas sem se depauperar em nada.
E, a bem dizer, com uma semelhança estupenda com Deus, que sem Se empobrecer e sem Se cansar em nada, no fulgor de sua glória, cria. Também esse “unum” não se exaure, não empobrece, até se alegra em emitir de dentro de si as mais valiosas variedades, sem sofrer o menor abalo. Quase o motor imóvel de tudo o que ele mesmo pôs em movimento.
Este é o “unum” do órgão, que é o mesmo do vitral: são representações sensíveis de Deus, motor imóvel.
O órgão tem uma forma de beleza própria à polifonia, diversa da beleza austera do cantochão. Entretanto, o canto gregoriano e o órgão não se contradizem, ambos são sublimes. Enquanto o gregoriano afirma: “vaidade das vaidades, tudo não é senão vaidade”(2), o órgão parece dizer: “harmonia das harmonias, tudo não é senão harmonia”.
Por outro lado, vejo no órgão o mesmo que na ogiva e em outras coisas da Idade Média: uma ordem magnífica.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 6/4/1978 e 16/11/1979)
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