Palácio de seriedade materna
Segundo a mentalidade revolucionária, a seriedade faz o papel de algemas para o espírito; por isso, é preciso passar a vida brincando. Bem o contrário disso era Dona Lucilia. Convivendo com ela, percebia-se a superioridade, o senhorio e as suavidades da seriedade.
O papel de mamãe em incentivar minha apetência pelo maravilhoso, pelos absolutos, verificou-se mais por seu modo de ser do que pelas palavras. Certamente teve muita importância o que ela dizia, mas isso servia mais para explicitar e corroborar o que ela era, do que pelo valor conclusivo de suas palavras.
Bem-estar na seriedade
É preciso tomar em consideração que Dona Lucilia era uma dona de casa. E acabou tendo um filho superanalítico e superamigo de esgravatar as coisas: “Como é? Como não é? Por quê? Que relação tem tal coisa com tal outra?” Tudo muito explicitamente. É normal; o feitio espiritual masculino é diferente do feminino. E eu gosto de ir ao fundo dos problemas, explicitando como eles se vinculam, se articulam, analisando-os e procurando elaborar um quadro geral. É o pendor de minha alma.
E as palavras cheias de sabedoria e de afeto que ela dizia, analiticamente não possuíam um valor nem a matéria-prima para isso. De maneira que um conselho dela tinha toda a suavidade, toda a importância do conselho de mãe, mas não o alcance da flecha atirada que se crava na meta e fica ainda tremendo. É natural!
Nesse sentido, a ação de Dona Lucilia não pode ser comparada, por exemplo, à que tiveram sobre mim os jesuítas. Eu analisava o que eles diziam, assimilava, me apaixonava e pensava: “Agora, está bem. Vamos para frente!”
Então, com mamãe de que modo isso se dava?
Por ser o espírito dela inteiramente voltado para esse absoluto, havia nela certa forma de estabilidade, de continuidade, de seriedade e de bem-estar na seriedade.
Para as gerações posteriores à minha, a palavra “seriedade” soa um pouco como o termo “masmorra”. A seriedade parece uma prisão.
Impostação da alma de Dona Lucilia face ao Absoluto
Mamãe fazia entender que a seriedade era um Céu. Os mil bem-estares do Paraíso eram os aposentos, os palácios da seriedade. Não que Dona Lucilia dissesse isso, mas convivendo com ela percebia-se a superioridade, o senhorio e as suavidades da seriedade. A alma dela era um palácio de seriedade materna, com todo o valor da palavra materna, nem preciso encarecer.
No modo de falar, de andar, no timbre de voz, nas menores coisas isso transparecia com coerência, com harmonia e sem a menor intenção de se fazer notar. Aliás, no “Quadrinho”1 vê-se bem: no modo dela estar ali transparece toda a seriedade, mas também a paciência, a bondade, a dignidade. Mas tudo resultava dessa impostação da alma face ao Absoluto.
É inútil dizer que tudo isso eu notava, e concorreu muito para evitar que argumentos brumosos, lançados pela Revolução contra a seriedade, tomassem corpo no meu espírito: “A seriedade é igual à carranca, à malevolência, à ausência de psicologia, é como algemas para o espírito, não se pode suportar, etc.” Para essa mentalidade, viver ou é brincar ou fica-se sufocado. Portanto, é preciso estar sempre brincando. Mil coisas horríveis como essas, a presença de Dona Lucilia já descartava como pressupostamente erradas.
O papel da dor
Esse bem-estar da seriedade e da virtude ela levava mais longe ainda, apresentando-o dentro da dor. Porque o aspecto pelo qual a seriedade horripila é por ser um longo corredor à meia-luz, que dá no fundo para um pátio intensamente iluminado, mas que tem no centro a Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Como eu gosto que a cruz exista em nossas sedes: preta e com os instrumentos da Paixão! Porque é aonde a seriedade conduz. Sofre-se e é preciso receber o sofrimento, aguentá-lo sobre os ombros, osculá-lo como Nosso Senhor osculou sua Cruz, e depois carregá-lo.
Isso mamãe fazia de modo exímio, com tanta seriedade, que era uma coisa incrível. Mas uma seriedade tão doce, como se vê naquele quadrinho. É, evidentemente, uma pessoa muito sofrida, mas com quanta suavidade! Eu preferiria um ano desse sofrimento a uma hora de nervosismos contemporâneos.
Compreende-se que eu, muito analítico, se não encontrava nela um pensamento explícito — a não ser em forma muito verdadeira, muito respeitável, mas muito doméstica —, entretanto, presenciava um modo de ser que era o dela.
Ao analisá-la, mas milímetro por milímetro, só encontrava coerência, retidões e luzes. É fácil imaginar como isso pode ter-me influenciado.
Fico contente até os bordos se o que eu acabo de dizer os tiver ajudado a compreenderem como vale a pena sair de dentro do picadeiro de circo de cavalinhos do relativismo, da torcida, dos nervosismos e das brincadeiras, para entrar nos sacrários da seriedade. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/2/1982)
Revista Dr Plinio 186 (Setembro de 2013)
1) Quadro a óleo, que muito agradou a Dr. Plinio, pintado por um de seus discípulos, com base nas últimas fotografias de Dona Lucília. Ver Revista “Dr. Plinio” n. 119, p. 6-9.
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