Prefácio
Caro leitor:
Está em suas mãos um livro que tem muita relação com o Papa. Com efeito, uma das características salientes deste grande pontificado(1) é o significativo impulso dado aos leigos, entusiasmando-os pelo Evangelho e propondo-lhes modelos de santidade entre aqueles que ele próprio tem canonizado ou beatificado.
A presente biografia refere-se a uma dessas pessoas que marcam a História. Dr. Plinio Corrêa de Oliveira costumava afirmar que o maior elogio que lhe poderia ser feito era o de denominá-lo “vir totus catholicus et apostolicus, plene romanus”, varão todo católico e apostólico, plenamente romano. É isso o que ele sempre desejou ser: um eco fidelíssimo da Santa Igreja.
No início de novembro de 1988 tive a grande satisfação de conhecê-lo pessoalmente, na ocasião de sua vinda a Madri. Essa feliz circunstância deu-se em casa da minha família, onde foi calorosamente recebido pelas minhas três irmãs e por mim.
Pude, então, comprovar pessoalmente que a boa impressão que eu já possuía sobre os seus escritos e sobre o que sabia da sua vida encontrava em sua personalidade um eco completamente coerente.
Pouco tempo depois, na primavera de 1994, li com toda a atenção e cheio de admiração a correspondência mantida por ele, durante anos, com sua mãe, Dª Lucilia Corrêa de Oliveira. Isso moveu-me a redigir o prefácio, assinado no dia 29 de junho daquele ano, da primeira biografia dela, publicada em setembro do ano seguinte.
Chega-me agora às mãos a autobiografia de Dr. Plinio, que está sendo preparada por amigos meus, os quais conheço e estimo há muito tempo. À medida em que ia lendo, dei-me conta das graças que o Divino Espírito Santo infundiu na alma de Dr. Plinio, começando pela sua robusta Fé e passando por um grande discernimento dos espíritos e da harmonia que existe entre Deus e a obra da Criação.
Com a leitura deste trabalho, torna-se-me patente que Dr. Plinio caracterizou-se por uma grande devoção eucarística e mariana, assim como por uma particular sensibilidade mística em relação ao Papado e à pessoa do Santo Padre, como também por uma submissão completa à Hierarquia da Igreja.
Tenho muito presente, na minha vida de oração e na Eucaristia, todo o esforço daqueles que trabalham na estruturação desta autobiografia.
Com efeito, por experiência própria, como escritor, sei o quanto custa elaborar, dentro do tão variado – e quase diria exuberante – acervo de conferências por ele realizadas ao longo de tantas décadas, uma autobiografia extraída de tão ampla obra.
Por isso mesmo, prometo especiais orações para que este trabalho, já em adiantada fase de preparação, seja completado com todos os detalhes que ainda possam torná-lo mais atraente e benéfico para aqueles que o lerem.
Estou certo de que, do mesmo modo que a biografia de sua mãe, Dª Lucilia, a autobiografia deste homem verdadeira- mente extraordinário poderá fazer um enorme bem às almas e um grande serviço à Santa Igreja de Deus.
Imploro as graças do Senhor, por intermédio de Nossa Senhora do Rosário, para que este empreendimento chegue a um bom termo; e, para isso, envio a minha bênção sacerdotal.
Madri, 8 de setembro de 2003 — Natividade de Nossa Senhora
1) Este prefácio foi escrito durante o pontificado de João Paulo II.
Antonio Royo Marín, OP, Mestre de Vida Espiritual,
Brilhante Orador e Famoso Escritor
Nascido a 9 de janeiro de 1913 em Morella, tranqüilo povoado do antigo Reino de Valência (Espanha), Antonio Royo Marín era filho de uma família exemplarmente católica.
As sendas da vida que ele trilhará estarão longe de constituir um passeio tranqüilo, rodeado de deleites. Enfrentará ele dificuldades e perplexidades profundas, mas todas iluminadas por sua Fé, amparado pela maternal carícia da graça divina e poderosa proteção da Santíssima Virgem.
Seu pai, Antonio Royo Ortí, dotado de grande talento natural, possuía ampla cultura. Com vigoroso bom senso e grande tino político, foi eleito, em votação popular, prefeito de Morella por sete anos. A ardorosa Fé Católica e, em particular, sua devoção a São José, constituem as melhores recordações que Pe. Royo dele guardou.
Sua piedosa mãe, Dª Isabel Marín Bonell, deu ao mundo nove filhos, logo batizados, dos quais cuidou com desvelo, educando-os com o exemplo de suas virtudes.
Aos quatro anos de idade, a morte vem bater à porta do pequeno Antonio: uma escarlatina o deixa prostrado. Três médicos se veem impotentes em debelá-la e o julgam desenganado. No entanto, graças a uns poucos goles de água de Lourdes e às confiantes e fervorosas orações de sua mãe, o menino recupera inteiramente a saúde.
Após ter feito as primeiras letras com as Freiras da Consolação, cursa ele o secundário no colégio dos Padres Escolápios. Aos oito anos recebe a Primeira Comunhão e, a partir de então, passa a comungar diariamente.
Em certa ocasião, visita Morella um grande orador sacro, o Pe. Calasanz Rabaza, que se hospeda na casa do Prefeito. Surpreendido pela vivacidade do pequeno Antonio, sai a dar um passeio, levando-o como cicerone. E, ao regressar, não pode deixar de felicitar Dª Isabel:
– Senhora, fiquei impressionado com seu filho; tem uma grande inteligência, é superdotado. Se ele se entregar ao mal será terrível; mas, se trilhar as vias do bem, dará muita glória a Deus. Com seus onze anos, ele me fez algumas perguntas filosóficas que me deixaram boquiaberto.
Aos catorze anos, Antonio entra para o curso preparatório da Faculdade de Medicina, em Valência. Pensa seriamente em ser um bom médico.
A vocação o apanha num daqueles dias de estudante, diante de um livro que falava de hidrocarburetos e éteres… De repente – “como um relâmpago”, dirá mais tarde – surge-lhe um pensamento: “Por que não poderei ser médico de almas, em vez de médico de corpos? Por que não me tornar sacerdote?” Fecha imediatamente o livro, dizendo: “Sacerdote acima de tudo!”.
Assim, em 1928, aos 15 anos de idade, retorna a Morella, disposto a caminhar pelas vias que o conduziriam ao altar. Não poderia imaginar que, antes de poder seguir a vocação, passaria por longa prova durante onze anos, dos quais cinco de penosa enfermidade e três outros de violenta guerra civil.
Poucos meses após seu regresso à terra natal, sua família se muda para Madri. Providencialmente, vão morar no “Paseo de la Reina Cristina”, próximo ao convento dos dominicanos de Atocha.
Em breve, Antonio funda, com alguns companheiros da mesma paróquia, a União Católica de Nossa Senhora de Atocha. Dessa plêiade de jovens, celeiro de vocações religiosas, sairão dezessete mártires durante a sangrenta perseguição religiosa que assolará a Espanha. E nessa associação ele se destaca por sua piedade, cultura e dotes de orador.
As assíduas visitas ao convento dominicano são decisivas para o futuro de sua vocação. No entanto, atacado por grave infecção pulmonar, não lhe é possível ingressar logo no noviciado. Enquanto espera, cursa Filosofia no Seminário Diocesano, com notas excelentes.
Em 1936, durante as perseguições da guerra civil, Antonio é injustamente aprisionado. E, certo de que será fuzilado, procura caracterizar o martírio:
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Se, para vocês, é um delito ser católico, não me interroguem, pois eu o sou, e não estou disposto a deixar de sê-lo. Estou pronto para morrer se for preciso!
Atiram-no a um porão escuro. Pensando ser esse o lugar da execução, repete a sua profissão de Fé. E, quando o chamam para ser interrogado, de novo proclama a sua catolicidade. Um dos carcereiros exclama impressionado:
-
Se nos descuidarmos com os sermões deste preso, acabaremos todos na igreja!
Entretanto, em virtude de uma nova e poderosa intervenção divina, é libertado das grades da prisão. E, até o fim da conflagração, a família gozará de uma inacreditável tranquilidade. Afinal, em 1939, quando se restabelece a paz na Espanha, Antonio Royo pode iniciar o noviciado em Santo Estêvão de Salamanca. Após anos de denodada faina intelectual, brilhantemente recompensada, é ordenado sacerdote em 9 de julho de 1944, aos 31 anos de idade, e segue para Roma, onde cursa a famosa Universidade Pontifícia Angelicum, obtendo, em apenas um ano, a licenciatura em Teologia, com máximo louvor (summa cum laude).
Faz o doutorado na Faculdade de Teologia do Convento de Santo Estêvão, do qual era Reitor Magnífico o ilustre Pe. Santiago Ramírez, OP. Defende a tese “Teologia da Perfeição Cristã”, um verdadeiro programa de apostolado. Em função do preceito enunciado por Nosso Senhor Jesus Cristo: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”(1), demonstra com clareza e maestria que o chamado de Deus à perfeição é universal; ao mesmo tempo, pela singeleza de sua explanação, torna acessíveis e atraentes os caminhos que a ela conduzem.
De 1947 a 1950, lança-se pelas estradas da Espanha, a fim de conquistar almas para Deus. Sua oratória conhece tal sucesso que as maiores catedrais não conseguem conter as multidões ávidas de ouvi-lo. São-lhe franqueados então os amplos recintos das praças de touros, lotados de fiéis à procura das ferventes palavras de um verdadeiro filho de São Domingos. Numerosas conversões acompanham suas arrebatadoras prédicas e, sem que jamais ele tenha a intenção de obtê-los, os aplausos o interrompem em todos os sermões.
Não tarda, porém, em receber uma ordem inesperada:
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V. Revª. deve ir para o convento de Santo Domingo el Real. O Padre Provincial mandou chamá-lo.
A obediência o faz assumir a cátedra de Teologia Moral na Faculdade de Santo Estêvão, em Salamanca, onde formará centenas de pregadores. Será professor, sucessivamente, de Teologia Dogmática, Mística e Moral, e Espiritualidade. Ocupará igualmente a cátedra de Oratória Sagrada.
Quinze anos mais tarde, confessará:
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Por disposição de meus superiores, tive de me exercitar um pouco em todos os aspectos da vocação de dominicano: pregador, catedrático e escritor. Todavia, não ocultarei que minha principal propensão sempre foi pela pregação da palavra divina.
Na verdade, o êxito por ele obtido em seu ministério leva seus superiores a lhe conferirem o privilégio vitalício de ser Pregador Geral da Ordem Dominicana, e Diretor de Exercícios Espirituais.
Além disso, a fim de atender, em parte, a seu enorme anseio de falar às almas, a Providência lhe concederá, duran te mais de dez anos, um púlpito de amplíssima audiência. Será diretor das “Conferências Quaresmais”, que a cadeia da Rádio Nacional transmitirá para toda a Espanha. Também são muito importantes, ao longo de sua dilatada e fecunda vida apostólica, as suas atividades de confessor e diretor de almas, beneficiando grande número de religiosos, religiosas e leigos.
Seu zelo apostólico o leva também a Colômbia, Porto Rico e Curaçao, onde participa de grandes missões, e prega retiros a professores universitários e religiosas. Duas vezes viaja à América do Norte, para pronunciar conferências e reuniões sobre a prática da Perfeição Cristã para auditórios lotados.
Ao longo de vinte anos consecutivos em Salamanca, o Pe. Royo ainda encontrará tempo para rever sua tese de doutorado, “Teologia da Perfeição Cristã”. Virá assim a lume seu primeiro livro, editado pela célebre Biblioteca de Autores Cristãos, BAC. E inúmeras outras obras se lhe seguirão, fazendo sucesso pelo mundo, com mais de meio milhão de exemplares publicados, quantidade inusitada em se tratando de livros de caráter estritamente doutrinário. Têm elas o mérito de serem escritas com a profundidade teológica de um catedrático de Salamanca e, ao mesmo tempo, com a didática apropriada para serem entendidas pelo católico comum.
Uma vida toda consagrada ao serviço e à glória de Deus e de sua Santa Igreja bem merecia ser reconhecida pela Santa Sé. A 25 de junho de 1986, o Pe. Royo Marín é condecorado pelo Papa João Paulo II com a medalha Pro Ecclesia et Pontifice.
Mais do que grande intelectual, contudo, foi ele um religioso, sujeito à obediência nas menores coisas. Assim, quando já tinha mais de oitenta anos de idade e cinqüenta de sacerdócio, continuava seu intenso labor apostólico de escritor, pregador e diretor espiritual, mas exercendo também humildes funções como a de sineiro no convento de Nossa Senhora de Atocha, em Madri.
Frei Antonio Royo Marín faleceu em 18 de abril de 2005, no convento dos Dominicanos em Pamplona (Espanha).
1) Mt 5, 48.
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