Serenidade na alegria e na dor
A impostação da alma inocente diante da normalidade da vida quotidiana prepara-a para os momentos de alegria, bem como para os de sofrimento. Assim se dava com Dona Lucilia, serena na alegria, mas também na provação.
Mamãe tinha um temperamento eminentemente sereno. Mesmo quando algo lhe transmitia uma especial alegria, ela não perdia a tranquilidade. Nestas ocasiões, sua reação não era distinta da que ela teria nos dias comuns.
Por exemplo, quando ela verificou minha inteira inocência diante da suspeita de eu ter falsificado a nota do meu boletim no Colégio São Luís1, sua alegria tinha como base motivos razoáveis, não se tratando de uma reação meramente instintiva.
Assim, nos momentos de alegria, ela hauria esta serenidade que depois se estendia para os momentos de dor e sofrimento. Pois ela amava Nosso Senhor Jesus Cristo, e se Ele tanto sofreu sem nunca reclamar, conservando inteira serenidade, também ela deveria ser desta forma.
As pequenas alegrias preparavam-na para conservar a serenidade diante da dor
Desta forma, todas as suas pequenas alegrias ao longo de cada dia preparavam-na para conservar-se serena diante de sofrimentos futuros.
Por exemplo, num dia comum, agradável e tranquilo — como era normal na São Paulinho daqueles tempos —, ao aproximar-se a hora de meu retorno do colégio, ela sempre ficava um pouco preocupada, com receio de que me acontecesse algo pelo caminho. Sobretudo por ser eu um pouco distraído, ela temia que um automóvel me atropelasse. Por isso, ela permanecia no terraço andando um pouquinho e tomando ar, muito serena, apesar de preocupada.
Em certo momento, ela via o portão se abrir e eu entrar. Quando eu percebia que mamãe estava lá, tirava o chapéu e a cumprimentava, depois ia correndo falar com ela. Mas, às vezes, eu não a via e entrava direto. Nestas ocasiões, creio que ao me ver entrar, ela deveria sorrir serenamente e dizer: “O meu filhão chegou.” Era um fato inteiramente normal, mas ela o vivia dentro de uma atmosfera religiosa, a qual fazia de minha simples chegada uma causa de felicidade para ela. Nestas alegrias suaves e tranquilas, ela encontrava a serenidade e a paz para sua alma.
Assim, quando eu chegava junto dela, não encontrava nenhum resquício da preocupação que tinha há pouco, pois a primeira impressão de minha chegada bastava para a tranquilizar. E, aproximando-me dela, ela dizia suavemente: “Filhão, como vai?” Isto me dava muito agrado, e eu o manifestava de forma truculenta, beijando-a e abraçando-a muitas vezes, sem me preocupar com o modo de fazê-lo…
“Sua serenidade me tranquilizava”
À noite, quando minha irmã e eu já estávamos dormindo, Dona Lucilia passava pelo quarto de Rosée e depois pelo meu, e fazia várias cruzinhas em nossas frontes, pedindo a Deus que nos abençoasse.
Algumas vezes, acontecia de eu acordar nessa hora, mas, ainda que eu não despertasse inteiramente, percebia tratar-se de mamãe; então, dormia ainda mais contente e tranquilo, por saber que aquela serenidade havia pousado sobre mim.
Assim era Dona Lucilia: suave e afetuosa, até mesmo à noite!
Calma e serenidade em meio aos dissabores
Mamãe conservava esta serenidade até mesmo nos momentos mais difíceis. Em todas as dificuldades, ela nunca se portava com agitação ou torcida.
Depois do primeiro impacto de um revés qualquer, ela pensava um pouco e dizia: “Bom, eu vou fazer isto, falar aquilo, resolver de tal forma.” Planejava tudo, e depois, com toda a tranquilidade, começava a execução do plano.
Naturalmente, à medida que fui ficando mais velho, ela foi se abrindo mais comigo, e passou a contar-me muito dos dissabores que ela teve durante a vida, contava-me também como eram os planos que ela fazia para solucionar estas dificuldades.
Eu achava os planos dela muito bem calculados, bem feitos. Certamente, isto se devia ao fato de serem concebidos na serenidade e na calma, com base na fé e numa razão muito equilibrada e direita. Eles me causavam muito contentamento.
Contrastando o temperamento de minha mãe com o difundido por Hollywood, eu assimilei o dela, e me habituei a passar pelos mais terríveis revezes com a tranquilidade e a serenidade que eu via em Dona Lucilia.
Este estado de espírito, no fundo, era uma plena confiança em Deus, que a levava a pensar o seguinte: “Por mais que nos advenham os piores infortúnios, Deus permitiu, e, portanto, é para o nosso bem. Estes sofrimentos são o ornato da vida.”
Assim ela via o sofrimento, com inteira serenidade, sabendo que tudo acontece por uma razão mais alta que está em Deus.
Jesus sofredor, modelo de serenidade seguido por Dona Lucilia
Para conservar esta serenidade, creio que concorriam as Vias Sacras que ela rezava na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, diante de estações não muito artísticas, porém sérias e piedosas. Em cada uma das estações está representado um sofrimento de Cristo durante sua Paixão. Em todos eles, Nosso Senhor é apresentado com uma enorme serenidade e tranquilidade, por mais que sejam enormes seus sofrimentos. Ele sofre, sabendo que tem de sofrer, e por isso não toma aquilo como sendo algo extraordinário e inconcebível.
Contudo, foram tais os sofrimentos de Nosso Senhor, que nós não podemos sequer imaginá-los. Tomemos, por exemplo, o estudo realizado por um médico francês, Dr. Pierre Barbet, sobre o Santo Sudário de Turin.
Um dos pontos analisados pelo afamado cirurgião foi a posição de Cristo na cruz. Um prego Lhe atravessava — de uma só vez — os dois pés; outros dois, um em cada punho, prendiam-n’O à Cruz. Caso Ele quisesse apoiar-se mais nos pés do que nos braços, para assim aliviar um pouco a dor, seus pés seriam rasgados; por outro lado, se Cristo tentasse aliviar a dor de seus pés, sustentando o corpo unicamente com os braços, seus pulsos seriam rasgados.
Em meio a todas estas dores, Ele permanece calmo, analisando os dois ladrões crucificados a seu lado. De repente, um começa a blasfemar; o outro, vendo-O se converte e começa a defendê-l’O. E Nosso Senhor promete-lhe: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso.”2
Donde vemos que, apesar de todos os padecimentos que Lhe eram impostos, Cristo mantinha a certeza de que aquilo iria terminar, e sua missão seria cumprida.
Olhar sereno que infundia serenidade
Assim era a serenidade de Nosso Senhor neste terrível passo da Paixão. Frei Pedro de Cristo, ao compor uma canção que diz “Ojos claros serenos, si pues morís por mi, miradme al menos — olhos claros serenos, se morreis por mim, olhai-me pelo menos”, acertou enormemente. Pois, de fato, se Aquele que, em meio a tantos sofrimentos, conservou tal serenidade, pousasse o olhar sobre alguém, isto bastava para infundir-lhe a mesma paz.
Mamãe, que tantas vezes vi diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus, olhando-O durante longas horas, talvez tenha recebido d’Ele um olhar, que bem pode ter sido a causa de haver nela tanta serenidade. Algo semelhante dava-se com Dona Lucilia: quem se aproximava dela recebia algo desta serenidade que, em última análise, vinha de Cristo Nosso Senhor. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/03/1995)
Revista Dr Plinio 147 (Junho de 2010)
1) Conferir Dr. Plinio, nº 122, página 18.
2) Lc. 23,43.
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