O Batismo, “lumen” da vida
O Batismo, “lumen” da vida
É costume brasileiro festejar a data em que a pessoa nasceu, mas o costume em muitos países da Europa é de festejar a data de seu patrono. Eu tenho impressão de que nenhum costume será mais adequado para o Reino de Maria do que o de festejar a data do Batismo, exceto quando a pessoa tenha nascido numa festa de Nossa Senhora.
O fim do homem
A razão disso está em que o ser de uma pessoa lhe vem no dia em que ela nasce, em que o processo da constituição de seu ser se conclui. Mas na realidade o ser de uma pessoa tem determinado fim: nós nascemos para conhecer, amar e servir a Deus nesta Terra e dar-lhe glória no Céu.
E o modo pelo qual o homem se encaminha para isso é por meio do Batismo, em que ele penetra na Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, como membro, e enquanto tal é elevado à ordem sobrenatural, e enquanto tal é convidado para o mais alto cume da santidade, do heroísmo, da grandeza de alma, e enquanto tal portanto, se abre para ele o caminho que é a razão de ser dele nascer.
Analogias com um homem não batizado
O homem que não se batiza seria como um relógio que nunca funcionou, que existiu muitos anos na Terra, mas nunca marcou uma hora, nunca foi consultado por um olhar, nunca deu o som indicando que algo se tinha passado.
É como um barco melancólico fabricado num estaleiro, mas que nunca foi molhado pelas águas do oceano, e fica se empoeirando e se enchendo de insetos na obscuridade.
Seria como um pássaro aleijado e infeliz que nunca voou e que apenas andou pela terra. Pode até ter traçado nela o caminho reto; não tendo voado, ele não é nada.
Essas comparações exprimem o infortúnio, a infelicidade daquele que não foi batizado.
O que acontece com uma pessoa no ato do Batismo.
Se uma pessoa ao ser batizada pudesse ter noção do que se dá com ela, se ela pudesse ver o que ocorre com ela, eu tenho impressão de que sem um auxílio especial da graça ela desmaiaria, ou ela perderia a vida, de alegria.
A pessoa vive de sua vida natural. No ato do Batismo, pelo efeito do sacramento, Deus infunde naquela pessoa um dom criado que é a graça, mas é um dom que participa da própria vida de Deus e, por esta forma a pessoa é elevada a um nível como o maior rei, imperador ou gênio da História, o homem mais glorioso, não poderia ser elevado por sua própria natureza, nem pelos seus méritos.
Nenhuma glória mundana se compara com uma criança que é levada à pia batismal
Nós poderíamos imaginar um guerreiro impávido que atravessasse, por exemplo, toda a Ásia de ponta a ponta e que saiu dos desertos gélidos da Sibéria, cortou a Ásia em diagonal e foi sair no Mar Vermelho, vencendo povos, derrubando estados, erguendo principados, instituindo coroas, suscitando o gênio de artistas, de músicos, de engenheiros, de arquitetos, para realizarem grandes obras que perpetuem a lembrança dos feitos militares dele.
Tudo isso, digamos que fosse bem recebido por todos os povos jugulados e posto em admiração diante de tamanho herói e ele recebesse então, a honra tributada a ele por todos os povos que avassalou. É difícil um homem receber a homenagem e a honra daqueles a quem ele avassalou: honra espontânea, homenagem autêntica. Que glória ele poder dizer: “Eu os venci, mas eles reconheceram a minha grandeza, e minha grandeza se ergue hoje, ainda em meus dias, como um monumento e um marco na história”. Que glória!
Como isso não é nada em comparação com uma criança que, sem mérito, é levada à pia batismal e sobre ela o padre aspergindo água benta, diz: “Eu te batizo em nome do Padre, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém”.
É uma criança que por assim dizer deu apenas os seus primeiros vagidos, não conheceu o mundo externo, não sabe, não identifica nem os que lhe são próximos.
O ideal do Batismo é que a criança seja batizada no mesmo dia em que nasceu. Ela está portanto, como uma semente para a vida e já ali, sem nenhum mérito a não ser o mérito daquilo que ela não fez, mas que Alguém infinito fez por ela, essa criança recebe a água sagrada sobre a fronte e ouve as palavras que não entende: “Ego te baptizo in nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen”.
E há uma operação simultânea das Três Pessoas da Santíssima Trindade enquanto o padre diz essas palavras. No Céu, as Três Pessoas da Santíssima Trindade atuam simultaneamente e comunicam a graça para aquela criança e transferem essa criança para a ordem daqueles que vivem da graça e pertencem ao Corpo Místico de Cristo.
Nosso Senhor Jesus Cristo conquistou para nós a graça do Batismo
Por que tamanho prêmio para quem nada mereceu? Por que uma tal dádiva para quem não fez nada?
Pelo simples fato, mas que fato! É um tal fato que se poderia dizer que é quase o único fato da História! O fato supremo de que o Verbo se fez carne e habitou entre nós, nas entranhas puríssimas da Virgem Maria, padeceu e morreu sob o poder de Poncio Pilatos para nos redimir, ressuscitou e subiu ao Céu. É uma concatenação de fatos que são de longe o píncaro da História, mas de longe a perder de vista.
No momento em que Ele do alto da Cruz disse “Consumatum est”, e tendo inclinado a sua cabeça, entregou sua alma. Nesse momento Ele passou por esse tormento especial da hora em que a alma se separa do corpo quando o ser humano sofre um estraçalhamento insondável, uma ruptura tremenda, uma dor atroz. E a alma é transportada para o Céu ou jogada no Inferno. Pois bem. Ele quis passar por essa dor depois de todas as dores pelas quais Ele passou.
E naquele momento em que Ele remiu o gênero humano, Ele conquistou para nós a graça do Batismo. E para todos os que forem batizados até o fim do mundo, pelo mérito dEle do qual não participamos por nenhum feito nosso, pelo mérito dEle aconteceu isso conosco: essa participação da Vida Divina que foi inoculada em nós nessa hora magnífica.
A alegria de ser batizado
Se um homem adulto tomar um conhecimento experimental do que se passa com ele no Batismo, ele ao pé da letra, morreria de alegria, ele não agüentaria, ele se desfaria de alegria quando notasse isso.
Tomem ateus ou homens que não tenham a Fé Católica, que nasceram fora da Fé Católica, que passam às vezes a vida inteira em provações, em lutas, em dificuldades dilacerantes, em riscos terríveis, etc. para chegarem a conhecer a Igreja Católica, e se converterem.
No momento em que eles recebem o dom da Fé, em que eles creem que a Igreja Católica é divina e que todo o conteúdo da Revelação é veraz, eles se emocionam tanto que se ajoelham, eles osculam o chão, eles cantam, eles não cabem em si de satisfação. Eles entraram na Igreja Católica.
E como que uma alma nova vem se acrescentar à alma deles, uma mente nova acrescenta-se à mente deles. É o dom da Fé que nenhum homem por sua própria natureza pode ter. O homem por mais inteligente que seja, ou por melhores que sejam as provas que ele tenha de que a Religião Católica é verdadeira, essa adesão da alma ao que a Igreja Católica ensina, sem a graça ele não a pode dar.
O ato de Fé é dado por uma graça. Padre que levou a abnegação até o último ponto.
Há um fato emocionante que se deu na Polônia. Um padre santo converteu um cismático ou protestante. A pessoa era um grande sábio e um grande intelectual e ele disse ao padre: “Padre, eu acho que o senhor demonstrou inteiramente tudo quanto o senhor disse, e está provado que a Religião Católica é verdadeira. Mas eu não creio que ela seja verdadeira, porque eu me sinto incapaz de dar esse ato de adesão que eu sei que é racional. Eu não creio”.
E o padre deu esta resposta: “Meu filho, é isto mesmo que a Igreja Católica ensina de si mesma. Que todas as provas que Ela dá de si podem eliminar obstáculos à fé, mas não determinam o ato de fé. O ato de fé tem que ser dado por uma graça e essa graça é preciso obter. Pois para convertê-lo eu ofereço a Deus o seguinte: que a noção claríssima de que a Igreja Católica é verdadeira se apague em mim, com a condição de eu não perder a fé, e assim eu conquistar a sua alma e passar para sua alma a graça que eu tenho.(!)
Isso é levar a abnegação de si mesmo ao último ponto. E ele mesmo, o padre, depunha que em ato contínuo o outro se converteu. E na cabeça dele, embora soubesse que a Igreja Católica era verdadeira, e não tivesse perdido a graça, nem perdido a virtude da fé, ele por assim dizer não sentia mais a virtude da fé. Era um paredão. Transformou-se em opaco depois de admiravelmente luminoso [até esse dia]. E a coisa foi carregada até um dos dois morrer.
O papel admirável da graça. O dom da Fé nos é dado simplesmente pelo Batismo.
Aquilo que os outros conseguem depois de batalhas tremendas, depois de exigir de um santo um sacrifício desses que é de arrepiar, eu acharia muito mais fácil ir como o Padre Damião à Ilha de Molokai tratar de leprosos e me contagiar de lepra, do que passar por essa prova.
Entretanto, esse dom da fé nos é dado simplesmente pelo Batismo. Isso porque Nosso Senhor quis morrer na cruz, Nossa Senhora como co-redentora do gênero humano quis que Ele morresse e deu o consentimento dEla. E por essa dor infinitamente preciosa dEle e insondavelmente preciosa dEla, o gênero humano foi resgatado. E assim, milhões e milhões de homens começam a vida onde para outros é glória acabada.
Quem de nós não admiraria um homem que depois de uma vida inteira obteve a graça da fé? Esse píncaro que admiramos é o ponto de partida do alto do qual somos chamados a subir.
Daí compreende-se o que é para um homem a data de seu Batismo quando ele reflete sobre o fato com olhos de fé. A questão não se põe apenas assim. Ela vai um pouco mais longe.
A criança batizada tem uma agilidade na alma por onde ela crê com naturalidade.
Os senhores não viram [ainda]uma criança a quem se ensine o Catecismo e que comece a pedir provas. Por que isso? É porque confere tão bem tudo quanto lhe é dito da Religião Católica com uma certa retidão que ela tem e que resulta do Batismo, que a alma dela e os dados da fé entram numa consonância imediata. A pessoa aceita a fé como quem aceita o ar nos pulmões, sem pedir provas, sem discutir nada.
A mãe conta para a criança: “O Menino Jesus nasceu numa manjedoura. Naquela noite os Anjos cantaram e os pastores O viram. São José estava ali perto e entraram as vacas, os bois e os burros. Vieram depois os Reis Magos, com o cortejo, o incenso, a mirra e o ouro,etc.” A criança vai tomando aquilo com a naturalidade de quem tenha assistido. É quase como se ela tivesse vivido a cena.
Os senhores dirão que a criança acredita assim nos contos de fada também. Não é verdade, pois a gente vê que quando a criança deixa de crer nos contos de fada, para ela não há perturbação nenhuma. É um fenômeno de maturidade. É como o movimento normal pelo qual uma larva se transforma em borboleta. Não é a tragédia da larva: ela deixa [a casula] e voa. O resíduo dela fica no chão e ela sobe.
Assim também a criança deixa de crer nos contos de fada. Se a criança deixa de crer no que a fé lhe ensinou, é no meio de crises, no meio de atos daninhos, no meio de perturbações, de tempestades internas. É porque está sendo extirpada uma coisa que tinha raiz. Os contos de fada não têm raiz. A fé tem raiz. Eliminar o conto de fadas é como pedregulho no chão. A gente dá um pontapé no pedregulho, não geme o chão e nem geme a pedra. Tudo fica na mesma.
Pelo contrário, eliminando a fé, dá aquelas convulsões telúricas na criança, porque a raiz era grande e ia até o fundo, o fundo dessa coisa sempre imensa que é a alma humana, ainda que seja a alma de uma criança. Por aí vemos a raiz de quem tem a fé, o que a fé significa.
* * *
O que o Dr Plinio menino, de alma reta, sentia em si porque era batizado.
Quando menino eu refletia de modo meio subconsciente. Como é que de uma matéria prima como a cara que nós temos, Deus pudesse tirar uma face como a de Nosso Senhor? Que Divino! Que poder! Que perfeição! Que incomparável!
E quando um mais velho me perguntava: “Quais são as provas da Divindade de Jesus?” A resposta minha era: “Mas você ainda precisa de provas?”.
Toda esta facilidade que um menino de 7 anos tinha em ter certezas, e que um grande homem pode batalhar a vida inteira para consegui-las no fim de sua vida, era essa flexibilidade do raciocínio, essa lucidez do espírito para as coisas de Deus, que faz com que uma criança pegue o que um adulto não é capaz de pegar.
É porque foi elevado à ordem sobrenatural e porque existe nele uma participação da vida divina. Ele tem um “feeling”, uma sensibilidade especial para tudo quanto é verdadeiro, bom e belo. Ele tem no fundo do espírito uma tintura mãe de tudo que é verdadeiro, bom e belo. Ele é levado a voar nessa direção e a incompatibilizar-se com tudo que leva na direção oposta.
Eu amo porque tenho fé. Tenho fé porque a graça me deu essa fé. E a graça me deu porque fui batizado.
Esta é a dádiva inapreciável que a cada um foi dado no dia do seu Batismo. Dessa dádiva nascem todas as outras. É-se puro, honesto, forte e varão de fé porque se recebeu essa graça. Essa graça nos foi dada porque Nosso Senhor disse: “Consumatum est”.
Devemos compreender que uma alma reta que sente entrar em si a mentalidade católica teria um gáudio como a de uma vela de ótima qualidade, da melhor cera de abelha, com o pavio mais seco, mais forte, mais afilado, quando pela primeira vez se lhe comunica fogo. Se uma vela pudesse alegrar-se, ela se rejubilaria porque encheu-se de luz.
Assim também um homem que tem fé começa a iluminar os outros.
Plinio Corrêa de Oliveira, Conferência, 7 de Outubro de 1980
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