O patriotismo de Dona Lucilia
Com a alma penetrada de um tônus aristocrático oriundo da Fé Católica, Dona Lucilia, sem diminuir em nada sua admiração pela cultura europeia, mostrou ser uma senhora profundamente patriótica…
Devido a uma crise da vesícula biliar, minha mãe precisou viajar para a Alemanha, em 1912, a fim de ser operada.
Um caixão de defunto jogado ao mar
Durante a viagem de navio ela se sentia muito mal, permanecendo por isso acamada durante toda a travessia. Mamãe estava tão indisposta e sentia tantas dores na vesícula que chegava a ficar em pé na cama, e às vezes agarrava-se aos enfeites do lambri, percorrendo assim a pequena cabine de um lado ao outro para poder aguentar as crises, tal era sua aflição.
Em determinado momento, prevendo o pior, o comandante do Hohenstaufen mandou o carpinteiro de bordo preparar um caixão de defunto para ela.
Entretanto, um irmão de Dona Lucilia, homem muito distinto e autoritário, viu o carpinteiro trabalhando e perguntou:
— O que você está fazendo?
— Um caixão.
— Mas, para quem?!
— Para uma senhora brasileira que está muito doente e certamente morrerá hoje. Então o caixão já estará pronto para jogá-la no mar.
— Qual é a senhora brasileira?
— Frau [Sra.] Oliveira.
Meu tio ficou indignado e exigiu:
— Você vai jogar esse caixão vazio no mar agora!
Ele não quis jogar pois trabalhava por ordem do comandante, mas meu tio forçou-o a fazê-lo dizendo:
— Eu tomo a responsabilidade e pago esse caixão, mas ele vai para a água.
Dr. Bier, médico pessoal do Imperador
Dona Lucilia foi operada pelo famoso Dr. Bier, médico pessoal do Kaiser, soberano da Alemanha até a Primeira Guerra Mundial.
Dr. Bier era considerado um dos melhores cirurgiões do mundo, e estava nessa época criando o método para extrair a vesícula. Ele havia operado com êxito uma senhora da Índia, e minha mãe seria a segunda pessoa a passar por essa cirurgia.
A operação fez Dona Lucilia sofrer tremendamente, mas, afinal de contas, no segundo ou terceiro dia após a cirurgia ela já estava muito mais aliviada.
Uma senhora muito patriótica
Dr. Bier apreciava muito a mansidão, a bondade e a distinção de mamãe, e, por isso, apesar de possuir muita clientela, gostava de se deixar arrastar na prosa com ela. E ela, como boa brasileira, gostava também de conversar; então, levavam às vezes meia hora tratando sobre vários assuntos. Em certa ocasião, houve até uma troca de recados entre minha mãe e o Kaiser.
De acordo com o costume das Casas Reais daquele tempo, Dr. Bier ia uma ou duas vezes por semana fazer uma visita ao Kaiser para verificar as condições de saúde dele. Naturalmente ganhava bem para isso, pois a responsabilidade era grande. Um dia, depois de examinar minha mãe, ele disse:
— Madame, eu trago à senhora os cumprimentos do Kaiser! Ele perguntou pela senhora brasileira que viera de tão longe para se tratar comigo.
— Ah, muito obrigada.
Em outro dia, eles conversaram sobre o tema do patriotismo, tendo ela se revelado muito patriótica. Então o médico disse-lhe:
— Sim, Madame, o patriotismo é uma bonita virtude. Nós, os alemães, procuramos praticá-la de todos os modos, mas achamos que a nossa expansão vai colocar dificuldades para muitos outros povos.
Dona Lucilia achou aquilo esquisito e disse:
— O que quer dizer isso, Dr. Bier? Não estou entendendo o que o senhor está afirmando.
Ele respondeu:
— Muitos povos, como o seu, têm territórios enormes e os aproveitam mal; esses territórios deveriam ser entregues ao governo dos alemães. Venho agora do palácio do Kaiser e, à mesa do conselho, falava-se da ideia de ocuparmos o Estado de Santa Catarina, pois é a única parte do Brasil que tem bom aproveitamento de terreno e já existem muitos alemães lá.
Mamãe ficou indignada e protestou:
— Como!? O Brasil é um país independente, tem o seu governo e não precisa de uma colônia alemã!
Ele deu risada e acrescentou:
— Olhe, Madame, o Kaiser pensa mais no Brasil do que a senhora imagina.
— Que ele pense ou não pense, faça o que entender, mas não se meta no Brasil porque nós temos uma possibilidade de resistência à Alemanha que ninguém calcula. Nós temos muitos índios que possuem flechas com pontas envenenadas. Eles se colocam em árvores altas e, quando passam os invasores, atiram as flechas e os matam. De maneira que é muito simples manter os adversários à distância.
Dona Lucilia, coitadinha, embora tivesse muitas qualidades, não entendia absolutamente nada de arte militar. De fato, o Brasil não podia entrar em concurso com a nação alemã em matéria bélica, uma vez que os maiores povos do mundo, França, Estados Unidos, Inglaterra, unindo-se, mal a conseguiam derrotar.
O médico, então, disse-lhe:
— Vou tomar apontamentos e levá-los ao Kaiser, pois é um dado interessante.
Não sei se ele dizia a verdade, pois era muito brincalhão e talvez afirmou tudo isso para gracejar com ela. Entrava, sem dúvida, uma ponta de fanfarronada, mas ela tomou aquilo como algo muito sério e ficou indignada.
No dia seguinte, ele voltou e, após examiná-la e ver que estava muito bem, disse:
— Madame, antes de me despedir da senhora, gostaria de lhe dizer que trago as melhores homenagens do Kaiser.
— Homenagens do Kaiser?!
Minha mãe ficou desconfiada, como quem dissesse: “O senhor bem podia deixá-las de lado…”; e perguntou:
— Por que o Kaiser me envia cumprimentos? Ele não me conhece! Eu não tenho o que fazer dessas homenagens. Não conheço o Kaiser; estou no país dele apenas para tratamento de saúde.
Dr. Bier continuou:
— Contei ao Kaiser qual foi a sua reação diante da possibilidade de uma invasão alemã. Ele riu e ficou contente com sua resposta! Pediu-me para dizer à senhora que admira muito as damas patrióticas e, por isso, tem muita simpatia pela senhora. Então ele manda suas homenagens.
Minha mãe respondeu:
— Fique com elas, pois não quero os cumprimentos dele!
— Mas, Madame, por que a senhora está tão zangada?
— Porque o seu Kaiser está querendo fazer uma expedição para tomar conta do Brasil.
Ele viu que as coisas haviam ido longe demais e não tocou mais no assunto.
Esse episódio mostra bem o quanto ela era uma brasileira fina e aristocrática, formada no Brasil sem imitar nenhum país do exterior, de maneira a permitir-se tomar essa atitude em relação ao médico do Kaiser e ao próprio Kaiser.
A amizade de Dona Lucilia por Dr. Bier
Apesar de tudo, mamãe queria muito bem ao Dr. Bier e, logo que terminou a Primeira Guerra, ela escreveu-lhe uma carta manifestando o desejo de que ele tivesse passado sem nenhum ferimento e perguntando se desejava alguma coisa..
Ele respondeu: “Madame, eu hoje sou um pobre surdo, pois durante a guerra disparou um canhão alemão perto de mim, com um estampido tão forte e uma detonação tão tremenda, que fiquei surdo dos dois ouvidos. Mas se a senhora quiser me fazer um favor, mande-me um pouco de café.”
O café era muito caro naquele tempo, mas ela não teve dúvida: mandou uma saca.
Conservaram até o fim da vida dele — era mais velho do que ela e morreu antes — um certo carteio.
Tônus aristocrático orindo da Fé Católica
De onde ela tirou esta fidalguia? De todo o crescer da nação brasileira. Havia muitas senhoras que tinham o mesmo tonus, a mesma educação, mesma formação que ela e possuíam esse tônus aristocrático que se pode ver, sobretudo, na fotografia dela, quando estava em Paris.
Há uma coisa que concorre para esse tônus aristocrático: a Fé Católica Apostólica e Romana.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 7/5/1994 e 1/4/1995)
Revista Dr Plinio 169 (Abril de 2012)
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