Preparando o filho para vida
Formada nos antigos critérios de respeito, educação e seriedade, em Dona Lucilia todas as atitudes nunca careciam de profundo significado. Por isso, irreflexão ou espontaneidade eram contrárias a seu modo de ser. Assim, baseada em elevadas razões, Dona Lucilia narrava a seus filhos a admiração e gratidão que nutria por seu pai, Dr. Antonio Ribeiro dos Santos…
Dona Lucilia possuía grande coerência; os seus gestos, a sua fisionomia, as inflexões de sua voz e tudo quanto ela dizia exprimiam seu pensamento. Dessa forma ela exercia um ensino permanente, fazendo-nos ver as coisas como devem ser, o que verdadeiramente é a vida. E mostrava como cada pessoa precisa estar habituada à dor, porque o sofrimento faz parte da normalidade da existência.
Nosso Senhor Jesus Cristo padeceu, morreu na Cruz por amor a nós e quis por esta forma nos resgatar. Assim, Ele implantou a Cruz no centro de nossa vida; e a Cruz é o símbolo da dor.
Toda pessoa séria leva uma vida dolorida, com dificuldades, sofre ingratidões, pressões, vinganças injustas, invejas etc. E quem conhece a vida fica sabendo continuamente que está sujeito a tais sofrimentos.
Razão da admiração pelo pai
A enorme admiração que mamãe possuía por seu pai devia-se ao fato de ele ter sido um homem disposto a sofrer.
Meu avô era um excelente advogado. Trabalhava com afinco, frequentemente até as quatro horas da manhã, para que logo no início do dia seguinte seus empregados entregassem nos tribunais o trabalho feito por ele durante a noite.
Ele era muito bom chefe de família. Poder ter uma conversa com os seus durante o jantar ou o almoço, era para ele a única recompensa da vida; recompensa que julgava ser muito boa.
Papel da dor e do trabalho na vida do homem
Dona Lucilia gostava de contar um episódio a fim de ensinar o papel da dor e do trabalho na vida do homem.
A família de minha mãe tinha alguns conhecidos muito ricos que levavam uma vida de diversão; não trabalhavam e nem velavam pelos seus bens, os quais foram sendo consumidos, e eles sempre se divertindo.
Certa noite, eles vinham andando pela rua onde morava o meu avô; já era quase madrugada, e viram que o escritório ainda estava com a luz acesa. Meu avô chamava-se Antônio, e muitas vezes era intimamente tratado de Totó. Disseram eles então: “Nós estamos aqui nos divertindo e o bobo do Totó está trabalhando até esta hora. Ele acumula dinheiro, é verdade, porém não o aproveita. Nós aproveitamos nossa fortuna gozando a vida!”
Quando o meu avô morreu, ele estava bem de fortuna, enquanto os tais amigos haviam empobrecido enormemente.
E minha mãe dizia-me: “Seu avô trabalhou a vida inteira, teve uma vida de dor e até sofreu pelos seus inimigos. Mas quando ele morreu, sua família estava na tranquilidade, toda organizada, e com um futuro risonho para os seus.”
Ele morreu um pouco mais cedo do que o comum dos homens. Mas a quem sofre e trabalha o necessário, Deus muitas vezes dá nesta vida épocas de bênção, de distensão, como recompensa.
Modo atencioso de tratar acérrimo inimigo
Mamãe narrava o caso de um senhor de uma boa família de São Paulo, que morava em Pirassununga, onde também residia o meu avô.
Esse homem tinha enorme inveja de Dr. Antônio. Era um advogado medíocre, pouco inteligente, e vivia intentando golpes judiciários contra meu avô, o qual com um peteleco respondia aos ataques e os desfazia.
Certa ocasião ele recebeu uma carta desse indivíduo nestes termos: “Totó, eu estou reduzido ao último ponto da miséria, gastei todo o meu dinheiro, estou tuberculoso e sendo acusado de um crime. Você, de quem sou inimigo e tem tanta queixa contra mim, é a única pessoa com a qual posso contar. Você não poderia vir agora à noite, nesse carro que mandei à sua casa, falar comigo para eu ter um pouco de sossego?”
Era uma das noites gélidas de São Paulo, meu avô estava com uma espécie de bronquite, mas não teve dúvida: agasalhou-se, entrou no carro e foi falar com o homem. Este se encontrava deitado sobre um colchão posto diretamente no solo, não tinha cama, e o travesseiro encostado na parede. E a pobre da mulher dele — era uma boa senhora — exercia o papel de enfermeira, tratando-o de uma doença contagiosa, a tuberculose.
Meu avô cumprimentou-o afavelmente, e logo foi de carro comprar, com seu próprio dinheiro, os remédios necessários. Depois combinaram de ir, no dia seguinte, para Pirassununga. E Dr. Antônio mandou para aquela cidade um aviso: “O Dr. Fulano vai amanhã comigo para ser julgado em Pirassununga, e eu não quero que haja qualquer desacato à pessoa dele. Vou a pé, de braços dados com ele, até a cadeia onde deve ser recolhido por ordem do juiz. Até o momento de entrar na prisão, ele é meu hóspede, e qualquer pessoa que diga uma palavra contra ele vai encontrar a minha oposição, porque sou o guardião e o depositário de sua honra.”
E, na cidadezinha do interior, todo o mundo tinha ido ver o homem descer do trem, acompanhado pelos policiais. Meu avô deu-lhe o braço e ambos atravessaram a multidão; por respeito ao Dr. Antônio, ninguém disse nada. A polícia, que ia junto para impedir a fuga do homem, levou-o até a cadeia. No dia seguinte, todos queriam saber quem era o advogado do prisioneiro; era uma curiosidade geral porque seu nome não tinha sido revelado. E na hora aprazada, quando entrou o advogado do réu, ficaram surpresos: era o meu avô, que pleiteou o caso, obteve a libertação do homem, o qual ainda viveu algum tempo.
Mesmo assim, continuou tendo ódio do meu avô, dizendo que este o tratara bem, mas que ele teria feito melhor por Dr. Antônio.
Formando o filho
Minha mãe dizia-me: “Assim você deverá tratar seus inimigos. Não tenha ilusão, por melhor que você seja com os outros, no meio dos seus amigos haverá serpentes. E essas serpentes vão mordê-lo; não seja bobo, preste atenção, desconfie e saiba defender-se. Mas seja bondoso e saiba perdoar. Não mate as serpentes, ajude-as a viver. Assim você pode conduzir sua vida abençoado por Deus.”
Dona Lucilia dava essas lições com tanta suavidade, seriedade e demonstrações de tanta caridade, que alguma coisa acabou ficando neste filho dela. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/10/1993)
Revista Dr Plinio 156 (Maio de 2010)
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