União de almas
A pedido de jovens discípulos, Dr. Plinio relembra três aspectos de seu relacionamento com Dona Lucilia — a confecção de trajes, a preparação para a Primeira Comunhão e o convívio epistolar —, nos quais transparece, uma vez mais, a profunda união de almas entre mãe e filho.
Quando eu era pequeno, minha mãe fazia, ela mesma, os planos dos trajes que minha irmã e eu deveríamos vestir.
Naquele tempo se usavam muito pouco as roupas fabricadas em série, como hoje. Eram costureiras individuais que confeccionavam os trajes das crianças, de acordo com as indicações do pai ou da mãe delas.
Metódica e meticulosa na elaboração dos trajes para seus filhos
Minha mãe era muito artística e imaginativa. E é natural que, em matéria de indumentária, tivesse para com minha irmã, que era menina, um cuidado todo especial. Mas também se interessava pelos meus trajes, pois queria que seus dois filhos se apresentassem bem. Ela imaginava as vestes, dava as indicações, e era muito metódica e meticulosa.
Durante toda a minha vida, tive sempre uma grande antipatia com trajes e alfaiatarias, não com os pobres alfaiates. Isso de provar uma roupa e outra — acho bom que os outros o façam — não tenho interesse, porque penso em outros assuntos.
Minha mãe mandava fazer os trajes e eu quase não prestava atenção neles. Era uma coisa que não acabava mais a hora de experimentá-los. Vinha a costureira em casa, com cartões que para mim pareciam enormes; minha mãe sentava-se numa cadeira e então eu tinha que ir ao quarto, vestir o traje e me apresentar.
Ela dizia-me muito afetuosamente: “Ande.” Depois falava à costureira: “Olhe, aqui tem pano demais, ali falta um pouco…” A senhora, então, tomava um giz, desenhava onde deveria ser tirado, onde precisaria ser acrescentado. Isso levava um tempo imenso, e eu queria sentar-me. Toda a vida detestei estar de pé; sempre me pareceu que a posição natural do homem era estar sentado. Eu não dizia nada porque a presença de minha mãe dulcificava a coisa, mas achava aquilo detestável.
Pelo costume da época, os meninos e as meninas tinham que pôr luvas. Punham-me as luvas, mas eu via que elas tornavam os dedos grossos e impediam-me de movê-los tanto quanto gostaria. Então andava com os dedos abertos.
Dona Lucilia dizia com muita bondade, mas de maneira taxativa: “Filhão, é preciso fechar os dedos.” Eu estava pensando em outra coisa, e perguntava:
— O que é?
— Fechar os dedos.
Fechava, mas logo no primeiro descuido abria-os novamente.
A Fräulein Mathilde1 dizia:
— Plinio! Os dedos.
— Ah! Os dedos…
Um acordo tácito entre mãe e filho
Quando me tornei jovem, ela não cuidava mais de meus trajes; eu mesmo deveria zelar por eles, mas não o fazia bem porque tinha preguiça. Embora fosse dotado de uma vista muito boa, jamais fui capaz de perceber as manchas mais sutis em minhas roupas. É claro que se caísse tinta no tecido eu perceberia, mas pequenas manchas não as notava. Pensei em ir a um oculista para examinar se havia algum defeito nos olhos. Mas não se tratava disso; era que eu não percebia mesmo.
Mas havíamos feito, entre minha mãe e eu, um acordo tácito: quando o defeito não era enorme, ela fechava os olhos. E eu não deixava passar as falhas enormes.
Então os outros da família diziam-me: “Plinio, por que você não se veste melhor? Aperte o laço da gravata! Onde você a comprou?” Eu comprava as gravatas na primeira casa comercial que encontrasse…
Tal era minha indiferença em relação a essas coisas que cheguei a fazer um plano: comprar cinco gravatas iguais para colocá-las sucessivamente, e não ter que pensar em gravatas. Mas a família soube e fez tamanha algazarra que preferi não discutir bagatelas.
E como não conseguiam nada comigo, falavam com minha mãe, pois sabiam ser este o jeito de obter o que queriam. “Lucilia, fale com o Plinio, você não vê como ele se descuida?” Ela dizia: “É verdade.” E ficava nisso.
Mas eu via que ela fazia uma combinação tácita comigo na seguinte base: “Exijo de você muita distinção de maneiras, modos de falar e de tratar muito corretos. Fecho os olhos para a questão dos trajes. Mas como homem você tem que ser assim!”
Eu pensava: “Isto é mais fácil do que entender de roupas. Entro por aqui.”
”A luz de minha Primeira Comunhão”
Perguntam-me como ela me preparou para a Primeira Comunhão. De todas as maneiras possíveis, mas não — como se poderia supor — ministrando lições de Catecismo.
Ela não me dava lições, mas contava-me a História Sagrada; narrava muito bem, magnificamente, da maneira mais nobre e entretida que se possa imaginar. Descrevia os episódios com muita devoção, com encanto e respeito pelas pessoas, mostrando a gravidade dos atos, a santidade das coisas, de um modo profundamente formativo.
Ensinou-me a rezar. Minha irmã e eu, antes que soubéssemos dizer “papai” ou “mamãe”, quando nos perguntavam onde estava a imagem do Sagrado Coração de Jesus, sabíamos indicá-la. Quer dizer, conhecíamos Jesus antes de identificar nosso pai ou nossa mãe. Era a atmosfera religiosa em que nos havíamos formado.
Quando chegou o momento de nossa Primeira Comunhão, ela disse-nos: “É necessário que vocês tenham um curso de Catecismo. Combinei com o Pároco, a Fräulein vai conduzi-los até lá.” Eu via que ela estava sumamente comprazida em que tivéssemos nosso curso de Catecismo.
O mais importante era a maneira de ela conduzir-se em face de nós. Neste ponto e nos outros, um caráter profundamente religioso, que irradiava a piedade, a devoção em toda a vida e em todo o modo de ser.
Então, quando ela perguntava: “Filhão, está vindo do Catecismo?” A palavra “Catecismo” era pronunciada de tal maneira, com tal respeito, tal desejo, manifestados pelo olhar e por tudo, que eu me deixava penetrar por aquilo profundamente; era um exemplo vivo e eu ficava encantadíssimo.
Ela mesma organizou nossos trajes e a comemoração para a Primeira Comunhão. Mas fez o seguinte: no dia não houve festa, ao contrário do habitual, para que nos recolhêssemos. A festa realizou-se no dia seguinte.
Depois de minha Primeira Comunhão, notei ser ela muito atenta a que eu sempre tivesse imagens, Rosário, e rezasse. E eu percebia que quando saía de meu quarto para estudos, trabalhos etc., ela para lá se dirigia todos os dias e rezava diante de minhas imagens por mim. Fazia-o sem me dizer, mas também sem ocultar, de forma inteiramente natural.
Ela foi, depois de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, a luz de minha Primeira Comunhão.
Como Dr. Plinio recebia as cartas de sua mãe
Por vezes, as pessoas me perguntam como, estando longe dela, eu recebia suas cartas. Na realidade, de uma maneira um pouco diferente da que se poderia imaginar. Eu estava tão penetrado da presença dela, e tinha com ela tanta união que, mesmo estando longe, me sentia próximo, me sentia um com ela. As cartas diziam algo, mas se não chegassem, eu sentiria o mesmo, por causa dessa união constante.
Então, eu recebia as missivas com muita satisfação, mas elas me diziam o que eu já sabia, ou seja, davam-me a certeza de que ela estava sentindo e pensando aquilo. De tal maneira que me agradava muito receber suas cartas, mas eu tinha a tendência de não lhe escrever, porque ela já conhecia o que se passava em meu espírito. E fazia questão fechada: a cada duas ou três cartas que ela me enviasse, eu respondia.
Entretanto, eu escrevia por causa dela. Cartas redigidas aos galopes, mas transbordantes de afeto de todos os gêneros, de todas as maneiras. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/1/1981)
Revista Dr Plinio 181 (Abril de 2013)
1) Preceptora alemã contratada por Dona Lucilia (Ver Revista “Dr. Plinio” n. 72, p. 20).
Deixe uma resposta